Documento:20002145275
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009980-91.2022.4.02.5117/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: MARCILEA CAETANO DE CASTRO (AUTOR)

ADVOGADO(A): RAFAEL GONCALVES (OAB RJ130700)

ADVOGADO(A): MANUELLY DE OLIVEIRA COSTA (OAB RJ201192)

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)

APELADO: EMGEA EMPRESA GESTORA DE ATIVOS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. CIVIL. Recurso de apelação. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. garantia hipotecária. COBRANÇA DO CRÉDITO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. vencimento da última prestação. Legitimidade caixa. Princípio da não-surpresa. Sentença mantida. Recurso desprovido.


1.Apelação contra sentença proferida nos autos da ação de PROCEDIMENTO COMUM Nº 5009980-91.2022.4.02.5117/RJ, pelo MM Juízo da 2ª Vara Federal de São Gonçalo/RJ, que, ao fundamento, em suma, de que "não é possível afirmar que o termo inicial do prazo prescricional seria em 27 de outubro de 2017 que corresponde a 240 meses (ou 20 anos) contados a partir da data de assinatura do contrato" e que "o prazo prescricional deve ser contado levando em consideração o momento em que as parcelas se tornaram exigíveis, ou seja, 30 dias após o término da obra", concluiu que, "tendo em vista o pagamento da primeira parcela estar condicionado ao término da obra, o vencimento total do contrato certamente não ocorreu antes de 21/11/2017 (cinco anos antes da notificação recebida pela autora, conforme informado no evento 38)", pelo que rejeitou a alegação de prescrição da dívida, julgando improcedentes os pedidos e condenando a parte autora "nas despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência fixados em 10% do valor atribuído a causa".
2. Hipótese em que foi proposta ação anulatória em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, requerendo seja declarada a prescrição do débito imobiliário, referente ao Contrato nº 801947000315, com fulcro no art. 206, § 5º, inciso I do Código Civil, bem como seja a ré condenada a proceder à baixa do gravame de hipoteca registrada na matrícula do imóvel nº 6935. Alegou a parte autora, em suma, que, em outubro de 1997, celebrou contrato de compra e venda de imóvel e mútuo com obrigação e hipoteca, constando como interveniente a Construtora Rabat Construções Ltda. e como credora a Caixa Econômica Federal., no qual “ficou ajustado o pagamento do montante de R$27.00,000 (vinte e sete mil reais), em 240 (duzentos e quarenta) parcelas mensais, iniciando em 27 de outubro de 1997 e finalizando em 27 de outubro de 2017", mas que, "Passados um pouco menos de 2 anos adimplindo todas as parcelas do financiamento, em agosto de 1999, diante de inúmeros vícios construtivos da empreiteira (...) deixou de arcar com as prestações imobiliárias". De forma que, "passados 23 anos após o primeiro inadimplemento das parcelas do contrato”, a Autora  informou que recebeu carta de cobrança, defendendo que, porém,“ atualmente, os débitos do financiamento encontram-se prescritos”.
3.Quanto à legitimidade da Caixa, em que pese a informação no aviso de cobrança juntado no Evento 01, OUT 09, indicando a cobrança do crédito, referente ao contrato objeto dos autos, por parte da EMGEA, criada pelo Decreto nº 3848/2001,  e a determinação de sua inclusão no polo passivo, na condição de litisconsorte passivo necessário, não cabe afastar a legitimidade da Caixa Econômica Federal, considerando que não restou efetivamente comprovada a cessão de crédito, bem como diante do fato de que se trata do agente financeiro responsável pelo contrato de mútuo firmado com a parte autora.
4.Quanto à arguição de nulidade da sentença, por "violação ao ônus da impugnação específica e da vedação à decisão surpresa - artigos 341, 9º e 10º da lei nº 13.105/2015", esta não merece ser considerada eis que, consoante bem enunciado por José Rogério Tucci (A “decisão surpresa” na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Consultor Jurídico, 28.05.2019), “o juiz ou árbitro não só pode como deve, sem alterar os fatos expostos, imprimir o enquadramento jurídico que entender mais adequado, circunscrito ao pedido deduzido pelas partes”. Precedentes do Eg. STJ: STJ, 4ª T., REsp 1.695.519-MG, Relatora: Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 29.03.2019; STJ, 4ª T., REsp 1.755.266-SC, Relator: Min. LUIZ FELIPE SALOMÃO, DJe 20.11.2018.
5. Conforme entendimento consagrado do Colendo STJ, em se tratando de obrigações de trato sucessivo, o início do cômputo do lustro prescricional é a data de vencimento da última parcela prevista para o encerramento da avença, e não a do vencimento antecipado da dívida decorrente da inadimplência, o qual figura como mera faculdade do credor. Sendo assim, impõe-se destacar que o termo a quo do prazo prescricional do crédito exigido pela CEF coincide com o vencimento da última prestação e não a data do inadimplemento, razão pela qual, levando-se em conta que a data de vencimento da última parcela contratada ocorreu em 2017, a CEF teria a pretensão de cobrança até 2022.
6. Ainda que o direito à cobrança do crédito oriundo de contrato de financiamento com garantia hipotecária venha a ser alcançado pela prescrição, isso não conduz à conclusão de que o bem dado em garantia encontra-se desobrigado, por restar subsistente a garantia hipotecária.
7. A única hipótese em que o vínculo obrigacional influi no direito real de garantia é quando ocorre a extinção integral da relação jurídica obrigacional  (art. 1.499, I, do CC/2002), eis que não há que se falar em garantia de obrigação que deixa de existir. Além disso, a norma exige, para fins de extinção da hipoteca, a averbação de um título idôneo, a teor do disposto no art. art. 1.500 do CC/2002, verbis: “Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação, no Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova”. Tal situação não se confunde com a dívida prescrita. Com efeito, a pretensão de cobrança da dívida pode ser obstada pela prescrição, mas a dívida não resta extinta e, logo, representa crédito hipotecário que só pode ser cancelado se paga a dívida. Sobre o tema, aliás, já se pronunciou a 3ª Turma do C. STJ, ao reconhecer que a prescrição para a cobrança de dívida não extingue a existência do débito, reformando, assim, decisão que havia extinto contrato de compra e venda de imóvel e quitado débito em razão de vencimento de prazo prescricional (STJ, 3ª T., REsp 1.694.322/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 13.11.2017).
8. Conforme as lições do Prof. Luciano de Camargo Penteado, no artigo “Prescrição do crédito hipotecário não afeta ipso facto a garantia”, "o conteúdo da hipoteca resume-se, basicamente, no poder de excussão, ou seja, de tomar o bem para quitar o crédito, que basta ser existente, ainda que prescrito. Tanto assim que o prazo de perempção da hipoteca, no Brasil, pode ser de até 30 anos (art. 1.485 do CC/2002) e o maior prazo de prescrição de pretensões condenatórias é de 10 anos. Este descasamento do lapso temporal só se justifica se houver a possibilidade de permanência do crédito hipotecário, ainda após a prescrição, no patrimônio do credor, com consequências jurídicas".
9. Apelo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8A. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 2025.



