Documento:20002322664
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005463-69.2024.4.02.5118/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: RIO BRAVO INVESTIMENTOS S/A DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS (IMPETRANTE)

ADVOGADO(A): LUIZ GUSTAVO ANTONIO SILVA BICHARA (OAB RJ112310)

APELADO: SECRETARIA DO PATRIMONIO DA UNIÃO - SPU (INTERESSADO)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. TERRAS PÚBLICAS. TERRENO DE MARINHA. SPU. LAUDÊMIO. diferença apurada. RGI. CABIMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO.

I. Caso em exame

1. Apelação interposta por RIO BRAVO INVESTIMENTOS DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA ,contra sentença proferida nos autos do mandado de segurança, que denegou a segurança objetivando impedir a cobrança indevida do laudêmio exigido pela Autoridade Coatora (SUPERINTENDENTE DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO RIO DE JANEIRO - SPU/RJ), apurado sob a alegação de que o fato gerador dessas receitas patrimoniais só se deflagraria a partir do registro no RGI.

II. Questão em discussão

2. Cinge-se a controvérsia a analisar se é devida ou não a cobrança de diferenças a título de laudênio entre a data em que celebrada a transferência do domínil útil do imóvel (2018) e a data da solicitação de registro no RGI (2023). 

III. Razões de decidir

3.   Mandado de segurança impetrado por RIO BRAVO INVESTIMENTOS S/A DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS contra ato do SUPERINTENDENTE REGIONAL - SECRETARIA DO PATRIMONIO DA UNIÃO - SPU - RIO DE JANEIRO , objetivando que "seja determinada, em caráter de urgência, a intimação da Autoridade Coatora para que, diante da suspensão da exigibilidade do decorrente do depósito judicial, deixe de praticar qualquer ato atinente à cobrança dos laudêmios relativos aos 9 imóveis listados acima, como inscrevê-los em Dívida Ativa, ajuizar execuções fiscais, negar o fornecimento de certidões positivas com efeitos de negativa, inscrevê-los no CADIN, impedir a emissão de novas certidões de autorização de transferência de domínio ou criar quaisquer outros obstáculos para novas transferências de titularidade."

2.      Como causa de pedir, alega que, em 2018, adquiriu da empresa BRF S.A. (“BRF”), a título oneroso, a titularidade do domínio útil de 9 (nove) “terrenos de marinha”, vindo a SPU a ser acionada para apurar o valor do laudêmio devido em relação à transferência da titularidade dos imóveis e emitir as guias DARFs a serem utilizadas no pagamento. Aduz o Impetrante que recolheu o valor informado pela SPU (R$ 66.117,13, em 21.12.2018), e que, no momento da realização do registro da alienação em questão perante o RGI competente (no ano de 2023), foi surpreendida com a alegação de que haveria uma pendência de laudêmio no valor de R$ 2.413.044,88 (dois milhões quatrocentos e treze mil quarenta e quatro reais e oitenta e oito centavos) .

3.    O lançamento do laudêmio depende da verificação pela Administração de que o montante recolhido corresponde ao valor efetivamente devido pelo declarante, podendo ser apurada eventual diferença de valor, que, na hipótese dos autos, foi bastante expressiva (R$ 66.117,13/2018 e  R$ 2.413.044,88/2023), diferença esta sequer foi esclarecida pelo impetrante.

4. Ademais, quando ocorre a transferência do domínio útil o titular passa a usar, gozar e fruir do bem, atributos inerentes à propriedade, ocorrendo, portanto, o seu aperfeiçoamento com a inscrição do título translativo (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis. 

5. O cálculo inicial do laudêmio, bem como a emissão do respectivo DARF para pagamento, são feitos diretamente pelo interessado e de forma eletrônica, mediante a inserção das informações no sistema da SPU, conforme previsão contida nos artigos 13 e 14 da  IN SPU no 01/2018, dispondo o citado art. 13 que: "Para a emissão de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF de laudêmio deve ser efetuado o cálculo do laudêmio no Portal da Secretaria do Patrimônio da União (patrimoniodetodos.gov.br), mediante o preenchimento da Ficha de Cálculo do Laudêmio – FCL, a qual ficam vinculados o DARF e a CAT."

6. A constituição do laudêmio se dá pelo lançamento, ato privativo da Administração, "a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial" (art. 47 da Lei no 9.636/1998), que poderá apurar eventual diferença de valor, nos termos previstos na legislação especial de regência. 

7. O art. 3o Decreto-lei no 2.398/1987 estabelece que o laudêmio deve ser recolhido pelo vendedor, "em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias".  Nessa trilha, dispõe o art. 3o e seu §1o da IN SPU 01/2007 que:  "Dá-se o lançamento das receitas mediante a formalização dos atos da autoridade local da SPU que verifiquem a hipótese de incidência da receita, a identificação do sujeito passivo e o valor apurado" e que "Considerar-se-á como data do lançamento do crédito, a data da inscrição do débito no sistema SIAPA". 

8. O art. 17 e seu §1o da IN SPU 01/2018 estatuem que:  "O valor do laudêmio é revisto pelo sistema durante o registro dos dados da transferência de titularidade no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União, podendo ser lançada ao transmitente eventual diferença de laudêmio para pagamento" e que "A diferença de laudêmio pode ser gerada por alteração dos dados técnicos do imóvel, tais como PVG, trecho, área, testada, etc., no período decorrido entre o cálculo do laudêmio e a data da efetiva transferência do imóvel no cartório competente."

9. A alínea "b" da tese fixada pelo STJ no Tema 1.142 é expressa ao assentar que: "b) o termo inicial do prazo para a constituição dos créditos relativos ao laudêmio tem como data-base o momento em que a União toma conhecimento, por iniciativa própria ou por solicitação do interessado, da alienação do imóvel, consoante exegese do § 1º do art. 47 da Lei n. 9.636/1998, com a redação dada pela Lei n. 9.821/1999, não sendo, portanto, a data em que foi consolidado o negócio jurídico entre os particulares o marco para a contagem do prazo decadencial, tampouco a data do registro da transação no cartório de imóvel".

10. Merece respaldo a conclusão da UNIÃO no sentido de que: "a pretensão da impetrante também encontra resistência no disposto no art. 3o Decreto-lei no 2.398/1987 e art. 47, incisos I e II e §1o, da Lei no 9.636/1998, estando, pois, ausente o direito líquido e certo”.

11.      Além disso, diversamente do que quer fazer crer o Apelante, a multa prevista no § 2º do artigo 116 do Decreto-Lei nº 9.760/46, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017, deve ser aplicada quando o adquirente, após efetuada a transação e transcrito o título no Registro de Imóveis, deixar de requerer a transferência das obrigações enfitêuticas no prazo de 60 dias, sendo diversa a hipótese em tela, em que ainda não realizada a referida transcrição do título no RGI.

12.      Restando ausente o direito líquido e certo a amparar a pretensão da parte impetrante, a manutenção da sentença que denegou a segurança é de rigor.

IV. Dispositivo

13.      Apelação desprovida. Sentença que denegou a segurança mantida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação, mantendo a sentença ora recorrida, tendo a Juíza Federal HELENA ELIAS PINTO acompanhado com ressalva, sendo secundada pelo Desembargador Federal ROGÉRIO TOBIAS DE CARVALHO, ficando vencido o Relator quanto à ressalva apresentada, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 04 de junho de 2025.



