Trata-se de agravo de instrumento interposto por MASSA FALIDA DE CASA DE SAUDE SAO SEBASTIAO LTDA, em face de decisão (evento 217, DESPADEC1) proferida nos autos da execução fiscal nº 0518766-02.2005.4.02.5101/RJ pelo Juízo da 11ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro, que acolheu em parte a exceção de pré-executividade por ela interposta, nos seguintes termos, suprimidos os precedentes:
"01. MASSA FALIDA DE CASA DE SAUDE SAO SEBASTIAO LTDA, presentou exceção de pré-executividade (evento 208, PET1), requerendo a exclusão, em definitivo, das multas e a exclusão dos juros de mora, a partir da quebra, que constam nas Certidões de Dívida Ativa, com base no art. 23, § Único, III e 26 do Decreto-Lei nº. 7.661/1945.
01.1 Intimada, a parte Exequente apresentou impugnação à aplicação do Decreto-Lei nº. 7.661/1945 e pugnou pela aplicação do art. 19, § 1º, I da Lei 10.522/02, não se opondo à classificação da multa como crédito subquirografário e à limitação dos juros após decretação da falência (evento 213, PET1).
É o relatório. Decido.
02. O juízo falimentar, nos autos do processo nº 0106733-41.2007.8.19.0001, decretou em 11/10/2007 a falência da empresa CASA DE SAUDE SAO SEBASTIAO LTDA.
Da Incidência da Multa Moratória contra a Massa Falida
03. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é uníssona no sentido de ser indevida a cobrança da multa moratória contra a massa falida, vez que ela constitui-se em pena pecuniária, estando expressamente excluída por força das Súmulas n° 192 do STJ (“Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa”) e n° 565 do STF (“A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência”).
03.1 Todavia, entendo que o tema merece reflexão.
03.2 Ambas as súmulas acima mencionadas têm como paradigma legal as então vigentes disposições do Decreto-lei n° 7.661/1945, que por seu artigo 23 proclamava:
Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos.
Parágrafo único. Não podem ser reclamados na falência:
I – as obrigações a título gratuito e as prestações alimentícias;
II – as despesas que os credores individualmente fizerem para tomar parte na falência, salvo custas judiciais em litígio com a massa;
III – as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas.
03.3 O leading case que deu origem à sumula n° 565 expressamente estatui que:
Multa moratória. Sua inexigibilidade em falência, art. 23,§ único, III da Lei de Falências. A partir do Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172, de 25.10.1966, não há como se distinguir entre multa moratória e administrativa. Para a indenização da mora são previstos juros e correção monetária. RE não conhecido. (STF, RE 79625, Tribunal Pleno, DJ 08-07-1976)
03.4 Do voto condutor do aresto destaco os seguintes fragmentos os quais, a meu sentir, sintetizam a ideia matriz que deu azo à consolidação do entendimento Pretoriano:
O Sr. MIN. CORDEIRO GUERRA (RELATOR): - Não há dúvida, e o consagra a Súmula 192, que não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa, por força do art.23, § único, III, da Lei de Falências.
Essa proibição, como esclarece MIRANDA VALVERDE, “figura no nosso direito falimentar desde a Lei 2.024, de 1.908, e provém da lei alemã sobre falências, que, no §63, n.3, ordena a exclusão, do concurso, dos créditos por penas pecuniárias, porquanto se eles pudessem ser incluídos na falência, feririam não tanto o devedor, quanto os credores dela, contrariando, ainda hoje, o princípio, que não necessita estar mais nos códigos, de que a responsabilidade penal é absolutamente pessoal”.
(......)
Por isso, entendo, como o EGRÉGIO Tribunal local, e nesse sentido votei no plenário, no RE n° 80.093-SP e mais 80.013, 80.134, 80.147 E 80.185, em 13.12.74, que as sanções fiscais punitivas, uma vez asseguradas a correção monetária e os juros moratórios. O princípio da Lei de Falências é o de que não se deve prejudicar a massa, o interesse dos credores. O que se assegura é o imposto devido, não as sanções administrativas. Esta a inteligência que dou ao art. 184 do CTN.
03.5 Resguardar o patrimônio da massa de forma a não ocasionar maiores embaraços para a realização dos créditos dos credores, em especial dos quirografários, seria a teleologia do artigo 23, III, “c” da revogada Lei de Falências.
04. Todavia, a questão recebeu nova configuração normativa com o advento da Lei Complementar n° 108/2005, a qual conferiu nova redação ao CTN que, no ponto de relevo, passou a contar com a seguinte configuração:
Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.
Parágrafo único. Na falência:
I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado;
II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho ; e
III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.
04.1 Em consonância com o CTN, a Lei n° 11.101/2005 assim dispôs:
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I - (…)
IV – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles nõ previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
04.2 De modo uniforme, tanto as sanções estabelecidas por atos volitivos – as contratuais -, quanto as impostas pelo Estado passaram a ser incluídas na massa. A inclusão da possibilidade de cobrança de valores decorrentes tanto de sanções privadas quanto públicas faz ecoar o princípio da isonomia.
05. Por seu turno, teve o Legislador o cuidado de atender a preocupação já apontada pela Doutrina e Jurisprudência, qual seja, não ocasionar maiores dificuldades pra os credores despidos de privilégio, eis que, na ordem de preferência, incluiu os créditos referentes a multas abaixo dos créditos quirografários, a indicar que aqueles somente serão atendidos depois de que estes o forem.
05.1 A meu sentir, para o deslinde do tema, nem mesmo eventual distinção entre multas moratórias e decorrentes do descumprimento de obrigação acessória se torna relevante. A uma, porque a lei não as distinguiu. A duas, porque a lei se refere a “penas pecuniárias por infração da lei”. A multa moratória decorre da impontualidade do contribuinte em cumprir a obrigação no momento determinado pela lei, isto é, decorre de uma infração legal, como inclusive já foi afirmado em sede jurisprudencial:
(...)
06. Ainda que se afirme o caráter ressarcitório da multa de mora, forçoso é concluir que o direito ao ressarcimento decorre da caracterização de um dano que advém, de regra, da prática de uma conduta não amparada pelo Direito, ou seja, de uma violação a um dever/obrigação normativamente estabelecido. Logo, presume a ocorrência de uma infração legal que alude o preceptivo legal em comento.
06.1 Nesta toada não vislumbro qualquer nódoa de inconstitucionalidade ou irrazoabilidade na norma em espeque, devendo esta produzir os seus regulares efeitos.
06.2 Destaco que a Corte Superior vem reconhecendo a aplicabilidade do novo marco legal. Confira-se:
(...)
05.2 Logo, não é o caso de exclusão da multa, mas sim do destaque de seu valor e do diferimento de sua satisfação, a qual deve se dar segundo a ordem de preferência estatuída em lei e de acordo com as forças da massa.
05.3 Assim, o percentual referente à multa corresponde a 20%. Neste passo, 20% dos valores excutidos em cada um dos títulos deve ser atendido segundo a preferência definida no artigo 83, VII da Lei ° 10.101/2005, ao restante aplicam-se as demais disposições do CTN.
Da incidência dos juros de mora em desfavor da massa falida.
04. Dispõe o artigo 124 da Lei n° 11.101/2005 que:
Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados.
(...).
04.1 À luz da disposição legal supra, é cabível a incidência dos juros de mora até a data do decreto de quebra, ressaltando-se que a sua cobrança posterior à quebra fica condicionada à existência de ativo suficiente para o pagamento do principal.
08. Isto posto, nos termos da fundamentação supra, ACOLHO EM PARTE A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, de evento 208, para determinar que o montante correspondente a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa seja atendido segundo a preferência definida no art. 83, VII da Lei n° 10.101/2005, bem como que sejam incluídos no débito os juros moratórios incidentes até o dia 11/10/2007, os supervenientes à mencionada data terão sua satisfação condicionada à existência de ativo necessário ao pagamento da dívida principal.
09. Deixo de proceder à condenação em honorários advocatícios, uma vez que não há alteração no montante da dívida em cobrança, mas apenas quanto à preferência de parte dos créditos, não se identificando benefício econômico obtido com a peça de resistência.
10. Intime-se a parte Executada sobre os cálculos apresentados pela Exequente no evento 213.2. Prazo: 15 dias.
11. Após, oficie-se ao Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital/RJ, comunicando o teor da presente decisão e solicitando a retificação do valor que deverá ser reservado no Quadro Geral de Credores, nos termos da petição do evento 213.1.
11.1 Com a resposta, dê-se vista à Exequente para ciência.
11.2 Nada requerido, suspenda-se o trâmite da presente execução fiscal até o encerramento do processo falimentar, sendo certo que compete à Exequente acompanhar sua tramitação."
Em suas razões recursais, alega a ilegalidade da exigibilidade das multas (sancionatórias ou moratórias) da massa falida, bem como os juros de mora pós-quebra devem ser afastados, nos termos dos artigos 23 e 26 do DL 7.661/1945.
Informa que teve sua falência decretada sob a égide do DL 7.661/1945, não havendo que se falar em aplicação ao caso da Lei Falimentar de 2005.
Ressalta a "ilegalidade da multa moratória na execução fiscal movida contra Massa Falida, decorrente de sua natureza sancionatória, nos termos das Súmulas 192 e 565, do STF".
Por fim, requer "seja conhecido o presente recurso e, no mérito, dado provimento, reformando a r. decisão do juízo a quo para excluir as multas em definitivo, afastar os juros de mora pós-quebra e condenar a União/Agravada em verbas sucumbenciais, nos termos do artigo 85, § 3º do CPC e dos Temas nº. 143 e 410 do E. STJ."
Contrarrazões da agravada no evento 21, CONTRAZ1, requerendo que o agravo de instrumento seja desprovido.
É o relatório. Peço dia para julgamento.
1. Do Juízo de Admissibilidade
Conheço do agravo de instrumento, porque presentes seus requisitos de admissibilidade.
2. Do processo originário
Na origem, trata-se de execução em que se cobra da ora agravante o valor original de R$ 179.015,19 (cento e setenta e nove mil, quinze reais e dezenove centavos). (146.8)
Em consulta aos autos do processo de falência de nº 0105137-03.1999.8.19.0001, distribuído em 19/07/2007, verifica-se que esta foi decretada em 2007:

Em razão de o juízo de primeiro grau ter rejeitado a exceção de pré-executividade, a recorrente se insurge no presente recurso contra parte da decisão que negou a exclusão da multa e dos juros de mora do título executivo, já que a falência foi decretada em 11/10/2007, período em que já estava vigente a Lei nº 11.101/2005.
Com efeito, a data da decretação da falência constitui marco temporal para verificar se é cabível ou não a cobrança de multa, pois em relação às quebras ocorridas antes da Lei nº 11.101/2005, aplica-se o Decreto-lei n 7.661/1945, que assim dispunha:
Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos.
Parágrafo único. Não podem ser reclamados na falência:
(...)
III - as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas.
Com o advento da Lei nº 11.101/2005 a cobrança de multa se tornou possível, nos termos de seu art. 83, inciso VII, o qual determina que sejam incluídas na classificação dos créditos na falência “as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias”.
No caso concreto, sendo a sentença de decretação da falência de 11/10/2007 (evento 208, ANEXO3), momento em que já estava em vigência a Lei nº 11.101/2005, não é cabível a exclusão da multa, na forma do art. 83, inciso VII, da referida lei.
No tocante aos juros moratórios, a matéria é disciplinada no art. 124 da Lei 11.101/2005, que apresenta a seguinte redação:
Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados.
Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem a garantia.
Outrossim, os juros de mora não são exigíveis após a decretação da falência caso o ativo apurado não baste para o pagamento dos credores subordinados. Por consequência, não devem ser desde já excluídos da certidão de dívida ativa, e sua satisfação deve permanecer condicionada ao rateio que será efetuado, observando-se as preferências legais e as possibilidades da massa.
Nesse sentido é o entendimento desta Terceira Turma, conforme a seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. FALÊNCIA DECRETADA APÓS O ADVENTO DA LEI 11.101/2005. MULTA MORATÓRIA. INCIDÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS JUROS MORATÓRIOS. RECONHECIMENTO EXPRESSO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PELA FAZENDA NACIONAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. INCIDÊNCIA DO ART. 19, § 1º, I, DA LEI Nº 10.522/2002, ALTERADO PELAS LEI Nº 12.844/2013 E N° 13.874/2019.
1. A decretação da falência da sociedade executada ocorreu na vigência da Lei nº 11.101/05, razão pela qual, tal como consignado na decisão agravada, a multa moratória de natureza tributária é devida, devendo haver apenas a sua classificação “como crédito subquirografário, nos termos do art. 83, VII, da Lei nº 11.101/2005”. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
2. O art. 19, §1º, I, da Lei nº 10.522/2002, alterado pelas Leis nº 12.844/2013 e nº 13.874/2019, afasta a condenação da União Federal em honorários advocatícios quando houver o reconhecimento da procedência do pedido pela Fazenda Nacional ao ser citada para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, quando a ação versar sobre as matérias tratadas no art. 18 e nos temas especificados nos incisos do citado art. 19.
3. Não há como condenar a União Federal em honorários advocatícios, na medida em que houve reconhecimento expresso da procedência do pedido formulado na exceção de pré-executividade, de limitação dos juros à data da falência, como previsto no art. 124 da Lei n° 11.101/05, aplicando-se o art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002, com a redação da Lei nº 12.844/2013. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
4. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.
(TRF2, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5009214-97.2021.4.02.0000, 3a. TURMA ESPECIALIZADA, Juiz Federal ADRIANO SALDANHA GOMES DE OLIVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/02/2022)
Assim, deve ser mantida a decisão que rejeitou e exceção de pré-executividade, que decretou a manutenção da responsabilidade pelo pagamento da multa e dos juros moratórios, na forma dos artigos 83 e 124 da Lei nº 11.101/2005, tendo em vista que a falência foi decretada em 11/10/2007.
3. Conclusão
Dessa forma, merece ser mantida a decisão agravada, pois não há direito à exclusão em definitivo da multa ou dos juros moratórios, nos termos da Lei nº 11.101/2005.
Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento.