Trata-se de recurso de apelação interposto por DENIS GUSTAVO MARTINI no evento 5, APELAÇÃO1 contra a sentença proferida no evento 145, SENT1, na qual foi condenado à pena privativa de liberdade de dois anos e oito meses, a ser cumprida em regime inicialmente aberto e substituída por duas restritivas de direito (prestação de serviço à sociedade e prestação pecuniária), pela suposta prática dos crimes de desacato à autoridade e de atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo.
A esse respeito, cumpre informar, em primeiro lugar, que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu Ação Penal contra DENIS GUSTAVO MARTINI, imputando-lhe a prática dos delitos previstos nos arts. 261 e 331 do Código Penal.
Nesse ensejo, o Parquet alegou que, “no dia 6 de maio de 2022, por volta das 14h 30min, o acusado DENIS GUSTAVO MARTINI adentrou sem autorização a ponte de acesso (Finger) que liga o terminal de passageiros do Aeroporto Santos Dumont/RJ à aeronave da Cia Aérea GOL, que naquele momento operava o VÔO GOL 1031, com procedimento de embarque encerrado e com destino em Congonhas”.
Aduziu que “o acusado conseguiu se aproximar do avião e tentou abrir a porta de entrada da aeronave ao puxar a alavanca e trava de segurança externa do avião”, sendo que, “se o acusado conseguisse abrir a porta pelo lado de fora, os danos ao avião, à estrutura aeroportuária e à integridade física das pessoas em volta poderiam ser grandes, por conta do acionamento automático da escorregadeira, o que também impediria a continuidade do vôo, obrigando todos os passageiros a desembarcar”.
Afirmou, ainda, que “o acusado não atendeu a ordem para se afastar do Finger, a fim de permitir a decolagem do avião” e que “Gelson de Lima Nunes Júnior (empregado da infraero, que fazia a proteção da mesa de controle de movimentação do Finger) foi agredido fisicamente e xingado pelo acusado, que estava muito exaltado”.
Finda a instrução processual, o Juízo de Primeiro Grau proferiu a sentença do evento 145, SENT1, por meio da condenou o acusado às penas mencionadas no primeiro parágrafo deste relatório.
Diante disso, o acusado interpõe o recurso de apelação ora em pauta, onde requer a respectiva absolvição, com a consequente reforma da sentença condenatória.
Pois bem. A esse respeito, antes de iniciar a análise do mérito recursal, entendo prudente esclarecer o que vem a ser a estrutura conhecida como finger no cotidiano aeroportuário.
O finger é o corredor – podendo também ser conceituado como a ponte – que liga os aviões às áreas de embarque e de desembarque dos aeroportos, permitindo o fluxo dos passageiros entre o interior da aeronave e o interior do aeroporto.
Em outras palavras, o finger é a estrutura que a pessoa percorre no momento do embarque, instantes antes de ingressar na aeronave, e no momento do desembarque, instantes depois de se sair da aeronave.
Quadra observar que a estrutura em questão é móvel, podendo se deslocar, tanto de forma vertical, como horizontal, por meio do respectivo painel de comando, que fica posicionado na sua extremidade externa – para facilitar a visualização: no trajeto para o embarque, o painel de comando do finger é o conjunto de botões que, na perspectiva de quem está embarcando, fica no final do corredor, onde este se alarga ligeiramente, no lado esquerdo, sendo, em geral, posicionado perto da porta da aeronave.
Esses esclarecimentos serão úteis ao longo do presente Voto, na medida em que facilitarão a exposição dos fatos relativos ao presente feito.
Dito isso, verifico, no presente caso, que o acusado comprou uma passagem da companhia aérea Gol, com o fim de viajar do Rio de Janeiro, aeroporto Santos Dumont, para São Paulo, tendo, no dia programado da viagem, 06/05/2022, se dirigido até o aeroporto de embarque e realizado o respectivo check-in.
Contudo, no momento do embarque, o acusado se apresentou com atraso à companhia aérea, tendo sido, por isso, impedido de ingressar na aeronave.
Inconformado com a situação, o acusado, em frente ao portão de embarque, pediu e insistiu para que o deixassem embarcar no avião, mas o seu pleito foi negado pelas pessoas que o atenderam naquele momento.
Na sequência, o empurrou os funcionários aeroportuários que estavam na sua frente e invadiu a área do finger, tal como esclarecido pela testemunha Gelson de Lima Nunes Júnior (evento 97, VÍDEO2, a partir de 3 min. e 16 seg. e de 6 min. e 28 seg.), e demonstrado pelo vídeo juntado no evento 40, VÍDEO2 (a partir de 0 min. e 55 seg.) do inquérito policial
Após percorrer o finger, o acusado deparou-se com a porta da aeronave fechada – isso porque, aquele momento, o embarque já havia sido finalizado e, por isso, a porta da aeronave fora fechada –, o que o impediu de ingressar a bordo.
Diante disso, o acusado pressionou a alavanca da porta da aeronave para baixo, tentando abri-la, e passou a desferir chutes e socos contra o avião, como informado pela testemunha Marcelo Moreira da Fonseca (evento 86, VÍDEO2, a partir de 1 min. e 46 seg.) e pela testemunha Gelson de Lima Nunes Júnior (evento 97, VÍDEO2, a partir de 5 min. e 12 seg.).
Os Srs. Gelson de Lima Nunes Júnior e Marcelo Moreira da Fonseca, servidor da INFRAERO e agente da polícia federal, respectivamente, que foram ouvidos em Juízo na condição de testemunha, estavam trabalhando no aeroporto Santos Dumont no momento dos fatos e foram acionados para tentar resolver o incidente em questão.
Chegando ao local, ambos os servidores – Gelson e Marcelo – pediram para que o acusado se acalmasse, mas o réu avançou contra Gelson, desferindo socos e chutes contra ele, além de ter-lhe proferido agressões verbais, como informado por Marcelo (evento 86, VÍDEO2, a partir de 3 min. e 30 seg.) e por Gelson (evento 97, VÍDEO2, a partir de 3 min. e 38 seg.), nos respectivos depoimentos judiciais.
Gelson, por sua vez, conseguiu se desviar da maior parte dos golpes desferidos pelo acusado, evitando que estes o atingissem com violência, como esclarecido pelo próprio Gelson, em seu depoimento judicial (evento 97, VÍDEO2, a partir de 4 min. e 10 seg. e de 14 min. e 39 seg.).
Durante a confusão, um funcionário, que também estava no local dos fatos, protegeu os controles do finger, pois, naquela situação, havia a possibilidade de que alguma das pessoas envolvidas na briga atingisse acidentalmente os botões de controle da plataforma, como informado por Marcelo, em seu depoimento judicial (evento 86, VÍDEO2, a partir de 2 min. e 48 seg.).
Neste particular, cumpre lembrar que o fato aconteceu em frente à porta da aeronave na qual o acusado pretendia ingressar, bem perto, portanto, do painel de controle do finger.
Quadra repisar, ademais, que o finger é móvel – por isso, se o seu controle for atingido de forma acidental, a estrutura se movimentará de forma descoordenada, podendo, assim, atingir a aeronave ou algum veículo terrestre em solo, que porventura estiver passando por baixo da estrutura naquele momento.
Com o objetivo de cessar as agressões físicas contra Gelson, o policial federal Marcelo imobilizou o acusado, mas este, mesmo depois de imobilizado, proferiu agressões verbais e fez gesto obsceno para Gelson, como informado no depoimento testemunhal prestado pelo mencionado servidor público (evento 97, VÍDEO2, a partir de 4 min. e 42 seg.).
O acusado foi retirado do finger treze minutos depois de ter invadido o local, como se observa do vídeo juntado no evento 40, VÍDEO2.
