A pensão por morte é o benefício pago aos dependentes do segurado, homem ou mulher, que falecer, aposentado ou não. Tratando-se de hipótese na qual se alega que o instituidor era segurado especial rurícola, a questão encontra-se regida pelo artigo 39 da Lei nº 8123/91, o qual assegura aos dependentes dos segurados especiais o benefício de pensão por morte, no valor de 1(um) salário mínimo, desde que comprovado o exercício da atividade rural por ocasião do óbito.
Comprovado óbito do Sr. Aziel em 08/02/20 e não havendo exigência de carência para a concessão deste benefício, é preciso comprovar o desempenho de atividade rural na qualidade de segurado especial quando do óbito. Portanto, o cerne da presente lide está no reconhecimento ou não da qualidade de rurícola do falecido, para efeitos previdenciários. Ou seja, de produtor, parceiro, meeiro e ou arrendatário rural que se dedique individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, à atividade rural agrícola ou de pecuária para a subsistência própria ou do núcleo familiar, do que se deduz que ele deve produzir e viver dessa produção, comercializando-a a fim de produzir a renda indispensável ao sustento da família.
Vale lembrar a definição de segurado especial, prevista no art. 11, VII, da Lei 8.213/91:
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
...
§6º Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.
§7º O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença.
§8º Não descaracteriza a condição de segurado especial:
I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;
II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano;
III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar; e
IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo;
V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;
VI - a associação em cooperativa agropecuária; e
VII - a incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI sobre o produto das atividades desenvolvidas nos termos do § 12.
§9º Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:
I – benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social;
II – benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar instituído nos termos do inciso IV do § 8o deste artigo;
III - exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;
IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;
V – exercício de mandato de vereador do Município em que desenvolve a atividade rural ou de dirigente de cooperativa rural constituída, exclusivamente, por segurados especiais, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;
VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 8o deste artigo;
VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; e
VIII – atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social.
No caso, o beneficio foi requerido administrativamente em 20/02/2020 e indeferido por ausência de qualidade de segurado especial (evento 17 procadm7 fl.11).
Consta da certidão de óbito que o falecido era casado, tinha 49 anos e residia na Av. Marubaí, Lote 5, Marubaí, Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro. Deixou 1 filho maior e um menor. Foi declarante Jailton Rodrigues Viana Filho (evento 17procadm2 fl.13).
Com o intuito de comprovar a alegada atividade rural, foram juntados aos autos os seguintes documentos, além do contrato de crédito rural adquirido pelo instituidor em 2002, no qual consta que ele era agropecuarista (Evento 10, ANEXO6):
- Notas fiscais referentes à venda de produtos agrícolas, emitidas entre 2011 e 2019 (Evento 10, ANEXO4 e ANEXO5);
- Declarações Anuais para o IPM (DECLAN-IPM) em nome do de cujus, relativas aos anos de 2011 a 2016 (Evento 10, ANEXO3);
- Declaração emitida em 2016 pela Prefeitura Municipal de Cachoeiras de Macacu, informando que o instituidor era produtor rural (Evento 10, DECL2);
- Escritura pública da propriedade rural (Evento 10, ANEXO9);
- Termos de depoimentos colhidos em audiência (Evento 35).
Em depoimento pessoal, disse a autora que mora em Sapucaia há 2 anos. Morava com ele no sítio. Ele trabalhava na lavoura no sítio do pai dele e tinha uma terra, Fazenda Terra Queimada, adquirida pelo Banco da Terra em 2002. Moravam numa terra de 3 hectares. Ela trabalhava com ele e às vezes pagavam um ajudante. O preparo da terra era feito pelo trator, pagando a hora. Compraram uma tobata, microtrator, financiado pelo Banco de Brasil (evento17 procadm2 fl.75). Não moravam aonde trabalhavam. No terreno em que moravam, não plantavam. Vendiam no CEASA. Trabalha na Escola Municipal como professora mediadora. Trabalhava de manhã na roça e às 12:30 entrava no colégio. Começou como professora em 2007 e antes trabalhava como agente de limpeza. Quando não podia ir à roça, ele ia.
A testemunha Etaniel disse que conhece o falecido desde criança e ele trabalhava na agricultura. Começou no terreno do avô, depois na terra do pai, em Marubaí, e mais tarde adquiriu um terreno na Terra Queimada. Cultivava legumes. A esposa também trabalhava. Manteve a atividade agrícola até o óbito. O micro trator custa uns 40 mil. Quando ele necessitava, pagava serviço de trator à hora.
Aderbal disse que conheceu o falecido há uns 20 anos e ele era trabalhador rural junto com a esposa em Murubaí e Terra Queimada; o falecido trabalhou a vida inteira em atividade rural. Disse que Monica trabalhava na atividade rural e depois do almoço, às vezes trabalhava no colégio.
Não resta dúvida, conforme diversos documentos juntados aos autos, de que o falecido exercia atividade rural como produtor de diversos tipos de legumes, em terreno comprado pelo Banco Terra (evento 10, anexo 9), fazendo uso de trator e outros equipamentos, também comprados através de financiamento, crédito rural:
Também entendo que o tal trator tobata, por si só, não teria o condão de desnaturar a atividade:
No entanto, teria que restar configurado que o trabalho rural fosse realizado para a subsistência da família, e não para mera complementação de renda. Daí a importância de se analisar o trabalho urbano da autora como professora, até porque ela alega que trabalhava com ele durante a manhã, antes de ir dar aula na escola, mas não há prova disto.
A Súmula nº 41 da Turma Nacional de Uniformização assinala que: "A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto". É preciso analisar dentro do conjunto probatório a relevância da renda proveniente da atividade rural da família para efeito de ser aferir a condição de segurado especial dos demais membros do núcleo familiar (PEDILEF 201072640002470, 20/09/2013):
PREVIDENCIÃRIO. TRABALHADOR RURAL INDIVIDUAL. MEMBRO DA FAMÍLIA EXERCE ATIVIDADE URBANA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL SEM CONSIDERAR O RENDIMENTO URBANO.
(...)
3. Já o produtor rural que possui família e pleiteia o reconhecimento da qualidade de segurado especial deve necessariamente demonstrar a relevância do trabalho na lavoura no orçamento familiar. Essa conclusão se ancora no § 1º do art. 11 da Lei nº 8.213/91, que exige que o trabalho dos membros da família seja indispensável à própria subsistência do grupo. Entendimento consagrado na Súmula nº 41 da TNU. Dessa forma, se algum membro integrante do grupo familiar auferir renda proveniente de atividade urbana, esse dado não pode deixar de ser considerado em comparação com a renda proveniente da atividade rural da família para efeito de definir se os familiares que exercem atividade rural podem se qualificar como segurados especiais. Descaracterizado o regime de economia familiar, não se pode postular o reconhecimento de qualidade de segurado especial individual com desprezo do rendimento urbano auferido pelos demais membros da família. (...) (Processo nº 2008.72.64.000511-6, Relator para acórdão Juiz Rogerio Moreira Alves, DJU 30/11/2012). 4. Pedido improvido.
Essa também é a jurisprudência do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. PERÍODO DE CARÊNCIA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REMUNERADA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. 1. Conforme dispõe o art. 11, inciso VII, § 1º, da Lei n.º 8.213/91"entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados." (sem grifos no original.)
2. Ao que se vê, para a caracterização do regime de economia familiar, é exigência legal que o labor rurícola seja indispensável à subsistência do trabalhador.
3. Na hipótese em apreço, tendo a Corte de origem reconhecido que houve o exercício de atividade urbana durante o período de carência, identificando-a, aliás, como sendo a atividade principal, resta afastada a indispensabilidade do labor rurícola do Autor para a sua subsistência, o que impossibilita o reconhecimento de sua condição de segurado especial pelo regime de economia familiar. (...)
(STJ, Quinta Turma, AGA nº 594206, Processo 200400393827, Rel. Ministra Laurita Vaz, J. 22.03.2005, DJU 02.05.2005).
E, no caso concreto, ao que tudo indica, o salário da autora junto ao Município de Cachoeiras de Macacu desde 2007 (evento17 prococadm2 fl.59) é de grande importância para o sustento da família, não restando comprovado que a atividade rurícola do falecido fosse essencial para tanto.
Com efeito, as notas fiscais de produtor rural mais recentes, de 2019 (evento 10, anexos 4 e 5), demonstram que os valores não ultrapassavam uma média de R$ 1.000,00:
Até constam notas fiscais de valores maiores, R$ 3.450,00, R$ 2.550,00, mas são do ano de 2017, ou uma de R$ 4.500,00, mas do ano de 2013. Mas na média, os valores são bem mais baixos do que estes.
De todo o exposto, ficou descaracteriza a atividade rural do falecido como indispensável à subsistência da família, não podendo ele ser qualificado como segurado especial, daí porque a autora não faz jus à concessão do benefício de pensão por morte, devendo ser mantida a sentença.
Condeno o recorrente ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, in fine, do Código de Processo Civil. Condenação suspensa, por força do art. 98, § 3º do Código de Processo Civil.
Após o decurso do prazo recursal, dê-se baixa e remetam-se os autos ao juizado de origem.
Ante o exposto, VOTO NO SENTIDO DE CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA.