Documento:20001765555
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000146-94.2024.4.02.9999/RJ

RELATOR: Juiz Federal GUSTAVO ARRUDA MACEDO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ROSELMA CABRAL DOS SANTOS AMARAL

VOTO

Conforme relatado, trata-se de recursos de apelação interpostos por ROSELMA CABRAL DOS SANTOS AMARAL e INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de sentença ( evento 1, REC3 - fls. 24/26) proferida pelo MM. Juiz do Cartório da 2ª Vara da Comarca de São Fidelis em ação objetivando a concessão de auxilio-doença, a contar de 19/11/2014 (data de entrada do requerimento administrativo) e sua posterior conversão em aposentadoria por invalidez, bem como o pagamento das parcelas pretéritas devidas.

O juízo a quo julgou, na forma do art. 487, I, do CPC, procedente em parte o pedido para condenar o INSS a implementar o benefício de auxílio-doença em favor da autora e a pagar as quantias atrasadas a contar de 19/11/2014. 

Considerando que a perícia judicial teria constatado a existência de incapacidade permanente e parcial, entendeu o magistrado não ser o caso de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, e sim, que deveria a autora ser encaminhada à reabilitação profissional.

Diante desse cenário, apresentou a parte autora recurso ​(evento 1, REC3 - fls.45/55) alegando que o indeferimento do pedido de concessão de aposentadoria por invalidez foi indevido, uma vez que a análise de sua situação socioeconômica (51 anos de idade, trabalhadora rural por aproximadamente 31 anos, baixa escolaridade) comprova que seria praticamente impossível a sua reinserção no mercado de trabalho em atividade diversa da manual. Por assim ser, requer a aplicação do disposto na Súmula 47 da TNU, a fim de ver reformada a sentença para julgar procedente o pedido de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez. No caso de não provimento do recurso, requer ver prequestionados os dispositivos legais mencionados.

O INSS, por sua vez, alega, em seu apelo (evento 1, REC3 - fls.67/69) que: 1) o início de prova material carreado aos autos é insuficiente para qualificar a autora como segurada especial, haja vista que ela não teria apresentado documentos em nome próprio que indicassem sua condição de rurícola, não havendo complementação por prova testemunhal; 2) as conclusões administrativas sobre a inexistência de incapacidade só foram infirmadas em juízo por meio de prova pericial, pelo que a concessão deveria se dar a contar de 22/02/2022, data do laudo.

As partes apresentaram contrarrazões, ocasião em que a autora alegou que o recurso do INSS seria intempestivo ( evento 1, REC3 - fls.83/94).

Quanto à alegação de intempestividade verifico, compulsando os autos,  que no evento 1, REC3  - fls. 37 o órgão CAMPOS DOS GOYTACAZES PROCUR SECCIONAL - AGU/PRU foi intimado, em 20/12/2022, sobre o teor da sentença proferida às fls. 24/26 do mesmo evento. 

Àquela intimação se seguiu a manifestação da AGU (evento 1, REC3 - fl.39) alegando que teria ocorrido um equívoco, pois, o destinatário correto seria a AGU/PGF, responsável pela representação judicial das pessoas jurídicas de direito público integrantes da administração pública indireta, e não, AGU/PRU a quem competiria a  representação judicial da UNIÃO. 

Ante o alegado, foi realizada uma nova intimação, à fl.64 - evento 1, REC3, em 21/06/2023, essa última direcionada a Procuradoria Federal - INSS, a partir da qual começou a contar o prazo recursal do INSS. 

Assim, considerando que a apelação da autarquia foi protocolada em 26/06/2023 (fl.67) não há que se falar em intempestividade do recurso, devendo ser desconsiderada a certidão aposta à fl. 72 do evento 1, REC3, eis que firmada com base em premissa equivocada.

Por assim ser, conheço dos recursos de apelação interpostos, eis que presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Passo ao exame do mérito. 

Considera-se segurado especial a pessoa física residente em imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo do local de trabalho que trabalha individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, como pequeno produtor rural (seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) nas atividades de agropecuária (em área de até 04 módulos fiscais), seringueiro, extrativista vegetal ou como pescador artesanal, fazendo da pesca profissão habitual ou principal meio de vida (art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991).

Também considera-se segurado especial o cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, dos segurados acima mencionados, que tenham participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar (art. 11, inciso VII, alínea “c” e §6º da Lei nº 8.213/1991).

Em resumo, segurado especial é a pessoa que exerce atividade rural, de forma individual ou em regime de economia familiar, com o objetivo de manter a sua subsistência.

