Consoante consta do relatório, trata-se de agravo de instrumento, atribuído à minha relatoria por livre distribuição, interposto pelo DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT (Vinicius Lahorgue Porto da Costa), figurando como agravado FELIPE BELLO DE ANDRADE CARVALHO, em face da decisão proferida pelo MM. Juiz Federal EDWARD CARLYLE SILVA, em sede de execução fiscal, autos nº 5052287-74.2023.4.02.5101, em trâmite perante a 1ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro, que determinou a restrição de transferência através do sistema RENAJUD sobre o veículo indicado pela exequente na petição constante do evento 20, desde que conste a parte executada como proprietária, exceto se: a) Houver registro de alienação fiduciária, pois, embora os aludidos bens possam estar na posse da parte executada, pertencem à instituição financeira que concedeu o financiamento, bem como em caso de informação de venda; de baixa ou roubo/furto; b) O ano de fabricação do veículo identificado ultrapasse o intervalo de 15 (quinze) anos em relação ao cumprimento da medida, uma vez que, nessas hipóteses, não vislumbro que possa ser hábil para a efetiva garantia do Juízo, em face do reduzido valor de mercado na remota hipótese de se levar a bom termo futura alienação; c) Houver registro de gravame anterior lançado por força de determinação oriunda de Juízo Trabalhista, uma vez que, mesmo não existindo impedimento de que a penhora recaia sobre o mesmo bem, a ordem de preferência legalmente estabelecida faz crer que seria inócua a restrição lançada para fins de garantir o presente débito.
A decisão agravada, evento 23 do processo originário, foi fundamentada nos seguintes termos:
Trata-se de requerimento formulado pela exequente a fim de que seja promovida a restrição de veículo registrado em nome da parte executada por meio do sistema RENAJUD. Verifico que até o presente momento não houve a efetiva garantia da presente execução fiscal, sendo cabível, em tese, o acolhimento do pleito formulado pela exequente. Todavia, como o gravame só se justifica se for conveniente para atender ao objetivo de garantia do Juízo, é preciso deixar claro que, diante de certas circunstâncias adiante descritas, a providência solicitada NÃO poderá ser realizada. Assim, proceda-se ao lançamento da restrição de transferência através do sistema RENAJUD sobre o veículo indicado pela exequente na petição constante do evento 20, desde que conste a parte executada como proprietária, EXCETO se: a) Houver registro de alienação fiduciária, pois, embora os aludidos bens possam estar na posse da parte executada, pertencem à instituição financeira que concedeu o financiamento, bem como em caso de informação de venda; de baixa ou roubo/furto; b) O ano de fabricação do veículo identificado ultrapasse o intervalo de 15 (quinze) anos em relação ao cumprimento da medida, uma vez que, nessas hipóteses, não vislumbro que possa ser hábil para a efetiva garantia do Juízo, em face do reduzido valor de mercado na remota hipótese de se levar a bom termo futura alienação; c) Houver registro de gravame anterior lançado por força de determinação oriunda de Juízo Trabalhista, uma vez que, mesmo não existindo impedimento de que a penhora recaia sobre o mesmo bem, a ordem de preferência legalmente estabelecida faz crer que seria inócua a restrição lançada para fins de garantir o presente débito. Isto posto, promova-se a restrição de transferência determinada observando as exceções expostas na presente decisão. Promovido o lançamento de restrição, expeça-se mandado de penhora e avaliação a recair sobre o referido veículo. Na hipótese de restar inviabilizado o lançamento do gravame, permaneça a execução suspensa/arquivada na forma do artigo 40 da Lei nº 6.830/80.
