Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS (Evento 1, APELAÇÃO6,) face à sentença proferida pelo Juízo da Vara Única Estadual de Ecoporanga-ES (Evento 1, SENT5 - fls.8), que julgou procedente os pedidos, da seguinte forma:
"III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, na forma do art. 487, 1, do CPC, para condenar o requerido ao pagamento de 4 (quatro) parcelas de salário-maternidade, no valor do salário-mínimo vigente à data do parto para cada parcela.
As parcelas atrasadas serão corrigidas monetariamente pelo índice do INPC partir do momento em que se tornaram devidas, acrescidas de juros moratórios fixados segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1°-E da Lei n° 9.494/97 com a redação dada pela Lei n° 11.960/09, contados da citação.
Em razão da sucumbência, condeno a parte ré a pagar as custas processuais. A autarquia, em razão da Lei Estadual n ° 9.974/13 - Regimento de Custas, não está isenta do pagamento de custas, portanto, está sujeita ao pagamento de despesas/custas, que deverão ser corresponder ao valor corrigido da causa - 12 salários-mínimos vigentes ao tempo da propositura da ação (art. 292, § 2° do CPC)
Os honorários advocatícios incidem apenas sobre as prestações vencidas até a data desta sentença, nos termos da Súmula 111 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Para definição do percentual dos honorários advocatícios, deverá ser observado o disposto no artigo 85, §3 0 , do CPC.
Arbitro os honorários advocatícios, incidentes tão somente sobre as prestações vencidas até a data da sentença, a serem calculados de forma escalonada, nos seguintes termos: (i) 10% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários mínimos; (i) 8% sobre oI valor da condenação ou do proveito que exceder os 200 (duzentos) salários mínimos até 2.000 (dois mil) salários mínimos; (iii) 5% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico que exceder os 2.000 (dois mil) salários mínimos até 20.000 (vinte mil) salários mínimos; (iv) 3% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico da condenação que exceder o montante de 20.000 (vinte mil) salários mínimos até 100.000 (cem mil) salários mínimos e (v) 1% sobre o valor, da condenação ou do proveito econômico que exceder o montante de 100.000 (cem mil) salários mínimos.
Nos termos artigo 496, 53, inciso 1, do Código de Processo Civil, desnecessária a remessa de ofício para ( duplo grau obrigatório, pois a condenação não atinge, em tese, o valor de 1.000 (mil) salários-mínimos, previsto no referido dispositivo legal. No vertente caso, conquanto a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, o que impõe o afastamento do reexame necessário.
Publique-se. Registre-se e Intime-se."
Diz que "não restou comprovado que a autora era segurada especial no período de carência do salário-maternidade, razão pela qual indevido o benefício postulado".
Sustenta que "não existe nos autos início de prova material de que a parte autora tenha exercido atividade rural pelo período de carência."
Defende que "Quanto à Declaração de Sindicatos e associações, esta somente é considerada prova plena da atividade rural, conforme art. 106 da Lei nº 8.213/91, se for homologada pelo INSS, sendo indispensável que a mesma esteja instruída com outros documentos caracterizadores de início de prova matéria".
Alega que "Da mesma forma, não são aceitas carteiras, comprovantes e declarações de Sindicatos sem a devida homologação pelo INSS ou Ministério Público, simples declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins, porquanto estas declarações de que o labor era promovido em regime de economia familiar equivalem a prova testemunhal, prontuários médicos, recibos de atividades diversas daquelas ligadas à atividade rural, e nem contratos, certidões de nascimento e CTPS de terceiros"
Diz que "Além disso, não se pode considerar válida a apresentação de documentos confeccionados em data próxima ao ajuizamento da ação. A propósito, a incerteza probatória de documentos produzidos em data próxima ao ajuizamento já foi inclusive reconhecida pela jurisprudência desse Tribunal Regional Federal da 1ª Região"
Conclui, dizendo que "verifica-se que a parte não cumpriu com os requisitos legais dispostos para a concessão do benefício, devendo ser provido o presente recurso e reformada a sentença."
Por fim, requer seja reformada a sentença para julgar improcedente o pedido inicial e caso sejam julgados procedentes os pedidos, requer a observância da prescrição quinquenal; A fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; O desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada;
Contrarrazões no Evento1 - CONTRAZAP7
Ministério Público Federal manifestou-se pela desnecessidade da intervenção ministerial (evento 7 dos autos da segunda instância).
É o relatório. Passo ao voto.
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS face à sentença de procedência do pedido.
O pedido principal é de condenação do INSS a conceder o benefício de salário maternidade requerido em 06/01/2020 devido ao nascimento de seu filho Luiz Arthur Visitini de Oliveira, ocorrido em 09/08/2019 (Evento1 - EMENDAINIC2, fls13)
O salário maternidade é devido à trabalhadora que comprove o exercício da atividade rural pelo período de 10 meses anteriores ao início do benefício, considerado desde o requerimento administrativo (quando ocorrido antes do parto, até o limite de 28 dias), ou desde o dia do parto (quando o requerimento for posterior), por 120 dias, com parcelas pertinentes ao salário-mínimo da época em que devidas.
Assim está regulado na Lei nº 8.213/91:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Redação dada pala Lei nº 10.710, de 5.8.2003)
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9876 de 26.11.99)
Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado."(Incluído pela Lei nº 9876, de 26.11.99)
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
(...)
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício. (Incluído pela Lei nº 8861, de 1994).
A Lei nº 9.876/99 estendeu o salário-maternidade a todas as seguradas da Previdência Social, com regras específicas em relação ao valor e ao prazo de carência. E, a partir da edição da Lei nº 10.421/02, o benefício passou a ser devido também nas hipóteses de adoção de crianças.
