Documento:20002475891
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5009228-42.2025.4.02.0000/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA

AGRAVANTE: LEANDRO FARIA LESSA

ADVOGADO(A): HYAGO ALVES VIANA (OAB DF049122)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF

AGRAVADO: FNDE - FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

VOTO

Conheço do agravo de instrumento, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade. Considerando o julgamento do mérito do agravo de instrumento, resta prejudicado o agravo interno.

Consoante consta do relatório, trata-se de agravo de instrumento interposto por LEANDRO FARIA LESSA, figurando como agravados a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, o FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE, a UNIÃO FEDERAL e o FNDE - FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, com requerimento de antecipação de tutela recursal, a fim de determinar aos agravados que concedam o Financiamento Estudantil (FIES) ao agravante por todo o período restante do curso de Medicina, disponibilizando os meios hábeis para o procedimento de aquisição do Financiamento Estudantil no curso de Medicina, afastando as disposições ilegais das Portarias Regulamentares, nos termos do artigo 300 e seguintes do Código processual, sob pena multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).

O fundamento do mérito da decisão recorrida foi exposto nos seguintes termos:

"Decido.

Nos termos do art. 7º, inciso III da lei n. 12.016/2009, a liminar em mandado de segurança será concedida para suspender o ato impugnado quando "houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida". Em síntese, exige-se probabilidade do direito e perigo da demora.

As alegadas ilegalidades da sistemática constante das Portarias 21/2014, 209/2018 e 38/2021 não prospera.

Nos termos do art. 1º da lei n. 10.260/2001, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) possui natureza contábil e é vinculado ao Ministério da Educação, destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores.

A lei prevê que haverá disciplina infralegal acerca do FIES, vide:

Art. 1º, § 1o O financiamento de que trata o caput deste artigo poderá beneficiar estudantes matriculados em cursos da educação profissional, técnica e tecnológica, e em programas de mestrado e doutorado com avaliação positiva, desde que haja disponibilidade de recursos, nos termos do que for aprovado pelo Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies).

O dispositivo acima ainda deixa claro que o acesso ao financiamento, como a qualquer recurso público, deve ser racionalizado, vide trecho grifado.

Em complemento:

Art. 1º [...]

§ 8o O Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, editará regulamento para estabelecer os critérios de elegibilidade de cada modalidade do Fies. (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)

§ 9o O Ministério da Educação poderá definir outros critérios de qualidade e, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, requisitos para adesão e participação das instituições de ensino no Fies. (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017)

Por fim, espancando qualquer dúvida sobre a lei dispor expressamente acerca da seleção de estudantes:

Art. 3o A gestão do Fies caberá: (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)

I - ao Ministério da Educação, na qualidade de: (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)

a) formulador da política de oferta de vagas e de seleção de estudantes, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies; (Incluída pela pela Lei nº 13.530, de 2017)

Não raro são feitas comparações entre o direito à educação e o direito à saúde ou outros direitos sociais, aduzindo-se que em todos os casos não poderia haver restrição ao acesso por norma infralegal.

Ocorre que o contorno constitucional dado a esses direitos é muito distinto. Aliás, cada direito social tem regramento próprio na Constituição, por exemplo: a previdência é prestada a quem contribui; a assistência, a quem dela necessite, independente de contribuições; a saúde, a todos indistintamente, previsto expressamente seu acesso universal (art. 196 da CF).

Mas não é esse o caso do direito à educação universitária. O art. 205 da Constituição Federal prevê a educação como direito de todos, mas dispõe sobre a universalização quando trata do ensino obrigatório e médio (art. 208, II e ar. 211, § 4º, ambos da CF).

Ou seja, se para o acesso ao ensino superior público é constitucional a adoção de processo seletivo, adotar critérios racionais para acesso ao financiamento público da educação é medida de igualdade e não de desigualdade, pois presentes as mesmas razões, aplicam-se as mesmas normas.

Nesse sentido, na ADPF n. 341, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a constitucionalidade de critérios de seleção de estudantes que almejam financiamento público para o ensino superior, quando da análise da Portaria Normativa MEC nº 10/2010. Veja-se:

Ementa: Direito Constitucional e Administrativo. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. FIES. Novas regras. Aplicação retroativa. Violação à segurança jurídica. 1. Arguição proposta contra as Portarias Normativas MEC nº 21/2014 e 23/2014, que alteraram as regras para ingresso e renovação de contratos de financiamento de curso de nível superior, celebrados com o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior – FIES. 2. Conhecimento parcial da arguição, exclusivamente em relação à constitucionalidade do art. 3º da Portaria Normativa MEC nº 21/2014, que alterou a redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010, uma vez que o requerente não se desincumbiu do ônus de impugnação específica dos demais dispositivos das Portarias Normativas MEC nºs 21/2014 e 23/2014. 3. O art. 3º da Portaria Normativa MEC nº 21/2014 alterou a redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010, passando a exigir média superior a 450 pontos e nota superior a zero nas redações do ENEM, como condição para a obtenção de financiamento de curso superior junto ao Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior - FIES. 4. Violação da segurança jurídica. Afastamento da exigência de desempenho mínimo no ENEM para a renovação dos contratos dos estudantes que já estavam cursando o ensino superior com financiamento do FIES antes da alteração da Portaria Normativa MEC nº 10/2010. 5. Quanto aos estudantes que ainda não tinham firmado contrato com o FIES, inexiste direito adquirido a regime jurídico. Na hipótese, as condições para a obtenção do financiamento foram alteradas antes do início do prazo para requerimento da contratação junto ao FIES para o primeiro semestre de 2015. 6. Razoabilidade da exigência de média superior a 450 pontos e de nota superior a zero na redação do ENEM como critério de seleção dos estudantes que perceberão financiamento público para custeio do ensino superior. Exigência que atende aos imperativos de moralidade, impessoalidade e eficiência a que se submete a Administração Pública (art. 37, CF). 7. Arguição de descumprimento de preceito fundamental parcialmente conhecida e, nessa parte, pedido julgado parcialmente procedente para confirmar a medida cautelar e determinar a não aplicação da nova redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010 aos estudantes que postulavam a renovação de seus contratos, em respeito ao princípio da segurança jurídica, com prorrogação do prazo para obtenção da renovação até 29 de março de 2015. 8. Tese de julgamento: “Viola a segurança jurídica a aplicação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010, em sua nova redação, aos estudantes que postulam a renovação de seus contratos do FIES”.

Tese: A aplicação do art. 19 da Portaria Normativa nº 10/2010, em sua nova redação, aos estudantes que postulam a renovação de seus contratos, viola a segurança jurídica.

Decisão: do art. 19 da Portaria Normativa nº 10/2010, em sua nova redação, aos estudantes que postulam a renovação de seus contratos, em respeito ao princípio da segurança jurídica, prorrogado o prazo para obtenção da renovação até 29 de março de 2015, fixando a seguinte tese de julgamento: “A aplicação do art. 19 da Portaria Normativa nº 10/2010, em sua nova redação, aos estudantes que postulam a renovação de seus contratos, viola a segurança jurídica”, tudo nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 10.2.2023 a 17.2.2023.

ADPF 341, Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento: 22/02/2023, Publicação: 02/03/2023.

Portanto, a lei do FIES e as portarias questionadas se amoldam perfeitamente à formatação que a Constituição atribuiu ao direito à educação, não havendo retrocesso social a ser reconhecido.

Do exposto, indefiro a liminar."

Pois bem.

A tutela provisória de urgência, de natureza antecipada ou cautelar, busca evitar lesão a direito oriunda da demora na prestação jurisdicional, de modo que seu objetivo é antecipar o provimento pretendido. Mas a sua concessão antecipada está vinculada, não só à presença de forte probabilidade do direito alegado, mas também no perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, na forma do art. 300 do CPC/2015.

A controvérsia gira em torno da afirmação de que as portarias do MEC violam a Lei do FIES, criando restrições indevidas.

Correto o juízo a quo, que indeferiu o pedido de liminar, eis que ausente a plausibilidade do direito invocado.

