A questão em discussão consiste em verificar se o INSS tem o dever de observar os limites previstos no artigo 6º, § 5º, da Lei nº 10.820/03 para efetuar descontos referentes a empréstimos consignados em benefícios previdenciários.
Confira-se a redação do mencionado dispositivo:
Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, poderão autorizar que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) proceda aos descontos referidos no art. 1º desta Lei e, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam os seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, na forma estabelecida em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS e ouvido o Conselho Nacional de Previdência Social.
§ 5º Para os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social, os descontos e as retenções referidos no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor dos benefícios, dos quais 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, a financiamentos e a arrendamentos mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)
Da análise do dispositivo acima mencionado, verifica-se que o limite legal de desconto, em caso de empréstimo consignado, é de 35% (trinta e cinco por cento) sobre o valor do benefício previdenciário.
Interpretando a Lei nº 10.820/03, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1085 (REsp n. 1.863.973/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 9/3/2022, DJe de 15/3/2022.), consignou que:
"(...) Determina a lei de regência que o desconto consignado em folha não pode exceder o limite de 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração – de acordo com a redação dada pela Lei n. 14.131/2021 –, sendo 5% destinados, exclusivamente, para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou para saques por meio de cartão de crédito.
Preceitua a lei em comento, ainda, que os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão, do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a proceder aos descontos, também de forma irrevogável e irretratável. (...)
O empréstimo consignado apresenta-se, nesses termos, como uma das modalidades de empréstimo com menores riscos de inadimplência para a instituição financeira mutuante, na medida em que o desconto das parcelas do mútuo dá-se diretamente na folha de pagamento do trabalhador regido pela CLT, do servidor público ou do segurado do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), sem nenhuma ingerência por parte do mutuário/correntista, o que, por outro lado, em razão justamente da robustez dessa garantia, reverte em taxas de juros significativamente menores em seu favor, se comparado com outros empréstimos.
Uma vez ajustado o empréstimo consignado em folha de pagamento, não é dado ao mutuário, por expressa disposição legal, revogar a autorização concedida para que os descontos afetos ao mútuo ocorram diretamente em sua folha de pagamento, a fim de modificar a forma de pagamento ajustada.
Nessa modalidade de empréstimo – que, a um só tempo, propicia ao fornecedor do crédito, sólida garantia contra a inadimplência; e ao mutuário, acesso a crédito por taxas de juros substancialmente menores das praticadas no mercado para outros empréstimos sem similar garantia –, a parte da remuneração do trabalhador comprometida à quitação do empréstimo tomado não chega nem sequer a ingressar em sua conta-corrente, não tendo sobre ela nenhuma disposição.
Sob o influxo da autonomia da vontade, ao contratar o empréstimo consignado, o mutuário não possui nenhum instrumento hábil para impedir a dedução da parcela do empréstimo a ser descontada diretamente de sua remuneração, em procedimento que envolve apenas a fonte pagadora e a instituição financeira. Inclusive, a informação sobre a existência de margem consignável, ao ensejo da contratação, é responsabilidade da fonte pagadora.
É justamente em virtude do modo como o empréstimo consignado é operacionalizado que a lei estabeleceu um limite, um percentual sobre o qual o desconto consignado em folha não pode exceder. Revela-se claro o escopo da lei de, com tal providência, impedir que o tomador de empréstimo, que pretenda ter acesso a um crédito relativamente mais barato na modalidade consignado, acabe por comprometer sua remuneração como um todo, não tendo sobre ela nenhum acesso e disposição, a inviabilizar, por consequência, sua subsistência e de sua família.
Assegura-se, dessa maneira, que o mutuário de empréstimo consignado tenha acesso a expressiva parte de sua remuneração (2/3, aproximadamente), para dela dispor como bem entender. (...)"
No caso dos autos, a parte autora recebe aposentadoria por invalidez no valor de R$5.554,27 (cinco mil, quinhentos e cinquenta e quatro reais e vinte e sete centavos) e vem sendo descontada em um montante de R$2.184,07 (dois mil cento e oitenta e quatro reais e sete centavos), o que representa 39%, em descompasso, portanto, com o limite legal (Evento 1 – HISCRE6).
Sobre o tema, vale observar:
APELAÇÃO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. SEGURADO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS E PESSOAIS. DESPESAS COM CARTÕES DE CRÉDITO. MARGEM DE CONSIGNAÇÃO LEGAL. LIMITE MÁXIMO DE DESCONTOS. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, MÍNIMO EXISTENCIAL, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DANOS MORAIS. DESPROVIMENTO.
1. Cuida-se de apreciar apelação do demandante, segurado do INSS, que visa a obter tutela jurisdicional, com o propósito de que os descontos legais, incidentes sobre o benefício previdenciário de sua titularidade, sejam limitados a 30% (trinta por cento), como margem consignável, para a contratação de empréstimos bancários e despesas com cartões de crédito.
2. Não se conhece do pleito, formulado pelo apelante, de concessão do benefício da gratuidade de justiça, porquanto tal beneplácito legal já lhe fora outorgado pelo Juízo singular, mediante despacho proferido anteriormente no feito.
3. Afasta-se, igualmente, a pretendida legitimidade passiva da demandada, Crefisa S.A. Crédito, Financiamento e Investimento, dado que, consoante destacado na sentença, “(...) a relação contratual com o demandante foi um empréstimo pessoal e não consignado. Ademais, da leitura do HISCNS, percebe-se a ausência da referida instituição no rol das empresas concessoras de empréstimo. Assim sendo, ante a ausência de qualquer vínculo da pessoa jurídica mencionada com a pretensão autoral, excluo, de ofício, a Crefisa S.A. do polo passivo por considerá-la carente de legitimidade.”.
4. Os preceptivos normativos de regência da matéria, ao regrar os descontos autorizados e compulsórios, suscetíveis de incidirem sobre os benefícios previdenciários, estatuíram, de forma expressa, um patamar remuneratório mínimo, correspondente a 35% (trinta e cinco por cento), acima do qual se veda quaisquer outras deduções não contempladas em lei, do que se infere que a totalidade de descontos obrigatórios e autorizados não pode superar tal limite legal, cujo escopo último se traduz, em verdade, em garantir aos segurados do INSS e a seus dependentes o mínimo indispensável a uma sobrevivência digna, com o que se evita sua redução ao estado de miserabilidade e se observa o princípio da dignidade da pessoa humana na espécie.
5. No caso vertente, não há como acolher a demanda recursal, com o fito de determinar a minoração da margem consignável, para a contratação de empréstimos bancários pelo demandante, ao nível máximo de 30% (trinta por cento) de seu benefício previdenciário, fundada em putativa posição jurisprudencial do STJ sobre o tópico em liça, por falta de expressa previsão legal, apta a amparar esse pleito. Isso porquanto os preceitos normativos aplicáveis ao tema em debate - art. 115, da Lei nº 8.213/91; art. 6º, da Lei nº 10.820, de 17.12.2003, com as alterações conferidas pela Lei nº 13.172/2015; e a Instrução Normativa nº 28/2008, do INSS -, ao estipularem a margem consignável, para fins de empréstimos bancários, na modalidade consignável ou de outra natureza, bem como as despesas derivadas de cartões de crédito, dos segurados do INSS, no patamar máximo de 35% (trinta por cento), tais regramentos, quanto a esse específico aspecto, configuram normatividades cogentes, estabelecidas em Lei e Regulamento, sem que se possa falar, na espécie, em afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana, mínimo existencial, razoabilidade e proporcionalidade.
6. Na causa em análise, o apelante expressamente reconheceu que, de fato, ele celebrou contratos de empréstimos consignados e pessoais com os bancos demandados, admitindo, inclusive, a inadimplência dos valores cobrados daí resultantes, mas argumentou que somente não quitou as dívidas, em razão de crise financeira que o atinge e da exorbitante margem de consignação, que incide sobre seu benefício previdenciário, com ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao postulado do mínimo existencial. Portanto, meras alegações de dificuldades financeiras e insurgências genéricas do apelante contra cláusulas convencionais, particularmente de supostos descontos excessivos, a título de margem de consignação que, legalmente, recaem sobre o seu benefício previdenciário, a pretexto de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, que, no caso, não se evidenciaram, não se afiguram capazes de desobrigá-lo do efetivo cumprimento das aludidas avenças, em todos os seus termos, validamente pactuadas, em decorrência do princípio pacta sunt servanda, que impõe a força vinculante dos contratos, fundada na autonomia da vontade.
7. Uma vez constatada a plena regularidade dos descontos efetivados, no benefício previdenciário do segurado-demandante, sem extrapolamento da margem consignável de 35%, preceituada em lei, para o efeito de quitação de empréstimos bancários e despesas com cartões de crédito, improcede a pretensão autoral de condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, no valor correlativo a R$ 60.000,00, por absoluta ausência de lesões extrapatrimoniais aos direitos de personalidade do apelante, daí decorrentes. 8. Incidem honorários de sucumbência recursal no caso em tela, estatuídos no art. 85, §11, do CPC/2015, pelo que se majora, quanto ao apelante, no patamar de 1% (um por cento), sobre o valor da causa, a que ele foi condenado, a título de honorários advocatícios, precedentemente estipulados na sentença, observado o disposto no art. 98,§3º, do aludido Código, por ser o demandante beneficiário de assistência jurídico-gratuita. Custas ex lege.
9. Apelação improvida.
(TRF2, Sexta Turma Especializada, Relator Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Data do julgamento: 16/10/2019)
Desta forma, correta a sentença ao determinar ao INSS a adequação ao limite legal de 35% da renda mensal bruta do seu benefício previdenciário (aposentadoria por invalidez NB: 516.187.659-6).
Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO à remessa necessária.