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002322664v10 e do código CRC 4afe9dd4.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO PEREIRA DA SILVA
Data e Hora: 17/06/2025, às 07:44:31

 


 


Documento:20002322663
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005463-69.2024.4.02.5118/RJ

RELATOR: Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA

APELANTE: RIO BRAVO INVESTIMENTOS S/A DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS (IMPETRANTE)

ADVOGADO(A): LUIZ GUSTAVO ANTONIO SILVA BICHARA (OAB RJ112310)

APELADO: SECRETARIA DO PATRIMONIO DA UNIÃO - SPU (INTERESSADO)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por RIO BRAVO INVESTIMENTOS DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA (Evento 43, JFRJ), contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal EUGENIO ROSA DE ARAUJO, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a qual, nos autos do mandado de segurança, denegou a segurança objetivando impedir a cobrança indevida do laudêmio exigido pela Autoridade Coatora (SUPERINTENDENTE DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO RIO DE JANEIRO - SPU/RJ), apurado sob a alegação de que o fato gerador dessas receitas patrimoniais só se deflagraria a partir do registro no RGI  (Eventos 25 e 33, JFRJ).

Em suas razões, alega o Apelante “de acordo com a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em circunstâncias identicas a do presente caso, considera-se ocorrido o fato gerador do laudêmio no momento da cessão de direitos, isto é, a lavratura do instrumento que formalizou o negócio jurídico”. Ressaltando que “o laudêmio deve ser calculado com base no valor do domínio pleno dos terrenos, excluídas as benfeitorias, atualizado à epoca da lavratura do instrumento, pouco importante a data do registro no respectivo RGI”. Destaca que, “ainda que o lançamento do laudêmio se dê, em conformidade ao art. 9º, §2º da IN 01/2007, apenas com a averbação da transferência, oportunidade em que a SPU homologará ou não o montante recolhido anteriormente, o fato gerador se dá em momento anterior, nos termos do art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87”, asseverando que “a BRF cedeu à Apelante o direito que exercia sobre os 9 (nove) imóveis em 2018 através da escritura de compra e venda. Logo, em observância ao disposto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87, o fato gerador do laudêmio incidente sobre esse negócio ocorreu naquele ano, independentemente de a transferência não ter sido registrada pelo RGI”. Por fim, defende que “mesmo que a SPU tivesse promovido o lançamento do laudêmio apenas em 2023 – quando ocorrida a averbação do negócio jurídico celebrado – deveria esse ter sido apurado com base nos valores domínios plenos de 2018, inclusive, sob pena de desrespeito ao que dispõe o art. 24 da LINDB7”, mencionando que “restou definido no Tema 1.142 que é também fato gerador do laudêmio a ciência da SPU acerca da alienação do domínio útil. No presente caso, essa ciência se deu em 2018, conforme se observa das certidões emitidas naquele ano pela própria SPU”.

Contrarrazões no Evento 49, JFRJ.

Instado a se manifestar, o membro do Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso, sob o fundamento de que não seria razoável “a emissão de novos DARFs para pagamento de laudêmio já pago, devendo ser ressaltado que para a situação em tela há previsão de multa para o adquirente que deixa de requerer a transferência das obrigações no órgão local do SPU no prazo de 60 dias da transação registrada no RGI, como acima previsto, multa esta que deve ser obrigatoriamente paga para a efetivação do registro pretendido” (Evento 05, TRF2).

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Trata-se de mandado de segurança impetrado por RIO BRAVO INVESTIMENTOS S/A DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS contra ato do SUPERINTENDENTE REGIONAL - SECRETARIA DO PATRIMONIO DA UNIÃO - SPU - RIO DE JANEIRO , objetivando que "seja determinada, em caráter de urgência, a intimação da Autoridade Coatora para que, diante da suspensão da exigibilidade do decorrente do depósito judicial, deixe de praticar qualquer ato atinente à cobrança dos laudêmios relativos aos 9 imóveis listados acima, como inscrevê-los em Dívida Ativa, ajuizar execuções fiscais, negar o fornecimento de certidões positivas com efeitos de negativa, inscrevê-los no CADIN, impedir a emissão de novas certidões de autorização de transferência de domínio ou criar quaisquer outros obstáculos para novas transferências de titularidade."

Como causa de pedir, alega que, em 2018, adquiriu da empresa BRF S.A. (“BRF”), a título oneroso, a titularidade do domínio útil de 9 (nove) “terrenos de marinha”, cadastrados sob os Registros Imobiliário Patrimonial (“RIPs”) , conforme petição inicial evento 2  (5833010031787 , 5833010032597 ,5833010032325,  5833010031868 ,5833010032163, 5833010031949 , 5833010032082,  5833010032244 e 5833010032406).

