Trata-se de recurso de apelação interposto por MAXGEN COMÉRCIO INDUSTRIAL IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. em face de sentença proferida pelo Juízo da 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ (evento 56 integrado pelo evento 80), que julgou improcedentes os pedidos, nos termos do art. 487, I, do CPC e denegou a segurança.
A hipótese é de Mandado de Segurança impetrado em face de ato coator imputado ao ILMO. SR. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA e ao ILMO. PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, que visa ao cancelamento da CDAs nº 70 4 21 034109-06 e 70.6.21.007168-47, em que se alega que o lançamento fiscal está em confronto com norma vinculante do Parecer OMA; sucessivamente, requer-se a concessão em definitivo da segurança pleiteada, para determinar o cancelamento da CDAs nº 70 4 21 034109-06 e 70.6.21.007168-47, pela constatação de vício formal, pela falta de motivação do ato administrativo em relação a não aplicação do Parecer vinculante da OMA.
O juízo a quo decidiu sob a seguinte fundamentação:
“a) Da alegação de ilegitimidade do Procurador da Fazenda Nacional Rejeito a alegação de ilegitimidade suscitada, tendo em vista a) sua manifestação sobre o mérito da demanda (evento 20), o que ensejaria a adoção da teoria da encampação e b) a própria manifestação da UNIÃO/FAZENDA NACIONAL, anexada no evento 44, no sentido da se fazer necessária a presença de autoridade vinculada à PGFN no polo passivo da impetração. b) da alegada ausência de ato coator - descabimento do mandamus: A alegação de inexistência de ato coator não merece acolhida, uma vez que a mesma se confunde com o mérito da pretensão no presente writ. c) Da alegação de ausência de direito liquido e certo. Rejeito a preliminar de ausência de direito líquido e certo, uma vez que a mesma também se confunde com o mérito da pretensão no presente writ. Superadas as questões da preliminares suscitadas, passo à análise do mérito. A questão posta nos autos diz respeito à classificação fiscal para os projetores de vídeo importados pela impetrante, o que pode sujeitá-los à alíquota do imposto de importação de 0%, se adotada a classificação NCM 8528.69.10, ou de 16%, se classificados segundo a NCM 8528.62.00. Pois bem, a autoridade impetrada sustenta que, de acordo com as decisões colegiadas firmadas nas Soluções de Consulta COSIT nº 98.241/2018 e 98.242/2018, resta claro que o tipo de projetor de vídeo “capaz de se conectar diretamente a uma máquina automática de processamento de dados da posição 8471 e concebido para ser utilizado com esta máquina” se enquadra na subposição 8528.62, independentemente do tipo de tecnologia de projeção de imagens por eles utilizada, estabelecendo, como conclusão, a correta classificação fiscal do produto no código NCM 8528.62.00, cuja alíquota do Imposto de Importação é de 16% (dezesseis por cento). Acrescenta que as Soluções de Consulta COSIT nº 98.241/2018 e 98.242/2018 implicaram, ainda, a revogação as Soluções de Consultas que classificaram anteriormente projetores de vídeo nos códigos NCM 8528.61.00, 8528.69.10 e 8528.69.90, desde 1º de janeiro de 2017, não existindo divergência, portanto, com as Soluções de Consulta Cosit nº 98.241 e nº 98.242, ambas de 14/09/2018. No presente caso, verifico que as Soluções de Consulta COSIT nº 98.241/2018 e 98.242/2018 determinaram que a classificação fiscal NCM 8528.69.10 para os projetores de vídeo importados pela Impetrante como sujeitos à alíquota do imposto de importação de 0% deveria ser efetuada segundo a NCM 8528.62.00, cuja alíquota do II é de 16%, estabelecendo ainda que as Soluções de Consultas que classificaram anteriormente projetores de vídeo nos códigos NCM 8528.61.00, 8528.69.10 e 8528.69.90, estivessem revogadas desde 1º de janeiro de 2017. Assim, com base nas Soluções de Consulta COST nº 98.241/2018 e 98.242/2018, as declarações de importação contendo mercadorias classificadas na subposição 8528.69.10 de diversos importadores passaram a ser parametrizadas, a fim de que pudesse ser realizada a conferência aduaneira para reclassificação fiscal para NCM 8528.62.00. Dito isso e considerando que o despacho aduaneiro tipifica o exercício de poder de polícia necessário para o controle do ingresso de mercadorias em território nacional, com vistas a coibir práticas desleais de mercado, salvaguardar os interesses tributários da União, os direitos dos consumidores nacionais, além da proteção sanitária/agropecuária