Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL.
A apelante combate a sentença que, ao homologar acordo celebrado por ela com SIDERÚRGICA PIRATININGA LTDA (doravante Siderúrgica), extinguiu o feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso III, alínea “b”, do CPC (eventos 239 e 247).
A decisão foi proferida em cumprimento de sentença promovido pela UNIÃO em face de SIDERÚRGICA PIRATININGA LTDA., em 3 de abril de 2019, para a cobrança de R$ 20.858.140,13, referente ao montante principal, e de R$ 17.325,00, referente aos honorários advocatícios (evento 89, OUT8).
O título executado tem origem em ação ajuizada por PETROBRÁS COMÉRCIO INTERNACIONAL S/A - INTERBRÁS, sucedida pela UNIÃO, no bojo da qual foi decretada a extinção do contrato de compra e venda de ferro gusa para exportação, firmado com a Siderúrgica, em 11/1/1990. A sentença condenou a Ré a devolver à exequente o montante de Cr$ 21.727.440,00, recebido a título de adiantamento contratual, e foi confirmada por acórdão desta Sexta Turma Especializada (evento 79, OUT5, fls. 140/149). O trânsito em julgado ocorreu em 03/05/2016 (fls. 221).
O Juízo de 1º grau prolatou sentença extinguindo o feito, sob o fundamento de que “(...) a novação é modalidade de extinção das obrigações (art. 360, I, CC), e assim a hipótese é de homologação do acordo e extinção do feito. Assim sendo, considerando-se a informação de que as partes celebraram acordo extrajudicial válido após o ajuizamento da ação principal, novando a dívida, conforme se verifica no Evento 236.2,, não sendo constatado nenhuma ilegalidade ou irregularidade, deve ser o acordo homologado judicialmente, e a execução nos autos principais ser extinta, pela satisfação da obrigação. Insta destacar, por oportuno, que foi a própria União em sua petição do Evento 238 que requereu a homologação judicial do acordo extrajudicial feito pelas partes nos termos do art. 487, III, do CPC com a baixa de eventuais restrições realizadas nos autos.” (evento 247).
Em seu apelo, a UNIÃO sustenta que “apresentou petição informando e comprovando a realização de acordo extrajudicial celebrado com a parte executada, conforme documento juntado no Evento 236 (anexo). Nesse sentido, requereu a homologação do acordo e "suspensão do feito pelo prazo da avença e a baixa de eventuais restrições realizadas nos autos (renajud, serasajud, Cadin, etc)".”; que a sentença extinguiu o feito, “embora não tenha havido o pagamento na forma do art. 924 e 925 do CPC, e considerando que o acordo de parcelamento não é hipótese de extinção da execução, mas de mera suspensão, nos termos do art. 922 do CPC.”; que a sentença deve ser reformada para que seja determinada a suspensão da execução, e não sua extinção, tendo em vista o pedido expresso de suspensão apresentado pela União no evento 236; que o pedido deve ser interpretado de acordo com os princípios da razoabilidade e da boa fé; que ambas as partes concordaram em suspender o processo após sua submissão à homologação pelo Juízo, tal como previsto nas cláusulas sétima e nona do termo de acordo; que as partes não tiveram intenção em novar a dívida, conforme cláusula primeira, parágrafo terceiro do acordo; que há previsão legal de suspensão da execução no caso de parcelamento, nos termos dos arts. 922 e 924, c/c art. 513, parte final, do CPC; que o art. 924 do CPC não prevê o acordo de parcelamento como hipótese de extinção da execução; que a cláusula oitava do acordo “prevê a manutenção das indisponibilidades, restrições e penhoras efetivadas na execução, o que se mostraria inviável em uma caso de extinção do procedimento executivo.”; que a cláusula que afasta a intenção de novar se trata de cláusula obrigatória nos termos de acordos celebrados pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União, conforme art. 58 da Portaria Normativa PGU/AGU nº 21/2024 (evento 254, APELAÇÃO1).
Não foram ofertadas contrarrazões (evento 258).
É o relatório.
GUILHERME COUTO DE CASTRO
Desembargador Federal – Relator
O apelo merece ser provido, data venia.
No evento 236, a União pugnou pela homologação do acordo firmado com a executada, para pagamento da dívida em 60 (sessenta) parcelas. A exequente requereu a suspensão do feito pelo prazo da avença e a baixa de eventuais restrições realizadas, tais como RENAJUD, SERAJUD e CADIN. Requereu, contudo, a manutenção de eventuais penhoras já efetivadas nos autos até o cumprimento do acordo, tal como previsto no termo de transação.
No acordo (evento 236, OUT2), a executada SIDERÚRGICA PIRATININGA LTDA., representada por seu sócio-administrador e também fiador BERNARDO DE MELLO PAZ, reconheceu ser devedora do crédito de R$ 32.003.981,00 (trinta e dois milhões, três mil novecentos e oitenta e um reais), consolidado em março de 2024, a ser pago da seguinte forma:

O termo de transação prevê ainda o pagamento pela executada do crédito de R$ 2.935.175,90 (dois milhões, novecentos e trinta e cinco mil, cento e setenta e cinco reais e noventa centavos), a título de honorários advocatícios (cláusula segunda).
A cláusula primeira do acordo é expressa que a transação celebrada suspende a exigibilidade dos créditos por ela abrangidos (parágrafo segundo) e que não implica novação da dívida da devedora (parágrafo terceiro).
No mais, o termo prevê que as partes concordam com a suspensão do processo de execução do crédito ora transacionado, até sua extinção pelo cumprimento integral ou por sua eventual rescisão (cláusula sétima). E há previsão de manutenção das restrições judiciais, indisponibilidades e penhoras realizadas nos presentes autos até a quitação total do débito (cláusula oitava).
A sentença considerou que “ocorreu novação objetiva da dívida, que deixou de ter por base os termos originais da obrigação” e que “houve refinanciamento da dívida com inclusão de juros, fato que claramente altera a composição original da obrigação e destaca, ainda mais, a ocorrência da novação.”. Daí homologou o acordo, nos termos do art. 487, III, do CPC, tal como requereu a União (evento 236, PET1), e extinguiu o feito (evento 247).
Nos termos do art. 360, inciso I, do Código Civil, a contratação de nova dívida para extinguir e substituir a dívida anterior caracteriza a novação:
“Art. 360. Dá-se a novação:
I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;”
Não obstante, a novação não se presume e, para restar configurada, exige “ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco” (art. 361 do Código Civil). E a cláusula primeira do acordo homologado expressamente afasta o ânimo de novar, a saber:

Ainda que o acordo não fosse expresso ao rechaçar o animus novandi, não houve criação de nova relação obrigacional. O acordo teve por objetivo, tão somente, o parcelamento de dívida já existente, com dilação do prazo para pagamento (cf. cláusula primeira). Daí não há que se falar em novação.
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com grifos nossos nas partes salientes:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. TRANSAÇÃO, PARA RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA REFERENTE A CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA-CORRENTE, COM EMISSÃO DE CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. INEXISTÊNCIA DE ÂNIMO DE NOVAR E SUBSTITUIÇÃO DA NATUREZA DA OBRIGAÇÃO. INVIABILIDADE DE SE COGITAR EM NOVAÇÃO OBJETIVA. DIRIGISMO CONTRATUAL, PARA MODIFICAÇÃO DO PRÓPRIO CONTEÚDO DA AVENÇA, A ATINGIR A ECONOMIA DO CONTRATO. INVIABILIDADE. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL, ALHEIA ÀS CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REGIME JURÍDICO PRÓPRIO DAS SUCESSIVAS OPERAÇÕES PACTUADAS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Os requisitos essenciais à configuração da novação são: a intenção de novar, a preexistência de obrigação e a criação de nova obrigação, podendo também ser reconhecida, em razão da evidente incompatibilidade da nova obrigação com a anterior. Com efeito, em regra, a renegociação de dívida, com, v.g., prorrogação do prazo para pagamento, redução dos encargos futuros e apresentação de novas garantias, tem, apenas, o efeito de roborar a obrigação, sem nová-la (arts. 361 do CC/2002 e 1.000 do CC/1916).