É esse cenário que se infere das provas produzidas durante a instrução penal.
Com o objetivo de desconstituir as premissas e conclusões em tela, o acusado, ora recorrente, aduz que, no caso vertente, não foi produzida prova técnica pericial – a qual, por seu turno, e segundo a defesa, era imprescindível para averiguar se a conduta do réu causou, ou não, dano ou, ao menos, perigo à aeronave.
Afirma que o crime pelo qual foi condenado é de natureza material, deixando vestígios, de modo que a perícia não poderia ter sido dispensada, nos termos do art. 158 do Código de Processo Penal.
Argumenta que a ausência da prova pericial gera a nulidade da sentença condenatória, em conformidade com o art. 564, III, alínea “b”, do Código de Processo Penal.
Sobre o assunto, impende observar que o delito previsto no art. 261 do Código Penal – de atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo – existe tanto em sua forma simples (prevista no caput do mencionado dispositivo legal), como em sua forma qualificada (prevista no parágrafo primeiro do tipo penal).
Transcrevo, por oportuno, a redação do dispositivo em tela:
Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo
Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
Sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo
§ 1º - Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Prática do crime com o fim de lucro
§ 2º - Aplica-se, também, a pena de multa, se o agente pratica o crime com intuito de obter vantagem econômica, para si ou para outrem.
Modalidade culposa
§ 3º - No caso de culpa, se ocorre o sinistro:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
O crime previsto no caput, primeira parte, do art. 261 do Código Penal (consistente em “expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia”), bem como o crime previsto na segunda parte do dispositivo em estudo (consistente em “praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea”) são formais, podendo, ou não, ter resultado naturalístico, dependendo da forma como forem consumados.
Já o crime qualificado, previsto no § 1º, do art. 261 do Código Penal, tem natureza material, exigindo, sempre, um resultado naturalístico para a sua consumação.
No caso vertente, o ora recorrente foi condenado pela prática do crime de atentado contra a segurança de transporte aéreo, em sua forma simples, tendo incorrido, portanto, no tipo do caput do art. 261 do Código Penal.
A esse respeito, impende repisar que, no momento dos fatos, o acusado tentou abrir a porta da aeronave na qual pretendia embarcar, pressionando a alavanca da porta para baixo, como informado pelas testemunhas e reconhecido pelo próprio recorrente, nas respectivas razões recursais, além de ter desferidos golpes contra o avião.
De acordo com o Sr. Gelson, testemunha e servidor da INFRAERO, a conduta do acusado poderia ter provocado danos à aeronave – evento 97, VÍDEO2, a partir de 6 min. e 40 seg.
Além disso, durante a confusão, as pessoas envolvidas no embate físico poderiam ter atingido acidentalmente o painel de controle do finger – o que, eventualmente, poderia levar a estrutura a atingir a aeronave.
Surge, então, uma aparente celeuma, representada através das seguintes indagações: os elementos ora mencionados são suficientes para comprovar que o acusado criou um risco para a segurança da aeronave na qual pretendia ingressar? Em outras palavras, tais elementos são suficientes para comprovar que o acusado praticou o delito previsto no art. 261, caput, primeira parte, do Código Penal?
A defesa, naturalmente, defende que a resposta para tais perguntas é negativa e que somente através de uma perícia – a qual não foi produzida in casu – seria possível averiguar se a conduta ora em exame criou, ou não, um risco real à segurança da aeronave.
Por outro lado, uma leitura mais dinâmica dos fatos pode levar à conclusão oposta, admitindo-se que o acusado causou, sim, um risco para a segurança da aeronave, ao forçar a alavanca da porta de forma indevida, ao desferir socos e chutes contra a parte externa do avião e ao gerar uma briga próxima à porta da aeronave e ao painel de controle do finger, não sendo necessária a produção de uma prova pericial para chegar a tais conclusões.
O embate parece pertinente, já que, por um lado, a aviação é uma atividade que envolve uma profunda gama de conhecimentos técnicos, parecendo prudente, na mais das vezes, buscar o auxílio de especialistas, através da prova pericial, para se evitar decisões injustas, calcadas em premissas leigas e precipitadas.
Por outro lado, a aviação é, também, um campo consideravelmente sensível à segurança e, por isso, cercado de protocolos, sendo que um erro, mesmo que pequeno, pode gerar um resultado extremamente trágico, de repercussão nacional, envolvendo centenas de vítimas – por isso, qualquer ato despropositado e manifestamente extraordinário à rigorosa rotina da segurança aérea deve ser tratada com seriedade, não parecendo razoável tratar os protocolos de segurança da aviação como se estes fossem premissas meramente sugestivas e, portanto, passíveis de relativização (além disso, a simples experiência comum alerta que não é prudente pressionar, de forma indevida, a alavanca da porta de um avião, cuja decolagem é iminente).
Dessa forma, verifico que existem duas vertentes no caso em epígrafe, uma no sentido de reputar a prova pericial como imprescindível, e outra no sentido de dispensar a produção da mencionada prova.
O embate em tela, suscitado pela defesa, parece um tanto quanto pertinente – mas, a meu ver, não é necessário para o deslinde do feito.
Isso porque, a celeuma em destaque gira em torno da primeira parte do caput do art. 261 do Código Penal.
Neste ponto, cabe repisar o que diz a segunda parte do mencionado tipo legal:
"(...) praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea".
A esse respeito, o Sr. Gelson, na condição de testemunha, esclareceu que a porta do avião pode, sim, ser aberta pelo lado de fora da aeronave, mas que tal procedimento exige um certo conhecimento técnico para a sua prática – conhecimento este, do qual o acusado carecia (evento 97, VÍDEO2, a partir de 12 min. e 40 seg.).
Se o acusado, porventura, houvesse logrado êxito no respectivo intento de adentrar na aeronave, o comandante certamente teria se recusado a levantar voo, em razão do estado de ânimo em que se encontrava o réu, como informado pela testemunha (evento 97, VÍDEO2, a partir de 7 min. e 08 seg.).
Portanto, a atitude do acusado tinha o condão e o potencial de impedir a navegação aérea. Houve situação de perigo real e concreto.
Ademais, ainda que não tenha conseguido adentrar na aeronave – e não tenha impedido a decolagem –, o acusado dificultou o voo, atrasando-o, até porque, o piloto não poderia dar início ao taxiamento e ao procedimento de decolagem enquanto o acusado estivesse desferindo golpes contra a aeronave e tentando abrir a porta do avião.
Nesse sentido, o Sr. Geilson informou, expressamente, que a conduta do acusado gerou o atraso do voo no qual o réu pretendia embarcar (evento 97, VÍDEO2, a partir de 13 min. e 38 seg.).
Em acréscimo, verifico que as imagens capturadas pelas câmeras do circuito interno de segurança do aeroporto Santos Dumont comprovam que o acusado permaneceu de forma indevida na área do finger durante 13 minutos (evento 40, VÍDEO2, de 0 min. e 55 seg. até 14 min. e 00 seg.), impondo-se frisar, no particular, que o lapso temporal em questão parece ter sido suficiente para que o acusado criasse um constrangimento ao serviço aeroportuário e atrasasse o voo.
Como destacado pela Magistrada de Primeiro Grau, “o tipo penal não exige a destruição ou a tentativa de destruição da Aeronave, bastando que o agente tenha agido de forma temerária, ou seja, que tenha tido qualquer ação tendente a impedir ou mesmo dificultar a viagem da aeronave, o que, evidentemente, ocorreu”.
Com efeito, tendo em vista o teor dos depoimentos judiciais, da confissão e das imagens de vídeo, concluo que o acusado adotou uma conduta indevida, que dificultou – e atrasou – o voo no qual pretendia ingressar, adotando conduta compatível com o tipo penal em estudo (art. 261, caput, do Código Penal).
No tocante à acusação de desacato, o réu sustenta que estava tranquilo quando foi conduzido pela Polícia Federal para fora do finger, como demonstram as imagens capturadas pelas câmeras do circuito interno de segurança do aeroporto Santos Dumont, não tendo agido com violência, diferente do que alega a acusação.
A esse respeito, verifico que a aparente calma e a suposta normalidade que o acusado pretende atribuir à sua conduta não condiz com o comportamento mostrado nas imagens capturadas pelo circuito interno de segurança do Aeroporto Santos Dumont.
Pelas imagens, é possível observar que o acusado usou da violência para invadir o finger, tendo, como dito anteriormente, empurrado os funcionários do aeroporto que tentaram impedir a sua entrada na plataforma (evento 40, VÍDEO2, a partir de de 0 min. e 55 seg).
Além disso, e como já destacado, as testemunhas ouvidas em Juízo – agentes públicos – afirmaram que o acusado empregou violência física – contra pessoa e contra coisa – e verbal na tentativa de adentrar no avião da empresa aérea Gol, tendo, portanto, adotado um comportamento muito diferente do esperado para uma condição de normalidade.
Ainda sobre o assunto (desacato), o acusado, ora recorrente, aduz que “é uma pessoa obesa”, com “mais de 150Kg”, “sedentário”, e, portanto, “jamais conseguiria acertar um chute se quer na canela do Sr. Gelson”, sendo falsa a alegação deste, no sentido de que teria sido agredido por um chute do acusado na região do peito.
Menciona que o Sr. Gelson foi submetido a exame de corpo de delito, sendo que tal exame, por seu turno, constatou a existência de uma lesão na região do pescoço da vítima, não tendo sido encontradas outras lesões.
Sustenta, assim, que a lesão encontrada no exame de corpo de delito é incompatível com aquela que o Sr. Gelson diz ter sofrido do acusado.
Prosseguindo, afirma que, no momento dos fatos, “o funcionário da infraero de forma rude tentou repelir Denis” e, “após breve discussão, desferiu um soco contra Denis que simplesmente repeliu violência sofrida e revidou”
Afirma, ademais, que “presenciou uma serie de inverdades proferida pelos funcionários da Infraero/Gol” e, por isso, “se revoltou e questionou de forma exaltada o que estava ocorrendo”, quando foi então lhe atribuída a prática do crime de desacato
Em suma, o acusado se vale de três vertentes para buscar desclassificar a conduta tipificada como desacato à autoridade, aduzindo, no particular, que: (1) é obeso e que, por isso, não tem condições físicas de agredir ninguém; (2) as lesões que o Sr. Gelson afirmou ter sofrido são diferentes da detectada no respectivo exame de corpo de delito; e (3) agiu em legítima defesa, tendo a agressão física partido, em primeiro lugar, dos agentes públicos que atenderam o réu no momento dos fatos.
A tese apresentada pelo acusado entra em conflito direto e literal com o depoimento prestado pelas testemunhas ouvidas em Juízo, impondo-se observar, no particular, que o depoimento testemunhal, pelo seu caráter desinteressado e firme, inspira maior confiança do que a mencionada tese fática defensiva.
De toda forma, passo a analisar, um a um, os pontos da defesa.
No que diz respeito à tese de que o acusado é uma pessoa obesa e incapaz de agredir outrem (primeiro ponto, dentre os relacionados supra), verifico que tal afirmação não condiz com o teor das imagens capturadas pelas câmeras do circuito interno de segurança do Aeroporto Santos Dumont (evento 40, VÍDEO2, a partir de de 0 min. e 55 seg e a partir de 14 min. e 00 seg.).
Pelas imagens em questão, percebe-se que o acusado é um homem adulto e dotado da capacidade física esperada à sua condição, tendo plenas condições de praticar os atos que lhe foram imputados.