do País, não vislumbro ilegalidade ou arbitrariedade na atuação da Autoridade fiscaL quando da lavratura do auto de infração que culminou com a cobrança de Imposto de Importação e multa, em razão de erro na classificação fiscal dos projetores importados. Observo, ainda, que, em sua exordial e diversas outras manifestações no feito, a parte autora tece os mesmos argumentos repetidamente rechaçados na esfera administrativa, com o fim de obter provimento jurisdicional de cancelamento das CDAs nºs 70 4 21 034109-06 e 70.6.21.007168-47, decorrentes do auto de infração lavrado por agente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (“RFB”), vinculado do processo administrativo nº 15444-720.001/2021-65, as quais consubstanciam a cobrança de Imposto de Importação (“II”) e multa, em razão de suposto erro na classificação fiscal de projetores importados (Doc. 03). Ora, o Órgão fiscalizador aduaneiro, além de deter a posse física das mercadorias importadas, o que lhe permite a análise detalhada de cada item, é composto por servidores especializados, que, diante do exame das mesmas, verificaram a necessidade de adoção de correto enquadramento tarifário NCM, não havendo que se falar, repito, em ilegalidade no ato da autoridade fiscal. Portanto, em detida análise dos argumentos, postos na peça exordial do presente feito, e nas manifestações das autoridades coatoras, concluo que a Autoridade Administrativa não cometeu qualquer ilegalidade, ao revés, agiu em conformidade com o regramento legal, que oferece regulamentação igualitária para todos os contribuintes, tendo em vista o dever funcional de agir, mediante a ocorrência de irregularidades nos procedimentos de importação/exportação, não cabendo ao Judiciário afastar critério legal ou a atuação administrativa para garantir salvaguarda especial a determinado importador. A rigor, aliás, a narrativa do impetrante é apenas a fonte de informação para a aduana. O elemento principal, levado em consideração como fator de risco, é o do inciso VI (tratamento tributário), sabido que a classificação utilizada pela Agravante conduz à alíquota zero para o imposto de importação, enquanto a classificação correta, segundo as Soluções de Consulta Cosit nºs 98241 e 98242, ambas de 14/9/2018 (NCM 8528.62.00), resulta na alíquota de 16%”.
Em suas razões recursais, a MAXGEN COMÉRCIO INDUSTRIAL IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. afirma, em síntese, que interpôs o presente recurso de apelação ois a r. sentença padece em vício de omissão, posto que negou a segurança pleiteada, sem analisar a causa de pedir principal do Mandado de Segurança.
Acrescenta que impetrou o presente Mandamus para afastar as indevidas inscrições em dívida das CDAS nº 70.4.21.034109-06 e 70.6.21.007168-47, as quais consubstanciam a cobrança de Imposto de Importação e multa, em razão de suposto erro na classificação fiscal de projetores importados pela Apelante no desenvolvimento de suas atividades. Ocorre que, inobstante a apelante ter demonstrado, como causa principal de pedir a adoção de sua classificação fiscal tem como suporte uma norma obrigatória e vinculante à Receita Federal – o Parecer da Organização Mundial de Aduanas, OMA (Item 2 do Artigo 8º da Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, art. 1º, parágrafo único da IN RFB nº 1.747/17) – a r. sentença apelada deixou de se pronunciar sobre este ponto, denegando a segurança sob elementos insuficientes a afastar a aplicação de referida norma obrigatória.
Pontua que a divergência quanto à classificação fiscal dos projetores não tem origem em questões relacionadas às características, funcionalidades ou especificações dos produtos em si, sendo que esses pontos são incontroversos. A divergência recai sobre o escopo na norma de classificação fiscal, isto é, se os produtos – projetores capazes de serem conectados a diversos dispositivos, inclusive, a uma máquina de processamento de dados – estão enquadrados no escopo da posição NCM 8528.69.10 ou da posição NCM 8528.62.00.
Defende que o Parecer OMA, vinculante à Receita Federal, é categórico em confirmar que os produtos em questão, projetores capazes de serem conectados a diversos dispositivos, entre os quais, máquinas de processamento de dados, são enquadrados na posição NCM 8528.69.10, exatamente como sempre procedeu a Apelante (trecho extraído diretamente da versão do Parecer OMA aprovado pela IN 1.747/2017, versão em vigor na época dos fatos e que se mantem até hoje).
Assevera que afastamento do ato coator se justifica por duas causas de pedir distintas: (i) a primeira, relacionada ao vício material do auto de infração e das consequentes inscrições em dívida ativa por ilegalidade, já que a cobrança viola norma obrigatória e vinculante à Receita Federal do Brasil, qual seja, o Parecer da Organização Mundial de Aduanas (Item 2 do Artigo 8º da Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, art. 1º, parágrafo único da IN RFB nº 1.747/17); (ii) a segunda, relacionada ao vício formal do auto de infração e das consequentes inscrições pela falta de motivação, já que a não aplicação do Parecer obrigatório do OMA não foi expressamente motivada (art. 2º e 50 da Lei nº 9.784/96, art. 10 do Decreto nº 70.235/72).
Alega que a Autoridade Fiscal se limita a repetir os mesmos infundados e ilegais argumentos para tentar manter a classificação fiscal dos projetores no NCM nº 8528.62.00, sem se pronunciar acerca da norma obrigatória e vinculante à Receita Federal, o Parecer da OMS, que determina a classificação dos projetores em análise na subposição NCM 8528.69.10.
Registra que o Auto de Infração ora combatido não foi objeto de revisão em âmbito administrativo, na medida em que o processo administrativo que deu origem às dívidas inscritas transcorreu e se encerrou sem o exercício do contraditório, já que, por uma falha nos controles internos da Apelante, a defesa não foi tempestivamente apresentada. Assim, verifica-se que a questão jamais fora apreciada - seja em âmbito administrativo, em ato de revisão do lançamento, seja em âmbito judicial, já que a r. sentença apelada não se manifestou sobre a questão central do Mandado de Segurança – o que só reforça, mais uma vez, a necessidade de que o presente recurso de Apelação seja acolhido e provido, de modo que a Apelante obtenha a efetiva prestação jurisdicional que tanto necessita.
Argumenta que adotou a subposição 8528.69.10, recolhendo os tributos incidentes considerando as correspondentes alíquotas de 0% para II. A Autoridade Apelada afirma que a subposição correta para os referidos itens seria NCM 8528.62.00, o que resultaria em uma alíquota de II de 16%.
Arrazoa que os projetores por ela importados são capazes de serem conectados com máquina de processamento de dados mas não exclusivamente, ou seja, são concebidos para essa conexão única, a Apelante considerou que não ocorreu o atendimento simultâneo dos dois requisitos, descartando o enquadramento na subposição NCM 8528.62.00 e caindo na posição residual NCM 8528.6910. Já a Autoridade Apelada lê a descrição da subposição NCM como um requisito único, que exige apenas a capacidade de conexão com uma máquina de processamento de dados, independentemente de sua concepção, o que significa que todo e qualquer projetor, mesmo aquele com múltiplas conexões, seria enquadrável na NCM 8528.6200.
Menciona que o Brasil é signatário do OMA, não havendo dúvidas de que os referidos pareceres são de cumprimento obrigatório pela Receita Federal e por todos os intervenientes do comércio internacional aqui estabelecidos, conforme expressamente indicado no parágrafo único do art. 1º da IN nº 1.747, de 28 de setembro de 2017 e art. 2º da IN 1.464, de 08 de maio de 2014. Portanto, sendo incontroverso que tais coletâneas são de observância obrigatória no Brasil, a Apelante entende que só pode ter sido por um lapso que a Autoridade Fiscal deixou de observar a orientação clara ali descrita, quando do exame do escopo das subposições NCM 8528.62.00 e 8528.69.10.
Explica que considerando as conclusões trazidas pelos pareceres do OMA, tem-se que o termo “concebido para ser utilizado” presente na descrição da subposição NCM 8528.6200 significa que o equipamento se destina a ser exclusivamente conectado às máquinas de processamento de dados, não bastando a capacidade de conexão. São requisitos cumulativos: capacidade e concepção. Portanto, a premissa da D. Autoridade Coatora de que bastaria a possibilidade de conexão com máquinas de processamento de dados 8741 para o enquadramento na posição NCM 8528.62.00 está errada porque conflita com a descrição vinculante dos Pareceres OMA acima citados, devendo, por essa razão, ser afastada.
Destaca que a orientação em Solução de Consulta COSIT nº 98.241/18, consulta esta que foi mencionada no Relatório Fiscal e na r. sentença em nada afeta o raciocínio da ora apelante. Isso porque, a referida Solução de Consulta, por um aparente lapso, esqueceu de enfrentar a questão inafastável e incontroversa da aplicação da orientação dos Pareceres OMA, sendo que a orientação da COSIT na referida resposta é superada pela orientação obrigatória e geral, atribuível ao órgão como um todo – a Receita Federal decorrente do Parecer OMA.
Relata que, na descrição da posição NCM 8528.62.00 a possibilidade de conexão a uma máquina de processamento de dados já seria requisito suficiente para preencher toda a descrição do texto e que a subposição NCM 8528.69.10 estaria restrita a casos bem específicos, nos quais os projetores não têm qualquer conexão direta com máquinas de processamento de dados é diametralmente oposta à orientação vinculante ao Parecer OMA, que traz de maneira clara e literal a orientação de que apenas os projetores com capacidade exclusiva (relembre-se que a apalavra usada é exclusividade) de conexão com máquinas de processamento de dados é que seriam enquadráveis na subposição NCM 8528.6200.
Pontua que o conflito com a orientação vinculante aos Pareceres da OMA expõe o vício material dos títulos executivos formados (as CDAs nºs 70.4.21.034109-06 e 70.6.21.007168-47), revelando sua imprestabilidade para substanciar qualquer ação de cobrança. A inquestionável contrariedade à disposição normativa vinculante, retira das dívidas inscritas a presunção de certeza e liquidez a que alude o art. 3º da Lei nº 6.830/80, sendo forçoso reconhecer a necessidade de seu imediato cancelamento.
Por fim, requer “(i) o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela recursal, nos termos do art. 1.019, I, c/c o art. 300, ambos do CPC/15, para que seja determinada a suspensão da exigibilidade do crédito tributário consubstanciado na CDA nº 70.4.21.034109-06 e 70.6.21.007168-47, obstando quaisquer atos visando à cobrança e garantindo que as CDAs não figurem como óbice à renovação da CND; (ii) a reforma integral da r. sentença apelada para, consoante o disposto no art. 515, I, do CPC/15, conceder a segurança pleiteada na exordial; (iii) subsidiariamente, a anulação integral da r. sentença recorrida, por expressa violação aos arts. 489, §1º, III, e 1.022 do Código de Processo Civil, bem como ao art. 93, IX, art. 5, IV e LIV, todos da Constituição Federal, com a devolução dos autos ao Juízo de origem para que outra seja proferida, observando-se a causa fundamental de pedir da Apelante”.
Contrarrazões da União Federal/Fazenda Nacional no evento 92.
Manifestação do MPF no evento 9 do TRF2 pelo provimento da apelação, a fim de que seja acolhido o pedido subsidiário da Apelante, consistente na anulação da sentença, por violação ao art. 489, §§1º, V, do CPC.
É o relatório. Peço dia para julgamento.
Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação interposto por MAXGEN COMÉRCIO INDUSTRIAL IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. em face de sentença proferida pelo Juízo da 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ (evento 56 integrado pelo evento 80), que julgou improcedentes os pedidos, nos termos do art. 487, I, do CPC e denegou a segurança.
Conheço do recurso de apelação, eis que atendidos os seus requisitos de admissibilidade.
Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado em face de ato coator imputado ao ILMO. SR. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA e ao ILMO. PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, que visa ao cancelamento da CDAs nº 70 4 21 034109-06 e 70.6.21.007168-47, em que se alega que o lançamento fiscal está em confronto com norma vinculante do Parecer OMA; sucessivamente, requer-se a concessão em definitivo da segurança pleiteada, para determinar o cancelamento da CDAs nº 70 4 21 034109-06 e 70.6.21.007168-47, pela constatação de vício formal, pela falta de motivação do ato administrativo em relação a não aplicação do Parecer vinculante da OMA.
