Conheço do recurso de apelação, porque presentes seus pressupostos de admissibilidade extrínsecos e intrínsecos.
Consoante relatado, o cerne da controvérsia ora posta a deslinde consiste em saber se a edição da Medida Provisória nº 1.153/2022, convertida na Lei nº 14.599/2023, bem como a publicação da Deliberação nº 268/2023, do CONTRAN, poderiam beneficiar o autor, haja vista que o auto de infração questionado teve como fundamento dirigir veículo sem realizar o exame toxicológico exigido (art. 148-A, §2º, do CTB), ao passo que as retromencionadas normas teriam ampliado, para data posterior à lavratura do auto impugnado, o prazo limite para a realização de tal exame.
Pois bem. É inconteste na presente demanda que o auto de infração em tela (nº T539492752), lavrado pela PRF, em 04/11/2021, decorreu do cometimento da infração elencada no art. 165-B do CTB, a saber: “dirigir veículo sem realizar o exame toxicológico previsto no art. 148-A deste Código” (evento 15, OFIC2, pág. 5).
Tal infração decorre do fato de o autor ser condutor habilitado na categoria D, e, à luz do disposto no art. 148-A do CTB, com a redação conferida pela Lei nº 14.071/2020, de ser necessária, além da realização de exame toxicológico para a obtenção e a renovação da Carteira Nacional de Habilitação, a submissão “a novo exame a cada período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses” (art. 148-A, §2º, do CTB).
Todavia, a Lei nº 14.599/2023, decorrente da conversão da Medida Provisória nº 1.153/2022, veio a prever, em seu 7º, que “o disposto no art. 165-B da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), alterado pelo art. 1º desta Lei, e nos arts. 165-C e 165-D do referido Código, acrescidos pelo mesmo artigo, produzirá efeitos a partir de 1º de julho de 2023”.
Assim, tendo em vista que o Legislador optou por postergar o início da produção de efeitos do art. 165-B do CTB, bem como que, consoante jurisprudência consolidada da Corte Superior de Justiça, “a norma sancionadora, inclusive de natureza administrativa, pode retroagir para beneficiar o infrator” (AgInt no AREsp 2.183.950/RJ, rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 09/10/2023, DJe de 16/10/2023), é forçoso concluir pela nulidade do auto de infração questionado.
Isso porque o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, expressamente indicado no âmbito do Direito Penal (art. 5º, XL, CRFB), é também aplicável no âmbito do Direito Administrativo Sancionador. Assim, uma vez que a norma superveniente (Lei nº 14.599/2023), como visto, deixou de considerar como infração o fato que motivou o auto de infração – ao menos à época em que verificada a conduta –, deve a norma retroagir para beneficiar o infrator administrativo.
Nesse sentido, apenas a título de exemplo, confira-se o seguinte precedente desta Turma Especializada, de minha relatoria:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXECEÇÃO DE PRÉ EXECUTIVIDADE. RESOLUÇÃO ANTT Nº 5.847/19. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MULTA APLICADA PELA ANTT. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA.
1. O Agravo de Instrumento foi interposto com o objetivo de reformar a decisão agravada, apresentando o Agravante, como razões recursais, essencialmente: a ausência de motivação dos AI’s e a inobservância da formalidade do art. 29, II, da Resolução-ANTT n. 5.083/2016, quanto à nulidade; e, subsidiariamente, a retroatividade da norma mais benéfica, de modo que a multa incida no novo valor de R$ 550,00, nos termos do art. 36, I, da Resolução ANTT nº 4.799/2015, conforme a nova redação conferida pela Resolução ANTT nº 5.847, de 21/05/2019.
2. Não há como prosperar a alegação de nulidade dos Autos de Infração n. 3723794 e n. 2617765, sob o argumento de ausência de motivação e inobservância ao procedimento legal previsto no art. 29, II, da Resolução da ANTT n. 5.083/2016, por ausência de “relato circunstanciado da infração cometida”.
3. Diverso do que alega a parte Agravante, nos dois AI’s constam devidamente descritas as infrações praticadas, restando apontado nos mesmos, como motivação, que o veículo evadiu-se da fiscalização da ANTT, narração suficiente para servir como relato circunstanciado da infração cometida, como exigido pela art. 29, II, da Resolução da ANTT n. 5.083/2016.
4. Não se pode confundir a ausência de motivação, com a sua indicação de forma breve e objetiva, sobretudo quando suficiente para o enquadramento jurídico e apresentação de defesa na via administrativa, com o direito ao contraditório que lhe é inerente.
5. Inexistindo vício de forma ou ausência de motivação nos AI’s em questão, não há que falar em sua invalidação, ficando afastada, portanto, a alegação de nulidade, no caso vertente.
6. Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o princípio da retroatividade da norma mais benéfica (art. 5º, inciso XL, da CF/88) alcança as normas que disciplinam o Direito Administrativo Sancionador.
7. Aplica-se ao caso a Resolução ANTT nº 5.847, de 21/05/2019, que reduziu o valor da multa em questão de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais).
8. Agravo de instrumento parcialmente provido.
(AC 5012715-54.2024.4.02.0000/RJ, rel. Des. Fed. Theophilo Antonio Miguel Filho, 7ª Turma Especializada, julgamento em 06/11/2024)
Ademais, ainda que restasse superada a possibilidade de retroação da supracitada lei, a Deliberação nº 268/2023, do CONTRAN, por seu turno, é expressa no sentido de que a “Os condutores das categorias C, D e E que tinham obrigação de realizar o exame toxicológico periódico de que trata o § 2º do art. 148-A do CTB, desde 3 de setembro de 2017, deverão realizar o referido exame até 28 dezembro de 2023” (art. 2º).
Logo, como autor sofreu a sanção no ano de 2021 – dentro, portanto, do lapso temporal em que a obrigação de realizar o exame toxicológico foi afastada pelo órgão máximo normativo do Sistema Nacional de Trânsito –, não haveria que se falar, inclusive, em ausência de expressa menção à retroatividade da norma.
Conclusão
Impende-se, pois, prover o apelo, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido exordial, a fim de declarar a nulidade do auto de infração nº T539492752, bem como para restabelecer o direito do autor de dirigir, desde que o único óbice para tanto seja a infração que ensejou o auto apontado na exordial.
Ficam invertidos os ônus de sucumbência, inclusive a condenação em verba honorária, fixada na origem em 10% do valor da causa.
Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, voto no sentido de dar provimento ao recurso de apelação interposto por Geovane Otto.