Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.
Sem preliminares, passo ao exame do mérito.
A Lei nº 14.151/21 não parece ter deixado margem a dúvida quanto ao fato de ser o empregador o responsável pelo pagamento da remuneração durante o afastamento da empregada gestante.
Com efeito, a redação do art. 1º do diploma legal é a seguinte:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração. Grifei e sublinhei.
Remuneração, como sabemos, é um termo técnico jurídico que designa o produto do trabalho do empregado, assim compreendido o salário e demais vantagens, como contraprestação pelo serviço que presta ao seu empregador.
Nesse sentido é o art. 457 da CLT, que possui a seguinte redação:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. Grifei.
§ 1o Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador. Grifei.
§ 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados.
§ 4o Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.
Vê-se, desse modo, que a Lei nº 14.151/2021 representa uma clara intervenção do Estado nas relações de trabalho, estabelecendo uma medida protetiva às empregadas gestantes diante de um cenário de emergência sanitária.
Por outro lado, o salário-maternidade, ainda que habitualmente pago pela empregadora, não deixa de ser um benefício previdenciário, o que significa que integra um sistema institucional, regido por normas de direito público, de caráter contributivo e compromissado constitucionalmente com critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
Por isso, a intervenção do Estado nas relações de trabalho não pode ter o efeito transverso de, pela via jurisdicional, alterar as regras e os requisitos de concessão de um benefício previdenciário.
O salário-maternidade, como se sabe, é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste, conforme previsto no art. 71 da Lei nº 8.213/1991.
O afastamento das trabalhadoras gestantes das atividades presenciais sem prejuízo da remuneração, determinado pela Lei nº 14.151/2021, visa à proteção da saúde dessas mulheres e de suas crianças, não contendo nenhuma autorização para que as empregadoras repassem o ônus econômico para o RGPS.
Nesse contexto, o debate no parlamento em torno da edição da Lei nº 14.151/21 foi no sentido de atribuir ao empregador a responsabilidade pelo pagamento da remuneração da empregada gestante afastada, tendo sido rechaçada a emenda que pretendia atribuir à Previdência a responsabilidade nesse sentido:
Analisando os pareceres proferidos durante a tramitação da Lei nº 14.151 (PL 3932/2020), constata-se que foi apresentada emenda parlamentar pelo Deputado Alessandro Molon (EMP nº 01), nos seguintes termos:
EMENDA Art. 1º O artigo 3º do PL 3932, de 2020, passa a vigorar acrescido de parágrafo único, com a seguinte redação: Art. 3º..................................................................................................................... Parágrafo único: Quando o trabalho não puder ser realizado de forma remota, a gravidez será considerada de alto risco e a grávida fará jus ao salário maternidade, nos termos da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.
A emenda foi rejeitada em 26/08/2020. O Poder Legislativo não majorou a proteção previdenciária. Optou por conceder apenas o afastamento das atividades presenciais. Data vênia, não cabe ao Poder Judiciário ampliar os termos da Lei. Desta forma, considerando que o Poder Legislativo não estendeu o pagamento do benefício previdenciário do salário-maternidade durante a crise de saúde pública decorrente do novo coronavírus, e, ainda, que não há fonte de custeio para o pagamento do benefício previdenciário, indevida o pagamento do benefício pelo INSS.
De fato, após o afastamento, poder-se-ia falar em um direito, da empregada e nunca do empregador, em buscar a tutela jurisdicional caso seu direito à preservação da remuneração não fosse respeitado, tutela essa, diga-se de passagem, que caberia em face do empregador, haja vista a estabilidade de que goza a gestante de acordo com a disposição do art. 10 do ADCT, que tem a seguinte redação:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966 ;
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenç.ão de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Anote-se que a Constituição da República prevê, em seu art. 7º, VIII, o direito à "licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias".
Todos sabemos que as regras de compensação atinentes ao salário-maternidade tem por finalidade promover a inserção da mulher no mercado de trabalho em igualdade de condições com os trabalhadores do sexo masculino. Todavia, não se afigura possível, em princípio, a concessão de direito de natureza previdenciária sem a devida previsão legal.
É que não cabe ao Judiciário, na ausência de lei, ampliar a concessão de salário-maternidade e permitir que as empresas repassem o pagamento dos salários de suas empregadas para o orçamento da Previdência. O locus adequado para essa espécie de debate distributivo seria o Legislativo e, em alguma medida, o Executivo, responsável pela formulação e implementação de políticas públicas.
Ao Judiciário cabe precipuamente o cumprimento da lei, especialmente na seara do direito previdenciário, e, na ausência de alteração legislativa que estenda a concessão de salário-maternidade aos afastamentos em decorrência da Lei n. 14.151/2021 - e estabeleça a respectiva fonte de custeio (art. 195, §5º, CRFB) -, não cabe ao Judiciário substituir-se ao Legislativo, especialmente quando se nota que, afastada a gestante e garantida sua remuneração, o principal efeito prático seria transferir o ônus econômico da esfera privada das empresas para o sistema de previdência público.
No caso em tela, o pedido formulado de forma expressa na inicial “de que seja reconhecido como crédito previdenciário os valores pagos à título de remuneração e de contribuição arcados durante o período em que as obreiras da apelada não estiveram à disposição para o trabalho, os quais poderão ser utilizados para adimplir eventuais débitos junta a receita federal, bem como compensar (deduzir) o valor dos salários maternidade quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias, nos termos do artigo 72, § 1º, da Lei nº 8.213/91, artigo 94 do Decreto nº 3.048/99 e artigo 86 da Instrução Normativa RFB nº 971/09” pressupõe um pedido de declaração incidente do direito à remuneração do afastamento da gestante, no período da COVID-19, por meio da verba denominada salário-maternidade.
No entanto, como enfrentado na fundamentação acima, o caso em tela não versa sobre hipótese de salário-maternidade (questão prejudicial) e, portanto, a improcedência do pedido de dedução/compensação é medida que se impõe.
Deve, portanto, ser reformada a sentença para que seja julgado improcedente o pedido.
Quanto aos honorários, considerando a reforma da sentença e a inversão dos ônus sucumbenciais, tratando-se de sentença publicada na vigência do novo CPC, e ilíquida, não é possível estabelecer o percentual nesse momento e não incide, na espécie, o art. 85, § 11, da Lei nº 8.213/91, ficando a cargo do Juízo da Execução a fixação do percentual de honorários em que será condenada a parte autora.
Voto no sentido de dar provimento ao recurso da UNIÃO, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido.