Documento:20002344274
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000030-54.2025.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: JUENE SOARES RAMOS DE BARROS

ADVOGADO(A): George Pereira da Silva (OAB ES029159)

ADVOGADO(A): CLEMILSON RODRIGUES PEIXOTO (OAB MG106631)

EMENTA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO DE APELAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE RURAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.

I. CASO EM EXAME

1. Recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença que condenou a Autarquia ao pagamento retroativo de salário-maternidade à segurada especial, com correção monetária e juros aplicados ao INPC e, a partir da vigência da EC n° 113/2021, à taxa SELIC, além de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor das prestações vencidas. O INSS alega ausência de comprovação da condição de segurada especial e insuficiência de prova exclusivamente testemunhal.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a parte autora comprovou a condição de segurada especial para fins de obtenção do salário-maternidade; (ii) estabelecer se a prova testemunhal, corroborada por início de prova material, é suficiente para a concessão do benefício.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. O salário-maternidade para seguradas especiais não exige carência, mas sim a comprovação de atividade rural nos 10 (dez) meses anteriores ao parto, conforme interpretação do art. 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91 e Decreto n.º 3.048/99.

4. A exigência de carência para seguradas especiais foi declarada inconstitucional pelo STF (ADI 2.110/DF), por violar o princípio da isonomia e a proteção à maternidade e à infância (arts. 6º e 227 da CRFB/88).

5. A comprovação da atividade rural exige início de prova material, corroborada por testemunhos idôneos, sendo o rol do art. 106 da Lei n.º 8.213/91 exemplificativo, conforme entendimento consolidado pelo STJ (Súmula 149 e Tema 554).

6. Documentos que atestam a atividade rural do cônjuge constituem início de prova material suficiente para a comprovação do exercício laboral pela mulher, devido à presunção de trabalho conjunto no regime de economia familiar.

7. A análise da prova sob perspectiva de gênero impõe flexibilidade na aceitação de documentos e depoimentos que atestem o trabalho rural desempenhado pela mulher, conforme protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

8. No caso concreto, comprovou-se o nascimento da filha e o exercício de atividade rural da autora por meio de documentos e depoimentos testemunhais coerentes, os quais ratificam sua condição de segurada especial.

IV. DISPOSITIVO E TESE

9. Recurso desprovido.

Tese de julgamento:

1. A exigência de carência para concessão do salário-maternidade à segurada especial é inconstitucional.

2. A condição de segurada especial pode ser comprovada por início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea e coerente.

3. A análise da condição de segurada especial deve considerar a perspectiva de gênero, flexibilizando a comprovação documental do trabalho rural desempenhado por mulheres.

Dispositivos relevantes citados: CRFB/88, art. 201, II; Lei n.º 8.213/91, arts. 25, III, 39, parágrafo único, 71 a 73, e 106; Decreto n.º 3.048/99, art. 93, §2º; CPC, art. 85, §11.

Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 2.110/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 21.03.2024; STJ, AgInt no AREsp n. 2.168.314/PA, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 29.05.2023; STJ, AR n. 4.340/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 26.09.2018; STJ, Ação Rescisória nº 4060/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 04.10.2016.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, com a majoração dos honorários advocatícios em 1% (um por cento) sobre o valor anteriormente fixado pelo Juízo a quo, a teor do art. 85, §11, do CPC, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 10 de junho de 2025.



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002344274v7 e do código CRC be1afd21.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALFREDO HILARIO DE SOUZA
Data e Hora: 13/06/2025, às 18:36:39

 


 


Documento:20002335378
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000030-54.2025.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: JUENE SOARES RAMOS DE BARROS

ADVOGADO(A): George Pereira da Silva (OAB ES029159)

ADVOGADO(A): CLEMILSON RODRIGUES PEIXOTO (OAB MG106631)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face da sentença, proferida pelo Juízo da Vara Única de Dores do Rio Preto - ES, que julgou procedente o pedido para condenar a Autarquia Previdenciária ao pagamento retroativo do salário-maternidade, incidindo correção monetária e juros aplicados ao INPC e, a partir da vigência da EC n° 113/2021, à taxa da SELIC. Ademais, o INSS foi condenado ao pagamento de custas processuais e honorários sucumbenciais de 15% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas até a prolação da sentença, nos termos do art. 85, §3º, I do CPC e súmula 111 do STJ (evento 1, SENT3).

Em suas razões recursais (evento 1, APELACAO4), o Apelante pugnou pela reforma integral da sentença, sustentando, em síntese, que não restou comprovada a condição de segurada especial da parte autora. Alega que o contrato de parceria agrícola é contemporâneo ao período iniciado em 18/10/2017, sendo, portanto, insuficiente para fins de carência, considerando que o nascimento da filha da autora ocorreu em 10/01/2018. Por fim, argumenta que a prova exclusivamente testemunhal não é suficiente para comprovar o exercício de atividade rurícola para o fim de concessão de beneficio previdenciário, nos termos da Súmula 149/ STJ.

Sem contrarrazões (evento 1, CONTRAZ5)

Intimado, o Ministério Público Federal informou que a matéria objeto da demanda não se enquadra nas hipóteses de intervenção obrigatória, nos moldes do artigo 178 do CPC (evento 5, PARECER1).

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Cinge-se a controvérsia em verificar se a Autora, ora Apelada, possui direito ao salário-maternidade, estando em debate, especificamente, o cumprimento do período de carência necessário para a concessão do referido benefício.

O salário-maternidade, previsto no artigo 201, II, da CRFB/88, e nos artigos 71 a 73 da Lei n.º 8.213/91, é um benefício previdenciário destinado aos segurados do Regime Geral de Previdência Social que derem à luz, adotarem ou obterem a guarda judicial para fins de adoção, consistindo no pagamento de um valor mensal durante 120 (cento e vinte) dias.

Portanto, em regra, são dois os requisitos para a concessão do benefício: (i) parto, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção de criança, e (ii) qualidade de segurado. 

Frise-se, nesse momento, que havia um terceiro requisito para a concessão do benefício, e que era destinado apenas às seguradas nas condições contribuinte individual, especial e facultativa, qual seja, a carência, consistente na comprovação de 10 (dez) contribuições mensais, nos termos do artigo 25, III, da Lei n.º 8.213/91, com redação dada pela Lei n.º 9.876/99 {"III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do caput do art. 11 e o art. 13 desta Lei: 10 (dez) contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei"}.

Contudo, referida exigência foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.110/DF, em 21.03.2024, em razão da violação ao princípio da isonomia.

Sobre o tema, importante a transcrição de excerto do voto do Ministro Edson Fachin, que inaugurou a divergência para declarar a inconstitucionalidade do artigo 25, III, da Lei n.º 8.213/91, com redação dada pela Lei n.º 9.876/99.

No entanto, se a exigência de cumprimento do número mínimo de contribuições para fins de concessão do benefício pode ser dispensada para as trabalhadoras empregadas, com vistas à proteção do mercado de trabalho, esta exigência também pode ser isentada em relação às contribuintes individuais, com vistas à proteção da maternidade, do direito das crianças, que, nos termos do art. 227, CRFB, tem primazia absoluta. 

Com efeito, a distinção a que procedeu o legislador previdenciário, ao exigir das seguradas que desenvolvem suas atividades laborais com autonomia, por conta própria, o cumprimento do período de carência viola não apenas o princípio da isonomia, mas também o art. 227 da Constituição.

 Reconheço, nesse influxo, que a exigência do cumprimento de carência para fins de concessão do salário maternidade para algumas categorias de seguradas da Previdência Social ofende o status constitucional dos dispositivos que estabelecem a proteção à maternidade e à infância como direitos sociais fundamentais (art. 6º, CRFB), bem como a absoluta prioridade dos direitos da crianças, sobressaindo, no caso, o direito à vida e à convivência familiar (art. 227), CRFB, que qualifica o regime de proteção desses direitos. 

