Conheço da apelação, eis que presentes seus requisitos de admissibilidade.
Conforme relatado, cuida-se de apelação interposta por IRACI EGGERT GORL contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de auxílio-reclusão rural em face da prisão de seu filho LEANDRO EGGERT GORL em 18.5.2017.
O benefício do auxílio-reclusão é destinado aos dependentes do segurado recolhido à prisão. A concessão depende do preenchimento dos requisitos previstos no art. 201, IV, da CF/88 e no art. 80 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.
Além de devido aos segurados de baixa renda como preceitua o art. 201, IV, da CF/88, o benefício de auxílio-reclusão também é previsto para os segurados especiais da Previdência Social, conforme art. 39 da Lei 8.213/1991.
A definição de segurado especial da Previdência Social encontra-se no inciso VII, do artigo 11, da Lei 8.213/1991, com as alterações da Lei 11.718/2008, verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)
Da leitura dos aludidos artigos, conclui-se que para fazer jus ao benefício, deverá a autora comprovar (i) sua condição de dependente; (ii) a permanência e o efetivo recolhimento à prisão do segurado instituidor; e (iii) a condição de segurado especial do segurado recluso por meio da comprovação do exercício de atividade rural.
Na hipótese dos autos, a autora IRACI EGGERT GORL é mãe do recluso LEANDRO EGGERT GORL e alega que o sustento da família ficou prejudicado desde a sua prisão em 18.5.2017, tendo em vista que o filho ajudava trabalhando na terra em regime de economia familiar.
A autora para comprovar seu direito apresentou:
(i) Declaração de 2017 firmada por REGINA SCHULTZ afirmando que LEANDRO EGGERT GORL laborava na sua propriedade com os pais parceiros agrícolas meeiros;
(ii) certidão de casamento entre IRACI EGGERT e DANIEL GORL;
(iii) certidão de nascimento de LEANDRO EGGERT GORL em que constam IRACI e DANIEL GORL como seus genitores;
(iv) Cadastro da família pela Secretaria Municipal de Saúde de 21.6.1999 em que constam os genitores como lavradores;
(v) Contrato de Parceria Agrícola entre outorgante REGINA SCHULTZ e outorgados IRACI, DANIEL e LEANDRO EGGERT GORL de 14.9.2016 de terreno em Córrego do Sossego, Vila Pavão-ES;
(vi) Notas fiscais de 2015 e 2016 em nome de LEANDRO com endereço do Córrego do Sossego; e
(vii) Certidão de Permanência Carcerária (Evento 1, INIC1).
Entendeu o juízo a quo em sentença que não há nos autos qualquer indício de provas que seja capaz de demonstrar a dependência da autora para com o filho recluso e que no contrato de parceria agrícola juntado aos autos figuram a autora, o cônjuge e o filho, o que demonstra que todos trabalham em regime de economia familiar, não sendo exclusiva do filho recluso a mantença da casa.
A autora, em sua apelação, alega que, comprovou a relação de dependência, uma vez que juntou aos autos, entre outros documentos, contrato de parceria agrícola que demonstram que a família trabalha na lavoura em regime de economia familiar. Além disso, destaca que a prova testemunhal foi firme em atestar a existência da dependência econômica.
Em que pesem os argumentos utilizados pelo juízo de que a mantença da casa não é de exclusiva responsabilidade do filho recluso, entendo que a autora demonstrou o vínculo de dependência econômica para com seu filho, dado que se trata de caso de atividade rural familiar.
Na atividade rural familiar, por definição, a família é a unidade produtiva básica. Assim, de forma diferente do que acontece na cidade, uma vez demonstrada a residência comum e a atividade rural do grupo familiar, é possível admitir, ao menos em um primeiro momento, que todos os indivíduos em idade laboral colaborem ativamente para a manutenção da casa, o que caracteriza a dependência econômica mútua para fins previdenciários.
No caso concreto, além da demonstração de residência no local onde eram desempenhadas as atividades rurais, a ausência de anotação de vínculos urbanos no CNIS do segurado recluso corrobora a tese de que ele tirava seu sustento com a atividade rural familiar. Além disso, há nos autos, notas fiscais em nome de LEANDRO com o endereço do sítio em Córrego do Sossego dos anos de 2015 e 2016.
Por último, as duas testemunhas ouvidas em audiência (Evento 1, ATOORD4) confirmaram que o segurado recluso laborava juntamente com os pais na propriedade rural do Córrego do Sossego. Inclusive, a primeira das testemunhas, Sr. Adilson Lagasse afirmou que conhece a família da autora há 25 anos e que o filho recluso LEANDRO trabalhava somente na lavoura dos genitores.
Por todo o exposto, ficou demonstrado o vínculo de dependência entre a autora e o segurado, além do evidente exercício de atividade rural que o caracteriza como segurado especial. A permanência no cárcere também foi demonstrada por meio da apresentação da Certidão de Permanência Carcerária em Evento 1, INIC1.
Portanto, cumpridos os requisitos exigidos pela legislação, deve ser provida a apelação da autora e concedido o benefício de auxílio-reclusão.
No tocante à aplicação de juros e correção monetária acrescidos sobre os valores em atraso, devem ser calculados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que já contempla tanto o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 870.947 (Tema 810) quanto do Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos REsp 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS (Tema 905).
Adicionalmente, deve ser aplicado o Enunciado 56 da Súmula deste Tribunal Regional da 2ª Região, que dispõe que: “É inconstitucional a expressão ‘haverá incidência uma única vez’”, constante do art. 1°-F da Lei N° 9.494/97, com a redação dado pelo art. 5° da Lei 11.960/2009”.
Em relação aos honorários recursais e quanto ao percentual da condenação, cuidando-se de sentença proferida após a vigência do Código de Processo Civil de 2015, a fixação dos honorários em que a fazenda pública for parte deve respeitar os parâmetros previstos no art. 85, 3º do CPC. Adicionalmente, conforme posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, os recursos interpostos contra decisões publicadas a partir do dia 18.03.2016 estarão sujeitos ao possível arbitramento de honorários de sucumbência recursais, previstos no art. 85, § 11 do CPC/2015:
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
Todavia, na forma do art. 85, §4°, II, do NCPC, tratando-se de acórdão ilíquido proferido em demanda da qual a Fazenda Pública faça parte, a fixação dos honorários, inclusive recursais, será feita na fase de liquidação, observando-se os critérios estabelecidos no art. 85, §§ 2° e 3°, do mesmo diploma legal.
Em se tratando de benefício de previdenciário, de natureza alimentar, presume-se o risco de dano irreparável à sobrevivência digna da segurada. Por sua vez, a própria fundamentação deste voto consubstancia o segundo requisito do artigo 300 do NCPC.
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO à apelação da autora, nos termos da fundamentação. Presentes os requisito legais, CONCEDO a tutela de urgência para determinar ao INSS que institua o benefício, em até dez dias, após a intimação do acórdão.