Recebo a apelação, eis que presentes seus requisitos de admissibilidade.
Conforme relatado, cuida-se de apelação cível interposta pela autora LOURDES DE BRITO GOMES em face da sentença (evento 76, SENT1, JFES) que julgou improcedente o pedido formulado de concessão de aposentadoria por idade rural, a partir do requerimento administrativo.
A aposentadoria por idade do trabalhador rural é disciplinada pelos artigos 48, § 1º e 2º e 143 da Lei 8.213/91, sendo devida àquele que completar 60 (sessenta) anos, se homem, ou 55 (cinquenta e cinco), se mulher, devendo comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, observada a tabela de transição do art. 142 da Lei de Benefícios.
Além disso, para os segurados especiais, a concessão do benefício independe do recolhimento de contribuição previdenciária, substituindo-se a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola, conforme art. 26, III c/c art. 39, I. da Lei 8.213/91:
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
(...)
III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei;
(...)”
“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido;
A definição de segurado especial da Previdência Social encontra-se no inciso VII, do artigo 11, da Lei 8.213/1991, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes
Por sua vez, o art. 106 da Lei nº 8.213/91 traz alguns dos documentos que podem provar atividade rurícola, sendo esse rol meramente exemplificativo (AgInt no REsp 1949509/MS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 17/02/2022):
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
X – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
Destaque-se, ainda, que a qualidade de segurado especial não pode ser demonstrada com base apenas nas provas testemunhais, conforme enunciado da Súmula n.º 149 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe:
A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário.
Assim, para a comprovação da atividade rural, é necessária a apresentação de início de prova documental, confirmada pelos demais elementos probatórios dos autos, especialmente pela prova testemunhal, não se exigindo, contemporaneidade da prova material com todo o período de carência. Veja-se o seguinte precedente do STJ a respeito da matéria:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, RATIFICADO PELOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE CONTEMPORANEIDADE. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.
I. Para a comprovação da atividade rural, faz-se necessária a apresentação de início de prova documental, a ser ratificado pelos demais elementos probatórios dos autos, notadamente pela prova testemunhal, não se exigindo, conforme os precedentes desta Corte a respeito da matéria, a contemporaneidade da prova material com todo o período de carência.
II. Consoante a jurisprudência do STJ, "para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, a lei não exige que o início de prova material se refira precisamente ao período de carência do art. 143 da Lei n.º 8.213/91, desde que robusta prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, como ocorre na hipótese em apreço. Este Tribunal Superior, entendendo que o rol de documentos descrito no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 é meramente exemplificativo, e não taxativo, aceita como início de prova material do tempo de serviço rural as Certidões de óbito e de casamento, qualificando como lavrador o cônjuge da requerente de benefício previdenciário. In casu, a Corte de origem considerou que o labor rural da Autora restou comprovado pela certidão de casamento corroborada por prova testemunhal coerente e robusta, embasando-se na jurisprudência deste Tribunal Superior, o que faz incidir sobre a hipótese a Súmula n.º 83/STJ" (STJ, AgRg no Ag 1399389/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe de 28/06/2011).
III. Nos termos da Súmula 7 desta Corte, não se admite, no âmbito do Recurso Especial, o reexame de prova.
IV. Agravo Regimental improvido.
(STJ, Sexta Turma, AgRg no Ag 1.419.422/MG, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 3/6/2013)
Acrescente-se, ainda, que, conforme jurisprudência do STJ, não é necessário que o início de prova material diga respeito a todo período de carência estabelecido pelo artigo 143 da Lei nº 8.213/91, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória (REsp 1702241/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 19/12/2017).
Para os segurados que não consigam demonstrar o cumprimento de todos os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria por idade rural, a Lei nº 11.718/2008 inseriu o §3º no art. 48 da Lei nº 8.213/91, trazendo a chamada aposentadoria por idade rural "mista" ou "híbrida", aplicável principalmente em duas hipóteses: (i) quando há intercalação entre atividade rural e períodos de labor urbano e (ii) quando o segurado se afastou do campo por um longo período antes do cumprimento de todos os requisitos para a aposentadoria rural. Nesses casos, é possível a contagem do período de segurado especial para fins de carência, mas há elevação da idade mínima para aposentadoria.
Em outras palavras: os trabalhadores rurais que não satisfazem a condição para a aposentadoria do art. 48, §§ 1° e 2°, da Lei 8.213/91 podem somar, para fins de apuração da carência, períodos de contribuição sob outras categorias de segurado, hipótese em que não haverá a redução de idade que é destinada aos rurícolas, nos termos do art. 48, § 3º, da Lei n. 8.213/91, (com a redação dada pela Lei 11.718/2008):
Art. 48, § 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
Portanto, os requisitos necessários para a aposentadoria por idade rural são (i) idade mínima de 55 anos para a mulher e 60 anos para o homem, (ii) demonstração do exercício de atividade rural na qualidade de segurado especial pelo período de 180 meses imediatamente antes da aposentadoria. Caso o segundo requisito não seja integralmente cumprido, há a alternativa da aposentadoria por idade híbrida, todavia, com a aplicação do mesmo requisito etário utilizado para os trabalhadores urbanos.
Quanto ao requisito etário, a autora, nascida em 04/04/1946, contava com mais de 55 anos de idade na data da DER em 19/03/2007.
Sobre a qualidade de segurado especial, a parte autora trouxe como provas materiais:
- Certidão de casamento, datado em 27/01/1964, em que a autora consta como “do lar” e o seu falecido marido da autora como “lavrador” (evento 1, CERTCAS6, JFES);
- Certidão de óbito do falecido marido da autora em 04/01/1990 (evento 1, CERTOBT5, JFES);
- Escritura pública de compra e venda de imóvel rural, em que a autora consta como compradora, datado em 29/03/1999 (evento 1, COMP10, JFES);
- Cadastro da autora como segurada especial indicando o período de regime familiar de 23/03/1981 a 20/02/1999 e como proprietária de 29/03/1999 a 09/03/2007 (evento 1, PROCADM8, fl. 7, JFES),
- Entrevista rural (evento 1, PROCADM20, fls. 1415, JFES).
Tais documentos não são suficientes para constituir início de prova material uma vez que não comprovam o efetivo trabalho rural realizado.
É importante destacar que a prova testemunhal (evento 67, VIDEO2, JFES) confirmou que a autora de fato exerceu labor rural. Contudo, a qualidade de segurado especial não pode ser demonstrada com base apenas nas provas testemunhais, assim como mencionado anteriormente.
Além disso, a autora durante o depoimento pessoal (evento 67, VIDEO2, JFES) alegou que após o falecimento do seu marido em 04/01/1990, ela passou a receber pensão por morte (evento 19, ANEXO2, fl. 2, JFES) e desde então não trabalhou mais na roça, mas por um certo período passou a trabalhar em uma pequena loja de armazém. Alegou ainda, que a sua atual fonte de renda deriva exclusivamente da pensão por morte recebida.
Pois bem, em relação ao trabalho urbano exercido pela parte autora, é possível observar no seu Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS os seguintes vínculos empregatícios:
EMPRESÁRIO/EMPREGADOR de 01/01/1994 a 31/01/1995,
EMPRESÁRIO/EMPREGADOR de 01/03/1995 a 30/06/1996,
PERÍODO DE ATIVIDADE DE SEGURADO ESPECIAL com data de início em 31/12/1998
Nesse sentido, existem documentos acostados aos autos da Secretaria Nacional de Segurança Pública (evento 19, ANEXO2, fls. 21-23, JFES) indicando o exercício de atividade empresária sob o nome fantasia "A NOBREZA" com início de atividade em 18/02/1993 e com baixa em 2006.
Além disso, o falecido marido da autora também exerceu atividade empresária com início em 29/02/1984 (evento 19, ANEXO2, fls. 30-31, JFES). Importante destacar que o seu CNIS também constava com vínculos empregatícios urbanos.
A autora alega que o marido recebeu aposentadoria por idade rural e se utilizou dos mesmos documentos apresentados nos autos do processo junto ao INSS para a concessão do benefício. Contudo, a partir da análise do documento de concessão da pensão por morte (evento 19, ANEXO2, fl. 2, JFES), é possível observar que o falecido segurado se enquadrou no ramo "comerciário" e não como trabalhador rural. Indicando assim, a prevalência do trabalho urbano realizado como principal fonte de renda da família.
Pois bem, na aposentadoria por idade rural, em sua modalidade híbrida, o segurado deve comprovar a carência de 180 meses, assim como foi anteriormente mencionado. Diante disso, a autora não comprovou o labor rural por meio dos escassos documentos apresentados.
Logo, concluo que as provas acostadas aos autos foram insuficientes para demonstrar a condição de segurada especial da parte autora e, portanto, a sentença (evento 76, SENT1, JFES) que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade deve ser mantida.
Em atenção ao disposto no art. 85, §2°, §3° e §11°, do CPC, majoro os honorários fixados anteriormente pela sentença em 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando suspensa sua exigibilidade em razão da concessão da gratuidade de justiça.
Diante do exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.