Trata-se de mandado de segurança impetrado por RIO BRAVO INVESTIMENTOS S/A DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS contra ato do SUPERINTENDENTE REGIONAL - SECRETARIA DO PATRIMONIO DA UNIÃO - SPU - RIO DE JANEIRO , objetivando que "seja determinada, em caráter de urgência, a intimação da Autoridade Coatora para que, diante da suspensão da exigibilidade do decorrente do depósito judicial, deixe de praticar qualquer ato atinente à cobrança dos laudêmios relativos aos 9 imóveis listados acima, como inscrevê-los em Dívida Ativa, ajuizar execuções fiscais, negar o fornecimento de certidões positivas com efeitos de negativa, inscrevê-los no CADIN, impedir a emissão de novas certidões de autorização de transferência de domínio ou criar quaisquer outros obstáculos para novas transferências de titularidade."
Como causa de pedir, alega que, em 2018, adquiriu da empresa BRF S.A. (“BRF”), a título oneroso, a titularidade do domínio útil de 9 (nove) “terrenos de marinha”, cadastrados sob os Registros Imobiliário Patrimonial (“RIPs”) , conforme petição inicial evento 2 (5833010031787 , 5833010032597 ,5833010032325, 5833010031868 ,5833010032163, 5833010031949 , 5833010032082, 5833010032244 e 5833010032406).
Aduz que por se tratar de terrenos de marinha, a SPU foi acionada a fim de que apurasse o valor laudêmio devido em relação à transferência da titularidade dos imóveis e emitisse as guias DARFs a serem utilizadas no pagamento. Afirma ter recolhido o valor informado pela SPU (R$ 66.117,13, em 21.12.2018), e que, no momento da realização do registro da alienação em questão perante o RGI competente (no ano de 2023), foi surpreendida com a alegação de que haveria uma pendência de laudêmio no valor de R$ 2.413.044,88 (dois milhões quatrocentos e treze mil quarenta e quatro reais e oitenta e oito centavos) .
Ao denegar a segurança, pautou-se o Magistrado de Primeira Instância no seguinte entendimento:
“Objetiva o Impetrante a suspensão da exigibilidade dos débitos em relação aos seguintes imóveis registrados, RIPS nº : 5833010031787 , 5833010032597, 5833010032325, 5833010031868, 5833010032163, 5833010031949, 5833010032082, 5833010032244 e 5833010032406 face a cobrança indevida de laudêmio .
O dever de pagar laudêmio emerge do Decreto-Lei nº 2.398/87, que assim dispõe:
Art. 3º A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
§ 1° As transferências parciais de aforamento ficarão sujeitas a novo foro para a parte desmembrada.
§ 2o Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio: (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
I - sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPU que declare: (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos; (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
b) estar o transmitente em dia, perante o Patrimônio da União, com as obrigações relativas ao imóvel objeto da transferência; e (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público; (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
II - sem a observância das normas estabelecidas em regulamento. (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
§ 3o A SPU procederá ao cálculo do valor do laudêmio, mediante solicitação do interessado. (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
§ 4º Concluída a transmissão, onerosa ou não, o adquirente deverá requerer ao órgão local da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, que providencie a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, observado, no caso de imóvel aforado, o disposto no art. 116 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. (Redação dada pela Lei nº 14.474, de 2022)
O parágrafo 4º estabelece o dever do adquirente de comunicar a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, fazendo remissão ao art.116 do Decreto-Lei 9760 de 1946.
O Decreto-Lei 9760, em seu art.116 prevê:
Art. 116. Efetuada a transação e transcrito o título no Registro de Imóveis, o adquirente, exibindo os documentos comprobatórios, deverá requerer, no prazo de 60 (sessenta) dias, que para o seu nome se transfiram as obrigações enfitêuticas.
§ 1º A transferência das obrigações será feita mediante averbação, no órgão local do S.P.U., do título de aquisição devidamente transcrito no Registro de Imóveis, ou, em caso de transmissão parcial do terreno, mediante têrmo.
§ 2º O adquirente estará sujeito à multa de 0,50% (cinquenta centésimos por cento), por mês ou fração, sobre o valor do terreno, caso não requeira a transferência no prazo estabelecido no caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
No caso dos autos, trata-se de verdadeira compra e venda do domínio útil cujo título não foi imediatamente levado a registro no RGI.