Ao segurado especial é expressamente garantido o direito à percepção de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença no valor de 01 (hum) salário mínimo, caso preenchidos os requisitos legais.

A Lei nº.8.213/91 preceitua em seus arts. 25, I e 59, que a concessão do benefício previdenciário de auxílio por incapacidade temporária, também conhecido como auxílio-doença, é vinculada ao atendimento do seguinte: 1) manutenção da qualidade de segurado da previdência social ao tempo do surgimento da enfermidade; 2) cumprimento de carência mínima de 12 (doze) contribuições mensais; 3) verificação de incapacidade do trabalhador para o desempenho de seu trabalho ou de sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

 Já a aposentadoria por incapacidade permanente ou aposentadoria por invalidez será devida, nos termos do art.42 da Lei nº. 8.213/91, quando demonstrada a existência de incapacidade permanente para toda e qualquer atividade laboral e a impossibilidade de reabilitação para outra, conforme se observa pela transcrição abaixo:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Esclareço que, em se tratando de segurado especial, a concessão de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez independe de carência, bastando apenas a demonstração do exercício de atividade rural no período de 12 meses anteriores ao requerimento administrativo, ainda que de forma descontínua (art. 39, I, c/c art.26, III, ambos da Lei nº.8.213/91).

Quanto a prova do labor rural, o art. 106 da Lei de Benefícios assim dispõe:

Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:

I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;

III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;

IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;

V – bloco de notas do produtor rural;

VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;

VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;

VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;

X – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou

X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.

Cabe ressaltar que é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o rol do art. 106 da Lei n. 8.213/91 é meramente exemplificativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.

Assim, para comprovação da atividade rural exigia-se, tradicionalmente, a apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos probandos corroborada por prova oral, notadamente, por testemunhas.

A partir da Lei nº 13.846/2019 institui-se, entretanto, que a comprovação do trabalho rural será feita através da extração dos dados contidos no CNIS, Cadastro Nacional de Informações Sociais (arts. 38-A e 38-B da Lei nº.8.213/1991).

Esclareço, por fim, que o modelo antigo de comprovação continua sendo válido para prova de atividade exercida até a reforma da previdência e deverá ser adotado até que o novo CNIS consiga abranger pelo menos metade dos segurados especiais em atividade no país, apurados conforme a pesquisa nacional de amostragem dos domicílios.

Prestados os esclarecimentos acima, passo a análise do caso concreto.

Argumenta o INSS ​(evento 1, REC3 - fls.67/69) que o início de prova material carreado aos autos é insuficiente para qualificar a autora como segurada especial e que a documentação apresentada não teria sido corroborada por prova testemunhal. Razão não lhe assiste.

​À fl. 24 do evento 1, INIC1 há informação do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São Fidélis atestando que a demandante trabalha como agricultora em regime de economia familiar e teria exercido a atividade em propriedade pertencente a seu pai no período de 15/12/2003 a 19/11/2014. O trabalho era realizado mediante contrato de parceria agrícola ( evento 1, INIC1 - fl.30).

Na entrevista rural (evento 1, INIC1 - fls.45/46), realizada na própria autarquia, consta a informação de que a autora se dedica ao plantio de milho, aipim, banana, cana de açúcar e que a produção se destina a subsistência da família que não possui outra fonte de renda. Na ocasião, a servidora do INSS responsável pela entrevista emitiu parecer favorável no sentido de que estaria comprovada atividade na qualidade de segurado especial. 

Com efeito, os documentos juntados no evento 1, INIC1 - fls. 24 e 28/47  comprovam a qualidade de segurada especial da demandante.

Observo, ainda, que o INSS firmou, no evento 1, INIC1 - fl. 47, Termo de Homologação da Atividade Rural relativo ao período de 18/10/2012 a 18/11/2014.

Assim, ante o reconhecimento administrativo efetuado,  reconheço o Termo de Homologação da Atividade Rural como prova da qualidade de segurada especial da parte autora, sendo desnecessária a corroboração de sua condição via prova testemunhal.

A demonstração do exercício de atividade rural no período de 12 meses anteriores ao requerimento administrativo também está comprovada conforme declaração de período de atividade constante no Termo de Homologação da Atividade Rural acostado no evento 1, INIC1 - fl.47, que atesta exercício de atividade rural no período compreendido entre 18/10/2012 a 18/11/2014.