Quadra observar que, de acordo com o Sr. Gelson, o acusado o agrediu com socos e chutes na barriga e no peito, sendo de se ressaltar, no particular, que uma pessoa não precisa ter condição física acima da média para praticar tal conduta ilícita.
No que diz respeito à tese de que as lesões narradas pelo Sr. Gelson diferem da encontrada no exame de corpo de delito (segundo ponto, dentre os relacionados supra), entendo que tal situação não tem o condão de desconstituir a prova testemunhal.
Segundo a defesa, a testemunha, no respectivo depoimento judicial, afirmou ter sido agredida com chutes no peito, sendo que, no exame de corpo de delito, não foi detectada lesão na região supostamente atingida – o exame detectou apenas uma lesão, na região do pescoço da suposta vítima.
Ainda de acordo com a defesa, a lesão detectada no exame de corpo de delito, além de ser incompatível com aquela narrada pela testemunha, não poderia ter sido provocada por um chute do acusado – segundo o acusado, ele não poderia, com um chute, alcançar o pescoço da vítima, onde ocorreu a lesão.
Em que pese o alegado, o Sr. Gelson, testemunha, afirmou que, no momento dos fatos, fora alvo de socos e de chutes desferidos pelo acusado, sobretudo na região do peito e da barriga, mas ressaltou que conseguira se desviar da maioria dos golpes, impedindo que estes o atingissem com força.
Tal circunstância explica por que não foram encontradas lesões no peito e na barriga da vítima durante o exame do corpo de delito.
O exame de corpo de delito, como dito, encontrou apenas uma lesão sofrida pelo Sr. Gelson, no pescoço deste, impondo-se frisar, no particular, que a mencionada lesão, a meu ver, é, sim, compatível com os fatos narrados pela testemunha – é perfeitamente factível que o acusado, ao tentar acertar com socos o peito da vítima, tenha atingido o pescoço desta.
A propósito, cumpre destacar que, de acordo com o exame do corpo de delito, a lesão encontrada no pescoço do Sr. Gelson é compatível com a agressão por ele narrada (evento 40, INQ1, fl. 8, resposta ao primeiro quesito).
Frise-se que o acusado, ainda que de forma qualificada (sob o pálio da legítima defesa), confessou ter agredido o Sr. Gelson, sendo que a sua confissão, inclusive, foi utilizada como atenuante da pena.
Além da prova testemunhal, do exame de corpo de delito e da confissão, as imagens capturadas do circuito interno de segurança do aeroporto, apesar de não terem flagrado as agressões físicas em si, demonstram que o acusado invadiu, de forma truculenta e precipitada, a plataforma de acesso à aeronave (finger), evidenciando, assim, que que o réu estava com ânimo exaltado no momento dos fatos.
Por fim, no que diz respeito à tese de que o acusado agiu em legítima defesa, tendo a agressão física partido dos agentes públicos que o atenderam no momento dos fatos (terceiro e último ponto, dentre os relacionados supra), verifico que tal alegação não restou comprovada nos autos.
Sobre o assunto, impende observar que, logo após ser detido, o acusado foi submetido a exame de corpo de delito, não tendo sido detectada, na ocasião, nenhuma lesão que o réu porventura pudesse ter sofrido no contexto fático em exame.
Ademais, o acusado não produziu nenhuma prova – testemunhal, documental etc. – que comprovasse a alegação em tela, no sentido de que fora vítima de violência física por parte dos empregados e servidores com os quais tivera contato no momento dos fatos, lotados no Aeroporto Santos Dumont.
Dito isso, entendo que a acusação logrou êxito em comprovar que o acusado praticou conduta compatível com a do tipo penal previsto no art. 331 do Código Penal.
No tocante à dosimetria, o acusado alega que a Magistrada de Primeiro Grau o condenou ao pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 15.000,00, sendo que tal pena, além de manifestamente desproporcional, não tem previsão legal.
