Conforme relatado, trata-se de apelação interposta por RITA DE CASSIA VIEIRA DE OLIVEIRA em face de sentença proferida pela Vara Única da Comarca de Sumidouro/RJ (evento 15, SENT99), que, nos autos de ação movida em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de pensão por morte, em razão do óbito do seu companheiro, em 23/07/2016 .
Conheço da apelação interposta, porquanto presentes os pressupostos e requisitos de admissibilidade.
DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
A pensão por morte é regulada pela lei vigente à época do óbito do segurado instituidor do benefício, nos moldes do verbete sumular 340 do STJ: "A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado".
No caso em exame, considerando o óbito do instituidor ocorrido em 23/07/2016 (evento 15, PROCADM6), aplica-se a Lei nº 8.213/91, com as alterações promovidas pelas Leis nº 9.528/1997 e nº 13.183/2015.
DA PENSÃO POR MORTE E SEUS REQUISITOS
O benefício de pensão por morte será concedido a partir do óbito, quando o requerimento for efetuado até 30 dias após o fato, ou a partir do requerimento, quando requerido após este prazo, nos termos do art. 74, da Lei nº 8.213/91:
"Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
I - do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste; (Redação pela Lei nº 13.183, de 2015)
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)"
Para a concessão do benefício de pensão por morte, é necessário comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) o falecimento do instituidor; (ii) a qualidade de segurado do instituidor do benefício na data do seu óbito e (iii) a relação de dependência com o instituidor.
No caso concreto a controvérsia se dá em relação à qualidade de segurado do companheiro da apelante.
DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL
A condição de segurado especial, decorrente de atividade rurícola em regime de economia familiar, deve ser demonstrada mediante início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula 149 do STJ.
Lei nº 8.213/91, art. 55, § 3º: A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Súmula nº 149 do STJ: Para efeito de obtenção de benefício previdenciário, não se prestam à comprovar atividade rural, prova exclusivamente testemunhal.
Assim, para a comprovação da atividade rural, é necessária a apresentação de início de prova documental, confirmada pelos demais elementos probatórios dos autos, especialmente pela prova testemunhal.
Segue os seguintes precedentes a respeito da matéria:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, RATIFICADO PELOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE CONTEMPORANEIDADE. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.
I. Para a comprovação da atividade rural, faz-se necessária a apresentação de início de prova documental, a ser ratificado pelos demais elementos probatórios dos autos, notadamente pela prova testemunhal, não se exigindo, conforme os precedentes desta Corte a respeito da matéria, a contemporaneidade da prova material com todo o período de carência.
II. Consoante a jurisprudência do STJ, "para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, a lei não exige que o início de prova material se refira precisamente ao período de carência do art. 143 da Lei n.º 8.213/91, desde que robusta prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, como ocorre na hipótese em apreço. Este Tribunal Superior, entendendo que o rol de documentos descrito no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 é meramente exemplificativo, e não taxativo, aceita como início de prova material do tempo de serviço rural as Certidões de óbito e de casamento, qualificando como lavrador o cônjuge da requerente de benefício previdenciário. In casu, a Corte de origem considerou que o labor rural da Autora restou comprovado pela certidão de casamento corroborada por prova testemunhal coerente e robusta, embasando-se na jurisprudência deste Tribunal Superior, o que faz incidir sobre a hipótese a Súmula n.º 83/STJ" (STJ, AgRg no Ag 1399389/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe de 28/06/2011).
III. Nos termos da Súmula 7 desta Corte, não se admite, no âmbito do Recurso Especial, o reexame de prova.
IV. Agravo Regimental improvido.
(STJ, Sexta Turma, AgRg no Ag 1.419.422/MG, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 3/6/2013)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PENSÃO POR MORTE. DESCONTINUIDADE. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. Levando em consideração a tolerância da Lei de Benefícios relativamente ao exercício do labor rurícola para a concessão da aposentadoria por idade (pois possibilita a comprovação de dito trabalho mesmo que de forma descontínua), o art. 11, § 9º, inciso I, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 11.718/2008, segundo o qual o recebimento de pensão por morte com renda mensal superior a um salário mínimo descaracteriza a condição de segurado especial, não impede, no caso, a concessão do beneficio pleiteado. É que, à época da alteração legislativa introduzida por esse diploma legal, em 23-06-2008, a autora já era beneficiária da pensão por morte e restavam poucos anos para a implementação da idade, autorizando-se o deferimento da aposentadoria com fulcro no art. 143 da LBPS, que permite a descontinuidade do trabalho campesino.
3. Implementado o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei n. 8.213/91), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.
4. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do art. 461 do CPC.
(TRF-4 - APEL/REEX Nº 0010027-78.2014.4.04.9999/RS - Sexta Turma – Relator: Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior – D.E. 15/02/2016)
É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o rol de documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991, é meramente exemplificativo e não taxativo, de certo que também admite como prova as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, etc. (cf. REsp 1.651.564/MT, rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe de20/04/2017).
Vale ressaltar que o próprio INSS reconhece a validade probatória de documentos distintos daqueles elencados na Lei nº 8.213/91, aos quais atribui a condição de início de prova material e estão relacionados no artigo 54 da Instrução Normativa nº 77/2015 - INSS:
"Art. 54. Considera-se início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, entre outros, os seguintes documentos, desde que neles conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, observado o disposto no art. 111:
I - certidão de casamento civil ou religioso;
II - certidão de união estável;
III - certidão de nascimento ou de batismo dos filhos;
IV - certidão de tutela ou de curatela;
V - procuração;
VI - título de eleitor ou ficha de cadastro eleitoral;
VII - certificado de alistamento ou de quitação com o serviço militar;
VIII - comprovante de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou boletim escolar do trabalhador ou dos filhos;
IX - ficha de associado em cooperativa;
X - comprovante de participação como beneficiário, em programas governamentais para a área rural nos estados, no Distrito Federal ou nos Municípios;
XI - comprovante de recebimento de assistência ou de acompanhamento de empresa de assistência técnica e extensão rural;
XII - escritura pública de imóvel;
XIII - recibo de pagamento de contribuição federativa ou confederativa;
XIV - registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como testemunha, autor ou réu;
XV - ficha ou registro em livros de casas de saúde, hospitais, postos de saúde ou do programa dos agentes comunitários de saúde;
XVI - carteira de vacinação;
XVII - título de propriedade de imóvel rural;
XVIII - recibo de compra de implementos ou de insumos agrícolas;
XIX - comprovante de empréstimo bancário para fins de atividade rural;
XX - ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato de trabalhadores rurais, colônia ou associação de pescadores, produtores ou outras entidades congêneres;
XXI - contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais, à colônia ou à associação de pescadores, produtores rurais ou a outras entidades congêneres;
XXII - publicação na imprensa ou em informativos de circulação pública;
XXIII - registro em livros de entidades religiosas, quando da participação em batismo, crisma, casamento ou em outros sacramentos;
XXIV - registro em documentos de associações de produtores rurais, comunitárias, recreativas, desportivas ou religiosas;
XXV - Declaração Anual de Produto - DAP, firmada perante o INCRA;
XXVI - título de aforamento;
XXVII - declaração de aptidão fornecida para fins de obtenção de financiamento junto ao Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar - PRONAF; e
XXVIII - ficha de atendimento médico ou odontológico.
§ 1º Para fins de comprovação da atividade do segurado especial, os documentos referidos neste artigo, serão considerados para todos os membros do grupo familiar.”
DO CASO CONCRETO
A controvérsia diz respeito sobre a manutenção da qualidade de segurado especial do companheiro da apelante ao tempo do óbito.
A despeito dos argumentos trazidos na decisão de primeiro grau, os documentos apresentados evidenciam o início de prova da atividade rural:
- Contrato de parceria rural, com início em 31/12/2000 e término em dezembro de 2018 (evento 15, PROCADM7);
- ficha de internação hospitalar constando como lavrador (evento 15, PROCADM7);
- Declaração da E. E. M. Pedro José de Andrade de 1995 a 2008, informando a profissão do segurado falecido de Lavrador (evento 15, PROCADM8, fl. 4 e 5);
- Entrevista rural (evento 15, PROCADM8);
As testemunhas, Wander Luiz (evento 18, VIDEO1), José Machado (evento 18, VIDEO2) e Amauri da Silva (evento 18, VIDEO3), informaram que o falecido trabalhava na roça, tais quais os documentos apresentados na inicial, validando, assim a qualidade de segurado especial, portanto servem como início de prova material do exercício de atividade rurícola.
Como o de cujus veio a falecer em 2016, a toda evidência ostentava sim a qualidade de segurado naquele momento.
Por todas essas razões, a r. sentença deve ser reformada para julgar procedente o pedido e condenar o INSS a conceder-lhe o benefício de pensão por morte, com início de vigência (DIB) e pagamentos (DIP) desde a data do óbito do instituidor, em 23/07/2016, bem como a pagar à parte autora as respectivas parcelas atrasadas, devendo sobre elas incidir juros de mora, desde a citação, e correção monetária desde o vencimento de cada parcela em atraso.
DOS CONSECTÁRIOS LÓGICOS
Os juros de mora e a correção monetária de todo o período devem ser calculados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que já contempla tanto o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 870.947 (Tema 810) quanto do Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos REsp 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS (Tema 905), esta última que determina a aplicação do INPC para as dívidas de natureza previdenciária.
A partir da vigência da Lei nº 11.430/2006 (que incluiu o artigo 41-A na Lei nº 8.213/91) se observe a aplicação do INPC e, que a partir do mês de promulgação da EC nº 113/2021 (09 de dezembro de 2021), a apuração do débito se dê, unicamente, pela taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3°, ficando vedada a sua incidência cumulada com juros e correção monetária.
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com a modificação do julgado, os honorários advocatícios serão integralmente arcados pelo INSS.
Uma vez ilíquida a sentença, os honorários advocatícios devem ser fixados quando da liquidação do julgado, nos termos do artigo 85, §3º c/c 4º, II, do CPC/2015, observados os termos da Súmula 111 do STJ.
Em face do exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, nos termos da fundamentação supra.