Documento:20002221612
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001330-85.2024.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA DE FATIMA COSTA DOS SANTOS

EMENTA

Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADA ESPECIAL. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. DIFICULDADE NA COMPROVAÇÃO DO TRABALHO RURAL POR MULHERES. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA COMO SEGURADA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DO LABOR RURÍCOLA. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1. Apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, reconhecendo a qualidade de segurada especial da parte autora. A autarquia previdenciária alega ausência de comprovação do efetivo exercício da atividade rural no período exigido para a concessão do benefício.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) determinar se a parte autora comprovou o exercício de atividade rural pelo período de carência exigido para a concessão da aposentadoria por idade rural como segurada especial; e (ii) verificar se a ausência de registro formal ou a qualificação como "doméstica" em documentos civis impede o reconhecimento da atividade rurícola.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A legislação previdenciária admite a comprovação do trabalho rural por meio de início de prova material, corroborado por prova testemunhal idônea, sendo desnecessária a comprovação documental de todo o período exigido.

4. A dificuldade das mulheres em comprovar seu labor rurícola decorre do contexto histórico em que sua atividade na agricultura era frequentemente ignorada nos registros formais, sendo comum sua qualificação como "do lar" ou "doméstica" em documentos civis, o que não afasta o efetivo exercício da atividade rural.

5. No caso concreto, a parte autora apresentou certidão de casamento, certidão de propriedade rural, contratos de parceria agrícola, ITRs e entrevista rural, os quais constituem início razoável de prova material do exercício de atividade rural.

6. Os depoimentos colhidos em juízo confirmam de forma uníssona que a parte autora sempre exerceu atividade rural, reforçando a comprovação do labor rurícola pelo período exigido.

7. A concessão de auxílio-doença na qualidade de segurada especial em anos anteriores demonstra que o próprio INSS reconheceu a atividade rurícola da autora, configurando elemento relevante para a comprovação do direito ao benefício.

8. A sentença deve ser mantida, pois, à época do requerimento administrativo, a parte autora preenchia todos os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por idade rural.

9. Em razão da sucumbência recursal, aplica-se o §11 do art. 85 do CPC, majorando-se os honorários advocatícios em 1% sobre o valor anteriormente fixado.

IV. DISPOSITIVO E TESE

10. Recurso desprovido.

Tese de julgamento:

1. O reconhecimento do labor rurícola para fins previdenciários pode ser feito com início de prova material, complementado por prova testemunhal idônea, sendo desnecessária a comprovação documental de todo o período exigido.

2. A qualificação como "doméstica" em documentos civis não impede o reconhecimento da atividade rurícola, especialmente no caso de mulheres que exerciam trabalho agrícola sem formalização.

3. A concessão de auxílio-doença na qualidade de segurado especial constitui forte indicativo do reconhecimento prévio da atividade rural pelo INSS.

Dispositivos relevantes citados: Lei 8.213/1991, arts. 11, VII, e 143; CPC, art. 85, §11.

Jurisprudência relevante citada: AgRg no REsp: 1073730 CE 2008/0159663-4, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 29/03/2010.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 25 de março de 2025.



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002221612v5 e do código CRC 74b997f1.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALFREDO HILARIO DE SOUZA
Data e Hora: 28/03/2025, às 22:45:33

 


 


Documento:20002221611
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001330-85.2024.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA DE FATIMA COSTA DOS SANTOS

RELATÓRIO

​​Trata-se de apelação do Instituto Nacional do Seguro Social contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Ibatiba/ES que julgou procedente o pedido formulado com o seguinte dispositivo (evento 1, DOC26, fls. 48-56):

Ante o exposto, julgo procedente o pedido contido na petição inicial, julgando extinto o processo, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, concedendo à Senhora Maria de Fátima Costa Pereira o benefício previdenciário da Aposentadoria por Idade Rural, a partir da data de requerimento administrativo, em 11 de agosto de 2016, a ser implementado pela autarquia federal Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, imediatamente dentro de 15 dias, sob pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de descumprimento, podendo o presente valor se modificado de ofício pelo magistrado, nos termos do Código de Processo Civil. 

A correção dos valores atrasados, nos termos da redação dada ao artigo 1°-F, da Lei Federal nº 9.494/97, pela Lei Federal nº 11.960/2009, deverão ser atualizados pela aplicação conjunta dos índices oficiais da remuneração básica e juros aplicados às cadernetas de poupança, ressalvada a Súmula n° 56, do TRF da 2ª Região. Finalmente, condeno a ré no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, com base no art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, e nos princípios da sucumbência e da causalidade, sem incidência sobre prestações vincendas, nos termos da Súmula 111 do STJ. 

Publique-se. Registe-se. Intimem-se.

Verifico não ser causa de reexame necessário, conforme art. 496, §3º, I do CPC, razão pela qual, inexistindo recurso voluntário das partes, certifique-se quanto ao trânsito em julgado e arquivemse os autos, procedendo as devidas baixas. 

Diligencie-se

Em suas razões de apelação (evento 1, DOC26, fls. 38-40), o INSS requer que a sentença seja reformada para julgar improcedente o pedido da parte autora, pois não foi juntado início de prova material.

Afirma que a prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar o tempo de trabalho rural, sendo necessária apresentação de prova material contemporânea à carência exigida para o benefício pleiteado.

Contrarrazões (evento 1, DOC26, fls. 30-35).

Intimado, o Ministério Público Federal informou que a matéria objeto da demanda não se enquadra nas hipóteses de intervenção  obrigatória, nos moldes do artigo 178, do Código de Processo Civil (evento 7, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

​Conheço do recurso, eis que presentes seus pressupostos de admissibilidade.

A definição de segurado especial encontra-se no inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, com as alterações da Lei nº 11.718/2008, verbis:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(...)

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

A Lei nº 8.213/91, em seu art. 48, § 2º, ao regulamentar os benefícios a serem prestados pela Previdência Social, no capítulo referente à aposentadoria por idade, afirma que o benefício será devido aos trabalhadores rurais que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício. 

Já o art. 48, § 1º, da Lei nº 8.213/91 estabelece que a aposentadoria por idade é devida ao segurado rural quando este completa 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos, se mulher.

Logo, para a concessão do benefício em tela é necessário o atendimento de dois requisitos: (i) idade mínima; e (ii) comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico ao período de carência do benefício.

No tocante à comprovação do exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico ao período de carência do benefício, algumas considerações são necessárias.

Relativamente aos meios de comprovação do exercício de atividade rural, cumpre salientar que o artigo 106 da Lei nº 8.213/91 estabelece o seguinte:

Art. 106.  A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros:   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;        (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;        (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

III - (revogado);   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

V – bloco de notas do produtor rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;          (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;         (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;          (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou         (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.         (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

Dizem os artigos 38-A e 38-B, da mesma Lei:

Art. 38-A  O Ministério da Economia manterá sistema de cadastro dos segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), observado o disposto nos §§ 4º e 5º do art. 17 desta Lei, e poderá firmar acordo de cooperação com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal para a manutenção e a gestão do sistema de cadastro.   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 1º O sistema de que trata o caput deste artigo preverá a manutenção e a atualização anual do cadastro e conterá as informações necessárias à caracterização da condição de segurado especial, nos termos do disposto no regulamento.   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 2º Da aplicação do disposto neste artigo não poderá resultar nenhum ônus para os segurados, sem prejuízo do disposto no § 4º deste artigo.  (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 3º  O INSS, no ato de habilitação ou de concessão de benefício, deverá verificar a condição de segurado especial e, se for o caso, o pagamento da contribuição previdenciária, nos termos da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, considerando, dentre outros, o que consta do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) de que trata o art. 29-A desta Lei.                   (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)

§ 4º A atualização anual de que trata o § 1º deste artigo será feita até 30 de junho do ano subsequente.  (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 5º É vedada a atualização de que trata o § 1º deste artigo após o prazo de 5 (cinco) anos, contado da data estabelecida no § 4º deste artigo.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 6º Decorrido o prazo de 5 (cinco) anos de que trata o § 5º deste artigo, o segurado especial só poderá computar o período de trabalho rural se efetuados em época própria a comercialização da produção e o recolhimento da contribuição prevista no art. 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

Art. 38-B.  O INSS utilizará as informações constantes do cadastro de que trata o art. 38-A para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar.               (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)

§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento.    (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 3º Até 1º de janeiro de 2025, o cadastro de que trata o art. 38-A poderá ser realizado, atualizado e corrigido, sem prejuízo do prazo de que trata o § 1º deste artigo e da regra permanente prevista nos §§ 4º e 5º do art. 38-A desta Lei.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 4º Na hipótese de divergência de informações entre o cadastro e outras bases de dados, para fins de reconhecimento do direito ao benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106 desta Lei.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 5º O cadastro e os prazos de que tratam este artigo e o art. 38-A desta Lei deverão ser amplamente divulgados por todos os meios de comunicação cabíveis para que todos os cidadãos tenham acesso à informação sobre a existência do referido cadastro e a obrigatoriedade de registro.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

Cabe ressaltar que é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol do art. 106 da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos. 

Neste sentido, vale destacar os seguintes julgados da Egrégia Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO.SALÁRIO-MATERNIDADE. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA.INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONFIGURADO. AGRAVO IMPROVIDO.

É pacífico o entendimento da Terceira Seção deste Superior Tribunal no sentido de que a comprovação da atividade rural, para fins de obtenção dos benefícios previdenciários, deverá ser efetivada, com base em início de prova material ratificado por depoimentos testemunhais.

No caso em tela, o acórdão a quo, confirmando a sentença, julgou procedente o pedido da autora entendendo que, além das provas testemunhais, o documento colacionado aos autos, qual sejam, comprovação de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santana do Acaraú, de 7 de outubro de 2003, configuraria início razoável de prova documental.

Com razão as instâncias ordinárias, no ponto em que decidiram que a prova documental acostada pela autora, ora recorrida, serviu de início de prova documental do labor rural, cuja interpretação conjunta com as provas testemunhais, dão conta do exercício da atividade rural exercido em período equivalente à necessária carência para fins concessão do benefício de salário-maternidade.

O rol de documentos ínsito no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 é meramente exemplificativo, podendo ser aceito como início de prova material, documentos que comprove que a autora está associada ao Sindicato da categoria. Precedentes. 

Agravo regimental improvido (STJ , Sexta Turma,  AgRg no REsp: 1073730 CE 2008/0159663-4, DJe de 29/03/2010, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. ATIVIDADE RURAL. COMPROVAÇÃO. ROL DE DOCUMENTOS EXEMPLIFICATIVO. ART. 106 DA LEI 8.213/91. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIRO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CARÊNCIA. ART. 143 DA LEI 8.213/91. DEMONSTRAÇÃO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR MEMBRO DA FAMÍLIA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I - O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo.

II - Na hipótese dos autos, houve o necessário início de prova material, pois a autora apresentou documentos em nome do marido, o que também lhe aproveita, sendo despicienda a documentação em nome próprio, nos termos da jurisprudência desta Corte.

III - Consoante dispõe o artigo 143 da Lei 8.213/91, o trabalhador rural enquadrado como segurado obrigatório, na forma do artigo 11, VII da Lei em comento, pode requerer a aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, o que restou comprovado pela Autora.

IV - Este Superior Tribunal de Justiça considera que o exercício de atividade remunerada por um dos membros da família, mesmo que urbana, não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais.

V - Agravo interno desprovido (STJ, Quinta Turma, ADRESP 200900619370, DJe de 22/11/2010, Relator Ministro Gilson Dipp)

Saliente-se que, consoante o disposto no art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, não se pode conceder o benefício com base apenas nas provas testemunhais. O parágrafo terceiro do artigo 55 da Lei nº 8.213/1991 assim dispõe:

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).

No mesmo sentido da orientação legal, o Enunciado da Súmula n° 149 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário.

Tratando também da prova do tempo rural, o Enunciado da Súmula nº 34 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais assim dispõe:

Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a comprovar.

Ademais, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ também sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula n° 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal (REsp 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012). 

Feitos os devidos esclarecimentos, passo à análise do caso concreto.

Quanto ao requisito idade, não há o que se discutir. A parte autora, nascida em 04/08/1961 (Evento 1.22, fls. 07), completou a idade mínima necessária para a obtenção da aposentadoria por idade rural antes da DER (11/08/2016 - Evento ​​1.15​​, fls. 09).

A controvérsia cinge-se à prova do tempo de desempenho de atividade rural, a qual deve ser comprovada, ainda que de forma descontínua, nos meses que antecedem o implemento do requisito etário, ou anteriores ao requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável. 

​No caso em apreço, para fazer prova do exercício de atividade rural a parte autora juntou aos autos cópia dos seguintes documentos:​ certidão de casamento, realizado em 01/04/1978, qualificando o marido como "lavrador" e a autora como "doméstica" (Ev. 1.22, fls. 08); CTPS da autora sem vínculos empregatícios (Ev. 1.22, fls. 09); certidão emitida pelo Cartório de 1º Ofício de Ibatiba/ES informando propriedade rural em nome da autora e de seu marido da autora a partir de 1990 (Ev. 1.22, fls. 11); recibos de entrega de ITR em nome do marido da autora em relação à propriedade "Sítio Crisciuma" em relação aos anos 2013-2015 (Ev. 1.20, fls. 01-20); recibo de entrega de ITR em nome do marido da autora em relação à propriedade "Sítio Crisciuma" em relação aos anos 1992 e 1998 (Ev. 1.17, fls. 09-11); recibo de entrega de ITR em nome do marido da autora em relação à propriedade "Sítio Crisciuma" em relação ao ano 1997 (Ev. 1.16, fls. 02-03); contrato de parceria agrícola tendo como outorgante o marido da autora e como outorgados o Sr. Adilson e Sra. Neura na propriedade "Sítio Crisciuma", firmado em 05/11/2013 e firmas reconhecidas, constando que o contrato começou verbalmente em 03/09/2013 (Ev. 1.17, fls. 02-04); contrato de parceria agrícola tendo como outorgante o marido da autora e como outorgados o Sr. Romualdo e Sra. Cristiane na propriedade "Sítio Crisciuma", firmado em 16/09/2014 e firmas reconhecidas, com período verbal desde 26/05/2013 (Ev. ​1.17​, fls. 05-06); contrato de parceria agrícola tendo como outorgante o marido da autora e como outorgados o Sr. Nilton e Sra. Maria na propriedade "Sítio Crisciuma", firmado em 12/03/2013 e firma reconhecida (Ev. ​1.17​, fls. 07-08); CCIR 2006 a 2009 em nome do marido da autora em relação à propriedade "Sítio Crisciuma"(Ev. 1.16, fls. 04); CCIR 2010 a 2014 em nome do marido da autora em relação à propriedade "Sítio Crisciuma" (Ev. 1.21, fls. 03); recibo de entrega de ITR em nome do marido da autora em relação à propriedade "Sítio Crisciuma" em relação aos anos de 2009 a 2016 (Ev. 1.21, fls. 05-16; Ev. 1.20, fls. 01-13); entrevista rural realizada em 2016 (evento 1, DOC23;evento 1, DOC22); declaração de propriedade rural em economia familiar com data de 2016 (evento 1, DOC22).

 Ademais, houve a complementação de prova documental e foram colhidos 03 (três) depoimentos testemunhais em audiência realizada em 22/06/2023 (evento 1, DOC26).

A autora, em seu depoimento pessoal, afirmou que sempre trabalhou na roça e não era filiada a nenhum Sindicato Rural. Informou que, no passado, já trabalhou com meeira, sem contrato, para alguns proprietários (citou os nomes) e depois comprou uma pequena propriedade rural e plantava café, milho e feijão.

A primeira testemunha afirmou que conhece a autora desde jovem de Crisciuma, que ela trabalhou muito tempo na roça e não sabe de outra atividade exercida, que ela plantava café, milho e feijão. Informou que atualmente ainda tem uma propriedade rural e produz café, milho.

A segunda testemunha relatou que conhece a autora desde jovem, que ela produz milho, café.  Afirmou que ela tem um pedacinho de terra, vida simples.

A terceira testemunha foi ouvida como informante. Relatou que conhece a autora há mais de 20 anos e que ela possui um terreno rural pequeno, vida simples e na lavoura.

As testemunhas são uníssonas em atestar o labor rural da parte autora em período superior ao exigido para cumprimento da carência na lei.

Compulsando os autos administrativos, verifico que o INSS indeferiu o pedido de aposentadoria por idade, na qualidade de segurada especial, por não ter sido comprovado o efetivo exercício de labor rural pela parte autora (evento 1, DOC15).

A autarquia, inclusive, realizou pesquisa "in loco" (evento 1, DOC16; evento 1, DOC15) no processo administrativo para confirmar a atividade rural da autora e a resposta foi negativa.

Os informantes contatados em setembro de 2016 relataram que a autora está separada de fato do marido há 3 anos (evento 1, DOC16), que ela trabalha com atividades domésticas, que há 8 anos a autora mora na casa atual e antes morava na roça (evento 1, DOC15), que há 1 ano trabalha com venda de café (evento 1, DOC15), que a lavoura de café da autora é cuidada pelos netos e seu genro tem uma lavoura lá também (evento 1, DOC15). 

Contudo, é importante destacar que as mulheres, em especial, possuem uma maior dificuldade de comprovar seu trabalho no campo, pois algumas, desde a infância, ajudam seus pais no trabalho rural e, mesmo depois de casadas, continuam trabalhando em propriedade rural que não consta em seu nome. 

Inclusive, muitas mulheres que desempenhavam atividades agrícolas, essenciais para a subsistência familiar, eram muitas vezes classificadas como "do lar" ou "domésticas" em certidões de casamento (​ Ev. 1.22, fls. 08​​), ignorando sua contribuição econômica e produtiva.

E ainda que exerçam de fato os serviços "do lar", muitas, à época dos fatos, acumulavam tal responsabilidade com o trabalho no campo e não se pode concluir que se dedicavam apenas às tarefas da casa por constar essa qualificação em certidões de registro civil.

As normas previdenciárias devem ser interpretadas de forma inclusiva e ampla considerando as especificidades das atividades rurais e as dificuldades históricas enfrentadas pelas mulheres na comprovação documental de seu trabalho, cuja participação no trabalho rural frequentemente não era formalizada.

Ademais, apesar da informação (evento 1, DOC16; evento 1, DOC15) constante no processo administrativo, observo que nos anos de 2005, 2009 e 2014 a autora gozou de benefício de auxílio-doença na qualidade de segurada especial (evento 1, DOC23, fls. 01-03).

Ressalto que o marido da autora usufruiu também de benefício de auxílio-doença na qualidade de segurado especial (evento 1, DOC23) no ano de 2004 e, em consulta ao Sistema SAT, consta período de segurado especial positivo registrado a partir de 31/12/2005.

Portanto, considerando que o auxílio-doença a segurado especial só é concedido caso haja demonstração da atividade rural, ao conceder o benefício é evidente que o INSS reconheceu, no mínimo, que desde antes de 2004 a autora e seu marido exerciam labor rurícola.

Concluo, então, que há início de prova material (certidão de casamento - evento 1, DOC22-, certidão de propriedade rural - evento 1, DOC22, contrato de parceria agrícola evento 1, DOC17, entrevista rural - evento 1, DOC23, ITR - evento 1, DOC17, evento 1, DOC20) razoável, corroborada pelo depoimento das testemunhas, afirmando a condição de trabalhadora rural da parte autora por período superior a carência exigida. 

Assim, a sentença de procedência deve ser mantida, uma vez que, à época do requerimento administrativo, a parte autora cumpria os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.

Por fim, em vista da sucumbência recursal da autarquia previdenciária, aplica-se o §11 do art. 85 do CPC, razão pela qual deve ser condenada ao pagamento de honorários recursais, majorando-se em 1% do valor dos honorários anteriormente fixados, considerando os parâmetros do §2º do mesmo artigo.

Com vistas a possibilitar o acesso das partes às instâncias Superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, voto no sentido de negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002221611v29 e do código CRC 60bb3fd7.

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