A esse respeito, verifico que a Juíza – como narrado – condenou o acusado pela prática dos crimes de desacato à autoridade e de expor a perigo aeronave, em concurso material, às penas privativas de liberdade (somadas) de dois anos e oito meses, próximas do limite mínimo legal.
Ato contínuo, a Magistrada substituiu as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direito (art. 44, § 2º, do Código Penal), sendo uma de prestação de serviço à sociedade (art. 43, inciso IV, do Código Penal) e a outra de prestação pecuniária (art. 43, inciso I, do Código Penal), no valor de R$ 15.000,00, “a serem recolhidos na conta única vinculada à 9ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, na forma da Resolução 295/2014 do Conselho de Justiça Federal”.
Sobre o assunto, entendo que a prestação pecuniária, diferente do alegado pela defesa, tem, sim, previsão legal (como dito: art. 43, inciso I, do Código Penal) e se mostra proporcional à realidade financeira do acusado (que afirmou em audiência ter ganhos mensais superiores a vinte mil reais - evento 127, VIDEO2), impondo-se acrescentar, ademais, que o valor em questão, de quinze mil reais, está inserido dentro das balizas legais previstas do art. 45, § 1º, do Código Penal, de 1 a 360 salários mínimos.
Dessa forma, não detecto nenhuma ilegalidade na pena de prestação pecuniária, a despeito do alegado na apelação da defesa.
De toda forma, entendo que é necessário fazer um pequeno ajuste de ofício na sentença, no que tange à disponibilização e à destinação da prestação pecuniária.
Como dito, a Magistrada determinou que a prestação pecuniária seja recolhida “na conta única vinculada à 9ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, na forma da Resolução 295/2014 do Conselho de Justiça Federal”.
Os dois primeiros dispositivos da mencionada Resolução – de n.º 295/2014, do CJF – dispõem o seguinte:
Art. 1º Os recursos provenientes de penalidades de prestação pecuniária fixadas como condição de suspensão condicional do processo ou transação penal, bem como da pena restritiva de direitos de prestação pecuniária, deverão ser depositados em conta única à disposição do Juízo, facultando-se o recolhimento na conta única do Juízo Federal das Execuções Penais.
Art. 2º Imposta pena ou medida alternativa de prestação pecuniária com destinação de recursos a entidade social, pública ou privada, os recursos deverão ser recolhidos à conta judicial vinculada à unidade gestora, assim entendido o juízo federal com competência para a execução da pena.
Parágrafo único. Os recursos destinados à vítima ou aos seus dependentes não serão recolhidos à conta judicial a que se refere este artigo.
Já o art. 45, § 1º, do Código Penal dispõe o seguinte:
A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
No presente caso, verifico que o acusado foi condenado por dois delitos, sendo o primeiro, menos grave, de desacato (praticado contra o Sr. Gelson) e o segundo, mais grave, de expor a perigo uma aeronave da empresa aérea Gol.
O segundo crime, mais grave, não tem vítimas específicas (o bem jurídico lesado tem natureza difusa), ao passo que o primeiro crime, menos grave, apesar de ter atingido diretamente o Sr. Gelson, tem, como principal vítima, a “Administração em geral” (novamente, o bem jurídico lesado tem natureza difusa).
Diante do contexto em tela, entendo ser importante destacar que o valor da prestação pecuniária será repassado para entidade com destinação social, cabendo ao Juízo da execução proceder ao mister em questão.
Isto posto, voto no sentido de negar provimento ao recurso e, de ofício, fazer um breve acréscimo na sentença, apenas para destacar que os valores da prestação pecuniária “deverão ser recolhidos à conta judicial vinculada à unidade gestora, assim entendido o juízo federal com competência para a execução da pena” (art. 2º, caput, da Resolução n.º 295/2014) e ser destinados “a entidade pública ou privada com destinação social” (art. 45, § 1º, do Código Penal), cabendo ao Juízo da execução a escolha de tal entidade.