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002145275v5 e do código CRC 9f11be9a.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO PEREIRA DA SILVA
Data e Hora: 31/1/2025, às 11:38:43

 


 


Documento:20002145274
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009980-91.2022.4.02.5117/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: MARCILEA CAETANO DE CASTRO (AUTOR)

ADVOGADO(A): RAFAEL GONCALVES (OAB RJ130700)

ADVOGADO(A): MANUELLY DE OLIVEIRA COSTA (OAB RJ201192)

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)

APELADO: EMGEA EMPRESA GESTORA DE ATIVOS

RELATÓRIO

 

Trata-se de apelação interposta por MARCILEA CAETANO DE CASTRO em face da sentença proferida pelo MM Juízo da 2ª Vara Federal de São Gonçalo/RJ, que, ao fundamento, em suma, de que "é possível concluir que, tendo em vista o pagamento da primeira parcela estar condicionado ao término da obra, o vencimento total do contrato certamente não ocorreu antes de 21/11/2017 (cinco anos antes da notificação recebida pela autora, conforme informado no evento 38)", rejeitou a alegação de ocorrência de prescrição, julgando improcedentes os pedidos, e condenou a parte autora "nas despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência fixados em 10% do valor atribuído a causa" (evento 49, SENT1  ).

Em suas razões recursais (evento 55, APELAÇÃO1 ), a parte apelante arguiu, preliminarmente, a nulidade da sentença, diante da "violação ao ônus da impugnação específica e da vedação à decisão surpresa - artigos 341, 9º e 10º da lei nº 13.105/2015", considerando que "a decisão de improcedência dos pedidos autorais foi baseada na ausência de prescrição do débito imobiliário, uma vez que a data inicial para pagamento das parcelas se deu após o término da obra, e que tais argumentos não foram objetos de contestação pelas Apeladas conforme visto alhures, restou incontroversa a prescrição na presente demanda, razão pela qual a comprovação de entrega do imóvel não foi colacionada nos autos pelas Apeladas". Assim, "considerando que o Juízo de 1º Grau decidiu sobre ponto que não foi alvo de discussão nos autos, sem oportunizar a manifestação das partes e, ainda, considerou que ainda não teria ocorrido a prescrição no presente caso, sem qualquer prova de data de entrega do imóvel com o término da obra, resta-se cristalina a nulidade da sentença proferida".

Além disso, alegou que, "em primeiro lugar, que o instrumento particular com força de escritura pública de compra e venda, através de sua cláusula vigésima sexta, estipula que o inadimplemento de uma prestação imobiliária, ensejará no vencimento antecipado de toda a dívida vincenda", de modo que "o marco inicial para contagem da prescrição se dá na data do início da inadimplência da parte. No caso da Apelante, ocorreu no dia 30 de agosto de 1999. Dessa forma, seguindo a primeira corrente para início da contagem do prazo prescricional e, com fulcro no art. 206, § 5º, inciso I do Código Civil, prazo prescricional para a pretensão da empresa Apelada, o prazo limite para interposição da execução hipotecária finalizou no dia 30/08/2004".

Sustentou que “ainda que V.Exa. entenda por seguir a segunda corrente doutrinária sobre o tema, adotada em algumas oportunidades pelo Superior Tribunal de Justiça, que define que a contagem do prazo prescricional se inicie pela data seguinte à estipulada para o vencimento final de toda a obrigação, ou seja 27/10/2017, também notará que o débito continua sem o direito à cobrança judicial", já que "de acordo com o contrato, a última parcela do financiamento venceria em 27 de outubro de 2017, começando a fluir o prazo de contagem da prescrição a partir de então, sendo certo que o crédito do Banco Apelado, passados os cinco anos, conforme disposto no Código Civil, prescreveu em outubro de 2022".

Foram apresentadas contrarrazões (evento 60, CONTRAZAP2 ), pugnando a Caixa pelo reconhecimento de sua ilegitimidade passiva. 

A seguir, vieram os autos a esta Egrégia Corte, tendo sido encaminhados ao Ministério Público Federal, que opinou pelo mero prosseguimento do feito (evento 5, PARECER1). 

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Hipótese em que foi prosposta ação anulatória, em 14.12.2022, por MARCILEA CAETANO DE CASTRO em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, formulando os seguintes pedidos:

"b) conceda a tutela provisória de urgência, para que a Empresa Ré se abstenha (i) de realizar o leilão do imóvel, (ii) de cobrar judicial ou extrajudicialmente o débito, bem como (iii) de promover quaisquer restrições em nome da Autora junto aos órgãos de proteção de crédito, ou, subsidiariamente, caso essa já tenha sido efetuada, que efetue a retirada do protesto indevido, sob pena de multa a ser arbitrada por este d. juízo; 

(...)

d) confirmar o pleito formulado à título de tutela provisória de urgência, quando da análise do mérito da demanda; 

e) declarar a prescrição do débito imobiliário, referente ao contrato nº 801947000315, com fulcro no art. 206, § 5º, inciso I do Código Civil; 

f) determinar que a Ré seja proceda com a baixa do gravame de hipoteca registrada na matrícula do imóvel nº 6935 ou seja remetido ofício para o CARTÓRIO DO 6º OFÍCIO DE JUSTIÇA, situado na RUA DR. FELICIANO SODRÉ, 97, Centro, SAO GONCALO / RJ;"

