ADMISSIBILIDADE
Recebo a apelação, eis que presentes seus requisitos de admissibilidade.
MÉRITO
Conforme relatado, cuida-se de apelação cível interposta pela autora ZELIA FRIGERIO LIVIO contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de sentença (evento 1, SENT7, TRF2) que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, com antecipação de tutela, a partir do requerimento administrativo.
LEGISLAÇÃO
A aposentadoria por idade do trabalhador rural é disciplinada pelos artigos 48, § 1º e 2º e 143 da Lei 8.213/91, sendo devida àquele que completar 60 (sessenta) anos, se homem, ou 55 (cinquenta e cinco), se mulher, devendo comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, observada a tabela de transição do art. 142 da Lei de Benefícios.
Além disso, para os segurados especiais, a concessão do benefício independe do recolhimento de contribuição previdenciária, substituindo-se a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola, conforme art. 26, III c/c art. 39, I. da Lei 8.213/91:
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
(...)
III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei;
(...)”
“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido;
A definição de segurado especial da Previdência Social encontra-se no inciso VII, do artigo 11, da Lei 8.213/1991, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes
Por sua vez, o art. 106 da Lei nº 8.213/91 traz alguns dos documentos que podem provar atividade rurícola, sendo esse rol meramente exemplificativo (AgInt no REsp 1949509/MS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 17/02/2022):
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
X – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
JURISPRUDÊNCIA
A qualidade de segurado especial não pode ser demonstrada com base apenas nas provas testemunhais, conforme enunciado da Súmula n.º 149 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe:
A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário.
Assim, para a comprovação da atividade rural, é necessária a apresentação de início de prova documental, confirmada pelos demais elementos probatórios dos autos, especialmente pela prova testemunhal, não se exigindo, contemporaneidade da prova material com todo o período de carência. Veja-se o seguinte precedente do STJ a respeito da matéria:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, RATIFICADO PELOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE CONTEMPORANEIDADE. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.
I. Para a comprovação da atividade rural, faz-se necessária a apresentação de início de prova documental, a ser ratificado pelos demais elementos probatórios dos autos, notadamente pela prova testemunhal, não se exigindo, conforme os precedentes desta Corte a respeito da matéria, a contemporaneidade da prova material com todo o período de carência.
II. Consoante a jurisprudência do STJ, "para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, a lei não exige que o início de prova material se refira precisamente ao período de carência do art. 143 da Lei n.º 8.213/91, desde que robusta prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, como ocorre na hipótese em apreço. Este Tribunal Superior, entendendo que o rol de documentos descrito no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 é meramente exemplificativo, e não taxativo, aceita como início de prova material do tempo de serviço rural as Certidões de óbito e de casamento, qualificando como lavrador o cônjuge da requerente de benefício previdenciário. In casu, a Corte de origem considerou que o labor rural da Autora restou comprovado pela certidão de casamento corroborada por prova testemunhal coerente e robusta, embasando-se na jurisprudência deste Tribunal Superior, o que faz incidir sobre a hipótese a Súmula n.º 83/STJ" (STJ, AgRg no Ag 1399389/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe de 28/06/2011).
III. Nos termos da Súmula 7 desta Corte, não se admite, no âmbito do Recurso Especial, o reexame de prova.
IV. Agravo Regimental improvido.
(STJ, Sexta Turma, AgRg no Ag 1.419.422/MG, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 3/6/2013)
Acrescente-se, ainda, que, conforme jurisprudência do STJ, não é necessário que o início de prova material diga respeito a todo período de carência estabelecido pelo artigo 143 da Lei nº 8.213/91, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória ((REsp 1702241/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 19/12/2017).
Para os segurados que não consigam demonstrar o cumprimento de todos os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria por idade rural, a Lei nº 11.718/2008 inseriu o §3º no art. 48 da Lei nº 8.213/91, trazendo a chamada aposentadoria por idade rural "mista" ou "híbrida", aplicável principalmente em duas hipóteses: (i) quando há intercalação entre atividade rural e períodos de labor urbano e (ii) quando o segurado se afastou do campo por um longo período antes do cumprimento de todos os requisitos para a aposentadoria rural. Nesses casos, é possível a contagem do período de segurado especial para fins de carência, mas há elevação da idade mínima para aposentadoria.
Em outras palavras: os trabalhadores rurais que não satisfazem a condição para a aposentadoria do art. 48, §§ 1° e 2°, da Lei 8.213/91 podem somar, para fins de apuração da carência, períodos de contribuição sob outras categorias de segurado, hipótese em que não haverá a redução de idade que é destinada aos rurícolas, nos termos do art. 48, § 3º, da Lei n. 8.213/91, (com a redação dada pela Lei 11.718/2008):
Art. 48, § 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
Portanto, os requisitos necessários para a aposentadoria por idade rural são (i) idade mínima de 55 anos para a mulher e 60 anos para o homem, (ii) demonstração do exercício de atividade rural na qualidade de segurado especial pelo período de 180 meses imediatamente antes da aposentadoria. Caso o segundo requisito não seja integralmente cumprido, há a alternativa da aposentadoria por idade híbrida, todavia, com a aplicação do mesmo requisito etário utilizado para os trabalhadores urbanos.
CASO CONCRETO
Quanto ao requisito etário, a parte autora, nascida em 30/01/1953, contava com 65 anos na DER em 19/11/2018 (evento 1, INIC1, fl.41, TRF2).
Sobre a qualidade de segurada especial, a autora trouxe como provas materiais:
Carteira de trabalho (evento 1, INCI1, fls. 15-17, TRF2);
Certidão de casamento em que a profissão da autora consta como "comerciária" e do seu marido consta como "técnico de telecomunicação", datada em 18/05/1974 (evento 1, INCI1, fl. 18, TRF2);
Conta de energia elétrica em que a autora consta classificada na categoria "410-RURAL-AGROPECUÁRIA" referente ao mês de junho de 2018 (evento 1, INCI1, fl. 39, TRF2);
Auto declaração de segurado especial rural durante o período de 10/08/2009 a 07/10/2019 como "proprietária", datado em 16/10/2019 (evento 1, ANEXO2, fls. 11-14, TRF2);
Auto declaração do segurado especial rural de 27/06/2001 a 07/10/2019 como proprietária, datado em 16/10/2019 (evento 1, ANEXO2, fls. 15-18, TRF2);
Declaração do trabalhador rural durante o período de 27/06/2001 a 07/10/2019, datado em 07/10/2019 (evento 1, ANEXO2, fls. 19-20, TRF2);
Declaração do trabalhador rural, durante o período de 10/08/2009 a 07/10/2019, datado em 07/10/2019 (evento 1, ANEXO2, fls. 21-22, TRF2);
Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) da propriedade "Sítio Santo Antônio", com emissão de exercício dos anos de 2018 e 2019 (evento 1, ANEXO2, fl. 23-24, TRF2);
Recibo de entrega da declaração do ITR do exercício de 2001 a 2009 do "Sítio Santo Agostinho" no nome da autora (evento 1, ANEXO2, fls. 36-44, TRF2).
Em razões recursais a parte autora pediu a concessão da aposentadoria por idade híbrida a partir do requerimento administrativo, com antecipação de tutela. Pois bem, o CNIS da apelante (evento 1, ANEXO3, fl.11, TRF2) trouxe os seguintes vínculos empregatícios: (i) GERALDO JOÃO COSER de 01/08/1977 a 07/02/1980, filiada no vínculo de empregada, bem como (ii) AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS, como contribuinte individual, de 01/09/2004 a 30/09/2004. Além disso, a certidão de casamento da parte autora já indicava a sua profissão como comerciária desde 1974 (evento 1, INCI1, fl. 18, TRF2).
Em relação a aposentadoria por idade híbrida, é importante considerar o tempo de labor realizado tanto como empregada urbana quanto rural. Em relação ao trabalho rural realizado, é possível observar que os elementos acostados nos autos foram capazes de demonstrar o devido exercício da atividade rural pela parte autora. Ademais, a prova testemunhal (evento 1, ATOORD6, fls. 9-11, TRF2) também confirmou o labor rural realizado.
Diante disso, embora esteja demonstrado que a parte autora de fato exerceu atividade rural e urbana, existem documentos que demonstram a perda da qualidade de segurada especial.
Com efeito, é preciso analisar se o trabalho exercido foi desenvolvido em regime de economia familiar para fins de concessão da aposentadoria pretendida, ou seja, se esse trabalho rural pode caracterizar a autora como segurada especial para fins previdenciários.
A proteção previdenciária exige que a atividade rural seja exercida em um regime específico de minifúndio ou em aglomerado urbano ou rural, sendo que o principal componente básico considerado como um dos principais requisitos para a concessão do benefício é a presença da atividade rural exercida em regime de economia familiar. Nesse sentido, o núcleo básico da aposentadoria por idade rural se diferencia do paradigma utilizado na previdência urbana uma vez que para fins de apuração econômica, a análise realizada deve considerar a realidade econômica familiar para fins de caracterização do segurado especial.
Nesse sentido, é importante mencionar que o marido da autora exerceu vínculos laborais na condição de segurado empregado urbano. Ademais, em consulta ao sistema CNIS (evento 1, ANEXO3, fls.12-20, TRF2), observa-se que a remuneração percebida pelo marido autora era muito superior ao salário-mínimo da época em que se aposentou:
Além disso, desde 08/10/1998 o marido da autora é aposentado por tempo de contribuição em razão de atividades laborais urbanas, com renda mensal de R$2.736,78 (evento 1, ANEXO3, fl.21, TRF2) (SM de 1998 = R$130,00)
Na verdade, o marido da autora se aposentou com renda mensal superior a 20 (vinte) mínimos, o que torna a renda da trabalhadora rural dispensável para a subistência do grupo familiar da qual a mesma pertencia.
Com isso, verifico que não foi preenchido o requisito previsto em lei de exercício do trabalho rurícola em regime de economia familiar, uma vez que, embora tenha sido demonstrado o trabalho rural da parte autora, esse não era indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar.
Reforço, nesse sentido, que a jurisprudência dos tribunais superiores é uníssona no sentido de que, embora o exercício de atividade urbana por um dos membros da família não seja apta a ensejar automaticamente a descaracterização do segurado, deve ser avaliado se a renda decorrente da atividade urbana era suficiente para a manutenção da família, sob pena de não reconhecimento da qualidade de segurado especial para toda a família, conforme previsto no Tema 532 do STJ:
O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Logo, concluo que as provas acostadas aos autos foram insuficientes para demonstrar a condição de segurada especial da parte autora em regime de economia familiar e, portanto, a sentença (evento 1, SENT7, TRF2) que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural deve ser mantida.
Em atenção ao disposto no art. 85, §2°, §3° e §11°, do CPC, majoro os honorários fixados anteriormente pela sentença em 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando suspensa sua exigibilidade em razão da concessão da gratuidade de justiça. N
Diante do exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.