Trata-se de apelação, interposta pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO contra sentença proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro, nos autos da Execução Fiscal por ela proposta em face de LUCIANO DA SILVA CORREA, que indeferiu a inicial e julgou extinto o feito, sem resolução do mérito.
O juízo de origem assim fundamentou a r. sentença recorrida (evento 34/JFRJ):
“[...] Conforme consagrado pelo STJ na Súmula 673, a "comprovação da regular notificação do executado para o pagamento da dívida de anuidade de conselhos de classe ou, em caso de recurso, o esgotamento das instâncias administrativas são requisitos indispensáveis à constituição e execução do crédito".
Apesar de suas peculiaridades, a OAB não deixa de ser um Conselho de Classe (AgRg no AgRg na PET nos EREsp 1.226.946/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, DJe 10/10/2013), razão pela qual deve também comprovar a regular notificação do executado para pagamento do débito, nos termos dispostos na Súmula 673 do STJ. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. OAB. COBRANÇA DE ANUIDADE. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. Embora a certidão de débito seja documento suficiente para escorar a execução movida pela OAB, nos termos do art. 46, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94, os tribunais apontam que, em vários casos, é lícito ao juiz exigir a notificação administrativa de constituição de débito. Súmula 673 do STJ. Correta a extinção da execução quando a OAB/RJ, ora exequente, intimada a demonstrar a notificação do executado para pagar ou apresentar defesa na esfera administrativa, deixa de comprovar a regularidade da constituição do título executivo, o que afasta a presunção de certeza e liquidez de que goza a certidão. Apelação desprovida. DECISAO: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (TRF2 , Apelação Cível, 5111959-76.2024.4.02.5101, Rel. GUILHERME COUTO DE CASTRO , 6ª TURMA ESPECIALIZADA , Rel. do Acordao - GUILHERME COUTO DE CASTRO, julgado em 04/04/2025, DJe 07/04/2025 12:44:00)
Diante disso, considerando a ausência de comprovação da prévia notificação administrativa da parte executada para pagamento do débito, indefiro a inicial e extingo o processo. Custas ex lege. Sem honorários. [...]”
Apelação da OAB/RJ (evento 37/JFRJ) alegando, em síntese, que (i) a exigência de notificação administrativa prévia seria descabida por não ser requisito legal para a propositura da execução de anuidades da OAB, e (ii) a Súmula 673 do STJ não se aplicaria às execuções promovidas por essa entidade, cuja natureza jurídica seria sui generis.
Ao final, requer o apelante a reforma da sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução fiscal.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
Conheço do recurso, tendo em vista estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.
A questão central a ser decidida cinge-se à regularidade formal da título em comento e à necessidade de notificação administrativa prévia à execução, ponto este que fundamentou a extinção do feito sem resolução do mérito.
Da natureza jurídica das contribuições à OAB
Primeiramente, cumpre destacar que a contribuição profissional devida à OAB, consistente na anuidade cobrada de seus inscritos, não possui natureza tributária. Esse entendimento está consolidado há muitos anos na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 1ª Turma, em decisão no AgInt no AREsp 957.962/RJ, sob a relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 07/10/2019, já firmou a tese de que as contribuições pagas pelos filiados à OAB não se revestem de caráter tributário, afastando a aplicabilidade da legislação tributária e fiscal.
No mesmo sentido, a 2ª Turma do STJ, no julgamento do AREsp 2.379.060/SP, sob relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, em 05/03/2024, reiterou que as contribuições à OAB não estão sujeitas ao rito estabelecido pela Lei n.º 6.830/80, que rege as execuções fiscais, mas sim às disposições do Código de Processo Civil (CPC).
Esse entendimento também foi sedimentado pela 1ª Seção do STJ no EREsp 463.258/SC, sob relatoria da Ministra Eliana Calmon, julgado em 10/12/2003, ao reconhecer que a contribuição paga à OAB não possui natureza tributária. Tal posicionamento é reiterado no EREsp 503.252/SC, relator Ministro Castro Meira, julgado em 25/08/2004, reforçando que a execução de contribuições devidas à OAB deve ser processada sob o regime do CPC, e não pela Lei de Execuções Fiscais.
Da desnecessidade de comprovação de notificação administrativa
No tocante à exigência de notificação administrativa prévia para constituição do crédito, cumpre assinalar que o título executivo extrajudicial, referido no art. 46, parágrafo único, da Lei n.º 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB, constitui-se pela certidão expedida pela diretoria do Conselho competente, relativa a créditos oriundos de contribuições devidas à OAB. Tal certidão goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, consoante o disposto no inciso XII do art. 784 do CPC.
Dessa forma, não há respaldo legal para que se exija a comprovação, nos autos, de notificação administrativa do devedor como condição para a execução de tais créditos. A jurisprudência das Cortes Regionais Federais é clara ao afastar a exigência de notificação administrativa para constituição do crédito relativo às anuidades devidas à OAB, uma vez que a própria lei já confere força executiva à certidão expedida pela diretoria do Conselho competente. Nesse sentido:
PROCESSO Nº: 0802695-77.2019.4.05.8300 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DE PERNAMBUCO - OAB/PE ADVOGADO: Guilherme Osvaldo Crisanto Tavares De Melo APELADO: SIMONE DE SOUZA ARAUJO RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Roberto Wanderley Nogueira - 1ª Turma MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador (a) Federal Daniela Zarzar Pereira De Melo Queiroz JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior EMENTA PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. APELAÇÃO. ANUIDADES. OAB/PE. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO MÉRITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA DO EXECUTADO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTE DO STJ E DESTA CORTE. VALIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. 1. Trata-se de apelação interposta a desafiar sentença, que nos autos da execução de título extrajudicial n. 0802695-77.2019.4.05.8300, indeferiu a petição inicial, extinguindo o processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, I e IV do CPC c/c parágrafo único do art. 771, do CPC, em virtude de nulidade do título objeto de cobrança, restando demonstrada falta de certeza e liquidez do título executivo extrajudicial, na medida em que não houve notificação válida do devedor no âmbito do Processo Administrativo. 2. Sustenta a apelante, em síntese, a reforma da sentença, 1) porquanto enviou notificação através de e-mail ao executado no endereço constante em sua ficha cadastral, fornecida pelo próprio advogado, portanto, inexiste óbice para que se dê prosseguimento à cobrança judicial, tampouco houve violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório; 2) é competência da OAB fixar e cobrar dos seus inscritos às contribuições anuais, nos termos do art. 46, da Lei 8.906/1994, não sendo cabível falar em ausência de liquidez, certeza e exigibilidade; 3) a certidão passada pela Diretoria do Conselho da OAB/PE, referente a débito de anuidade, constitui título executivo extrajudicial, devendo ser cobrado por meio de processo de execução na forma do art. 585, inc. VIII do CPC; por fim, 4) a ausência de manifestação no âmbito administrativo não impede que o executado se contraponha ao título executivo pelas vias jurisdicionais disponíveis, id. 4058300.12222658. 3. A Sentença extinguiu o processo, sem resolução do mérito, ante a falta de liquidez do título executivo, sob o fundamento da ausência de notificação valida do devedor no âmbito do Processo Administrativo. 4. A Lei 12.514/11, dispõe sobre as contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, estabelece, em seu art. 8º, que: "os conselhos profissionais não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 04 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente". Assim, a norma em questão contém disposição de ordem processual, instituidora de condição específica da ação de execução de anuidades profissionais. 5. Ocorre que a Lei 14.195/21, de 28/08/2021, em seu art. 21, alterou a redação do art. 8º, aumentou o valor para 5 (cinco) anuidades, por outro lado, o STJ, no julgamento do REsp Repetitivo 1404.796/SP (Tema 696), min. Mauro Campbell, decidiu no sentido de que a exigência do art. 8º, da Lei 12.514, tem aplicação imediata as execuções fiscais ajuizadas após a data da publicação, em 31/10/2011. Execução de título extrajudicial ajuizada em 06/02/2019, antes do início da vigência da Lei 14.194/2021, embora as disposições legais tenham incidência imediata, no caso concreto, a lei nova não se aplica retroativamente. 6. Compulsando os autos verifica-se que os valores da cobrança referentes às anuidades de 2014, 2015,2016, 2017, cumprem a exigência prevista no art. 8º, da Lei 12.514/11, com as alterações promovidas pela Lei 14.195/21. 7. Em relação a iliquidez do título executivo extrajudicial devido à ausência de notificação administrativa válida do executado. 8. Entendimento do STJ, no julgamento do RESp 1019515/RS, da lavra do ministro Mauro Campbell Marques, no sentido de que são títulos executivos extrajudiciais aqueles que, por disposição expressa, a lei atribui força executiva, é o que ocorreu no presente caso, com a certidão passada pela diretoria da OAB, conforme art. 46, § único, da Lei 8.906/94. 9. Conclui-se de tudo exposto, que a sentença merece reforma, eis que não há previsão legal, quanto a exigência da OAB fazer juntar ao título executivo extrajudicial prova da notificação do executado a fim de promover o direito de defesa na seara administrativa, porquanto a higidez do título nasce da lei, onde limita a exigir a emissão de certidão pela diretoria do Conselho competente relativa a créditos concernentes a contribuições, preços de serviços e multas. Precedentes desta Corte: (PROCESSO: 08016630320204058300, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JUNIOR, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 23/02/2021); (PROCESSO: 08018391620194058300, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 17/12/2020); (PROCESSO: 08014734020204058300, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 17/12/2020). 10. Apelação provida.