2. Em não havendo ânimo de novar e substituição da natureza da obrigação de pagar ao banco o capital originariamente emprestado acrescido dos encargos financeiros, é inviável falar em novação objetiva quando o banco e o devedor firmarem confissão e renegociação de dívida existente, mesmo que implique o prolongamento, a redução dos encargos pactuados, a apresentação de novas garantias, a modificação da taxa de juros, a concessão de prazo de carência, ou a redução do débito. (...)”
(REsp 1231373/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, j. 07/02/2017, DJe 03/03/2017)
“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. ENTENDIMENTO NO SENTIDO DA AUSÊNCIA DE NOVAÇÃO. MERO PARCELAMENTO DA DÍVIDA. SÚMULAS 5 E 7/STJ. APLICAÇÃO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Inexistem omissões ou mesmo contradição a serem sanadas no julgamento estadual, portanto inexistentes os requisitos para reconhecimento de ofensa aos arts. 10, 489, § 1º, IV e VI, e 1.022 do CPC/2015 do novo CPC. O acórdão dirimiu a controvérsia com base em fundamentação sólida, sem tais vícios, o que não se confunde com omissão ou contradição, tendo em vista que apenas resolveu a celeuma em sentido contrário ao postulado pela parte insurgente. Ademais, o órgão julgador não está obrigado a responder a questionamentos das partes, mas apenas a declinar as razões de seu convencimento motivado, como de fato ocorre nos autos.
2. A segunda instância, analisando o contrato assinado entre as partes, concluiu que não se tratou de novação, mas sim de mera tolerância da locadora. Também estipulou-se que a confissão de dívida visou à quitação de débitos pretéritos, sem a intenção de novar, porquanto não se verificou a busca pela substituição de uma dívida por outra, mas o simples parcelamento da dívida anterior. Essas conclusões foram fundadas na análise de fatos, provas e termos contratuais, atraindo a aplicação das Súmulas 5 e 7/STJ por quaisquer das alíneas do permissivo constitucional.
3. Agravo interno desprovido.”
(STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1445088/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, j. 16/12/2019, DJe 19/12/2019)
E o parcelamento de débito, por si só, não equivale à transação propriamente, tanto que prevista a própria possibilidade de retomada dos termos originais do ajuste. O art. 922 do CPC prevê o parcelamento como uma das causas de suspensão da execução, e não de sua extinção.
Efetivamente, o acordo de parcelamento não autoriza a extinção da execução antes do adimplemento da última parcela, pois, por si só, não extingue o crédito, não caracterizando transação, nem tampouco remissão da dívida, constituindo mera dilação do prazo para o correspondente pagamento, a ensejar tão somente a suspensão do curso da execução. Nesse sentido, inclusive, o art. 922, parágrafo único do CPC é expresso ao prever que “Findo o prazo sem cumprimento da obrigação, o processo retomará o seu curso”.
Cite-se o Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. ACORDO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO EXECUTIVO COM BASE NO TÍTULO ORIGINÁRIO. PRECEDENTES DA CORTE.
1. O acordo efetuado para pagamento do débito suspende a execução, que, se descumprido, prossegue com base no título originário. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(AgRg no Ag 1.409.792/RJ, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 08/09/2015)
“RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – NÃO OCORRÊNCIA - EXECUÇÃO - SUSPENSÃO DO PROCESSO EM VIRTUDE DE ACORDO - PROSSEGUIMENTO DO FEITO, NOS TERMOS DO TÍTULO EXECUTIVO ORIGINÁRIO - PRECEDENTES - RECURSO NÃO CONHECIDO.
I - Todas as questões suscitadas pelo recorrente foram solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada ao caso concreto;
II - Tem-se que, na execução suspensa em razão de acordo, no qual não restou evidenciado o animus novandi, e, havendo descumprimento deste por parte do devedor, o feito retorna ao seu statu quo ante, prosseguindo, com lastro, no título executivo originário, e não no acordo celebrado entre as partes;
III - A avença tem tão-somente o efeito de suspender a execução, sendo que, na hipótese de seu descumprimento, a execução prosseguirá com base no título originário que deverá possuir, por si só, os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade;
IV - Recurso não conhecido.”
(REsp 826860/SC, Relator Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJe 05/02/2009)
“LOCAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO. SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO. DESCUMPRIMENTO QUE ACARRETA O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 792, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DECISÃO MANTIDA.
1. Resta incontroversa a existência de ajuste formal entre as partes, o qual, após descumprido, ensejou o prosseguimento da execução, nos moldes do art. 792, parágrafo único, da Lei Adjetiva Civil.
2. A decisão agravada merece ser mantida pelo que nela se contém, haja vista a não apresentação de razões suficientes para desconstituí-la.
3. Agravo regimental improvido.”
(AgRg nos EDcl no Ag 771220/RS, Relator Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 12/05/2008)
Esse também é o entendimento desta Corte Regional:
“PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EXECUÇÃO. OAB/RJ. ANUIDADES. ACORDO. PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Trata-se, na origem, de ação de execução fundada em título extrajudicial ajuizada pela OAB/RJ cujo objeto é a cobrança de anuidades inadimplidas dos exercícios de 2016 a 2020.
2. A OAB/RJ requereu o sobrestamento do feito, na forma do artigo 922 do Código de Processo Civil, tendo em vista a realização de parcelamento administrativo da dívida em 24 (vinte e quatro) prestações mensais e sucessivas.
3. O mero parcelamento da ddívida, já confessada pelo devedor, não configura novação, nos termos do artigo 360, inciso I, do Código Civil, que levaria à extinção do feito.
4. No caso de simples parcelamento, deve ocorrer a suspensão do processo, para que seja possível a retomada de seu curso normal, caso haja paralisação dos pagamentos, nos termos do parágrafo único do artigo 922 do Código de Processo Civil, com o prosseguimento dos atos executórios pertinentes (STJ, REsp nº 826.860/SC, Relator Ministro MASSAMI UYEDA, Terceira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 5/2/2009).
5. Recurso de apelação provido.” – grifos nossos
(TRF-2, AC 5127419-11.2021.4.02.5101, Rel. Des. Federal ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, 5ª Turma Especializada, j. 15/02/2023)
“APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO. PARCELAMENTO DO DÉBITO. CAUSA DE SUSPENSÃO DO PROCESSO. ART. 922 DO NCPC. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Na execução, o acordo entre as partes quanto ao cumprimento da obrigação, sem a intenção de novar, enseja a suspensão do feito, pelo prazo avençado, não se autorizando a extinção do processo. Precedentes do STJ. 2. O parcelamento pactuado judicialmente na forma e condições estabelecidas em lei é causa suspensiva da execução, nos termos do art. 922 do CPC/2015, sendo incabível a extinção do feito com resolução do mérito, notadamente porque não ocorreu a satisfação do crédito. Precedentes. 3. Apelação conhecida e provida.” – grifos nossos
(TRF-2, AC 0155987-35.2015.4.02.5101, Relator Desembargador Federal JOSÉ ANTONIO NEIVA, 7ª Turma Especializada, DJe 26/10/2018)
Enfim, como o parcelamento de débito, por si só, não equivale à transação clássica (que encerra a obrigação anterior) e nem à novação, ele não enseja a extinção do feito, e deve ser reformada a sentença extintiva, com a suspensão do curso da ação executiva até o pagamento integral da dívida. E é claro que, satisfeito o débito, o feito será extinto.
Do exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação, para reformar a sentença e determinar o prosseguimento do feito, nos termos da fundamentação.