Conheço do recurso, porque presentes seus pressupostos legais.
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença proferida nos autos da ação ordinária ajuizada em 12/04/2019 por CAMILO GOMES DOS SANTOS, na qual se pleiteia a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
Em suas razões recursais, o INSS sustenta que a controvérsia dos autos está inserida no contexto do Tema 301 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), uma vez que a principal questão consiste em saber se o intervalo entre os períodos de exercício de atividade rural pode comprometer o direito à aposentadoria por idade rural.
Argumenta que o lapso temporal existente entre os períodos de labor rural extrapola a mera descontinuidade prevista na legislação previdenciária, caracterizando verdadeira ruptura da vinculação do autor com as lides campesinas. Tal afastamento prolongado, segundo defende, descaracterizaria o perfil do trabalhador rural típico, a quem se destina a benesse legal, inviabilizando a aplicação do redutor etário e, consequentemente, o reconhecimento do direito ao benefício pleiteado.
Aduz, ainda, que durante o período de carência legalmente exigido, a parte autora manteve diversos vínculos empregatícios urbanos registrados no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), o que contraria os limites estabelecidos pela legislação previdenciária e pela jurisprudência consolidada.
Por fim, o INSS afirma que não restou demonstrada a indispensabilidade do labor rural da parte autora para a subsistência do grupo familiar, especialmente quando confrontada com a existência de rendimentos provenientes da atividade urbana. Assim, entende que não é possível reconhecer a qualidade de segurado especial, na condição de trabalhador rural em regime de economia familiar, razão pela qual pugna pela improcedência do pedido.
Requereu, ainda, a autarquia federal: “PROVIMENTO para a reforma da r. sentença, julgando-se totalmente improcedentes os pedidos formulados, nos termos da fundamentação recursal.
Em atenção ao princípio da eventualidade, requer-se, ainda, em caso de manutenção da sentença:
1. a observância da prescrição quinquenal;
2. a fixação dos juros moratórios nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, alterado pela Lei 11.960/09, bem como a fixação dos índices de correção monetária conforme Tema 905/STJ, sem prejuízo da aplicação imediata da Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021, segundo a qual nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente;
3. a fixação do percentual de honorários advocatícios no patamar mínimo (cf. artigo 85, § 3º, inciso I do NCPC), com a limitação da verba honorária ao comando do Súmula 111-STJ;
4. a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias.
5. o desconto, de eventual montante retroativo, dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período, bem como pelo deferimento da cobrança de eventuais valores pagos indevidamente à parte autora em sede de antecipação dos efeitos da tutela.”
No âmbito administrativo, o benefício pleiteado foi indeferido sob a justificativa de "Falta de comprovação de atividade rural em número de meses idênticos a à carência do benéfico "(NB:174.634.259-2; DER: 22/02/2016).
O juízo de origem, ao processar o feito, concluiu que que os elementos que instruem os autos comprovam a atividade rural do requerente em regime de economia familiar no período mínimo exigido por lei imediatamente anterior à data que completou a idade mínima legal, de forma que merece prosperar seu pedido.
DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL
Em suas razões de recorrer o INSS requer a decretação da prescrição das prestações anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação.
É de relevo ressaltar que conforme reza o parágrafo único do artigo 103 da Lei nº 8.213/91, "prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil".
No caso em exame, estariam prescritas as parcelas vencidas anteriores aos cinco anos da propositura da ação que ocorreu em 12/11/2019, ou seja, das parcelas anteriores a 12/11/2014.
Como a DER é em 2016, não há, de fato, parcelas atingidas pela preclusão temporal.
DA APOSENTADORIA RURAL
A aposentadoria por idade do trabalhador rural, nos termos do art. 48, §§ 1º e 2º, e do art. 143 da Lei nº 8.213/1991, é devida ao segurado que, completando 60 anos se homem ou 55 anos se mulher, comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por período correspondente à carência exigida para o benefício pretendido, conforme a tabela do art. 142 da mesma lei.