(TRF-5 - Ap: 08026957720194058300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO WANDERLEY NOGUEIRA, Data de Julgamento: 03/03/2022, 1ª TURMA)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CANCELAMENTO EX OFÍCIO. PROVIMENTO Nº 111 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. 1. A obrigação de pagamento das anuidades à Ordem dos Advogados do Brasil, bem como a respectiva formação do título executivo, independem de prévio processo administrativo ou de intimação do executado para pagamento, devendo observar o disposto na Lei nº 8.906/1994. 2. A exigibilidade das anuidades decorre tão somente da inscrição nos quadros da entidade de classe, independentemente do efetivo exercício da advocacia. 3. Não havendo prova do cancelamento do registro, é legítima a cobrança das anuidades. Contudo, no caso concreto, há uma peculiaridade, qual seja, embora a OAB alegue que o jubilamento do embargante se deu a requerimento, tratou-se, em verdade, de reconhecimento de ofício, conforme a correspondência acosta aos autos, com base no Provimento 111/2006 do Conselho Federal da OAB.
(TRF-4 - AC: 50061109620204047204, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 09/02/2022, QUARTA TURMA)
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ANUIDADES DA OAB. O fato gerador da obrigação de pagar as anuidades é a mera inscrição junto à OAB, independentemente do exercício da advocacia, nos termos do art. 46 da Lei nº 8.906/94 e do art. 55 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB. Desse modo, independe o período no qual a recorrente efetivamente exerceu a profissão, uma vez que não há notícias nos autos de requerimento de cancelamento do seu registro, bem como de pedido de isenção. A Lei nº 8.906/94 confere o status de título executivo extrajudicial às certidões expedidas pelo tesoureiro da OAB. Destarte estando a execução instruída com certidão do Diretor Tesoureiro da entidade, restam preenchidos os requisitos de certeza e de liquidez do débito. A cobrança de anuidades pela OAB não se condiciona à prévia instauração de processo administrativo e, por conseguinte, à notificação do devedor.
(TRF-4 - AC: 50121129520144047009 PR 5012112-95.2014.4.04.7009, Relator: LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Data de Julgamento: 06/04/2016, QUARTA TURMA)
Dessa forma, a ausência de prova da notificação administrativa não pode ser utilizada como fundamento para a extinção da execução, pois o título executivo é constituído pela emissão da certidão de dívida, e a lei não impõe, como requisito de validade, a notificação prévia do devedor. O parágrafo único do art. 46 da Lei n.º 8.906/94 é taxativo ao conferir natureza de título executivo extrajudicial à certidão emitida pela OAB, de modo que a força executiva do título advém diretamente da lei, sem que seja necessária a demonstração de que o devedor foi previamente notificado para pagar o débito.
Diante do exposto, restou demonstrado que a sentença apelada não merece subsistir, uma vez que extinguiu a execução com fundamento equivocado quanto à necessidade de comprovação de notificação administrativa para constituição do crédito exequendo, considerando que, ao contrário do fundamentado na sentença apelada, as contribuições cobradas pela OAB, como não têm natureza tributária, não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830/80. A jurisprudência é firme no sentido de que o crédito decorrente de anuidades devidas à OAB constitui-se pela emissão de certidão de dívida ativa, independentemente de notificação prévia do devedor.
Isto posto, voto no sentido de dar provimento à apelação, para reformar a sentença, determinando o prosseguimento da execução.