Neste particular, vale frisar que a exigência de carência, nas hipóteses em que impeça o acesso ao salário maternidade, implicará em negativa de acesso a direitos fundamentais, cuja leitura mais adequada obriga que sejam fruídos com a máxima eficácia.

Assim, seja porque a norma presume a má-fé das seguradas, seja pela violação à isonomia ou à proteção constitucional endereçada à maternidade, julgo, no ponto, procedente o pedido e acolho a alegação de inconstitucionalidade em relação aos artigos 25 e 26 da Lei 8213/1991, na redação da Lei 9879/1999.

Relevantes também são as considerações do Ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que "a norma impugnada revela-se inconstitucional em especial no atual contexto social e econômico no qual há cada vez menos relações de emprego formalizadas. Nesse cenário, as contribuintes individuais ocupam uma fatia relevante do mercado de trabalho. A carência exigida deixa desprotegido um número relevante de mulheres trabalhadoras, seus filhos e filhas. Ainda que se compreenda o argumento do legislador – no sentido de evitar que seguradas passem a contribuir com a Previdência Social exclusivamente para que possam fruir do salário maternidade – não há como entender constitucional uma norma que protege, de modo diverso, a maternidade de contribuintes individuais e seguradas especiais, puramente por não possuírem uma relação de emprego que lhes garanta uma estabilidade nas contribuições previdenciárias. Trata-se de distinção ilegítima entre, de um lado, contribuintes individuais e seguradas especiais e, de outro, seguradas empregadas, domésticas e trabalhadoras avulsas".

Por conseguinte, em se tratando de segurados no sistema contributivo da Previdência Social, não há falar em carência para o salário-maternidade, sendo necessário, além da comprovação do parto, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção de criança, a comprovação a condição de segurado.

Situação diversa se apresenta, entretanto, em relação à segurada especial que pleiteia o recebimento do salário-maternidade, equivalente a 1 (um) salário mínimo, uma vez que o benefício é devido independentemente de contribuição para o Regime de Previdência Social, exigindo, tão-somente, a comprovação de atividade rural ou artesanal, em regime de economia familiar, no período de 12 (doze) meses anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, na dicção do art. 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91:

Art. 39.  Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:             

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou    

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, observado o disposto nos arts. 38-A e 38-B desta Lei; ou            

II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.

Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.    

Importante pontuar que, a despeito de o referido dispositivo legal exigir 12 (doze) meses de atividade rurícola, ainda que de forma descontínua, fato é que o Decreto n.º 3.048/99, no §2º do artigo 93, prevê ser devido o salário-maternidade se comprovado o exercício rural nos últimos 10 (dez) meses anteriores à data ao parto, mesmo que de forma descontínua, in verbis:

§ 2o  Será devido o salário-maternidade à segurada especial, desde que comprove o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no parágrafo único do art. 29.

Sendo assim, consoante interpretação mais benéfica do próprio INSS, deve ser demonstrado o exercício da atividade campesina nos 10 (dez) meses anteriores ao parto no caso da segurada especial. 

Há que se assinalar, nesse momento, que para o enquadramento do trabalhador rural como segurado especial da Previdência Social (RGPS), exige-se, além da autodeclaração, a apresentação de início de prova material que demonstre o exercício da atividade rurícola, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

Quanto à forma de comprovação, o artigo 106, da Lei nº 8.213/91, dispõe que poderá ser realizada mediante a apresentação de contrato de trabalho ou Carteira de Trabalho e e Previdência Social - CTPS; contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; entre outros.

Ressalte-se, entretanto, ser entendimento pacífico no âmbito da Corte Cidadã que o rol dos documentos hábeis à comprovação o exercício da atividade rurícola, contido no art. 106, da Lei nº 8.213/91, é meramente exemplificativo, sendo permitida a apresentação de outros documentos, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar ou ex-patrão.

A título exemplificativo, o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO ESPECIAL. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. ROL EXEMPLIFICATIVO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
1. Na esteira do REsp 1.348.633/SP, sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, a Primeira Seção reafirmou a orientação de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço rural mediante a apresentação de início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos.
2. Caso em que o Tribunal de origem concluiu que o conjunto probatório não seria suficiente à demonstração da alegada atividade rural da parte autora, cuja alteração esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ.
3. Não se conhece do argumento de que não é taxativo o rol do art. 106 da Lei de Benefícios, que estabelece os documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural pela falta de prévio debate da questão, uma vez não ocorrente o prequestionamento do tema.
4. Na esteira da compreensão exposta no enunciado sumular 356 do STF, o Código de Processo Civil/2015 trouxe nova disciplina acerca do prequestionamento, ao introduzir o art. 1.025 do CPC, que consagrou o chamado "prequestionamento ficto", desde que o apelo nobre aponte a violação do art. 1.022 do CPC, hipótese inexistente na espécie.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.168.314/PA. Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 2/6/2023.)

Cabe ponderar, também, que, para as mulheres, devido à maior dificuldade na comprovação do exercício da atividade campesina, a flexibilidade na produção de provas é maior, permitindo-se, inclusive, a demonstração por meio do labor rural exercido pelo marido, se casada, ou do pai, se solteira, funcionando como uma extensão da qualidade de segurado (AR n. 4.340/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 26/9/2018, DJe de 4/10/2018).

Mencione-se, por fim, o Tema 554, segundo o qual "aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal".

Fixadas tais premissas, passa-se à análise do caso concreto.

Na hipótese vertente, o parto restou demonstrado com a certidão de nascimento da filha da Autora, ora Apelada, nascida em 10/01/2018 (evento 1, CONT2), inexistindo qualquer questionamento quanto ao seu cumprimento.

Em relação à condição de segurada, foram juntados os seguintes documentos: (i) certidão de casamento, lavrada em 29/09/2017 (evento 1, CONT2); (ii) contrato de parceria agrícola, onde a Apelada e seu cônjuge constam como parceiros outorgados, com firma reconhecida em 10/12/2018 e término em 18/10/2022, contendo cláusula (cláusula primeira) em que o parceiro outorgante declara já existir contrato verbal de parceria agrícola com os outorgados desde 22/07/2015 (evento 1, CONT2); (iii) aditivo ao contrato de parceria agrícola mencionado no item anterior, alterando a data de vencimento para 18/10/2022 (evento 1, CONT2); (iv) autodeclaração  do segurado especial rural, datada de 11/08/2021, em que a Apelada declara exercer atividade rural em regime de economia familiar desde 22/07/2015 (evento 1, CONT2), (iv) escritura de imóvel rural, com registro no INCRA, referente ao imóvel objeto de contrato da parceria agrícola (evento 1, CONT2); (v) declarações de aptidão ao Pronaf, em nome da Apelada e de seu cônjuge, com as seguintes datas: 07/01/2019 e 04/05/2020 (evento 1, CONT2); (vi) contrato de aquisição de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar firmado entre o Município de Dores do Rio Preto/ES e o cônjuge da Apelada, datado de 14/03/2019 (evento 1, CONT2); (viii) ficha de atualização cadastral da agropecuária, em que consta o nome da Apelada e de seu cônjuge como produtores, datado de 18/12/2018 (evento 1, CONT2); (ix) notas fiscais de compras realizadas pelo cônjuge da Apelada, constando produtos utilizados no exercício da atividade rural, como sementes e roçadeira,  com as seguintes datas: 20/04/2015 (evento 1, CONT2), 18/01/2016 (evento 1, CONT2), 24/02/2018 (evento 1, CONT2), 10/10/2020 (evento 1, CONT2), 24/11/2020 (evento 1, CONT2), 03/03/2021 (evento 1, CONT2).

O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que os documentos  que atestam a condição de lavrador/rurícola do cônjuge do autor constituem início razoável de prova documental para fins de comprovação de tempo de serviço rural de seu cônjuge, conforme se extrai do seguinte precedente: 

AÇÃO  RESCISÓRIA.  PREVIDENCIÁRIO.  APOSENTADORIA  RURAL  POR IDADE. COMPROVAÇÃO   DOS   REQUISITOS   NECESSÁRIOS  PARA  A  CONCESSÃO  DO BENEFÍCIO. RESCISÃO DO JULGADO. PEDIDO PROCEDENTE. 

1.  Os  documentos  que atestam a condição de lavrador do cônjuge da autora  constituem início razoável de prova documental, para fins de comprovação de tempo de serviço. Deve se ter em mente que a condição de  rurícola  da  mulher  funciona  como  extensão  da  qualidade de segurado  especial  do  marido. Se o marido desempenhava trabalho no meio  rural, em regime de economia domiciliar, há a presunção de que a  mulher  também o fez, em razão das características da atividade -trabalho  em família, em prol de sua subsistência (AR 2.544/MS, Rel.Ministra  MARIA  THEREZA  DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009). 

2.  Conforme  orientação  pacificada por esta Corte no julgamento do Recurso   Especial  1.321.493/PR,  representativo  de  controvérsia, considerando  a  inerente  dificuldade  probatória  da  condição  de trabalhador  campesino,  a  apresentação  de  prova material somente sobre  parte  do  lapso  temporal pretendido não implica violação da Súmula  149/STJ,  cuja  aplicação  é  mitigada  se  a reduzida prova material  for  complementada  por idônea e robusta prova testemunhal (REsp  1321493/PR,  Rel.  Ministro  HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012). 

3. (...)

(STJ. Ação Rescisória nº 4060/SP, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, DJE de 04/10/2016). (grifo nosso)

Cabe ressaltar, também, que não se exige a contemporaneidade do material de prova durante todo o período de carência, sendo possível sua complementação por meio da produção de prova testemunhal, conforme o julgado abaixo transcrito:

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE. LABOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. EC 113/2021. CUSTAS DEVIDAS PELO INSS. ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

1. Apelação interposta pelo INSS em face da sentença que julgou procedente a pretensão autoral de concessão do benefício de salário-maternidade, ante o reconhecimento do labor rural.

2. O benefício de salário maternidade é devido às seguradas em geral, dentre elas à segurada especial, durante cento e vinte dias, com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação concernente à proteção à maternidade, conforme estabelecido pelo art. 71 da Lei nº 8.213/91. Com relação ao período de carência é exigido da segurada especial 10 (dez) contribuições mensais anteriores ao início do benefício, de acordo com o art. 25, III, da Lei nº 8.213/91.

3. Destaque-se que para comprovação da atividade rural é necessária a apresentação de início de prova documental, confirmada pelos demais elementos probatórios dos autos, e prova testemunhal, não se exigindo, contemporaneidade da prova material com todo o período de carência. Precedentes do STJ: (AgRg no Ag 1419.422/MG; Relatora Ministra Assusete Magalhães; DJe de 03/06/2013).

4. Requisitos para a concessão do benefício de salário-maternidade preenchidos pela parte autora, em razão de deter a qualidade de segurada especial.

5. Juros e correção monetária conforme manual de cálculos da Justiça Federal, assim como, no que concerne aos critérios trazidos pela edição da Lei 11.960/2009, as orientações firmadas nos Temas 810 do STF e 905 do STJ, devendo a correção ser atualizada pelo INPC até a data da edição da EC 113/2021, momento a partir do qual deverá ser utilizada a SELIC na atualização das diferenças.

6. No Espírito Santo, a Lei nº 9.974/2013 dispensa o recolhimento inicial das custas quando autoras as pessoas jurídicas de direito público, alcançando suas autarquias, fundações públicas e as entidades fiscalizadoras do exercício profissional (art. 19, II), razão pela qual não há que se falar em isenção de custas em favor do INSS.

7. Apelação do INSS conhecida e parcialmente provida.

(AC 5000213.59.2024.4.02.9999. Rel. Juíza Federal Convocada Márcia Maria Nunes de Barros. 10ª Turma Especializada. DJ 19.04.2024)

Logo, conclui-se que há início de prova material razoável da condição de trabalhadora rural da Apelada por período superior a carência exigida, possibilitando a produção de prova testemunhal para sua complementação, conforme conforme Súmula 149 do STJ e o Tema 554 da Corte.

A fim de melhor aferir a condição de segurado especial rural da Autora, ora Apelada, foi designada audiência de instrução. Foram colhidos 02 (dois) depoimentos testemunhais em audiência realizada em 28/02/2024, bem como depoimento pessoal da  Apelada (evento 1, CONT2). Na ocasião, a Apelada declarou conviver com seu cônjuge há nove anos, embora o casamento civil tenha ocorrido apenas em 2017, informação que coincide com a constante da cláusula primeira do contrato de parceria agrícola, no sentido de que já havia contrato verbal desde 2015 (evento 1, CONT2). As testemunhas afirmaram conhecer a Apelada desde 2015, ano em que ela passou a residir com seu companheiro, e informaram que, desde então, ela o auxilia de forma contínua nas atividades rurais desenvolvidas na propriedade do avô dele, o Sr. José Natalino, informações que também estão em consonância com as provas juntadas aos autos.

Conclui-se, portanto, que todas as testemunhas foram uníssonas em atestar o labor rural da parte autora em período superior ao exigido para cumprimento da carência na lei, sendo seus depoimentos harmônicos e coerentes com os demais elementos dos autos.

Ademais, conforme CNIS juntados aos autos, o último vínculo urbano da Apelada possui como data fim o dia 07/07/2015 (evento 1, CONT2), o que também corrobora com o relatado. 

Registre-se, por fim, que, ainda conforme CNIS, a Autora, ora Apelada, já possui, inclusive, o período de 10/12/2018 a 08/12/2020 reconhecido como "período de atividade de segurado especial" pelo INSS.

O início de prova material restou, portanto, ratificado pelo depoimento das testemunhas, afirmando a condição de trabalhadora rural do Apelada por período superior a carência exigida. 

A análise do caso sob a perspectiva de gênero revela a necessidade de sensibilidade do Judiciário na avaliação do trabalho rural de mulheres que desempenham atividades domésticas, conforme protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero, especialmente o item 5.3:

"Especificamente quanto ao aspecto de direcionamento do trabalho da mulher no campo, Cardoso (2019)97 salienta o descompromisso do homem com o trabalho doméstico em áreas rurais. Esse trabalho, por conseguinte, termina posto ao encargo praticamente exclusivo da mulher, sobre a qual pende, ainda, o trabalho na lavoura ou no pastoreio.

Cardoso destaca que, embora posicionada como principal responsável pelo trabalho reprodutivo, o labor da mulher não se restringe a essa dimensão doméstica e auxiliar. Como a atividade da mulher campesina envolve o trabalho dentro do domicílio, as adjacências da casa terminam por envolver uma órbita de labor intenso, que abarca o cultivo de hortas e de pomares e mesmo a criação de pequenos animais como galinhas e porcos – itens fundamentais para consumo e subsistência do grupo familiar. Essas são dimensões de trabalho ainda mais negligenciadas ante a simplificação do labor da família campesina em lavoura e/ou pastoreio de destinação comercial, majoritariamente postos sob a liderança masculina, e trabalho doméstico, de preponderante atribuição feminina.

A atividade na órbita domiciliar, frequentemente não contabilizada e desempenhada sobretudo pelas mulheres, envolve um aspecto econômico importantíssimo: Cardoso (2019) descreve que até 70% do que é consumido nos domicílios provém desses quintais. Seus excedentes, sobretudo após a Lei nº 11.947/2009, a qual obrigou as prefeituras a comprar da agricultura familiar 30% da alimentação escolar, repercutem na possibilidade de geração de receitas que complementam a atividade econômica primordial, majoritariamente praticada pelo homem na lavoura ou no pastoreio.

Nesse contexto, a desvalorização do trabalho doméstico e adjacente ao domicílio contraria o conceito de regime de economia familiar, conforme previsto no art. 11, §1º da Lei 8.213/91, que pressupõe o trabalho dos membros da família como indispensável à própria subsistência, exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

Assim, não obstante trabalharem intensamente em favor do grupo familiar, seja na dedicação aos afazeres domésticos, seja no que tange às atividades produtivas, e apesar dessas atividades serem indispensáveis à subsistência do núcleo familiar e de estarem incluídas entre aquelas exercidas em contexto de mútua dependência e colaboração, as mulheres encontram maiores dificuldades para verem reconhecido esse labor do que seus companheiros e familiares.

Colabora para essa dificuldade a interpretação judicial que exige a comprovação do labor majoritário na terra. Tal interpretação estipula uma exigência que é atendida com maiores dificuldades pelas seguradas do campo, sem que haja uma expressa previsão legal neste sentido.

...

Assim, se a família labora no campo em pequenas propriedades, ao homem está formada automaticamente a convicção de que ele lavra a terra. À esposa, tal presunção não se faz a priori. Dela comumente se exige a prova de que o tempo dedicado ao trabalho doméstico não tenha consumido a maior parte das horas do dia, o que conduz a decisão sobre reconhecer ou não o trabalho em regime de economia familiar a um espaço maior de discricionariedade judicial.

Como as dinâmicas sociais partem simbolicamente da premissa da essencialidade do trabalho masculino e da eventualidade do trabalho feminino, a autoridade administrativa ou o juiz acabam por presumir essa realidade simbólica e, inconscientemente, exigem das mulheres uma prova mais robusta do seu trabalho como produtora rural, assim como um esforço maior de justificação.

...

Por estarem concentradas no trabalho doméstico e em atividades relacionadas à subsistência do grupo familiar, predomina tanto a ausência de qualquer registro, quanto o desprestígio ao labor executado pela mulher. Desprestígio esse que fica evidente diante do rol do art. 106 da Lei nº 8.213/1991113, o qual não elenca documentos vinculados a essas atividades abrangidas no espectro de reprodução social, das quais as mulheres majoritariamente se ocupam.

São elementos de prova relacionados sobretudo à produção social – a qual, especialmente no meio rural, conforme já pontuado, ainda se situa quase sempre na figura do homem. A prova vinculada à produção social traz, recorrentemente, indicação somente do nome do companheiro ou companheira do produtor, algo que dificultaria a comprovação do exercício de atividade rural pela mulher caso fosse restrito o cabimento da prova à pessoa nela especificada.

Mas há também outros três aspectos que contribuem para essa dificuldade de constituição de prova documental para atestar-se a atividade rural. São eles: i) a excessiva informalidade dos trabalhadores do campo; ii) os índices de analfabetismo elevados, maiores quanto maior a faixa etária; e iii) a cultura institucional ainda profundamente patriarcal e a aplicação de paradigmas masculinos para avaliação de atividades desempenhadas pelas mulheres."

Destarte, os elementos probatórios constantes dos autos permitem concluir que a Apelada desempenhou atividades de natureza rurícola em período superior a 10 (dez) meses anteriores ao nascimento da filha, o que comprova a sua qualidade de segurada e garante a obtenção do salário-maternidade, como bem analisado na sentença.

Com vistas a possibilitar o acesso das partes às instâncias Superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

Posto isto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, com a majoração dos honorários advocatícios em 1% (um por cento) sobre o valor anteriormente fixado pelo Juízo a quo, a teor do art. 85, §11, do CPC.



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002335378v30 e do código CRC da990bca.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALFREDO HILARIO DE SOUZA
Data e Hora: 09/05/2025, às 03:33:24