No caso do segurado especial, definido no art. 11, VII, da referida lei, a aposentadoria por idade independe do recolhimento de contribuições mensais, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural em regime de economia familiar, no período correspondente à carência (art. 26, III c/c art. 39, I, da Lei nº 8.213/1991).
Considera-se regime de economia familiar aquele em que o trabalho dos membros da família é indispensável à subsistência do grupo e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
DA COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL
A comprovação do trabalho rural pelo segurado especial deve ser feita mediante autodeclaração, conforme art. 38-B da Lei nº 8.213/1991, complementada por documentos contemporâneos do período a ser analisado. Entre os documentos aceitos, listados no art. 106 da mesma lei, estão, por exemplo: notas fiscais de produtor, bloco de notas do produtor rural, contrato de arrendamento, documentos fiscais relativos à entrega de produção, DAP ou equivalente, entre outros.
Cabe ressaltar que é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos (STJ, Sexta Turma, AgRg no REsp: 1073730 CE 2008/0159663-4, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 29/03/2010).
Saliente-se que não se pode conceder o benefício com base apenas nas provas testemunhais. Nesta linha, o enunciado da Súmula n.º 149 do Superior Tribunal de Justiça assim dispõe:
A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário.
De fato, para a comprovação da atividade rural, é necessária a apresentação de início de prova documental, confirmada pelos demais elementos probatórios dos autos, especialmente pela prova testemunhal, não se exigindo, contemporaneidade da prova material com todo o período de carência (STJ, Sexta Turma, AgRg no Ag 1.419.422/MG, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 3/6/2013).
Acrescente-se que, conforme inúmeros precedentes do e. STJ, não é necessário que o início de prova material diga respeito a todo período de carência estabelecido pelo artigo 143 da Lei nº 8.213/91, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória (STJ, Quinta Turma, AgRg no Ag 1.410.311/GO, Relator Ministro Gilson Dipp, DJe 22/3/2012).
É de relevo registrar que, para fins de reconhecimento de tempo de serviço rural, os documentos expedidos em nome de integrantes do grupo familiar e a qualificação em certidões têm sido aceitos pela jurisprudência como início de prova material, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome do chefe do grupo familiar, geralmente o chefe da unidade familiar, o qual, normalmente é o genitor.
DO CASO CONCRETO
O autor, nascido em 20/02/1956 (evento 1, INIC1 – p. 34) já atendia o requisito etário à época do requerimento administrativo do benefício, em 22/02/2016 (evento 1, INIC1 – p. 28).
Sobre a qualidade de segurado especial, a parte autora trouxe como provas materiais:
- Declaração de exercício de atividade rural firmada perante o sindicato de trabalhadores rurais de Águia Branca/ES, referente aos períodos de 01/04/1976 a 30/09/1992 na condição de meeiro no sítio Macário - Córrego São João - Águia Branca - ES e de 10/08/2011 até a data da declaração, na condição de meeiro no Sítio vale do Sol - Córrego São João - Águia Branca - ES, ambos em regime de economia familiar, datada de 22/02/2016. (evento 1, INIC1 – p. 29/31);
- Certidão de casamento do autor celebrado em 28/09/1991, na qual consta a profissão do autor como lavrador, datada de 31/12/1998 (evento 1, INIC1 – p. 32);
- Carteira do sindicato de trabalhadores rurais de Águia Branca, constando a data de filiação do mesmo em 20/06/2012, juntamente com comprovantes de pagamento de contribuição sindical referentes 2013 a 2016 (evento 1, INIC1 – p. 35);
- Ficha de saúde da família emitida pela secretaria municipal de Águia Branca, constando a profissão do autor como trabalhador rural, datada de 20/04/2012. (evento 1, INIC1 – p. 39/40);
- Declaração de aptidão ao Pronaf, datada de 22/02/2016. (evento 1, INIC1 – p. 41);
- Contrato de parceria Agrícola firmado perante o sindicato de trabalhadores Rurais de Águia Branca, entre Francisca das Graças Da Cruz Sarmento e o autor e sua esposa, com duração de dez anos, a partir de 20/06/2012 até 20/06/2022. Constando no mesmo que havia entre as partes contrato verbal desde 10/08/2011, datado de junho de 2012. (evento 1, INIC1 – p. 42/44);