 

Ao examinar a demanda, o Magistrado de Primeiro, ao fundamento, em suma, de que "não é possível afirmar que o termo inicial do prazo prescricional seria em 27 de outubro de 2017 que corresponde a 240 meses (ou 20 anos) contados a partir da data de assinatura do contrato" e que "o prazo prescricional deve ser contado levando em consideração o momento em que as parcelas se tornaram exigíveis, ou seja, 30 dias após o término da obra", concluiu que, "tendo em vista o pagamento da primeira parcela estar condicionado ao término da obra, o vencimento total do contrato certamente não ocorreu antes de 21/11/2017 (cinco anos antes da notificação recebida pela autora, conforme informado no evento 38)", pelo que "não ocorreu a prescrição da dívida". Diante disso, julgou improcedentes os pedidos, condenando a parte autora "nas despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência fixados em 10% do valor atribuído a causa".

Quanto à legitimidade da Caixa, em que pese a informação no aviso de cobrança juntado no Evento 01, OUT 09, indicando a cobrança do crédito, referente ao contrato objeto dos autos, por parte da EMGEA, criada pelo Decreto nº 3848/2001,  e a determinação de sua inclusão no polo passivo, na condição de litisconsorte passivo necessário, não cabe afastar a legitimidade da Caixa Econômica Federal, considerando que não restou efetivamente comprovada a cessão de crédito, bem como diante do fato de que se trata do agente financeiro responsável pelo contrato de mútuo firmado com a parte autora.

Quanto à arguição de nulidade da sentença, por "violação ao ônus da impugnação específica e da vedação à decisão surpresa - artigos 341, 9º e 10º da lei nº 13.105/2015", esta não merece ser considerada eis que, consoante bem enunciado por José Rogério Tucci (A “decisão surpresa” na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Consultor Jurídico, 28.05.2019), “o juiz ou árbitro não só pode como deve, sem alterar os fatos expostos, imprimir o enquadramento jurídico que entender mais adequado, circunscrito ao pedido deduzido pelas partes”. Precedentes do Eg. STJ: STJ, 4ª T., REsp 1.695.519-MG, Relatora: Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 29.03.2019; STJ, 4ª T., REsp 1.755.266-SC, Relator: Min. LUIZ FELIPE SALOMÃO, DJe 20.11.2018.

Dessa forma, ao analisar a arguição de prescrição formulada pela própria parte autora, o MM. Juízo a quo apenas realizou o enquadramento jurídico que considerou devido, embasado em provas submetidas ao contraditório e dando vista às partes para produzir as provas necessárias, não se caracterizando, portato, o  julgamento surpresa.

Prosseguindo, constata-se que a parte autora alegou, em sua exordial, que, em outubro de 1997, celebrou contrato de compra e venda de imóvel e mútuo com obrigação e hipoteca, constando como interveniente a Construtora Rabat Construções Ltda. e como credora a Caixa Econômica Federal.

Aduziu que "o contrato firmado com a Ré encontra-se registrado na matrícula do imóvel (Doc. 1), na qual é possível verificar que, ficou ajustado o pagamento do montante de R$27.00,000 (vinte e sete mil reais), em 240 (duzentos e quarenta) parcelas mensais, iniciando em 27 de outubro de 1997 e finalizando em 27 de outubro de 2017", mas que "Passados um pouco menos de 2 anos adimplindo todas as parcelas do financiamento, em agosto de 1999, diante de inúmeros vícios construtivos da empreiteira, já discutidos na ação coletiva de nº 0000004- 94.2002.4.02.5102, transitada em julgado em 21/09/2012, a Autora deixou de arcar com as prestações imobiliárias" (Evento 2, INIC1, JFRJ).