Após a oposição dos embargos de declaração, a decisão ficou assim redigida (evento 32 do processo originário):
Analisando os argumentos apresentados pelo(a) embargante, creio que não lhe assista razão. É possível verificar que, embora o(a) embargante alegue a existência de vício passível da interposição do presente recurso e requeira o pronunciamento do juízo sobre o mencionado ponto, o que se constata é que as razões pelas quais seu pleito foi indeferido foram ali expressamente delineadas. Conforme constou na combatida decisão, não é viável a penhora sobre bens garantidos por alienação fiduciária, já que não pertencem ao devedor-executado, que é apenas possuidor, com responsabilidade de depositário, mas à instituição financeira que realizou a operação de financiamento. Significa dizer que, mesmo com o advento do novo CPC, o bem objeto de alienação fiduciária, que passa a pertencer à esfera patrimonial do credor fiduciário, não pode ser objeto de penhora no processo de execução fiscal, porquanto o domínio da coisa já não pertence ao executado, mas a um terceiro, alheio à relação jurídico-tributária. Nesse sentido: AG 0010345-37.2017.4.02.0000, Desembargador Federal Marcus Abraham, TRF - 2ª Região - Terceira Turma Especializada, DJE - Data: 20/08/2018; AG 138774 0006782-56.2014.4.05.0000, Desembargador Federal Alexandre Costa de Luna Freire, TRF - 5ª Região - Primeira Turma, DJE - Data: 21/08/2017 - Página: 40. Além disso, o pedido de “...penhora dos direitos decorrentes da alienação fiduciária...” vem sendo considerado pela jurisprudência mais atual como possuindo “pouca eficácia”. Nesse sentido: TRF - 5ª Região, AG 00016845620154050000, AG 142306, Relator(a) Des. Federal André Carvalho Monteiro, Segunda Turma, DJE 01/09/2016, Página 115; TRF - 5ª Região, AG 00019131620154050000, AG 142511, Relator(a) Des. Federal Ivan Lira de Carvalho, Segunda Turma, DJE 30/09/2016, Página 107; TRF - 5ª Região, EDAG 0008185602014405000001, AG 139643/01, Relator(a) Des. Federal Vladimir Carvalho, Segunda Turma, DJE 23/11/2015, Página 61. Cabe destacar que o simples descontentamento da parte com o resultado do julgamento não tem o condão de tornar cabíveis os embargos declaratórios, recurso de rígidos contornos processuais que serve ao aprimoramento da decisão. Assim sendo, ao examinar o teor das alegações apresentadas pelo embargante para respaldar a existência do vício no “decisum”, o que podemos perceber é que ele não concorda com a interpretação dada por este juízo, tentando um reexame do pedido, mas agora com uma conclusão que lhe seja favorável. Obviamente isto não é possível. Com efeito, considerando-se a inexistência de outros fundamentos para respaldar o pedido contido nestes embargos, é possível constatar que a irresignação do(a) embargante deve ser manifestada através do recurso pertinente e não por meio de embargos de declaração com o objetivo de reforma do julgado, uma vez que não existindo qualquer erro crasso, nem omissão, nem contradição, nem obscuridade, não há qualquer fundamento para a modificação do teor da decisão. Diante do exposto, conheço, mas NEGO PROVIMENTO aos presentes Embargos de Declaração.
Em razões recursais (evento 1), a agravante aduz, em síntese, que: i) depois da citação da parte executada e da tentativa frustrada de penhora de dinheiro por meio do SISBAJUD, a entidade exequente, ora agravante, identificou veículo registado em nome da parte Agravada no processo originário vinculado, e postulou pela utilização do convênio de cooperação técnica RENAJUD, para registrar restrições de transferência, de licenciamento e de circulação em relação ao referido bem; ii) o indeferimento da constrição por meio do Sistema RENAJUD, além de caracterizar violação aos princípios da efetividade da execução e da garantia da prestação jurisdicional previstos nos artigos. 797 e 824, contraria frontalmente o art.835, inc. XII, do CPC; iii) em vista do disposto no art.835, inc. XII, do CPC, é cabível o apontamento de restrições por meio do Sistema RENAJUD, seguindo da respectiva penhora do automóvel, desde que garantido os direitos do credor fiduciário; iv) a questão relativa de o bem a ser gravado por meio do RENAJUD pertencer à Instituição financeira é irrelevante diante do disposto no art.835, inc. XII, do CPC, e do fato de a penhora objetivar a constrição dos direitos do devedor fiduciante, ora agravado; v) a decisão respeitável recorrida ao indeferir o pedido de utilização do Sistema RENAJUD para registrar restrições de transferência, de circulação e de licenciamento do veículo da parte Agravada, informado no processo originário vinculado, apenas por constar alienação fiduciária, além de contrariar aos princípios da efetividade da execução e da garantia da prestação jurisdicional previstos nos artigos 797 e 824, violou o disposto no artigo 835, inc. XII, do CPC, motivo pelo qual deve ser reformada a respeitável decisão recorrida.
