Conheço da apelação, pois presentes os requisitos de admissibilidade.
Conforme relatado, cuida-se de apelação (ev. 1 APELAÇÃO3, pgs. 54/68), interposta pelo autor, contra a sentença (ev. 1 APELAÇÃO3, pgs. 48/50) que julgou improcedente o pedido, negando ao apelante os benefícios previdenciários por incapacidade.
José Rodrigues, trabalhador rural e segurado especial, afirmou que não logrou êxito em dar continuidade ao seu trabalho, devido às doenças que o afligiam. Teve indeferido seu requerimento de auxílio-doença, pois a perícia do INSS atestou a inexistência de incapacidade laborativa.
Quanto aos benefícios por incapacidade, o benefício previdenciário de auxílio-doença é disciplinado pelo art. 59 da Lei nº 8.213/91, nos seguintes termos:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será concedido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Por sua vez, o benefício de aposentadoria por invalidez está previsto nos art. 42 e seguintes da mesma Lei:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Para essas duas prestações é exigido, como regra geral, o cumprimento de requisito da carência de 12 contribuições mensais, nos termos do art. 25, I, da Lei nº 8.213/91, que assim dispõe:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;
Dentre os requisitos exigidos para a concessão e manutenção dessas prestações, destaca-se a incapacidade, que é o risco social coberto em ambos os casos. No caso do auxílio-doença, a incapacidade coberta é provisória (temporária) e/ou parcial (para o desempenho da atividade habitualmente exercida pelo segurado), enquanto que, para a aposentadoria por invalidez, a incapacidade deve ser permanente e para o exercício de toda e qualquer atividade profissional que assegure a subsistência do segurado.
Assim, da leitura dos aludidos artigos, conclui-se que, para fazer jus aos benefícios ora pleiteados, deverá a parte autora satisfazer cumulativamente três requisitos: (i) incapacidade; (ii) carência, quando for o caso; e (iii) qualidade de segurado.
No presente caso, restam incontroversos a qualidade de segurado e o cumprimento da carência.
No tocante ao requisito da incapacidade laborativa, a perícia judicial indicou que o autor possui doença pulmonar obstrutiva crônica, com infecção respiratória aguda do trato respiratório - DPOC (CID10: J44.0). Constatou que a patologia não decorre de acidente de trabalho. Observou que a doença dobra o risco de infarto e AVC, causando fraqueza muscular, raciocínio prejudicado, e pode levar à depressão. Por isso, concluiu pela incapacidade laborativa total e definitiva (ev. 1 APELAÇÃO3, pgs. 16/26).
Sendo assim, deve ser reconhecida a incapacidade laborativa do autor.
Passo à análise do interesse de agir para o ajuizamento desta ação.
Verifico que o autor compareceu à perícia médica administrativa (cf. ev. 1 APELAÇÃO2, pg. 47).
Ocorre que esta perícia, no entanto, não foi concluída, tendo a perita do INSS dito que "a anamnese acerca da doença é interrompida por absoluta falta de colaboração do segurado que recusa fornecer qualquer informação precisa".
A autarquia, então, informou ao segurado que, para a conclusão do seu exame médico pericial, iniciado no dia 04/08/2018, seria necessário o preenchimento das informações constantes do anexo SIMA, pelo seu médico assistente (ev. 1 APELAÇÃO1, pgs. 45/47).
Como o autor, em sede administrativa, não apresentou o documento, o juízo a quo, como visto, convenceu-se da ausência de interesse de agir para o ajuizamento da presente ação.
A meu ver, no entanto, faltou à médica perita ter paciência e compreensão com as respostas dadas pelo segurado, trabalhador rural analfabeto, sem escolaridade, com 61 anos de idade.
Com efeito, depreende-se do histórico do exame que a perita não levou em consideração as condições sociais e pessoais do segurado (ev. 1 APELAÇÃO2, pg. 45). Leia-se:
Declara-se agricultor meeiro. Informa que tem "problema no pulmão, já tinha já, tratei uns anos atrás, tornou voltar de novo, tamo tratando ver se melhora mais um pouquinho". Diz sentir falta de ar desde "muito tempo". Insisto: "desde que começou essa doença ni mim". Insisto: "quanto tempo tem falta de ar:" "pra dormir, subir um morro" Insisto: "há quanto tempo tem falta de ar": "resposta: "todo dia". Insisto: "quando comerçou a falta de ar do senhor" resposta: "tem tempo sô". Oferece, em substituição a anamnese, se quero olhar exames. Insisto que preciso saber a DID: resposta: "tomo remédio direto sô".
Por outro lado, o autor até chegou a responder sobre a data de início da doença, verbis:
"(...) diz tratar-se no CRE Metropolitano desde 4 anos atrás. Diz que antes, em Teófilo Otoni, tratou a doença em 1988".
Neste sentido, não é razoável querer obter respostas completas e detalhadas de pessoa sem instrução, ainda mais quando está total e permanentemente incapacitada para o trabalho, como evidenciou a perícia judicial.
Ademais, ante o princípio pro misero e a específica condição do segurado no que concerne à produção probatória, existe a necessidade de considerar tais documentos como suficientes à comprovação da incapacidade laborativa, em sede administrativa.
Por tudo isso, considero suficientes as informações apresentadas pelo segurado, razão pela qual está presente o interesse de agir para o ajuizamento da presente demanda.
Por isso, uma vez demonstrado o cumprimento de todos os requisitos previstos na legislação, deve ser concedido o benefício de aposentadoria por invalidez à parte autora.
Quanto ao termo inicial, esse deve, em regra, ser fixado na data do requerimento administrativo ou da indevida cessação do benefício, a teor do art. 43 da Lei nº 8.213/91. Na hipótese de inexistência de requerimento administrativo ou de concessão anterior de auxílio-doença, considera-se a citação como termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez, "haja vista que o laudo pericial norteia somente o livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas, não serve como parâmetro para fixar termo inicial de aquisição de direitos” (STJ, Quinta Turma, AgRg no AREsp 95.471/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, DJe 09/05/2012).
Neste sentido, o seguinte julgado:
A Terceira Seção pacificou o entendimento de que, na ausência de postulação na via administrativa, é a citação, e não a juntada do laudo pericial aos autos, que deve nortear o termo inicial dos benefícios de cunho acidentário, bem como os devidos em decorrência de invalidez.
(EDcl no REsp nº 1.349.703/RS, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 10/05/2013)
Tal entendimento, ademais, foi confirmado em sede de recurso repetitivo:
A citação válida informa o litígio, constitui em mora a autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação administrativa.
(REsp nº 1.369.165/SP, 1ª Seção, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 07/03/2014).
No caso concreto, a data de início de benefício deve ser fixada na data de entrada do requerimento administrativo.
Quanto aos juros de mora e a correção monetária de todo o período devem ser calculados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que já contempla tanto o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 870.947 (Tema 810) quanto do Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos REsp 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS (Tema 905). A partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 113/2021, deve ser aplicada a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), nos termos do seu artigo 3º, a qual já abrange correção monetária e juros de mora.
Adicionalmente, deve ser aplicado o Enunciado 56 da Súmula deste Tribunal Regional da 2ª Região, que dispõe que: “É inconstitucional a expressão ‘haverá incidência uma única vez’”, constante do art. 1°-F da Lei N° 9.494/97, com a redação dado pelo art. 5° da Lei 11.960/2009”.
Por fim, importante registrar que a aplicação dos índices de correção monetária é matéria de ordem pública, cognoscível de ofício, e, portanto, não se prende a pedido formulado em primeira instância ou mesmo a recurso voluntário dirigido ao Tribunal, o que afasta qualquer alegação sobre a impossibilidade de reformatio in pejus.
Sem honorários recursais, em razão do provimento à apelação, conforme entendimento fixado pelo Superior Tribunal Justiça (EDcl no AgInt no Resp nº 1.573.573).
Na forma do art. 85, §4°, II, do NCPC, tratando-se de acórdão ilíquido proferido em demanda da qual a Fazenda Pública faça parte, a fixação dos honorários sucumbenciais será feita na fase de liquidação, observando-se os critérios estabelecidos no art. 85, §§ 2° e 3°, do mesmo diploma legal.
Diante do exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.