Preliminarmente, cumpre pontuar, quanto à apontada ausência de intimação da própria União por meio de seu órgão de representação processual, que, além de ter havido intimação da indigitada autoridade do MAPA — e portanto sem prejuízo à necessária oportunização de contraditório e ampla defesa —, a Lei nº 9.507/1997 (e em especial seus arts. 9º, 11 e 14) não prevê regra como à dos arts. 7º, caput, II, 9º e 11 da Lei nº 12.016/2009, tampouco regra que autorize expressamente a extensão de tais regras do mandado de segurança ao habeas data.
Avançando-se à apreciação da questão meritória, tendo em vista a percuciência com que foi resolvido o meritum causae, acompanho — por fundamentação per relationem ou aliunde, amplamente admitida pelo Pleno do STF (cf. MS nº 33.558 AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julg. em 25/11/2015) e pela Corte Especial do STJ (cf. Apn nº 536/BA, Relª Minª ELIANA CALMON, julg. em 15/03/2013) — as razões de decidir expostas pelo MM. Juízo a quo, cuja sentença restou redigida, conforme selecionados excertos, nos seguintes termos, ipsis litteris (com grifos originais):
Trata-se de HABEAS DATA impetrado por MARCOS ANTONIO GRILLO contra ato atribuído ao SUPERINTENDENTE FEDERAL DE AGRICULTURA DO ESPIRITO SANTO – DIVISÃO DE PESCA, objetivando a emissão das declarações de pescadores profissionais em favor deste.
Para amparar a sua pretensão, o Impetrante aduz que: a) É pescador e exerce o ofício no território do Espírito Santo; b) Com o rompimento da barragem no Município de Mariana/MG, em 2015, que gerou ação civil pública; c) Com o desdobramento da ação, surgiu o Sistema de Indenização Simplificado- SIS, conhecido também como NOVEL, criado pela RENOVA, que estabelece os requisitos para que os pescadores recebam indenização qualitativa para reparar os danos do desastre; d) Para a comprovação do ofício de pescadores, é necessário a apresentação de uma declaração a ser fornecida pelo MAPA, que, por sua vez, vem negando a emissão do documentos; e) A emissão da declaração é importante, pois servirá para comprovar o direito dos mesmos à verba indenizatória; f) Foi solicitada declaração de uso pelo INSS, que não foi aceita pela RENOVA; g) Existem inúmeras provas das tentativas de obtenção do documentos, todas sem sucesso.
[...]
II - FUNDAMENTAÇÃO.
[...]
2. Mérito.
No caso em apreço, verifica-se que a pretensão inicial cinge-se à emissão de declaração que comprove a condição do Impetrante de pescador profissional.
Para tanto, afirmam se tratar de documento imprescindível ao recebimento de verba indenizatória decorrente do desastre ocorrido em Mariana/MG, com o rompimento da barragem de Fundão.
Cumpre dizer, inicialmente, que o habeas data encontra fundamento no inc. LXXII do art. 5º da CF/88, que assim estabelece:
“LXXII – conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.”
Por sua vez, o inc. XXXIII do citado dispositivo constitucional prevê:
“XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;"
Ademais, as hipóteses de utilização da ação constitucional em comento foram regulamentadas pelo art. 7º da Lei nº 9.507/97, que dispõe o seguinte:
“Art. 7° Conceder-se-á habeas data:
I - para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
II - para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;
III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.”
Com efeito, o Habeas data pode ser definido como remédio constitucional que assegura o conhecimento de informações que dizem respeito ao próprio impetrante, podendo se tratar de simples informação ou, se for de conhecimento do mesmo, pode se tratar de sua retificação; ainda, pelo artigo 7º da Lei nº 9.507/97, o objeto pode ser também a anotação de esclarecimentos ou justificativas no registro de dados.
Cabe pontuar, também, que a Lei nº 12.527/2011 estabelece os critérios de limitação do acesso à informação:
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente a especificação da informação requerida.
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
Logo, a pretensão do Impetrante não se enquadra nas hipótese de limitação colocadas em Lei, não havendo impedimentos para a concessão do documento.
Confrontando a hipótese dos autos com os dispositivos legais e as considerações acima expostas, infere-se que a pretensão autoral encontra fundamento na alínea “a”, do inciso LXXII, do artigo 5º da Constituição Federal, ou seja, a busca pelo "conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público".
Logo, independente do conteúdo da declaração a ser fornecida, no que diz respeito à situação dos profissionais pescadores nos registros do MAPA, estes têm o direito de obter o referido documento.
III - DISPOSITIVO.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral para CONCEDER o habeas data, na forma do art. 13 da Lei n. 9.507/03, e determinar que a Autoridade Impetrada emita a declaração em favor do Impetrante, de acordo com a sua situação nos registros do MAPA, na condição de pescador.
O cumprimento da medida deverá ser informado a este Juízo pelo MAPA (UNIÃO), no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da intimação deste sentença, sob pena de multa diária a ser oportunamente arbitrada, em caso de descumprimento, conforme o art. 537 do NCPC.
[...]
Em face do exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa necessária, mantendo a sentença.