- Declaração de atividade rural, na qual Francisca das Graças Da Cruz Sarmento afirma que o autor e sua esposa exercem atividades rurais em regime de economia familiar na condição de meeiros na sua propriedade através de contrato verbal e escrito no período de 10/08/2011 até a data da declaração, datada em 05/02/2016 (evento 1, INIC1 – p. 45);
- Certificado de Cadastro de imóvel Rural – CCIR 2010/2011/2012/2013/2014, ITR referente a 2015 e Escritura pública do imóvel onde o autor alega exercer atividades rurais (evento 1, INIC1 – p. 46/53);
- Declaração de atividade rural, na qual Francisca das Graças Da Cruz Sarmento afirma que o autor exerceu atividades rurais em regime de economia familiar na condição de meeiro na propriedade de seu pai, Macário Inácio Da Cruz (já falecido), sogro do autor, através de contrato verbal no período de 01/04/1976 até 30/09/1992, datada em 22/02/2016, juntamente com registro do imóvel, certidão de óbito e ficha de inscrição de cadastral de produtor agropecuário (evento 1, INIC1 – p. 54/57);
- Declaração de atividade rural, na qual Elvidio João Manzoli afirma que o autor exerceu atividades rurais em regime de economia familiar na condição de meeiro na propriedade de Macário Inácio Da Cruz (já falecido), sogro do autor, através de contrato verbal no período de 01/04/1976 até 30/09/1992, datada em 22/02/2016, juntamente com Certificado de Cadastro de imóvel Rural – CCIR 2010/2011/2012/2013/2014 e Escritura pública do seu imóvel (evento 1, INIC1 – p. 58/69);
- Declaração de atividade rural, na qual Jesos Da Silva afirma que o autor exerceu atividades rurais em regime de economia familiar na condição de meeiro na propriedade de Macário Inácio Da Cruz (já falecido), sogro do autor, através de contrato verbal no período de 01/04/1976 até 30/09/1992, datada em 22/02/2016, juntamente com Certificado de Cadastro de imóvel Rural – CCIR 2010/2011/2012/2013/2014 e Escritura pública do seu imóvel (evento 1, INIC1 – p. 70/75);
- CTPS do autor (evento 1, INIC1 – p. 76/77);
- Termo de homologação da atividade rural, tendo como períodos homologados pela autarquia os de 28/09/1991 a 30/09/1992 e de 10/08/2011 a 21/02/2016, datado de 04/05/2016 (evento 1, INIC1 – p. 94);
- Memorial de medição de terras solicitada pelo sogro do autor, Macário Inácio de cruz, que comprovam a existência de terras pertencentes a este, autenticado em 20/12/2018(evento 1, INIC1 – p. 139/143);
- Declaração de atividade rural, na qual Mauro Francisco de Oliveira afirma que o autor e sua esposa exerceram atividades rurais em regime de economia familiar na condição de meeiros na sua na propriedade no período de junho de 1994 a julho de 2002, datada em 01/11/2018, juntamente comcom seus documentos de identificação, certidão de casamento e documentos do imóvel (evento 1, INIC1 – p. 144/149);
- Declaração de atividade rural, na qual Maria de Lourdes Lopes de Oliveira afirma que o autor e sua esposa exerceram atividades rurais em regime de economia familiar na condição de meeiros na sua na propriedade no período de junho de 1994 a julho de 2002, datada em 01/11/2018, juntamente com seus documentos de identificação, certidão de casamento e documentos do imóvel (evento 1, INIC1 – p. 150/155);
Comprovantes de venda de café em nome do autor:
- Datada de 13/07/1995 (evento 1, INIC1 – p. 156);
- Datada de 01/07/1996 (evento 1, INIC1 – p. 158);
- Datada de 17/05/1996 (evento 1, INIC1 – p. 160);
- Datada de 17/03/1999 (evento 1, INIC1 – p. 162);
- Datada de 30/08/1995 (evento 1, INIC1 – p. 163);
- Datada de 12/06/1995 (evento 1, INIC1 – p. 164);
- Datada de 29/07/1996 (evento 1, INIC1 – p. 165);
- Datada de 05/08/1996 (evento 1, INIC1 – p. 167);
- Datada de 13/08/1998 (evento 1, INIC1 – p. 168);
- Datada de 22/07/1996 (evento 1, INIC1 – p. 169);
- Datada de 01/10/1998 (evento 1, INIC1 – p. 170);
- Datada de 08/06/1998 (evento 1, INIC1 – p. 171);
- Datada de 07/06/1995 (evento 1, INIC1 – p. 173);
Por outro lado, repiso que não seria necessário que os mesmos fossem contemporâneos a todo o período de labor rural, bastando que seja harmônico com o depoimento testemunhal.