As CDAs questionadas são originárias do lançamento de ofício de créditos tributários de Imposto de Importação e multa aduaneira, formalizado no Auto de Infração lavrado nos autos do processo administrativo tributário n. 15444-720.001/2021-65. O referido processo administrativo foi autuado com vistas à apuração da regularidade do pagamento dos tributos incidentes na importação e a exatidão das informações prestadas pela empresa em algumas de suas importações, no período de janeiro de 2017 a novembro de 2019, notadamente quanto à classificação fiscal das respectivas mercadorias. Após realizar os procedimentos fiscalizatórios pertinentes, a Receita Federal concluiu que a impetrante importou projetores da marca ‘BENQ’ com classificação aduaneira incorreta (código NCM 8528.69.10, sujeito à alíquota zero de II), quando, na verdade, deveria ter classificado as mercadorias importadas na posição NCM 8528.62.00, que atrai a alíquota de 16% a título de II. A autoridade aduaneira consignou que a contribuinte importou o “kit ponteira interativa do projetor BENQ” também com classificação incorreta, caso em que o código NCM adequado seria o 8529.90.20.
Após proceder à reclassificação aduaneira das mercadorias importadas, a Receita Federal efetuou o lançamento de ofício de créditos de Imposto de Importação, no valor histórico de R$ 18.573.785,40, e multa aduaneira no montante de R$ 622.158,50.
De acordo com o entendimento da autoridade lançadora, com a entrada em vigor da VI Emenda do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias com a entrada em vigor da VI Emenda do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, bem como da Resolução Camex nº 125/2016, houve significativa alteração dos desdobramentos da subposição de 1º nível 8528.6, criando e excluindo subposições de 2º nível e consequentemente alterando o escopo da subposição residual 8528.69. Desse modo, a subposição NCM 8528.61.00, que antes se referia a projetores “dos tipos exclusiva ou principalmente utilizados num sistema automático para processamento de dados da posição 8471” foi suprimida, e, desse modo, a subposição NCM 8528.61.00 foi substituída pela NCM 8528.62.00, de caráter mais amplo, razão pela qual esta última deve ser usada para classificar quaisquer tipos de projetores “capazes de serem conectados diretamente a uma máquina automática para processamento de dados da posição 84.71 e concebidos para serem utilizados com esta máquina”.
Por outro lado, a impetrante sustenta que o Brasil é signatário da Organização Mundial das Aduanas (OMA), não havendo dúvidas de que os pareceres expedidos pela organização internacional são de observância obrigatório pela Receita Federal e por todos os intervenientes do comércio internacional aqui estabelecidos, conforme expressamente indicado no parágrafo único do art. 1º da IN nº 1.747, de 28 de setembro de 2017 e art. 2º da IN 1.464, de 08 de maio de 2014. Nesse sentido, afirma que “O Parecer OMA - vinculante à Receita Federal, repita-se uma vez mais – é categórico em confirmar que os produtos em questão, projetores capazes de serem conectados a diversos dispositivos, entre os quais, máquinas de processamento de dados, são enquadrados na posição NCM 8528.69.10, exatamente como sempre procedeu a Apelante”.
Entendo que assiste razão à impetrante/apelante.
Conforme assinalei na decisão que conferiu efeito suspensivo ao recurso de apelação (proc. n. 5016653-62.2021.4.02.0000), resta claro do relato dos autos que o Comitê do Sistema Harmonizado da Organização Mundial de Aduanas publica pareceres dispondo como devem ser compreendidos os escopos de determinadas subposições NCM. A ideia de tais pareceres é a de dar unicidade de procedimentos entre os Estados membros da OMA, para que as Aduanas de cada um adotem uma classificação fiscal única para cada produto, evitando tratamento conflitante entre a Aduana do Estado exportador e a Aduana do Estado Importador.
Da consulta ao sítio da Receita Federal do Brasil, no Portal Adana e Comércio Exterior (https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/classificacao-fiscal-de-mercadorias/pareceres-de-classificacao-da-oma), verifica-se que a própria autoridade reconhece que o texto dos pareceres de classificação do Comitê do Sistema Harmonizado da Organização Mundial das Alfândegas (OMA) são de cumprimento obrigatório por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil, na medida em que o Brasil é membro da OMA e signatário da Estrutura Normativa estabelecida pelo referido Comitê.
Por certo, compete às autoridades aduaneiras a interpretação das normas que regulam a classificação fiscal de mercadorias, mas essa interpretação está adstrita ao que estabelece o Sistema Harmonizado e seus pareceres, que devem prevalecer sobre quaisquer outras definições internas. A respeito da observância da Estrutura Normativa do Sistema de Harmonização e sua interpretação, o Decreto nº 435, de 27 de janeiro de 1992, estabeleceu:
Art. 1º São aprovadas as Notas Explicativas do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, do Conselho de Cooperação Aduaneira, com sede em Bruxelas, Bélgica, na versão luso-brasileira, efetuada pelo Grupo Binacional Brasil/Portugal, anexas a este Decreto. Parágrafo único. As Notas Explicativas do Sistema Harmonizado constituem elemento subsidiário de caráter fundamental para a correta interpretação do conteúdo das posições e subposições, bem como das Notas de Seção, Capítulo, posições e subposições da Nomenclatura do Sistema Harmonizado, anexas à Convenção Internacional de mesmo nome. (g.n.)
Também o Decreto Legislativo nº 71, de 11 de outubro de 1988, aprovou o texto da Convenção Internacional do Sistema Harmonizado nos termos do seu art. 1º:
Art. 1º A Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Para dar cumprimento à convenção internacional foram criados os códigos NCM, que são a base para a Tarifa Externa Comum (TEC) e para a Tabela de Incidência Sobre Produtos Industrializados (TIPI).
O art. 96 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional (CTN), reza que a expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. Assim, como já acima afirmado, em função do disposto no art. 98 do CTN, os tratados e convenções internacionais sobre o SH e sobre a NCM são de aplicação obrigatória no País.
Nesse sentido, os pareceres são também de observância obrigatória. Vale transcrever, para maior clareza, o texto do item 2 do art. 8º da Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, cujo texto foi promulgado pelo Decreto nº 97.409, de 22 de dezembro de 1988:
2. As notas explicativas, os pareceres de classificação e demais pareceres relativos à interpretação do Sistema Harmonizado, bem como as recomendações visando assegurar a sua interpretação e aplicação uniformes, redigidos no decurso de uma sessão do respectivo Comité, nos termos do disposto no n? 1 do artigo 7?, consideram-se aprovados pelo Conselho se, até ao fim do segundo mês subsequente ao do encerramento de tal sessão, nenhuma Parte Contratante na presente Convenção notificar o Secretário-Geral de que pretende que a questão seja submetida ao Conselho.
Por essa mesma razão, não há que se deixar de aplicar o que restou sedimentado em convenção, por força de Solução de Consulta, no caso, a Solução de Consulta COSIT nº 98.241/18, que sequer abordou a questão com base nas normas internacionais. Outra não é a orientação que se encontra no art. 1º da IN nº 1.747, de 28 de setembro de 2017 e art. 2º da IN nº 1.464. de 8 de maio de 2014:
IN nº 1.474/17
Art. 1º Fica aprovada, na forma da Coletânea disponível no sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) na Internet, no endereço rfb.gov.br, a tradução para a língua portuguesa dos pareceres de classificação do Comitê do Sistema Harmonizado, da Organização Mundial das Alfândegas (OMA), atualizada até janeiro de 2017. Parágrafo único. Em decorrência da aprovação de que trata o caput, ficam adotadas como vinculativas as classificações das mercadorias contidas nos pareceres traduzidos.
Art. 2º Os pareceres de que trata o art. 1º serão adotados como elemento subsidiário fundamental para a classificação de mercadorias com características semelhantes às das mercadorias objeto de sua análise. Art. 3º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União.
IN nº 1.464/14 (...)
Art. 2º As soluções em processos de consulta que versem sobre classificação fiscal de mercadorias serão fundamentadas nas Regras Gerais para a Interpretação do Sistema Harmonizado (RGI/SH) da Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, nas Regras Gerais Complementares do Mercosul (RGC), na Regra Geral Complementar da TIPI (RGC/TIPI), nos pareceres de classificação do Comitê do Sistema Harmonizado da Organização Mundial das Aduanas (OMA) e nos ditames do Mercosul, e, subsidiariamente, nas Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH).
No caso específico, discute-se, na origem, a legalidade do ato que autuou a Requerente, por ter adotado para as mercadorias que importa, codificação que destoa dos pareceres da OMA, que são de observância obrigatória.
Quanto ao ponto, consultando a Coletânea de Pareceres de Classificação (https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/classificacao-fiscal-de-mercadorias/coletanea_in_1926-2020.pdf), verifica-se as seguintes orientações para que a autoridade aduaneira decida sobre a classificação correta quanto aos código em debate, NCM 8528.69.10 e 8528.62.00:
8528.62 1. Projetor em cores de cristais líquidos (LCD - liquid cristal display), de mesa. Este projetor tem resolução de 640 x 480 pixels, é capaz de exibir 16 cores e destina-se exclusivamente a ser conectado a uma máquina automática para processamento de dados, com vistas a projetar imagens geradas por essa máquina em uma tela grande. Contém incorporados um amplificador e alto-falantes que permitem aos usuários conectá-lo a um microfone sem fio, a um toca-discos CD portátil ou à saída auxiliar de um sistema estereofônico. Aplicação da Nota 5 D) 5º) do Capítulo 84. (g.n.)
8528.69 1. Projetor em cores de cristais líquidos (LCD - liquid cristal display), de mesa. Este projetor tem resolução de 640 x 480 pixels, é capaz de exibir 16 cores e pode ser conectado a uma máquina automática para processamento de dados, a um aparelho de videocassete ou a um toca-discos CD. Contém incorporados um amplificador e alto-falantes que permitem aos usuários conectá-lo a um microfone sem fio, a um toca-discos CD portátil ou à saída auxiliar de um sistema estereofônico. Aplicação da RGI 3 c).
De se ver que as codificações diferem tão somente em relação à forma de conexão do equipamento. E para espancar qualquer dúvida, o parecer da OMA especifica que a primeira classificação deve ser adotada somente quando o equipamento possua uma única forma de conexão – a um computador (máquina automática de processamento de dados), estando expressa a palavra “exclusivamente”. Dessa forma, se o aparelho permite a conexão não apenas com computadores, mas com outros aparelhos, não deve ser classificado pela codificação 8528.62 1, mas pela codificação 8528.69 1.
No caso, a Requerente é representante e distribuidora exclusiva dos equipamentos da marca BenQ, sendo que, do que se verifica das informações da autoridade Impetrada nos autos originários, a CDA 70.4.21.034109-06 se refere à revisão aduaneira na importação de Kits de Ponteiras Interativas do projetor BENQ, modelos diversos e projetores de vídeo da referida marcar, modelos MS531, MS550, MS527, MX532, MW855UST, MX550, MX611, MX825ST, MX631ST, MS630ST, MX704, MX819ST, MW550, MW529, MX602, MW533, MW632ST, MW864UST, MW883UST, MH750, MX768, W2000, TH671ST, TH683, TK800, LU950, SX765, SW921, EW800ST, EH600, LH890UST, PX9230, WDC10, W1110, W1210ST, W1700, W11000 e X12000. Já a CDA 70.6.21.007168-47 se refere tão somente a multa de 1% por erro de preenchimento das declarações de importação de ambas as mercadorias.
Destaque-se que não há discussão nos autos sobre a importação de Kit de ponteiras, na medida em que a impetrante informou que já efetuou o pagamento integral das exigências tributárias em relação a elas (cf. evento 21 do proc. n. 5016653-62.2021.4.02.0000), informação não impugnada pela União.
De simples consulta ao sítio do fabricante dos aparelhos importados, verifica-se que todos os projetores listados pela autoridade possuem interface múltipla de conexões, de forma que, salvo melhor juízo, inviável seria adotar para eles a classificação que vem sendo alvo do ato tido por ilegal, porquanto nenhum deles se conecta exclusivamente com computadores. Todos possuem interface para PC, para monitores, para equipamentos que possuam entrada HDMI, USB, RS232 e alguns apresentam inclusive conexão por wi-fi.
Assim, entendo que a autoridade fiscal, no processo de revisão aduaneira das importações realizadas ao longo dos anos pelo contribuinte, resolveu adotar, para os projetores, codificação inobservando os pareceres da OMA, de forma que a CDA 70.4.21.034109-06, que visa à cobrança de créditos de Imposto de Importação, não atende aos requisitos de liquidez e certeza exigidos pelo art. 3º da LEF (lei n. 6.830/80) e pelo art. 204 do CTN.
Note-se que a CDA nº 70.6.21.007168-47 se refere tão somente a multa de 1% por erro de preenchimento das declarações de importação, de forma que o seu destino deve seguir aquele relacionado com o débito principal, cobrado na CDA nº 70.4.21.034109-06, que diz respeito à exigência de imposto de importação, multa de 75% pela classificação indevida de “projetores” e “kits de ponteiras”, ressalvada, por óbvio, a legitimidade dos débitos originados da classificação indevida dos kits de ponteiras, eis que não questionados e já pagos pela impetrante.
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO à apelação para julgar procedente o pedido e conceder a segurança. Custas ex lege.