Aduz que por se tratar de terrenos de marinha, a SPU foi acionada a fim de que apurasse o valor laudêmio devido em relação à transferência da titularidade dos imóveis e emitisse as guias DARFs a serem utilizadas no pagamento. Afirma ter recolhido o valor informado pela SPU (R$ 66.117,13, em 21.12.2018), e que, no momento da realização do registro da alienação em questão perante o RGI competente (no ano de 2023), foi surpreendida com a alegação de que haveria uma pendência de laudêmio no valor de R$ 2.413.044,88 (dois milhões quatrocentos e treze mil quarenta e quatro reais e oitenta e oito centavos) .

Ao denegar a segurança, pautou-se o Magistrado de Primeira Instância no seguinte entendimento:

“Objetiva o Impetrante a suspensão da exigibilidade dos débitos em relação aos seguintes imóveis registrados, RIPS nº : 5833010031787 , 5833010032597,  5833010032325, 5833010031868, 5833010032163, 5833010031949,  5833010032082,  5833010032244 e 5833010032406 face a cobrança indevida de laudêmio .

O dever de pagar laudêmio emerge do Decreto-Lei nº 2.398/87, que assim dispõe:

Art. 3º  A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias.       (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
§ 1° As transferências parciais de aforamento ficarão sujeitas a novo foro para a parte desmembrada.
§ 2o Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio:                (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
I - sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPU que declare:              (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos;                (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
b) estar o transmitente em dia, perante o Patrimônio da União, com as obrigações relativas ao imóvel objeto da transferência; e                    (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público;                     (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)

II - sem a observância das normas estabelecidas em regulamento.                    (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
§ 3o A SPU procederá ao cálculo do valor do laudêmio, mediante solicitação do interessado.                 (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)

§ 4º Concluída a transmissão, onerosa ou não, o adquirente deverá requerer ao órgão local da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, que providencie a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, observado, no caso de imóvel aforado, o disposto no art. 116 do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.     (Redação dada pela Lei nº 14.474, de 2022) 

O parágrafo 4º estabelece o dever do adquirente de comunicar a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, fazendo remissão ao art.116 do Decreto-Lei 9760 de 1946.

O Decreto-Lei 9760, em seu art.116 prevê:

Art. 116. Efetuada a transação e transcrito o título no Registro de Imóveis, o adquirente, exibindo os documentos comprobatórios, deverá requerer, no prazo de 60 (sessenta) dias, que para o seu nome se transfiram as obrigações enfitêuticas.

§ 1º A transferência das obrigações será feita mediante averbação, no órgão local do S.P.U., do título de aquisição devidamente transcrito no Registro de Imóveis, ou, em caso de transmissão parcial do terreno, mediante têrmo.

§ 2º  O adquirente estará sujeito à multa de 0,50% (cinquenta centésimos por cento), por mês ou fração, sobre o valor do terreno, caso não requeira a transferência no prazo estabelecido no caput deste artigo.                (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

No caso dos autos, trata-se de verdadeira compra e venda do domínio útil cujo título não foi imediatamente levado a registro no RGI.

Com efeito, o art. 3o do Decreto-lei no 2.398/1987 prevê duas situações em que ocorre a incidência do laudêmio, quais sejam (i) a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou (ii) a cessão de direito a eles relativos ao domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União.

Vale destacar o seguinte trecho da manifestação da União (Evento 18):
...”A Instrução Normativa no 01, de 9 de março de 2018, do Secretário do Patrimônio da União, que "Dispõe sobre as orientações para a cessão de direitos e transferência de titularidade de imóveis da União em regime de aforamento ou de ocupação", define cessão de direitos como "a transmissão dos direitos decorrentes de contrato de promessa de transferência do domínio útil ou da ocupação de imóvel dominial da União, ainda não levado a registro no cartório competente" (art. 2o , II).
Veja-se, ainda, o que dispõe o art. 9o da referida Instrução Normativa;
Art. 9º Para que seja promovido o registro de cessão de direito, no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União, são consideradas as informações contidas nos seguintes instrumentos:
I – instrumento público de cessão;
II – instrumento particular de cessão;
III – instrumento público de transferência que mencione a cessão e identifique o cedente.

Não há, pois, a menor sombra de dúvida de que o negócio jurídico em debate trata de compra e venda e não de cessão de direitos.

O recolhimento do laudêmio é recolhido previamente à expedição da Certidão Autorizativa de Transferência - CAT, necessária para a lavratura e registro da escritura. Nesse sentido, dispõe o §1o do art. 9o da Instrução Normativa no 1, de 23 de julho de 2007, que "Dispõe sobre o lançamento e a cobrança de créditos originados em Receitas Patrimoniais", in verbis:

"§ 1º O laudêmio deverá ser recolhido previamente à expedição do instrumento em que a SPU autorizar a transferência onerosa do domínio útil ou da ocupação, nos termos do art. 3º do Decreto-lei nº 2.398, de 1987."
Mas o lançamento do laudêmio se dá em outros momentos, conforme dispõe o §2o do mesmo artigo 9o da referida Instrução Normativa, in verbis:


§ 2º O lançamento do laudêmio dar-se-á com a averbação da transferência ou o registro da,cessão no sistema SIAPA, momento em que a SPU verificará se o montante recolhido na formado §1º deste artigo corresponde ao valor efetivamente devido.

Desta forma, resta claro que não há direito líquido e certo que ampare o Impetrante.”

Não assiste razão ao Apelante, considerando-se que o lançamento do laudêmio depende da verificação pela Administração de que o montante recolhido correspondia ao valor efetivamente devido pelo declarante, podendo ser apurada eventual diferença entre o valor recolhido (R$66.117,13 em 2018) e o valor apurado pela UNIÃO (R$2.413.044,88 em 2023). Aliás, não se mostra possível deixar de constatar, na hipótese dos autos, a expressiva diferença entre ambos os valoes, o que sequer foi mencionado ou esclarecido pelo Impetrante. 

Ademais, importa notar que, quando ocorre a transferência do domínio útil de um imóvel, o novo titular passa a usar, gozar e fruir do bem,  desfrutando dos atributos inerentes à propriedade, cujo aperfeiçoamento ocorre com a inscrição do título translativo (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis.  Neste sentido, verifica-se equivocada a premissa de que a transferência do imóvel em questão, por se tratar de terreno de marinha, ocorreria por  cessão de direitos, independentemente do registro. Ora, em havendo "domínio útil" não há que se falar em mera ocupação do bem, pois, diversamente do que ocorre com a nua propriedade, o domínio útil só adquire validade a partir do registtro. 