Nos termos do artigo 26 da Lei nº 8.213/91, independe de carência o salário-maternidade pago às seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica. Para as seguradas facultativa, contribuinte individual e especial (enquanto contribuinte individual), o prazo de carência é de dez contribuições mensais.
A autora da ação, na qualidade se segurada especial, trabalhadora rural, requereu o benefício do Salário Maternidade em 06/01/2020 (Ev.1 - EMENDAINIC2 - Fls.79), o qual fora indeferido administrativamente pelo INSS, com a seguinte justificativa:

A maternidade foi comprovada através da certidão de nascimento do filho da autora, LUIZ ARTHUR VISITINI DE OLIVEIRA, ocorrido em 09/08/2019 (Evento1 - EMENDAINIC2, fls13).
A controvérsia dos autos é em relação à qualidade de segurada especial / trabalhadora rural da autora.
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art.55, parágrafo terceiro, da Lei 8213/91, e súmula 149 do STJ.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental - Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Saliente-se que a própria certidão de nascimento do filho em virtude da qual se postula o salário-maternidade constitui início de prova material, pois o egrégio STJ pacificou entendimento no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil, como bem se verifica.
Pelo nascimento de seu filho ocorrido em 09/08/2019, há necessidade de se verificar o preenchimento da carência legal, consistente na caracterização da condição de segurada especial no intervalo de 10 meses anteriores a essa data.
Como início de prova material do labor rural juntou a parte autora os seguintes documentos:
a) Certidão de nascimento do filho LUIZ ARTHUR VISITINI DE OLIVEIRA, onde tanto o pai como a autora foram identificados como residentes de área rural, em 09/08/2019. ( (Evento1 - EMENDAINIC2, fls13);
b) Autodeclaração do segurado especial - rural, onde autora declara o período rural de 20/03/2012 a 11/03/2020, em regime de economia familiar (Evento1 - EMENDAINIC2 - fls.41);
c) Ata da Assembleia Geral de Eleição e Posse da Associação de Pequenos Produtores Rurais do Assentamento Vale Ouro - APRAVA, ocorrida em 19/03/2017, na qual a autora participou como SEGUNDA SECRETÁRIA (Evento1 - INIC1 - Fls.23)
d) Declaração de Atividade Rural, da Associação de Pequenos Produtores Rurais do Assentamento Vale Ouro - APRAVA que comprova a atividade rural da autora no Sitio 4 irmãos, Assentamento Vale do Ouro, desde o ano de 2012. (Evento1 - EMENDAINIC2 - fls.15)
e) Carteira do pré natal de gestante, com ocupação de "Lavradora" da autora e endereço no assentamento Vale do Ouro - área rural (Evento1 - EMENDAINIC2 - fls.19)
f) Conta de Energia Elétrica do imóvel rural de propriedade do companheiro da autora (Evento1 - EMENDAINIC2 - fls.51)
O requisito de prova material, por seu turno, pode ser preenchido por qualquer documento que comprove o vínculo, de acordo com o princípio do livre convencimento motivado.
No caso, os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material.
Registro que, embora o art.106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a comprovação do labor rural, tal rol não é exaustivo, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar.
Não há como desconsiderar esses documentos como início razoável de prova material, isto é, se não como prova conclusiva, ao menos pode ser considerada para, ao lado da prova oral, constituir meio suficiente para demonstrar a alegações de fato trazidas pelas partes. Nesse sentido a seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE RURAL. SUMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal admite como início de prova material, para fins de comprovação de atividade rural, certidões de casamento e nascimento dos filhos, nas quais conste a qualificação como lavrador e, ainda, contrato de parceria agrícola em nome do segurado, desde que o exercício da atividade rural seja corroborado por idônea e robusta prova testemunhal. Precedentes.
2. Tribunal a quo asseverou que não há início razoável de prova material apto a comprovar a qualidade de segurada da agravante.
Incidência da Súmula 7/STJ.
3 . Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1939810 / SP, RELATOR Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, pub. em 19/04/2022).
Saliente-se que a própria certidão de nascimento do filho em virtude da qual se postula o salário-maternidade constitui início de prova material, pois o egrégio STJ pacificou entendimento no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil, como bem se verifica.
Além dos documentos apresentados, a autora juntou aos autos a autodeclaração, da qual se extrai que, no intervalo pleiteado, a autora exercia atividade de segurada especial, em regime de economia familiar.
No caso dos autos, a prova material e as informações prestadas pela própria demandante indicam o domicílio familiar rurícola, o trabalho em imóvel rural e a sua profissão e a de seu esposo como agricultores/lavradores.
Nesse ponto, observo que a alteração legislativa introduzida pela MP 871/2019, convertida na Lei n. 13.846, de 18/6/2019, que modificou o art. 106 e o parágrafo 3º do art. 55 da Lei n. 8213/1991, torna possível a comprovação da atividade do segurado especial por intermédio de autodeclaração, desde que corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural e/ou consulta às bases governamentais.
Ademais, a prova material juntada aos autos foi devidamente corroborada pela prova testemunhal colhida em audiência, que de forma unânime, confirmou que a autora trabalhou na agricultura no período de carência.
Essas questões foram muito bem analisadas pela sentença, cujos fundamentos são também adotados nesta fundamentação, que se encaminha para a manutenção do julgado recorrido.
Dessa forma e ante o entendimento exposto acima, considero presente o início de prova material, que corroborado pela prova testemunhal permitem comprovar o exercício de atividade rural pela requente durante todo o período de carência legalmente exigido, de maneira que faz jus ao salário-maternidade.
Entendo portanto que não merece reforma a sentença. Entendo, também, por majorar a verba honorária em 1% (um por cento), com fulcro no art. 85, §11, do CPC.
Pelo exposto, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso. Intimem-se.