Prosseguiu afirmando que "Passados 23 anos após o primeiro inadimplemento das parcelas do contrato, a Autora recebeu em sua residência uma carta de cobrança solicitando o pagamento do montante em atraso, sob pena de ter seu imóvel leiloado, com base no rito da Lei nº8.0004/1990. Documento 5 (Carta de Cobrança) Ocorre que, atualmente, os débitos do financiamento encontram-se prescritos, inexistindo o direito de proceder com a hasta pública do imóvel e, mediante ao risco de difícil reparação dos danos que possa sofrer, caso isso venha a ocorrer, não restou alternativa à Autora, senão a distribuição da presente demanda" (Evento 2, INIC1, JFRJ).

Entendeu, portanto, que a cobrança de tais débitos estaria prescrita uma vez que a CEF, em momento algum, teria atuado de forma a interromper a prescrição dos débitos dentro do período previsto no ordenamento jurídico, mas que somente 23 (vinte e três) anos após o primeiro inadimplemento das parcelas do contrato recebeu em sua residência uma carta de cobrança solicitando o pagamento dos débitos atrasados, em um prazo de 48 (quarenta e oito) horas, com a ameaça de ter seu imóvel levado à hasta pública.

No entanto, conforme entendimento consagrado do Colendo STJ, em se tratando de obrigações de trato sucessivo, o início do cômputo do lustro prescricional é a data de vencimento da última parcela prevista para o encerramento da avença, e não a do vencimento antecipado da dívida decorrente da inadimplência, o qual figura como mera faculdade do credor.

Sendo assim, impõe-se destacar que o termo a quo do prazo prescricional do crédito exigido pela CEF coincide com o vencimento da última prestação e não a data do inadimplemento.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Oitava Turma Especializada, in verbis:

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. TERMO A QUO.  PRESCRIÇÃO AFASTADA. RECURSO PROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta pela Caixa Econômica Federal – CEF contra sentença que reconheceu a prescrição da cobrança do crédito relativo ao inadimplemento dos contratos de empréstimo Girocaixa Fácil nº 194044734000019970 e de Crédito Rotativo nº 4044197000010591 e julgou extinto o processo com resolução do mérito na forma do art. 487, II do CPC. 2. Na esteira do entendimento consagrado no Colendo STJ e por essa Egrégia Corte, tratando-se de obrigações de trato sucessivo, o início do cômputo do lustro prescricional é a data de vencimento da última parcela prevista para o encerramento da avença, e não a do vencimento antecipado da dívida decorrente da inadimplência, eis que “mesmo diante do vencimento antecipado da dívida, subsiste inalterado o termo inicial do prazo de prescrição - no caso, o dia do vencimento da última parcela” (AgRg nos EDcl no AREsp 522.138/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17.12.2015, DJe 01.02.2016). 3. Na hipótese concreta, os contratos de empréstimo cobrados pela CEF foram celebrados em maio de 2013 e contemplaram o pagamento em 40 (quarenta) prestações mensais, com vencimento da última parcela em setembro de 2016, de modo que, proposta a ação em 23.11.2018, não se constata o transcurso do lustro prescricional previsto no art. 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil. 4. Apelação da CEF provida. Determinado o retorno dos autos à Vara de origem, para o regular prosseguimento do feito. (TRF 2ª Região – Oitava Turma. AC 5002003-96.2018.4.02.511. Rel. Desembargador Federal Marcelo Pereira da Silva. Julgado em 23/11/2021).

APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. DATA DO VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA CONTRATADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia em se verificar se correta a r. sentença que julgou improcedentes os embargos à execução e reconheceu a higidez da cobrança do título executivo extrajudicial, entendendo pela não ocorrência da prescrição. 2. O Código Civil, em seu artigo 206, § 5º, inciso I, estabelece que, para a cobrança de créditos decorrentes de instrumento particular, se aplica o prazo prescricional quinquenal. 3. O Superior Tribunal de Justiça possui consolidado entendimento no sentido de que o prazo prescricional para hipóteses em que foi firmado negócio jurídico consistente em contrato bancário com quitação diferida no tempo, por meio de várias parcelas, possui como termo inicial o vencimento da última parcela. 4. No presente caso, considerada a data de vencimento da última parcela contratada (28/06/2016), a data de ajuizamento da execução (14/11/2014), e tendo em vista o prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil, facilmente conclui-se que não ocorreu a prescrição no presente caso, cabendo ressaltar que a pretensão da CEF somente estaria prescrita se a demanda fosse ajuizada após 28/06/2021. 5. Verba honorária fixada em 10% (dez por cento) majorada para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, na forma do disposto no artigo 85, § 11º do Código de Processo Civil (Enunciado Administrativo nº 7 do Superior Tribunal de Justiça). 6. Recurso desprovido. (TRF2. Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0500144-12.2018.4.02.5102. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES. 5ª Turma Especializada. Data de publicação: 15/06/2020)

Nessa perspectiva, considerando que o Código Civil, em seu artigo 206, § 5º, inciso I, estabelece que, para a cobrança de créditos decorrentes de instrumento particular, se aplica o prazo prescricional quinquenal e o Superior Tribunal de Justiça possui consolidado entendimento no sentido de que o prazo prescricional para hipóteses em que foi firmado negócio jurídico consistente em contrato bancário com quitação diferida no tempo, por meio de várias parcelas, possui como termo inicial o vencimento da última parcela, levando-se em conta que a data de vencimento da última parcela contratada ocorreu em 2017, a CEF teria a pretensão de cobrança até 2022. 

 

Por outro lado, compulsando os autos, verifica-se na matrícula do imóvel (Evento 2, MATRIMÓVEL7, JFRJ) que a autora e seu ex-companheiro hipotecaram, em 29.10.1997, o imóvel de Matrícula nº 6.935, localizado na Estrada Dalva Raposo, antiga Estrada Velha de Maricá, em Tribobó, em zona urbana do 1º Distrito de São Gonçalo, Casa nº 26 da quadra "I" "pelo prazo de 240 meses, para pagamento por meio de 240 prestações mensais e sucessivas".

Outrossim, a autora acostou aos autos documento intitulado "2º Aviso de Cobrança", referente ao atraso no pagamento de 234 parcelas do contrato nº 801947000315, período de 01.08.2002 a 02.2022. Nesse documento é solicitado o pagamento do débito em atraso, indicando que, em caso de descumprimento, o imóvel será levado a leilão pelo rito da Lei nº 8.000/90.

Neste caso, o entendimento deste Magistrado é no sentido de que, ainda que o direito à cobrança do crédito oriundo de contrato de financiamento com garantia hipotecária venha a ser alcançado pela prescrição, isso não conduz à conclusão de que o bem dado em garantia encontra-se desobrigado, por restar subsistente a garantia hipotecária.

Sabe-se que os direitos reais só se constituem ou se extinguem de acordo com os modos previstos em lei (arts. 1.226 e 1.227 do CC/2002, entre outros), sendo certo que, a respeito da hipoteca,  dispõe o art. 1.499 do CC/2002:

“Art. 1.499. A hipoteca extingue-se:

 I – pela extinção da obrigação principal;

II – pelo perecimento da coisa;

III – pela resolução da propriedade;

IV – pela renúncia do credor;

V – pela remição;

VI – pela arrematação ou adjudicação”.

De se ver que a única hipótese em que o vínculo obrigacional influi no direito real de garantia é quando ocorre a extinção integral da relação jurídica obrigacional  (art. 1.499, I, do CC/2002), eis que não há que se falar em garantia de obrigação que deixa de existir. Além disso, a norma exige, para fins de extinção da hipoteca, a averbação de um título idôneo, a teor do disposto no art. art. 1.500 do CC/2002, verbis: “Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação, no Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova”.

Tal situação não se confunde com a dívida prescrita. Com efeito, a pretensão de cobrança da dívida pode ser obstada pela prescrição, mas a dívida não resta extinta e, logo, representa crédito hipotecário que só pode ser cancelado se paga a dívida.

Sobre o tema, aliás, já se pronunciou a 3ª Turma do C. STJ, ao reconhecer que a prescrição para a cobrança de dívida não extingue a existência do débito, reformando, assim, decisão que havia extinguido contrato de compra e venda de imóvel e quitado débito em razão de vencimento de prazo prescricional:

“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PARCELAS INADIMPLIDAS. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO QUE ATINGE A PRETENSÃO, E NÃO O DIREITO SUBJETIVO EM SI. 1. Ação ajuizada em 27/03/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 14/12/2016. Julgamento: CPC/73. 2. O propósito recursal é definir i) se, na hipótese, houve a interrupção da prescrição da pretensão da cobrança das parcelas inadimplidas, em virtude de suposto ato inequívoco que importou reconhecimento do direito pelo devedor; e ii) se, ainda que reconhecida a prescrição da pretensão de cobrança, deve-se considerar como subsistente o inadimplemento em si e como viável a declaração de quitação do bem. 3. Partindo-se das premissas fáticas estabelecidas pelo Tribunal de origem quanto à inexistência de ato inequívoco que importasse em reconhecimento do direito por parte da recorrida – premissas estas inviáveis de serem reanalisadas ou alteradas em razão do óbice da Súmula 7/STJ – não há como se admitir a ocorrência de interrupção do prazo prescricional. 4. A prescrição pode ser definida como a perda, pelo titular do direito violado, da pretensão à sua reparação. Inviável se admitir, portanto, o reconhecimento de inexistência da dívida e quitação do saldo devedor, uma vez que a prescrição não atinge o direito subjetivo em si mesmo. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (STJ, 3ª T., REsp 1.694.322/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 13.11.2017) (g.n.)

Cumpre observar ainda as lições do Prof. Luciano de Camargo Penteado, no artigo “Prescrição do crédito hipotecário não afeta ipso facto a garantia”, donde se extrai, por elucidativo, o trecho a seguir:

“O art. 1.422 do CC/2002 deixa evidenciado que o principal direito que integra os direitos de garantia de penhor e hipoteca é o poder de excutir. Na sua dicção, “O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos”. Ou seja, o conteúdo da hipoteca resume-se, basicamente, no poder de excussão, ou seja, de tomar o bem para quitar o crédito, que basta ser existente, ainda que prescrito. Tanto assim que o prazo de perempção da hipoteca, no Brasil, pode ser de até 30 anos (art. 1.485 do CC/2002) e o maior prazo de prescrição de pretensões condenatórias é de 10 anos. Este descasamento do lapso temporal só se justifica se houver a possibilidade de permanência do crédito hipotecário, ainda após a prescrição, no patrimônio do credor, com consequências jurídicas. Se, após a prescrição ele não está habilitado a ver acolhido pedido de pagamento, ou seja, se uma ação condenatória não pode mais ser julgada procedente por esta preliminar de mérito (prescrição), tomando o maior prazo, haverá, em até 20 anos ainda, a possibilidade de excutir o bem dado em garantia para satisfazer o crédito. Neste caso, é feito praceamento e o produto do pagamento é revertido, no limite do valor atualizado da dívida, ao credor hipotecário. garantia real introduz esta modificação expressiva no sistema obrigacional.

Ainda prescrita a pretensão à excussão, mediante a conversão do imóvel em valor para satisfazer o interesse do credor que, não podendo ser cobrado para pagamento em dinheiro por parte do devedor pode sim, por ser ele também titular de garantia real ainda eficaz, lançar mão do bem para quitar a obrigação, mediante o processo de execução. Além do poder de excussão, integra referido direito real a preferência no pagamento em face dos demais credores, exceto os legalmente prioritários, como os tributários, alimentares, trabalhistas até certo valor.” (PENTEADO, Luciano de Camargo. Prescrição do crédito hipotecário não afeta ipso facto a garantia. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 16, n. 62, p. 167-193, abr./jun. 2015)

Assim, mesmo com eventual prescrição da ação para a cobrança da dívida, ela em si deve remanescer, bem como sua garantia hipotecária, a qual não poderá ser extinta por esse fundamento.

 

Sentença mantida. Na forma do art. 85, §11º do NCPC, condeno a parte apelante em honorários recursais fixados em 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa.

Em face do exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação.

 



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002145274v5 e do código CRC bca9a911.

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Data e Hora: 31/1/2025, às 11:38:43