Com efeito, o art. 3o do Decreto-lei no 2.398/1987 prevê duas situações em que ocorre a incidência do laudêmio, quais sejam (i) a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou (ii) a cessão de direito a eles relativos ao domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União.
Vale destacar o seguinte trecho da manifestação da União (Evento 18):
...”A Instrução Normativa no 01, de 9 de março de 2018, do Secretário do Patrimônio da União, que "Dispõe sobre as orientações para a cessão de direitos e transferência de titularidade de imóveis da União em regime de aforamento ou de ocupação", define cessão de direitos como "a transmissão dos direitos decorrentes de contrato de promessa de transferência do domínio útil ou da ocupação de imóvel dominial da União, ainda não levado a registro no cartório competente" (art. 2o , II).
Veja-se, ainda, o que dispõe o art. 9o da referida Instrução Normativa;
Art. 9º Para que seja promovido o registro de cessão de direito, no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União, são consideradas as informações contidas nos seguintes instrumentos:
I – instrumento público de cessão;
II – instrumento particular de cessão;
III – instrumento público de transferência que mencione a cessão e identifique o cedente.
Não há, pois, a menor sombra de dúvida de que o negócio jurídico em debate trata de compra e venda e não de cessão de direitos.
O recolhimento do laudêmio é recolhido previamente à expedição da Certidão Autorizativa de Transferência - CAT, necessária para a lavratura e registro da escritura. Nesse sentido, dispõe o §1o do art. 9o da Instrução Normativa no 1, de 23 de julho de 2007, que "Dispõe sobre o lançamento e a cobrança de créditos originados em Receitas Patrimoniais", in verbis:
"§ 1º O laudêmio deverá ser recolhido previamente à expedição do instrumento em que a SPU autorizar a transferência onerosa do domínio útil ou da ocupação, nos termos do art. 3º do Decreto-lei nº 2.398, de 1987."
Mas o lançamento do laudêmio se dá em outros momentos, conforme dispõe o §2o do mesmo artigo 9o da referida Instrução Normativa, in verbis:
§ 2º O lançamento do laudêmio dar-se-á com a averbação da transferência ou o registro da,cessão no sistema SIAPA, momento em que a SPU verificará se o montante recolhido na formado §1º deste artigo corresponde ao valor efetivamente devido.
Desta forma, resta claro que não há direito líquido e certo que ampare o Impetrante.”
Não assiste razão ao Apelante, considerando-se que o lançamento do laudêmio depende da verificação pela Administração de que o montante recolhido correspondia ao valor efetivamente devido pelo declarante, podendo ser apurada eventual diferença entre o valor recolhido (R$66.117,13 em 2018) e o valor apurado pela UNIÃO (R$2.413.044,88 em 2023). Aliás, não se mostra possível deixar de constatar, na hipótese dos autos, a expressiva diferença entre ambos os valoes, o que sequer foi mencionado ou esclarecido pelo Impetrante.
Ademais, importa notar que, quando ocorre a transferência do domínio útil de um imóvel, o novo titular passa a usar, gozar e fruir do bem, desfrutando dos atributos inerentes à propriedade, cujo aperfeiçoamento ocorre com a inscrição do título translativo (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis. Neste sentido, verifica-se equivocada a premissa de que a transferência do imóvel em questão, por se tratar de terreno de marinha, ocorreria por cessão de direitos, independentemente do registro. Ora, em havendo "domínio útil" não há que se falar em mera ocupação do bem, pois, diversamente do que ocorre com a nua propriedade, o domínio útil só adquire validade a partir do registtro.
Como bem elucidou a União Federal em sede de contrarrazões, “o cálculo inicial do laudêmio, bem como a emissão do respectivo DARF para pagamento, são feitos diretamente pelo interessado e de forma eletrônica, mediante a inserção das informações no sistema da SPU, conforme previsão contida nos artigos 13 e 14 da mencionada IN SPU no 01/2018, dispondo o citado art. 13 que, "Para a emissão de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF de laudêmio deve ser efetuado o cálculo do laudêmio no Portal da Secretaria do Patrimônio da União (patrimoniodetodos.gov.br), mediante o preenchimento da Ficha de Cálculo do Laudêmio – FCL, a qual ficam vinculados o DARF e a CAT." Mas a constituição do laudêmio se dá pelo lançamento, ato privativo da Administração, "a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial" (art. 47 da Lei no 9.636/1998), que poderá apurar eventual diferença de valor, nos termos previstos na legislação especial de regência. Vale mais uma vez recorrer ao teor do art. 3o Decreto-lei no 2.398/1987, estabelecendo que o laudêmio deve ser recolhido pelo vendedor, "em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias". Nessa trilha, dispõe o art. 3o e seu §1o da IN SPU 01/2007 que "Dá-se o lançamento das receitas mediante a formalização dos atos da autoridade local da SPU que verifiquem a hipótese de incidência da receita, a identificação do sujeito passivo e o valor apurado" e que "Considerar-se-á como data do lançamento do crédito, a data da inscrição do débito no sistema SIAPA". (Negritos adicionados) O art. 17 e seu §1o da IN SPU 01/2018 estatui que "O valor do laudêmio é revisto pelo sistema durante o registro dos dados da transferência de titularidade no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União, podendo ser lançada ao transmitente eventual diferença de laudêmio para pagamento" e que "A diferença de laudêmio pode ser gerada por alteração dos dados técnicos do imóvel, tais como PVG, trecho, área, testada, etc., no período decorrido entre o cálculo do laudêmio e a data da efetiva transferência do imóvel no cartório competente." (Negritos adicionados) Aliás, a alínea "b" da tese fixada pelo STJ no Tema 1.142 é expressa ao assentar que "b) o termo inicial do prazo para a constituição dos créditos relativos ao laudêmio tem como data-base o momento em que a União toma conhecimento, por iniciativa própria ou por solicitação do interessado, da alienação do imóvel, consoante exegese do § 1º do art. 47 da Lei n. 9.636/1998, com a redação dada pela Lei n. 9.821/1999, não sendo, portanto, a data em que foi consolidado o negócio jurídico entre os particulares o marco para a contagem do prazo decadencial, tampouco a data do registro da transação no cartório de imóvel;". (Negrito adicionado) Em conclusão, a pretensão da impetrante também encontra resistência no disposto no art. 3o Decreto-lei no 2.398/1987 e art. 47, incisos I e II e §1o, da Lei no 9.636/1998, estando, pois, ausente o direito líquido e certo”.
Além disso, diversamente do que quer fazer crer o Apelante, a multa prevista no § 2º do artigo 116 do Decreto-Lei nº 9.760/46, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017, deve ser aplicada quando o adquirente, após efetuada a transação e transcrito o título no Registro de Imóveis, deixar de requerer a transferência das obrigações enfitêuticas no prazo de 60 dias, sendo diversa a hipótese em tela, em que ainda não realizada a referida transcrição do título no RGI.
O que se percebe é que, no caso dos autos, a inércia do Impetrante em dar ciência à UNIÃO da transferência dos imóveis em questão tinha o intuito de evitar, através do decurso do prazo, o ajuste do valor recolhido a título de laudêmio em 2018. amparando-se em equivocada interpretação da tese firmada no julgamento dos recursos repetitivos que deram origem ao Tema 1142 do STJ, segundo a qual o fato gerador do laudêmio seria o negócio jurídico que lhe deu origem, ou seja, a cessão de direitos, independentemente do registro.
Ora, o entendimento consagrado pelo julgamento em questão, emanado da 1a Seção do STJ, foi o de que nas transferências onerosas de terrenos de marinha o prazo decadencial para a UNIAO ajustar e cobrar o valor devido a título de laudêmio seria a data em que efetivamente tomou conhecimento da transferência do bem, independentemente da data do registro no cartório competente, ou da data da efetiva transação, assim garantindo a higidez da cobrança nos casos de contratos de gaveta. Não há, contudo, extrair das teses estabeecidas em tal julgamento que os imóveis sujeitos ao aforamento, estariam dispensados do registro do domínio útil no cartório competente.
Logo, restando ausente o direito líquido e certo a amparar a pretensão da parte impetrante, a manutenção da sentença que denegou a segurança é de rigor.
Do exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO à apelação, mantendo a sentença ora recorrida nos termos da fundamentação supra.