Com relação a comprovação de existência de incapacidade laborativa, verifico que ​a parte autora foi submetida a perícia médica (evento 1, REC3 - fls.06/14) que constatou o que segue: 

(...)

2. A parte autora é portadora de alguma doença/lesão, deficiência física ou mental? CID10 M32 – Lupus Eritematosos sistêmico CID10 I10 – Hipertensão arterial sistêmica CID10 E66 - Obesidade.

(...)

5. Qual a data provável de início desta doença/lesão? A data do início da doença é estabelecida em 04/02/2002, quando periciada necessitou de assistência em serviço de reumatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. - Apresenta no momento da perícia, Receita médica do Serviço de dermatologia do Hospital da UFRJ. Data 04/02/2002. 

6. Quais as características da doença/lesão a que está acometido a parte autora? Lupus eritematoso sistêmico é doença crônica e autoimune. 

7. A doença/lesão gera incapacidade para o trabalho? Sim. Periciada apresenta quadro de poliartralgia, com limitação dos movimentos articulares, principalmente de punhos e mãos.

8. Caso haja incapacidade, é possível ao Sr(a) Perito(a) precisar qual a data de início desta incapacidade? Em que dados técnicos baseia-se esta resposta? A data da incapacidade é estabelecida em 20/03/2015. Periciada evoluiu com poliartralgia. - FLS. 08 – AM. Lúpus cutâneo – articular, HAS e obesidade. Data 20/03/2015. 

9. Em caso positivo, esta incapacidade é total para o exercício de qualquer atividade laborativa ou apenas parcial para a atividade habitual da parte autora? Periciada incapacitada para atividades que exijam esforço físico e exposição ao sol. 

10. A doença induz em incapacidade para o exercício de atividades laborativas que não exijam esforço físico? Periciada apta para atividades que não exijam esforço físico e exposição ao sol.

(...)

13. Havendo incapacidade para o trabalho, esta é temporária (enquanto durar o tratamento da doença/lesão) ou definitiva (não tem recuperação) A incapacidade observada na periciada é permanente e parcial.

(...)

15. Havendo incapacidade parcial definitiva a parte autora poderia ser reabilitada para desempenhar outras atividades laborativas dentro de sua realidade funcional e grau de instrução? Periciada apta para atividades que não exijam esforço físico; carga ou força em punhos e mãos e exposição ao sol. Periciada refere apresentar Ensino Médio completo.

E concluiu o especialista:

(...) IV – CONCLUSÃO A perícia realizada Sra. Roselma Cabral dos Santos Amaral, no dia 22/02/2022, apresentou dados na anamnese e exame físico compatíveis com a patologia descrita e documentada neste processo. Após exame, a periciado não apresenta condições para exercer a atividade laboral de trabalhadora rural. Portadora de doença autoimune, Lupus Eritematosos Sistêmico. Apresenta limitação dos movimentos articulares e impossibilidade de exposição ao sol.

​​Diante da conclusão pela existência de incapacidade permanente e parcial, o juiz responsável pelo processo concluiu que seria o caso de concessão de auxílio-doença até eventual reabilitação profissional (evento 1, REC3 - fls.24/26).  

Não me parece a conclusão mais acertada.

​Estabelece a Súmula 47 da TNU que:

"Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez."

​Assim, constatada a existência de incapacidade parcial para o trabalho está o magistrado autorizado a analisar a real dimensão dessa incapacidade, avaliando as condições pessoais e sociais do segurado. O conjunto dessas considerações, através da ótica médica como principal e da ótica socioeconômica e cultural de maneira subsidiária, compõem aquilo que se chama incapacidade social.

Pois bem.

Dos elementos constantes nos autos é possível extrair que a autora, ​com 51 anos ( evento 1, INIC1- fl.13), trabalhou como agricultora em regime de economia familiar em grande parte de sua vida ( evento 1, INIC1 - fls.24 e 45/46), atividade essa que demanda esforço físico, boa mobilidade e frequentemente é exercida com exposição ao sol.

Embora no laudo pericial (evento 1, REC3 - fl.10) conste a informação de que a demandante apresentaria Ensino Médio completo, a documentação acostada não apresenta qualquer evidencia de que essa tenha desempenhado labor correspondente a escolaridade declarada (​ evento 1, REC3 - fl.27, ​ evento 1, INIC1  - fl.43), pelo contrário, os documentos já analisados corroboram o exercício de atividade braçal tão somente.​ 

Ademais, a autora, atualmente, apresenta diagnóstico de lupus eritematosos sistêmico (​CID10 M32), hipertensão arterial sistêmica (CID10 I10) e obesidade (CID10 E66), além de quadro de poliartralgia, com limitação dos movimentos articulares, principalmente de punhos e mãos, pelo que o perito judicial atestou que ela estaria incapacitada para o exercício de atividades que exijam esforço físico, carga ou força em punhos e mãos e exposição ao sol.