Ademais, a investigação do STJ admite que o início de prova material seja ampliado pela prova testemunhal idônea, dispensando a necessidade de que a prova documental cubra todo o período de carência (REsp nº 1.348.633/SP e PET nº 7.475/PR).
Para complementar a prova documental, foi produzida prova testemunhal em mídia contida no link do evento 1, CONT2– p. 184, da qual se extrai que o autor exerce atividade rural, em regime de meação, há décadas, inicialmente na propriedade do sogro, Macário Inácio da Cruz, e, desde 2011, na propriedade de Francisca das Graças.
As testemunhas Sebastião Pedro Neto, Elvídio João Manzoli e Oldair Favoretti confirmaram que o autor sempre trabalhou na lavoura, em regime de meação, ao lado da esposa e sem auxílio de empregados, tanto no Espírito Santo quanto em Rondônia, onde residiu por cerca de 16 anos. Embora tenha tido breves vínculos urbanos formais em Rondônia, São Mateus e Belo Horizonte, todos relataram que sua principal atividade sempre foi a agrícola, desenvolvida de forma contínua e familiar.
Cumpre salientar que os períodos compreendidos entre 28/09/1991 a 30/09/1992 e de 10/08/2011 a 21/02/2016 foram devidamente homologados, de forma administrativa, pela autarquia previdenciária, restando controvertido apenas o intervalo entre 01/04/1976 e 27/09/1991.
Ressalte-se que os elementos probatórios constantes dos autos referem-se, em sua integralidade, aos períodos já reconhecidos administrativamente, inexistindo início de prova material idônea a amparar o exercício de atividade rural no lapso anterior a 1991.
O autor, contudo, apresentou declaração de exercício de atividade rural firmada por Mauro Francisco de Oliveira e Maria de Lourdes Lopes de Oliveira, relativa ao período de junho de 1994 a julho de 2002, bem como recibos de comercialização de café em seu nome, datados dos anos de 1995, 1996, 1998 e 1999. Tais recibos constituem documentação típica da produção e comercialização agrícola, evidenciando a vinculação do requerente às lides rurais naquele período.
É oportuno destacar que, conforme entendimento pacificado na jurisprudência, declarações firmadas por terceiros ou por sindicatos não se constituem, por si sós, em início de prova material. Todavia, sua utilização é admitida quando corroboradas por outros elementos probatórios, especialmente se contemporâneos aos fatos alegados e se indicarem, com verossimilhança, o exercício de atividade rural.
No caso concreto, a prova oral colhida nos autos, com especial destaque para o depoimento da testemunha Oldair Favoretti, confirma que o autor exerceu atividade agrícola nas terras de Mauro Francisco de Oliveira durante o período indicado, impondo-se, portanto, o reconhecimento do referido intervalo como tempo de labor rural.
Ademais, as demais testemunhas ouvidas em juízo foram uníssonas e coerentes ao afirmar que o autor sempre desempenhou atividades rurais de forma contínua, habitual e em regime de economia familiar, o que corrobora o conjunto probatório e reforça a verossimilhança das alegações formuladas na inicial.
DO EXERCICIO DE ATIVIDADE URBANA EM PERÍODOS INTERCALADOS COM A RURAL
Quanto ao fato de que o autor exerceu atividades urbanas com vínculo de emprego, por se tratar de vínculos de curta duração, não são suficiente para descaracterizar sua condição de segurada especial.
Ademais, a atividade urbana intercalada com a rural não constitui, por si só, óbice ao reconhecimento do labor, conforme dispõe a Súmula n.º 46 da TNU, que assim dispõe:
"O exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto.”
Nesse sentido:
“PREVIDENCIARIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ART. 1.022, DO CPC/15. ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ATIVIDADE URBANA DO AUTOR. I - Não há vício no acórdão embargado, pois a Turma consignou (i) que é pacífico o entendimento de que o exercício de atividade urbana intercalada com a rural não constitui, por si só, óbice ao reconhecimento do labor, conforme dispõe a Súmula n.º 46 da TNU e (ii) quais documentos foram levados em consideração, para fins de comprovação da atividade rural do autor, ora embargado. II - Embargos de Declaração desprovidos.” (TRF-2ª Região - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho - 0000285-44.2018.4.02.9999 (TRF2 2018.99.99.000285-5) - Órgão julgador: 2ª TURMA ESPECIALIZADA - Relator: MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO - Data de decisão: 14/04/2020 - Data de disponibilização: 27/04/2020).
DA DESCONTINUIDADE
No que tange à alegação do INSS de que a controvérsia insere-se no âmbito do Tema 301 da Turma Nacional de Uniformização (TNU), sob o argumento de que o intervalo existente entre os períodos de exercício de atividade rural comprometeria o direito à aposentadoria por idade, cumpre salientar que tal entendimento não merece prosperar.
A autarquia sustenta que o lapso temporal entre os vínculos rurais extrapolaria a descontinuidade admissível pela legislação previdenciária, configurando, segundo seu entendimento, uma ruptura definitiva do vínculo do autor com as lides campesinas. Contudo, tal interpretação destoa do que dispõe expressamente o artigo 143 da Lei nº 8.213/91, o qual admite o cômputo de períodos de atividade rural exercidos de forma descontínua, inclusive de forma alternada ou concomitante com vínculos urbanos, desde que comprovado o efetivo retorno ao meio rural.
Com efeito, não há na legislação previdenciária qualquer imposição de marco temporal rígido para o retorno à atividade rural, exigindo-se apenas a demonstração de que o segurado voltou a se dedicar às atividades campesinas e que preenche os demais requisitos exigidos para a concessão do benefício.
Ademais, o próprio Tema 301 da TNU consolidou o entendimento de que é possível computar períodos intercalados de atividade rural e urbana, desde que restem comprovados o retorno ao meio rural e a predominância do labor agrícola no período de carência legalmente exigido.
Neste sentido:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. DESCONTINUIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TUTELA ESPECÍFICA. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. 1. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: a) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; b) suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; c) corrigir erro material (CPC/2015, art. 1.022, incisos I a III). Em hipóteses excepcionais, entretanto, admite-se atribuir-lhes efeitos infringentes. 2. Não se enquadrando em qualquer das hipóteses de cabimento legalmente previstas, devem ser rejeitados os declaratórios. 3. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade. 4. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal. 5. Havendo prova da atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento por tempo significativo, que comprove que a parte autora passou a sobreviver da agricultura, deve ser admitido o direito à aposentadoria rural por idade com o cômputo de períodos anteriores descontínuos (artigos 24 e 143 da Lei n.º 8.213/91) para fins de implemento de carência. 6. Mantida a sentença quanto ao reconhecimento dos períodos de atividade rural em regime de economia familiar postulados, bem como em relação à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, a contar da DER. 7. Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do uso da TR como índice de correção monetária (Tema 810 do STF), aplicam-se, nas condenações previdenciárias, o IGP-DI de 05/96 a 03/2006 e o INPC a partir de 04/2006. Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E. 8. Os juros de mora incidem a contar da citação, no percentual de 1% ao mês até 29/06/2009 e, a partir de então, segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, calculados sem capitalização. 9. A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas. 10. Determinada a implantação imediata do benefício. 11. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade (art. 1.025 do CPC/2015). (TRF4, AC 5005059-36.2022.4.04.9999, 5ª Turma , Relator ROGER RAUPP RIOS , julgado em 11/10/2022)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. DESCONTINUIDADE DO LABOR RURAL. POSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 2. Havendo prova da atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento por tempo significativo, que comprove que a parte autora passou a sobreviver da agricultura, deve ser admitido o direito à aposentadoria rural por idade com o cômputo de períodos anteriores descontínuos (artigos 24 e 143 da Lei n.º 8.213/91) para fins de implemento de carência. 3. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905). A partir de 09/12/2021, deve ser observada para fins de atualização monetária e juros de mora, de acordo com art. 3º da EC 113/2021, o índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. 4. Os requisitos restaram preenchidos, sendo devida a concessão da aposentadoria por idade rural em favor da parte autora, a contar da DER. (TRF4, AC 5004822-02.2022.4.04.9999, 5ª Turma , Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL , julgado em 25/09/2024)
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. LEI Nº 8.213/91. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL EXISTENTE. AUTODECLARAÇÃO. DESCONTINUIDADE. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DAS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. TAXA SELIC.
I. Atingida a idade mínima exigida pela lei e comprovado o exercício de atividade rural, o segurado faz jus à aposentadoria rural por idade.
II. Admite-se o cômputo de períodos de atividade rural intercalados para fins de aposentadoria por idade rural (Tema 301, da TNU).
III. Levando-se em conta os Temas 810/STF e 905/STJ, os juros e a correção monetária devem ser aplicados nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
IV. A disposição introduzida pela EC 113/2021, quanto à correção monetária e aos juros de mora, produz efeitos a partir de sua vigência, ou seja, não tem efeitos retroativos.
V. Apelação desprovida. Honorários advocatícios majorados em 1%, a título de honorários recursais.
DECISAO: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e majorar em 1% o valor dos honorários advocatícios, a título de honorários recursais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.(TRF2 , Apelação Cível, 5001440-21.2023.4.02.9999, Rel. MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO , 2a. TURMA ESPECIALIZADA , Rel. do Acordao - MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO, julgado em 13/11/2023, DJe 28/11/2023 14:21:58)
Dessa forma, considerando-se que restou comprovado nos autos que o autor retornou ao meio rural após o encerramento de vínculo urbano e manteve-se no exercício de atividade rural por tempo suficiente ao cumprimento dos requisitos legais, mostra-se plenamente viável o reconhecimento do direito à aposentadoria por idade rural, conforme a legislação vigente e a jurisprudência dominante.
Diante disso, não se verifica fundamento jurídico para a reforma da sentença, a qual deve ser integralmente mantida.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO PATAMAR MÍNIMO E NOS TERMOS DA SÚMULA 111 DO STJ
No que tange ao pedido de fixação dos honorários advocatícios no patamar mínimo e com limitação nos termos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, não há providência a ser adotada, uma vez que a sentença já determinou expressamente a observância de tais parâmetros.
PREQUESTIONAMENTO
Visando o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos autos, ainda que não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, consoante o disposto no art. 1.025 do CPC.
HONORÁRIOS
Em razão do desprovimento integral do recurso, os honorários devem ter um percentual de 1% a ser acrescido ao percentual fixado em primeira instância.
ANTE DO EXPOSTO, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO à apelação do INSS.