Como bem elucidou a União Federal em sede de contrarrazões, “o cálculo inicial do laudêmio, bem como a emissão do respectivo DARF para pagamento, são feitos diretamente pelo interessado e de forma eletrônica, mediante a inserção das informações no sistema da SPU, conforme previsão contida nos artigos 13 e 14 da mencionada IN SPU no 01/2018, dispondo o citado art. 13 que, "Para a emissão de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF de laudêmio deve ser efetuado o cálculo do laudêmio no Portal da Secretaria do Patrimônio da União (patrimoniodetodos.gov.br), mediante o preenchimento da Ficha de Cálculo do Laudêmio – FCL, a qual ficam vinculados o DARF e a CAT." Mas a constituição do laudêmio se dá pelo lançamento, ato privativo da Administração, "a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial" (art. 47 da Lei no 9.636/1998), que poderá apurar eventual diferença de valor, nos termos previstos na legislação especial de regência. Vale mais uma vez recorrer ao teor do art. 3o Decreto-lei no 2.398/1987, estabelecendo que o laudêmio deve ser recolhido pelo vendedor, "em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias". Nessa trilha, dispõe o art. 3o e seu §1o da IN SPU 01/2007 que "Dá-se o lançamento das receitas mediante a formalização dos atos da autoridade local da SPU que verifiquem a hipótese de incidência da receita, a identificação do sujeito passivo e o valor apurado" e que "Considerar-se-á como data do lançamento do crédito, a data da inscrição do débito no sistema SIAPA". (Negritos adicionados) O art. 17 e seu §1o da IN SPU 01/2018 estatui que "O valor do laudêmio é revisto pelo sistema durante o registro dos dados da transferência de titularidade no cadastro da Secretaria do Patrimônio da União, podendo ser lançada ao transmitente eventual diferença de laudêmio para pagamento" e que "A diferença de laudêmio pode ser gerada por alteração dos dados técnicos do imóvel, tais como PVG, trecho, área, testada, etc., no período decorrido entre o cálculo do laudêmio e a data da efetiva transferência do imóvel no cartório competente." (Negritos adicionados) Aliás, a alínea "b" da tese fixada pelo STJ no Tema 1.142 é expressa ao assentar que "b) o termo inicial do prazo para a constituição dos créditos relativos ao laudêmio tem como data-base o momento em que a União toma conhecimento, por iniciativa própria ou por solicitação do interessado, da alienação do imóvel, consoante exegese do § 1º do art. 47 da Lei n. 9.636/1998, com a redação dada pela Lei n. 9.821/1999, não sendo, portanto, a data em que foi consolidado o negócio jurídico entre os particulares o marco para a contagem do prazo decadencial, tampouco a data do registro da transação no cartório de imóvel;". (Negrito adicionado) Em conclusão, a pretensão da impetrante também encontra resistência no disposto no art. 3o Decreto-lei no 2.398/1987 e art. 47, incisos I e II e §1o, da Lei no 9.636/1998, estando, pois, ausente o direito líquido e certo”.

Além disso, diversamente do que quer fazer crer o Apelante, a multa prevista no § 2º do artigo 116 do Decreto-Lei nº 9.760/46, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017, deve ser aplicada quando o adquirente, após efetuada a transação e transcrito o título no Registro de Imóveis, deixar de requerer a transferência das obrigações enfitêuticas no prazo de 60 dias, sendo diversa a hipótese em tela, em que ainda não realizada a referida transcrição do título no RGI.

O que se percebe é que, no caso dos autos, a inércia do Impetrante em dar ciência à UNIÃO da transferência dos imóveis em questão tinha o intuito de evitar, através do decurso do prazo, o ajuste do valor recolhido a título de laudêmio em 2018. amparando-se em equivocada interpretação da tese firmada no julgamento dos recursos repetitivos que deram origem ao Tema 1142 do STJ,  segundo a qual o fato gerador do laudêmio seria o negócio jurídico que lhe deu origem, ou seja, a cessão de direitos, independentemente do registro. 

Ora, o entendimento consagrado pelo julgamento em questão, emanado da 1a Seção do STJ, foi o de que nas transferências onerosas de terrenos de marinha o prazo decadencial para a UNIAO ajustar e cobrar o valor devido a título de laudêmio seria a data em que efetivamente tomou conhecimento da transferência do bem, independentemente da data do registro no cartório competente, ou da data da efetiva transação, assim garantindo a higidez da cobrança nos casos de contratos de gaveta. Não há, contudo, extrair das teses estabeecidas em tal julgamento que os imóveis sujeitos ao aforamento, estariam dispensados do registro do domínio útil  no cartório competente. 

Logo, restando ausente o direito líquido e certo a amparar a pretensão da parte impetrante, a manutenção da sentença que denegou a segurança é de rigor.

 Do exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO à apelação, mantendo a sentença ora recorrida nos termos da fundamentação supra.



Documento eletrônico assinado por MARCELO PEREIRA DA SILVA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002322663v13 e do código CRC 3e6eebc4.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO PEREIRA DA SILVA
Data e Hora: 17/06/2025, às 07:44:31