O FIES é um instrumento criado pela Lei nº 8.436/92 com o objetivo de financiar a educação superior de estudantes matriculados em instituições de ensino superior não gratuitas.

A operacionalização desse sistema é viabilizada por meio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, constituído de verba pública, cujas fontes se encontram enumeradas no artigo 2º da Lei nº 10.260/2001. 

Veja-se o que dispõe o art. 1º da mencionada lei:

Art. 1º É instituído, nos termos desta Lei, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de natureza contábil, destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação própria.

Cabe registrar ainda que o art. 3º da referida lei estabelece que a ele caber dispor acerca das regras de seleção de estudantes a serem financiados, “devendo ser considerados a renda familiar per capita, proporcional ao valor do encargo educacional do curso pretendido, e outros requisitos, bem como as regras de oferta de vagas”.

Neste sentido, o estabelecimento de critérios pelo MEC para a inclusão dos estudantes no programa de financiamento, no exercício do seu poder discricionário, conferido no art. 3º, §1º, I, da Lei nº 10.260/201, não implica na inconstitucionalidade das mesmas e objetiva melhor seleção dos estudantes. Senão vejamos:

Art. 3º A gestão do Fies caberá:

I - ao Ministério da Educação, na qualidade de:

a) formulador da política de oferta de vagas e de seleção de estudantes, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies;

b) supervisor do cumprimento das normas do programa;

c) administrador dos ativos e passivos do Fies, podendo esta atribuição ser delegada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE);

(...)

§ 1º O Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, editará regulamento sobre:

I - as regras de seleção de estudantes a serem financiados, devendo ser considerados a renda familiar per capita, proporcional ao valor do encargo educacional do curso pretendido, e outros requisitos, bem como as regras de oferta de vagas;

(...)

 

Assim, a Lei 10.260, de 12 de julho de 2001, atribuiu competência à União, por intermédio do Ministério da Educação, para formular a "política de oferta de financiamento e de supervisor de execução de operações do Fundo" (art. 3º, I), além de editar regulamento dispondo sobre "as regras de seleção de estudantes a serem financiados pelo FIES" (art. 3º, § 1º, I).

Portanto, há expressa delegação legislativa para que o Ministério da Educação promova a regulamentação das condições para a seleção de estudantes a serem beneficiados pelo citado programa de financiamento estudantil, não havendo contrariedade da lei de regência.

Essa competência não sofreu alterações com a edição da Lei 12.212/2010, que especificou as atribuições do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, autarquia federal dotada de personalidade jurídica própria, conferindo-lhe a qualidade de agente operador e administrador do FIES.

A Portaria MEC nº 38/21, ao estabelecer critério de nota como requisito para acesso ao financiamento estudantil, o fez dentro da discricionariedade conferida pelo legislador ao Ministério da Educação pelo citado art. 3º da Lei 10.260-2001 (“outros requisitos”), o que, de forma alguma, representa restrição do alcance da norma que instituiu o financiamento estudantil, mas, sim, seleção com o objetivo de manter a higidez do programa.

Com efeito, nos termos do art. 11 da Portaria MEC nº 38, de 22 de janeiro de 2021, os estudantes que interessados em se inscrever no FIES devem atender aos seguintes critérios:

(i) ter participado do Enem, a partir da edição de 2010, e obtido média aritmética das notas nas cinco provas igual ou superior a quatrocentos e cinquenta pontos e nota na prova de redação superior a zero;

(ii) possuir renda familiar mensal bruta per capita de até três salários-mínimos.

 Encerrado o período de inscrição ao processo seletivo do Fies, os candidatos são classificados em ordem decrescente, de acordo com as notas obtidas no Enem na opção de vaga para a qual se inscreveram, observada a disposição constante do § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de 2001, o qual determina que o financiamento com recursos do Fies será destinado prioritariamente a estudantes que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido beneficiados pelo financiamento estudantil, vedada a concessão de novo financiamento a estudante em período de utilização de financiamento pelo Fies ou que não tenha quitado financiamento anterior pelo Fies ou pelo Programa de Crédito Educativo, conforme se depreende do art. 17, da Portaria MEC nº 38, de 2021.

O estabelecimento de critérios pela Administração para a inclusão dos estudantes no programa de financiamento, em razão de limitações orçamentárias, não implica na inconstitucionalidade das regras de seleção.

Em caso semelhante, tem-se o precedente desta Turma Especializada:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. FIES. REQUISITOS. PORTARIA DO MEC. NÃO COMPROVADOS. ÔNUS DA PROVA. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO.

1- Conforme relatado, cuida-se de agravo de instrumento com requerimento de tutela antecipada recursal, contra decisão que  indeferiu a antecipação de tutela objetivando "obrigar os Requeridos a concluírem o Financiamento Estudantil - FIES da Requerente junto ao aludido curso, para que o ele ingresse na universidade (FACULDADE DE MEDICINA DE PERTRÓPOLIS-FMP)".

2- Pretende a agravante que seja dado provimento integral ao recurso, para o fim de reformar a decisão que indeferiu a tutela de urgência solicitada, reconhecendo o direito da agravante ao Financiamento Estudantil - FIES.

3- A tutela provisória de urgência, de natureza antecipada ou cautelar, busca evitar lesão a direito oriunda da demora na prestação jurisdicional, de modo que seu objetivo é antecipar o provimento pretendido. Mas a sua concessão, nos termos do artigo 300, caput, do CPC, está vinculada à presença de forte probabilidade do direito alegado e de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.

4- Cumpre esclarecer que o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) é um programa do Ministério da Educação, instituído pela Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, que tem como objetivo financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em instituições não gratuitas. Podem requerer o FIES os estudantes já mencionados, que tenham avaliação positiva nos processos conduzidos pelo MEC.

5- Os candidatos interessados em se inscrever no referido processo seletivo do Fies devem atender, cumulativamente, às seguintes condições, constantes do art. 11 da Portaria MEC nº 38, de 22 de janeiro de 2021 (http://portalfies.mec.gov.br/arquivos/portaria_38_22012021.pdf):(i) ter participado do Enem, a partir da edição de 2010, e obtido média aritmética das notas nas cinco provas igual ou superior a quatrocentos e cinquenta pontos e nota na prova de redação superior a zero; e (ii) possuir renda familiar mensal bruta per capita de até três salários mínimos.

6- Na hipótese, a agravante não trouxe aos autos qualquer documentação que ampare o seu pedido ou que tenha se habilitado para receber o financiamento estudantil - FIES ou os motivos pelos quais o mesmo lhe foi negado. A simples argumentação de que todos têm o direito constitucional de acesso à educação não é suficiente para o de deferimento da medida de urgência pretendida. Por fim, a própria agravante reconhece o seu não enquadramento nos requisitos da norma regulamentadora do FIES, no sentido de que não atingiu a pontuação necessária para o ingresso no mesmo.

7- Agravo de Instrumento desprovido (TRF2, 5ª Turma Especializada, AG 5001320-36.2022.4.02.0000, Rel. Des. Fed. MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA, DJe 29.8.2022) (grifos nossos)

 

Registre-se que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou essa discussão, tendo assentado que "O estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo" (STJ, 1ª Seção, MS 20.074/DF, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 1.7.2013).

Nesta esteira de raciocínio, consoante precedente do Superior Tribunal de Justiça, a concessão de financiamento estudantil em instituição de ensino superior não constitui direito absoluto - porquanto sujeito a limitações de ordem financeira e orçamentária. Neste sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. FIES. CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO. VEDAÇÃO À CONCESSÃO DE NOVO FINANCIAMENTO A ESTUDANTE BENEFICIADO ANTERIORMENTE PELO PROGRAMA. PORTARIA NORMATIVA Nº 10, DE 30 DE ABRIL DE 2010. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.

1. Insurge-se o impetrante contra a imposição de restrições à obtenção do financiamento estudantil de que trata a Lei 10.260/2001 - FIES, segundo os ditames da Portaria Normativa 10, de 30 de abril de 2010, editada pelo Ministro de Estado da Educação. Defende a ilegalidade da previsão que veda a inscrição no FIES a estudante que já tenha obtido esse mesmo financiamento anteriormente (art. 9°, II, da Portaria Normativa 10/2010).