Sob esta moldura, cinge-se a presente controvérsia. Decide-se.
Nos termos do artigo 797, do Código de Processo Civil, realiza-se a execução "no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência pelos bens penhorados". O artigo 831, do mesmo diploma legal, a seu turno, explicita que a penhora deverá recair "sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios".
Nesse sentido, o Código de Processo Civil, em seu artigo 835, em consonância com o disposto no artigo 11, da Lei nº 6.830/80, estabeleceu uma ordem de bens penhoráveis que deve ser preferencialmente observada no processo de execução, ocupando a primeira posição a penhora de dinheiro em espécie, em depósito ou aplicação financeira.
Outrossim, em se tratando de veículo dado em garantia de cumprimento de contrato de financiamento, o devedor fiduciante possui apenas a posse direta, enquanto a propriedade resolúvel do automóvel pertence ao credor fiduciário, nos termos do art. 1.361, caput, do Código Civil.
Noutro giro, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. No entanto, não há impedimento que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos. Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM MÓVEL COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTRIÇÃO DOS DIREITOS. POSSIBILIDADE.
1. O STJ firmou o entendimento de que o bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos.
2. Recurso Especial provido (STJ, 2ª Turma, REsp 1646249, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 24.5.2018) (grifos nossos)
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL (CHEQUE). PENHORA DE DIREITOS AQUISITIVOS DERIVADOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA.
1. É possível a penhora de direitos aquisitivos - de titularidade da parte executada - derivados de contrato de alienação fiduciária em garantia. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento (STJ, 4ª Turma, AgInt nos EDcl no AREsp 1971353, Rela. Mina. MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 17.8.2022) (grifos nossos)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VEÍCULO GRAVADO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTRIÇÃO DE DIREITOS AQUISITIVOS. POSSIBILIDADE. SÚMULA 83/STJ. RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE VEÍCULO. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADOS. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. É entendimento desta Corte Superior que "não se admite a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário, permitindo-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária.Precedentes" ( REsp 1.677.079/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 1.10.2018).
2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "a subsistência de fundamento inatacado, apto a manter a conclusão do aresto impugnado, e a apresentação de razões dissociadas desse fundamento, impõe o reconhecimento da incidência das Súmulas 283 e 284 do STF, por analogia" ( AgInt no AREsp 1.550.572/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 11.6.2021).
3. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada, e, em novo exame, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 2086729, Rel. Min. RAUL ARAUJO, DJe 17.5.2023) (grifos nossos)
Com efeito, os direitos do agravado relativos à aquisição do bem, os quais têm valor no mercado, que podem ser irrisórios ou até mesmo refletir uma quantia significativa, sempre dependendo do número de parcelas pagas, do valor das parcelas e do débito restante, se quitado, o levará a se tornar proprietário do bem, sem restrições, o que poderá satisfazer de forma integral ou parcial o crédito exequendo.
Ressalta-se que não há violação ao regramento estabelecido pelo artigo 7º-A, do Decreto-Lei nº 911/69, incluído pela Lei nº 13.043/14, já que a constrição não irá recair sobre o bem propriamente dito, mas, apenas, sobre os direitos que detém o executado sobre ele.
Desse modo, uma vez que a propriedade do bem é do credor fiduciário, não se pode admitir que a penhora em decorrência de crédito de terceiro recaia sobre ele, mas podem ser constritos os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária.
Em conclusão, imperativa a reforma da decisão agravada, a fim de permitir a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária.
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.