​Assim, diante das condições narradas entendo que, dificilmente,  apesar da escolaridade declarada, a parte autora conseguiria ser reabilitada ao exercício de outra função que não demande trabalho braçal.

Por assim ser, reformo parcialmente a sentença para determinar que o benefício de auxílio-doença concedido pelo juiz de 1º grau seja convertido em aposentadoria por invalidez a contar da data do exame pericial (22/02/2022 - evento 1, REC3 ), devendo ser observada a prescrição quinquenal no tocante as parcelas pretéritas devidas. Ficam mantidos os demais termos.

Por fim, quanto aos honorários de sucumbência, cabível a retificação de ofício da sentença, por ser matéria de ordem pública. Tendo em vista que o proveito econômico obtido só será conhecido com exatidão na liquidação de sentença, a definição do percentual dos honorários será feita quando liquidado o julgado, na forma do inciso II do §4º do artigo 85 do NCPC, observada a Súmula nº.111 do STJ.

Ante o exposto, conheço dos recursos apresentados e voto no sentido de dar provimento ao recurso da autora e negar provimento ao recurso do INSS.



Documento eletrônico assinado por GUSTAVO ARRUDA MACEDO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20001765555v120 e do código CRC ef0cffdc.

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Apelação Cível Nº 5000146-94.2024.4.02.9999/RJ

RELATOR: Juiz Federal GUSTAVO ARRUDA MACEDO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ROSELMA CABRAL DOS SANTOS AMARAL

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFICIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. CONCESSÃO. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. IMPUGNAÇÃO EM SEDE RECURSAL. CONDIÇÃO RECONHECIDA ADMINISTRATIVAMENTE. MATÉRIA INCONTROVERSA. RESTRIÇÕES AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES QUE DEMANDAM ESFORÇO FÍSICO E EXPOSIÇÃO AO SOL reconhecidas em perícia judicial. APLICAÇÃO DA SÚMULA 47 DA TNU. APOSENTADORIA DEVIDA. APELO PROVIDO.

1.Recursos de apelação interpostos em face de sentença proferida em ação objetivando a concessão de auxilio-doença, a contar de 19/11/2014 (data de entrada do requerimento administrativo) e sua posterior conversão em aposentadoria por invalidez, bem como o pagamento das parcelas pretéritas devidas. O juízo a quo julgou, na forma do art. 487, I, do CPC, procedente em parte o pedido para condenar o INSS a implementar o benefício de auxílio-doença em favor da autora e a pagar as quantias atrasadas a contar de 19/11/2014. Considerando que a perícia judicial teria constatado a existência de incapacidade permanente e parcial, entendeu o magistrado não ser o caso de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, e sim, que deveria a autora ser encaminhada à reabilitação profissional.

2. Considera-se segurado especial a pessoa física residente em imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo do local de trabalho que trabalha individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, como pequeno produtor rural (seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) nas atividades de agropecuária (em área de até 04 módulos fiscais) , seringueiro, extrativista vegetal ou como pescador artesanal, fazendo da pesca profissão habitual ou principal meio de vida (art. 11, inciso VII, da Lei nº.8.213/1991). Também considera-se segurado especial o cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, dos segurados acima mencionados, que tenham participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar (art. 11, inciso VII, alínea “c” e §6º da Lei nº.8.213/1991).

3. Ao segurado especial é expressamente garantido o direito à percepção de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença no valor de 01 (hum) salário mínimo, caso preenchidos os requisitos legais.

4.Será devido auxílio-doença quando verificada a existência de incapacidade do trabalhador para o desempenho de seu trabalho ou de sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 25, I e 59 da Lei nº. 8.213/91).  Já a aposentadoria por incapacidade permanente ou aposentadoria por invalidez será devida, nos termos do art.42 da Lei nº. 8.213/91, quando demonstrada a existência de incapacidade permanente para toda e qualquer atividade laboral e a impossibilidade de reabilitação para outra. Em se tratando de segurado especial, a concessão de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez independe de carência, bastando apenas a demonstração do exercício de atividade rural no período de 12 meses anteriores ao requerimento administrativo, ainda que de forma descontínua (art. 39, I, c/c art.26, III, ambos da Lei nº.8.213/91).

5. O art. 106 da Lei de Benefícios elenca os documentos que servem de prova do labor rural. É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o referido rol é meramente exemplificativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.

6. Para comprovação da atividade rural exigia-se, tradicionalmente, a apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos probandos corroborada por prova oral, notadamente, por testemunhas. Com a Lei nº 13.846/2019  a comprovação do trabalho rural passou a ser feita através da extração dos dados contidos no CNIS, Cadastro Nacional de Informações Sociais (arts. 38-A e 38-B da Lei nº.8.213/1991). Não obstante, o modelo antigo de comprovação continua sendo válido para prova de atividade exercida até a reforma da previdência e deverá ser adotado até que o novo CNIS consiga abranger pelo menos metade dos segurados especiais em atividade no país, apurados conforme a pesquisa nacional de amostragem dos domicílios.

7. Impugna o INSS, em sede recursal, a qualificação da autora como segurada especial. Impugnação afastada eis que a qualidade de segurada especial da demandante teria sido reconhecida administrativamente pela própria autarquia mediante Termo de Homologação da Atividade Rural.

8. Incapacidade parcial para o trabalho atestada em perícia judicial. Restrições ao exercício de atividades que demandam esforço físico e exposição ao sol.

9.Reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deverá analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez, nos termos da Súmula 47 da TNU.

10. Análise das condições sociais  sinalizam impossibilidade de reabilitação, impondo a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez.

11. Retificação, de ofício, dos honorários de sucumbência a fim de adequar ao disposto no inciso II do §4º do artigo 85 do NCPC, observada a Súmula nº.111 do STJ.

12. Apelo da parte autora provido e do INSS improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da autora e negar provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 2024.

 


 


Documento:20001765554
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000146-94.2024.4.02.9999/RJ

RELATOR: Juiz Federal GUSTAVO ARRUDA MACEDO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ROSELMA CABRAL DOS SANTOS AMARAL

RELATÓRIO

​Trata-se de recursos de apelação interpostos por ROSELMA CABRAL DOS SANTOS AMARAL e INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de sentença ( evento 1, REC3 - fls. 24/26) proferida pelo MM. Juiz do Cartório da 2ª Vara da Comarca de São Fidelis em ação objetivando a concessão de auxilio-doença, a contar de 19/11/2014 (data de entrada do requerimento administrativo) e sua posterior conversão em aposentadoria por invalidez, bem como o pagamento das parcelas pretéritas devidas.

O juízo a quo julgou, na forma do art. 487, I, do CPC, procedente em parte o pedido para condenar o INSS a implementar o benefício de auxílio-doença em favor da autora e a pagar as quantias atrasadas a contar de 19/11/2014. 

Considerando que a perícia judicial teria constatado a existência de incapacidade permanente e parcial, entendeu o magistrado não ser o caso de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, e sim, que deveria a autora ser encaminhada à reabilitação profissional.

Diante desse cenário, apresentou a parte autora recurso ​(evento 1, REC3 - fls.45/55) alegando que o indeferimento do pedido de concessão de aposentadoria por invalidez foi indevido, uma vez que a análise de sua situação socioeconômica (51 anos de idade, trabalhadora rural por aproximadamente 31 anos, baixa escolaridade) comprova que seria praticamente impossível a sua reinserção no mercado de trabalho em atividade diversa da manual. Por assim ser, requer a aplicação do disposto na Súmula 47 da TNU, a fim de ver reformada a sentença para julgar procedente o pedido de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez. No caso de não provimento do recurso, requer ver prequestionados os dispositivos legais mencionados.

O INSS, por sua vez, alega, em seu apelo (evento 1, REC3 - fls.67/69) que: 1) o início de prova material carreado aos autos é insuficiente para qualificar a autora como segurada especial, haja vista que ela não teria apresentado documentos em nome próprio que indicassem sua condição de rurícola, não havendo complementação por prova testemunhal; 2) as conclusões administrativas sobre a inexistência de incapacidade só foram infirmadas em juízo por meio de prova pericial, pelo que a concessão deveria se dar a contar de 22/02/2022, data do laudo.

As partes apresentaram contrarrazões, ocasião em que a autora alegou que o recurso do INSS seria intempestivo ( evento 1, REC3 - fls.83/94).

O MPF não vislumbrou interesse que justificasse sua intervenção no processo (evento 7, PARECER1).

É o relatório. Peço dia para julgamento.



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