2. O FIES é fundo de natureza contábil destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação (art. 1° da Lei 10.260/2001), razão pela qual se encontra naturalmente sujeito a limitações de ordem financeira.

3. Os limites estabelecidos pela Portaria Normativa 10/2010 regulamentam a disponibilidade orçamentária e financeira do FIES, motivo pelo qual não destoam da sistemática da Lei 10.260/2001, que contempla, exemplificativamente, as seguintes restrições: a) proibição de novo financiamento a aluno inadimplente (art. 1°, § 5°); b) vedação a financiamento por prazo não superior ao do curso (art. 5°, I); c) obrigação de oferecimento de garantias pelo estudante ou pela entidade mantenedora da instituição de ensino (art. 5°, III); d) imposição de responsabilidade solidária pelo risco do financiamento às instituições de ensino (art. 5°, VI).

4. A Primeira Seção do STJ já enfrentou essa discussão, tendo assentado que "O estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo" (MS 20.074/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1°/7/2013).

5. A restrição à obtenção de novo financiamento por aquele que já tenha sido beneficiado pelo FIES anteriormente é decorrência natural dos próprios limites orçamentários dos recursos destinados a essa política pública, além de configurar previsão razoável e alinhada aos ditames da justiça distributiva.

6. Como não existe verba suficiente para a concessão ilimitada de financiamento estudantil, seria injusto alguém ser beneficiado pelo programa, por mais de uma vez, enquanto outros não pudessem eventualmente ter oportunidade alguma no ensino superior privado.

7. A concessão de financiamento estudantil em instituição de ensino superior não constitui direito absoluto - porquanto sujeito a limitações de ordem financeira e orçamentária -, razão pela qual não existe direito líquido e certo a afastar o ato apontado como coator.

8. Segurança denegada (STJ, 1ª Seção, MS 20169, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 23.9.2014) (grifos nossos)

 

Ademais, não há violação ao princípio da isonomia, havendo critérios objetivos de seleção. Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIES. PROCESSO SELETIVO. LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE. CRITÉRIO DA MELHOR NOTA NO ENEM. LEGALIDADE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO

1. O dissenso instalado nos autos diz respeito à legalidade e constitucionalidade do processo seletivo do Fundo de Financiamento Estudantil – FIES previsto pela Portaria MEC nº 38 de 22.01.2021.

2. Há expressa previsão legal atribuindo ao Ministério da Educação a edição de regulamento dispondo sobre as regras de seleção de estudantes a serem financiados.

3. No exercício da atribuição que lhe foi concedida pelo artigo 3º, III, ‘b’, § 1º da Lei nº 10.260/2001, o Ministério da Educação editou, entre outros diplomas administrativos, a Portaria MEC nº 38 de 22.01.2021.

4. O que se extrai do diploma administrativo, é que a inscrição do candidato no processo seletivo do Fies implica a concordância expressa e irretratável com referida Portaria (além do Edital SESu e demais atos normativos do Fies) que fixa como critério de classificação dos candidatos a média aritmética das notas obtidas nas provas do Enem em cuja edição o candidato tenha obtido a maior média.

5. No caso concreto, o próprio agravante reconhece na peça inaugural do feito de origem que “não conseguiu atingir a nota de corte para o curso almejado (grupo de preferência), razão pela qual foi incluído na lista de espera, estando classificado em 566º lugar” (Num. 254056495 – Pág. 3 do processo de origem), não logrando êxito em ser selecionado para inscrição no programa de financiamento estudantil

6. Não há qualquer alegação de violação às regras de seleção dos candidatos, limitando-se o agravante a defender a ilegalidade da adoção do critério da melhor nota obtida no Enem para classificação dos candidatos, o que, à evidência, não encontra amparo legal.

7. A melhor nota obtida no Enem é critério aplicado a todos os candidatos ao FIES, de modo que afastá-lo do agravante meramente em razão da insatisfação da classificação resultante de sua aplicação configura evidente violação aos princípios da isonomia e da igualdade de acesso ao ensino, previstos pelos artigos 5º, caput e 206, I da Constituição Federal.

8. Agravo desprovido. (TRF3, 1ª Turma, AG nº 5022492-07.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. WILSON ZAUHY, DJe 1.7.2022) (grifo nosso)

Outrossim, a concessão da tutela de urgência se insere no poder geral de cautela do juiz, cabendo sua reforma, por meio de agravo de instrumento, somente quando o juiz dá a lei interpretação teratológica, fora da razoabilidade jurídica, ou quando o ato se apresenta flagrantemente ilegal, ilegítimo e abusivo, o que não é o caso na bem lançada decisão.

Em conclusão, ausentes os requisitos autorizadores da tutela de urgência, imperativa a manutenção da decisão recorrida.

Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, e julgar prejudicado o agravo interno.



Documento eletrônico assinado por MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002475891v4 e do código CRC 8776d0f5.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA
Data e Hora: 03/09/2025, às 12:52:23

 


 


Documento:20002475892
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5009228-42.2025.4.02.0000/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA

AGRAVANTE: LEANDRO FARIA LESSA

ADVOGADO(A): HYAGO ALVES VIANA (OAB DF049122)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF

AGRAVADO: FNDE - FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

EMENTA

Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUNDO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL – FIES. PORTARIAS DO MEC. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO. LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1. Agravo de instrumento interposto por estudante de Medicina contra decisão que indeferiu tutela de urgência em mandado de segurança, visando compelir a União, a Caixa Econômica Federal e o FNDE a conceder financiamento estudantil (FIES) para todo o período restante do curso, afastando restrições impostas pelas Portarias MEC nº 21/2014, nº 209/2018 e nº 38/2021.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) definir se as Portarias do MEC, ao estabelecerem critérios de seleção para o FIES, afrontam a Lei nº 10.260/2001 e a Constituição; (ii) verificar se estão presentes os requisitos legais para a concessão da tutela de urgência recursal.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A Lei nº 10.260/2001 atribui ao Ministério da Educação competência para formular política de oferta de vagas e estabelecer regras de seleção de estudantes beneficiados pelo FIES, inclusive com definição de critérios adicionais (§ 1º, I, art. 3º).

4. O estabelecimento de critérios como desempenho mínimo no ENEM e limites de renda, previsto na Portaria MEC nº 38/2021, está amparado em delegação legislativa e visa assegurar a racionalização de recursos públicos e a higidez do programa.

5. A jurisprudência do STF (ADPF 341) e do STJ reconhece a constitucionalidade de critérios objetivos para acesso ao FIES, considerando-os compatíveis com os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 37, CF), bem como com limitações orçamentárias.

6. Não há direito absoluto ao financiamento estudantil, estando o benefício sujeito a disponibilidade orçamentária e critérios previamente definidos pela Administração.

7. Ausente demonstração de probabilidade do direito invocado e do perigo de dano irreparável, requisitos cumulativos exigidos pelo art. 300 do CPC para a concessão de tutela de urgência.

8. Inexistência de ilegalidade ou abuso na decisão que indeferiu a liminar, razão pela qual se impõe a sua manutenção.

IV. DISPOSITIVO E TESE

9. Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado.

Tese de julgamento:

1. É constitucional a fixação, por Portaria do MEC, de critérios objetivos para acesso ao FIES, desde que observada a delegação legislativa da Lei nº 10.260/2001.

2. O financiamento estudantil não constitui direito absoluto, sujeitando-se a limitações orçamentárias e aos requisitos previamente estabelecidos pela Administração.

3. A tutela de urgência somente se justifica quando presentes, cumulativamente, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, caput; 37; 205; 206, I; 208, II; 211, § 4º; CPC/2015, art. 300; Lei nº 10.260/2001, arts. 1º, § 1º, §§ 8º e 9º, e 3º, § 1º, I; Lei nº 12.016/2009, art. 7º, III.
Jurisprudência relevante citada: STF, ADPF nº 341, Rel. Min. Roberto Barroso, Plenário, j. 22.02.2023, DJe 02.03.2023; STJ, MS 20.074/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 01.07.2013; STJ, MS 20169, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe 23.09.2014; TRF2, AG 5001320-36.2022.4.02.0000, Rel. Des. Fed. Mauro Souza Marques da Costa Braga, DJe 29.08.2022; TRF3, AG 5022492-07.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy, DJe 01.07.2022.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, e julgar prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 08 de setembro de 2025.



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Documento:20002475890
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5009228-42.2025.4.02.0000/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA

AGRAVANTE: LEANDRO FARIA LESSA

ADVOGADO(A): HYAGO ALVES VIANA (OAB DF049122)

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF

AGRAVADO: FNDE - FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LEANDRO FARIA LESSA, figurando como agravados a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, o FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE, a UNIÃO FEDERAL e o FNDE - FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, com requerimento de antecipação de tutela recursal, a fim de determinar aos agravados que concedam o Financiamento Estudantil (FIES) ao agravante por todo o período restante do curso de Medicina, disponibilizando os meios hábeis para o procedimento de aquisição do Financiamento Estudantil no curso de Medicina, afastando as disposições ilegais das Portarias Regulamentares, nos termos do artigo 300 e seguintes do Código processual, sob pena multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).

Insurge-se o agravante contra a decisão interlocutória (Evento 05), que indeferiu o pedido liminar por entender que “Portanto, a lei do FIES e as portarias questionadas se amoldam perfeitamente à formatação que a Constituição atribuiu ao direito à educação, não havendo retrocesso social a ser reconhecido”.

Sustenta o agravante, em apertada síntese, que "1 – O Agravante está regularmente matriculado no Centro Universitário UniRedentor; 2- Entretanto, não possui recursos próprios para arcar com as mensalidades da graduação; 3 – O curso possui parcelas de enorme vulto financeiro, dificultando o acesso de classes sociais menos privilegiadas; 4 – Por meio da Lei 10.260/01, fora instituído Programa de Financiamento Estudantil a estudantes de cursos superiores, na modalidade presencial ou a distância, não gratuitos; 5 – Todavia, apesar de se enquadrar nos requisitos exigidos pela Lei do FIES, o Agravante não consegue êxito no ingresso no Programa Governamental em virtude de exigências infralegais ilegais, mesmo que diante da existência de vagas; 6 – O sucateamento e a implantação de restrições ao FIES iniciaram-se em 2015, por meio da Portaria MEC 21/2014, que acrescenta novos requisitos ao Programa, que antes era de LIVRE ACESSO aos Estudantes; 7 – Inexistência de prejuízo ao erário, que já possui previsão orçamentária, com enorme número de vagas ociosas anualmente; 8 – O que se requer não é que a sociedade arque diretamente com o estudo do Agravante, em prejuízo de outras políticas públicas, mas sim que se permita a realização empréstimo devidamente definido em lei, mediante recursos já existentes em fundo próprio para tanto, que serão devidamente devolvidos com as correções e juros legais; 9 – Garantia do direito constitucional à educação; 10 – Precedentes favoráveis dos Tribunais Federais; 11 – Comprovação do fumus bonis juris e do periculum in mora;"

Ao final, requer o provimento do recurso para reformar a decisão agravada, para que seja concedida a implementação do FIES, conforme requerido em petição inicial na ação de origem.

Indeferida a concessão de antecipação de tutela recursal (evento 2).

Contrarrazões do FNDE, no evento 10, requerendo o não provimento do agravo de instrumento.

A agravante, no evento 12, interpôs agravo interno em face da decisão que indeferiu a concessão de antecipação de tutela.

Contrarrazões ao agravo interno apresentada pelo  FNDE no evento 20.

Contrarrazões da União, no evento 24, pugnando pela manutenção da decisão.

Contrarrazões ao agravo interno apresentada pela CEF no evento 26.

Parecer do MPF (evento 32)  em que deixa de intervir ante a ausência de interesse público que demande sua intervenção obrigatória.

É o relatório. 



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