Conheço da apelação, pois presentes os requisitos de admissibilidade.
Conforme relatado, cuida-se de apelações interpostas pelo INSS e, adesivamente, pelo autor contra a sentença (ev. 1, SENT3), que julgou procedente o pedido para condenar a autarquia a conceder, em favor do autor, o benefício de aposentadoria por invalidez desde o requerimento do auxílio-doença, em 18/04/2018.
JOSE BRAZ, trabalhador rural, afirmou que não logrou êxito em dar continuidade ao seu trabalho, devido às doenças que o afligiam. Teve indeferido seu requerimento de auxílio-doença, ante à ausência de qualidade de segurado especial.
Quanto aos benefícios por incapacidade, o benefício previdenciário de auxílio-doença é disciplinado pelo art. 59 da Lei nº 8.213/91, nos seguintes termos:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será concedido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Por sua vez, o benefício de aposentadoria por invalidez está previsto nos art. 42 e seguintes da mesma Lei:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Quanto ao requisito da carência, vale lembrar que os trabalhadores rurais (segurados especiais) estão isentos de cumprir a carência para obter auxílio doença e aposentadoria por invalidez, nos termos do artigo 26, III, c/c o art. 39, I, da Lei nº 8.213/91, devendo apenas comprovar a qualidade de segurado especial mediante o exercício de atividade rural nos doze meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício (art. 39, I), nos seguintes termos:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
(...)
III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei;
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)
Dentre os requisitos exigidos para a concessão e manutenção dessas prestações, destaca-se a incapacidade, que é o risco social coberto em ambos os casos. No caso do auxílio-doença, a incapacidade coberta é provisória (temporária) e/ou parcial (para o desempenho da atividade habitualmente exercida pelo segurado), enquanto que, para a aposentadoria por invalidez, a incapacidade deve ser permanente e para o exercício de toda e qualquer atividade profissional que assegure a subsistência do segurado.
Assim, da leitura dos aludidos artigos, conclui-se que, para fazer jus aos benefícios ora pleiteados, deverá a parte autora satisfazer cumulativamente três requisitos: (i) incapacidade; (ii) carência, quando for o caso; e (iii) qualidade de segurado.
Como se vê, para satisfazer o requisito da qualidade de segurado especial, o produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, deve explorar atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais, nos termos do art. 11, VII, a, da Lei nº 8.213/91.
Por outro lado, observa-se que o módulo fiscal no Município de Itaúna/ES possui 20 hectares, o que equivale a 200.000 metros quadrados (cf. https://www.embrapa.br/codigo-florestal/area-de-reserva-legal-arl/modulo-fiscal).
Desse modo, para satisfazer o requisito da qualidade de segurado especial, deve o segurado, na municipalidade de Itaúna-ES, explorar atividade agropecuária em área de até 800.000 metros quadrados, o que equivale a 4 (quatro) módulos fiscais.
Por isso, percebe-se que o autor não preencheu o requisito da qualidade de segurado especial.
De fato, depreende-se da documentação acostada aos autos, que o autor é proprietário de seis imóveis rurais, que, em conjunto, totalizam 1.068.387,90 metros quadrados.
Com efeito, há escritura pública de compra e venda de imóvel rural, lavrada em 12/05/2003, de propriedade de 66.463 metros quadrados (ev. 1, INIC1, pgs. 29/32); escritura pública de compra e venda de imóvel rural, lavrada em 26/04/2012, de propriedade de 242.000 metros quadrados (ev. 1, INIC1, pg. 33/35); escritura pública de re-ratificação, referente à escritura de compra e venda de imóvel rural lavrada em 21/11/2012, de propriedade de 259.660,90 metros quadrados (ev. 1, INIC1, pg. 38/41); escritura pública de de compra e venda de imóvel rural, lavrada em 08/02/2010, de propriedade de 242.000 metros quadrados (ev. 1, INIC1, pg. 42/46); escritura pública de compra e venda de imóvel rural, lavrada em 16/03/2011, de propriedade de 193.600 metros quadrados (ev. 1, INIC1, pg. 48/52); e escritura pública de de compra e venda de imóvel rural, lavrada em 20/10/2009, de propriedade de 64.664 metros quadrados (ev. 1, INIC1, pg. 54/58).
Neste contexto, tem razão o instituto apelante. O autor não tem direito aos benefícios por incapacidade, por ausência de qualidade de segurado especial, devendo a sentença ser reformada.
Sem honorários recursais, em razão do provimento à apelação, conforme entendimento fixado pelo Superior Tribunal Justiça (EDcl no AgInt no Resp nº 1.573.573).
Na forma do art. 85, §4°, II, do NCPC, tratando-se de acórdão ilíquido proferido em demanda da qual a Fazenda Pública faça parte, a fixação dos honorários sucumbenciais será feita na fase de liquidação, observando-se os critérios estabelecidos no art. 85, §§ 2° e 3°, do mesmo diploma legal.
Diante do exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E JULGAR PREJUDICADA A APELAÇÃO DO AUTOR.