Documento:20002349250
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000433-23.2025.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: BIANCA DE ALMEIDA BELLO BARBOSA

ADVOGADO(A): KAROLINE MARTINS STELZER (OAB ES033211)

EMENTA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE SEGURADA. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1. Apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão de salário-maternidade à segurada especial rural, com pagamento retroativo e correção monetária desde a data do parto, além da condenação ao pagamento de honorários advocatícios e custas processuais. O INSS sustenta ausência de comprovação da condição de segurada especial, argumentando que o contrato de comodato rural não prova a exploração do imóvel e que houve vínculo de emprego urbano anterior, o que afastaria a condição de trabalhadora rural.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Apelada preenche os requisitos legais para a concessão do salário-maternidade na condição de segurada especial rural; (ii) verificar se a existência de vínculo de emprego urbano anterior descaracteriza a qualidade de segurada especial no período de carência.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. O salário-maternidade devido à segurada especial rural prescinde de carência, bastando a comprovação do parto e do exercício de atividade rural nos 10 (dez) meses anteriores ao evento, conforme art. 39, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 e Decreto nº 3.048/99, art. 93, §2º.

4. A exigência de carência para seguradas especiais foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da ADI 2.110/DF, afastando a aplicação do art. 25, III, da Lei nº 8.213/91 para o salário-maternidade.

5. A condição de segurada especial restou comprovada por início de prova material (contrato de comodato rural, autodeclaração de trabalhadora rural, certidão de casamento e outros documentos) corroborado por depoimentos testemunhais uníssonos e coerentes que confirmam o labor rural no período exigido.

6. A jurisprudência do STJ admite que o rol do art. 106 da Lei nº 8.213/91 é exemplificativo, aceitando outros documentos desde que corroborados por prova testemunhal (AgInt no AREsp n. 2.168.314/PA).

7. O vínculo urbano anterior não descaracteriza automaticamente a condição de segurada especial, notadamente quando comprovado que a atividade rural foi retomada antes do parto e durante o período de carência.

8. A análise do caso sob perspectiva de gênero reforça que a atuação das mulheres no meio rural, especialmente em atividades domésticas e agrícolas complementares, não deve ser desconsiderada, conforme protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

9. A sentença que concedeu o salário-maternidade está em consonância com os elementos probatórios e com o entendimento jurisprudencial consolidado.

IV. DISPOSITIVO E TESE

10. Recurso desprovido.

Tese de julgamento:

1. A segurada especial rural faz jus ao salário-maternidade mediante comprovação do parto e do exercício de atividade rural por 10 (dez) meses anteriores ao evento, dispensada a carência, conforme entendimento consolidado pelo STF.

2. O vínculo urbano anterior não descaracteriza a condição de segurada especial quando comprovado o retorno às atividades rurícolas no período de carência exigido.

3. A produção de prova testemunhal idônea e início de prova material, ainda que não contemporânea a todo o período, são suficientes para comprovar o trabalho rural, conforme entendimento consolidado pelo STJ.

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, II; Lei nº 8.213/91, arts. 25, III, 39, parágrafo único, 71 e 106; Decreto nº 3.048/99, art. 93, §2º; CPC/2015, art. 85, §11.

Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 2.110/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 21.03.2024; STJ, AgInt no AREsp nº 2.168.314/PA, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 29/05/2023; TRF2, AC 5000213.59.2024.4.02.9999, Rel. Juíza Federal Convocada Márcia Maria Nunes de Barros, 10ª Turma Especializada, DJ 19.04.2024.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por maioria, vencidos os Juízes Federais Marcia Maria Nunes de Barros e Gustavo Arruda Macedo, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 26 de junho de 2025.



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002349250v6 e do código CRC 31ee8d42.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALFREDO HILARIO DE SOUZA
Data e Hora: 27/06/2025, às 14:27:14

 


 


Documento:20002338027
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000433-23.2025.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: BIANCA DE ALMEIDA BELLO BARBOSA

ADVOGADO(A): KAROLINE MARTINS STELZER (OAB ES033211)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face da sentença, proferida pelo Juízo da Vara Única de Águia Branca - ES, que julgou procedente o pedido para condenar a Autarquia Previdenciária ao pagamento retroativo do salário-maternidade, corrigidos monetariamente desde a data do parto (Súmula nº 45 do TNU), com atualização monetária  e juros de mora pelo INPC e, a partir de dezembro de 2021 pela taxa SELIC, conforme a EC n.º 112/2021. Ademais, o INSS foi condenado ao pagamento de custas processuais e honorários sucumbenciais de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observada a súmula 111 do STJ (evento 1, SENT5).

Em suas razões recursais (evento 1, APELACAO6), o Apelante pugnou pela reforma integral da sentença, sustentando, em síntese, que não restou comprovada a condição de segurada especial da parte autora. Alega que o contrato de comodato rural não comprova a exploração do bem imóvel, mas apenas sua cessão gratuita. Além disso, afirma que a parte autora laborou com vínculo de emprego formal urbano no período de 10/05/2017 a 02/09/2019, argumentando ser necessário a juntada de provas que comprovem seu retorno à atividade campesina. Por fim, defende que não há início de prova material que comprovem o labor rural da autora no período de 10 meses anteriores aos 28 dias que antecedem o parto.

Contrarrazões apresentadas (evento 1, CONTRAZ7).

Intimado, o Ministério Público Federal informou que a matéria objeto da demanda não se enquadra nas hipóteses de intervenção obrigatória, nos moldes do artigo 178 do CPC (evento 7, PROMOCAO1).

É o relatório. Peço dia para julgamento.

VOTO

Cinge-se a controvérsia em verificar se a Autora, ora Apelada, possui direito ao salário-maternidade, estando em debate, especificamente, o cumprimento do período de carência necessário para a concessão do referido benefício.

O salário-maternidade, previsto no artigo 201, II, da CRFB/88, e nos artigos 71 a 73 da Lei n.º 8.213/91, é um benefício previdenciário destinado aos segurados do Regime Geral de Previdência Social que derem à luz, adotarem ou obterem a guarda judicial para fins de adoção, consistindo no pagamento de um valor mensal durante 120 (cento e vinte) dias.

Portanto, em regra, são dois os requisitos para a concessão do benefício: (i) parto, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção de criança, e (ii) qualidade de segurado. 

Frise-se, nesse momento, que havia um terceiro requisito para a concessão do benefício, e que era destinado apenas às seguradas nas condições contribuinte individual, especial e facultativa, qual seja, a carência, consistente na comprovação de 10 (dez) contribuições mensais, nos termos do artigo 25, III, da Lei n.º 8.213/91, com redação dada pela Lei n.º 9.876/99 {"III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do caput do art. 11 e o art. 13 desta Lei: 10 (dez) contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei"}.

Contudo, referida exigência foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.110/DF, em 21.03.2024, em razão da violação ao princípio da isonomia.

Sobre o tema, importante a transcrição de excerto do voto do Ministro Edson Fachin, que inaugurou a divergência para declarar a inconstitucionalidade do artigo 25, III, da Lei n.º 8.213/91, com redação dada pela Lei n.º 9.876/99.

No entanto, se a exigência de cumprimento do número mínimo de contribuições para fins de concessão do benefício pode ser dispensada para as trabalhadoras empregadas, com vistas à proteção do mercado de trabalho, esta exigência também pode ser isentada em relação às contribuintes individuais, com vistas à proteção da maternidade, do direito das crianças, que, nos termos do art. 227, CRFB, tem primazia absoluta. 

Com efeito, a distinção a que procedeu o legislador previdenciário, ao exigir das seguradas que desenvolvem suas atividades laborais com autonomia, por conta própria, o cumprimento do período de carência viola não apenas o princípio da isonomia, mas também o art. 227 da Constituição.

 Reconheço, nesse influxo, que a exigência do cumprimento de carência para fins de concessão do salário maternidade para algumas categorias de seguradas da Previdência Social ofende o status constitucional dos dispositivos que estabelecem a proteção à maternidade e à infância como direitos sociais fundamentais (art. 6º, CRFB), bem como a absoluta prioridade dos direitos da crianças, sobressaindo, no caso, o direito à vida e à convivência familiar (art. 227), CRFB, que qualifica o regime de proteção desses direitos. 

Neste particular, vale frisar que a exigência de carência, nas hipóteses em que impeça o acesso ao salário maternidade, implicará em negativa de acesso a direitos fundamentais, cuja leitura mais adequada obriga que sejam fruídos com a máxima eficácia.

Assim, seja porque a norma presume a má-fé das seguradas, seja pela violação à isonomia ou à proteção constitucional endereçada à maternidade, julgo, no ponto, procedente o pedido e acolho a alegação de inconstitucionalidade em relação aos artigos 25 e 26 da Lei 8213/1991, na redação da Lei 9879/1999.

Relevantes também são as considerações do Ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que "a norma impugnada revela-se inconstitucional em especial no atual contexto social e econômico no qual há cada vez menos relações de emprego formalizadas. Nesse cenário, as contribuintes individuais ocupam uma fatia relevante do mercado de trabalho. A carência exigida deixa desprotegido um número relevante de mulheres trabalhadoras, seus filhos e filhas. Ainda que se compreenda o argumento do legislador – no sentido de evitar que seguradas passem a contribuir com a Previdência Social exclusivamente para que possam fruir do salário maternidade – não há como entender constitucional uma norma que protege, de modo diverso, a maternidade de contribuintes individuais e seguradas especiais, puramente por não possuírem uma relação de emprego que lhes garanta uma estabilidade nas contribuições previdenciárias. Trata-se de distinção ilegítima entre, de um lado, contribuintes individuais e seguradas especiais e, de outro, seguradas empregadas, domésticas e trabalhadoras avulsas".

Por conseguinte, em se tratando de segurados no sistema contributivo da Previdência Social, não há falar em carência para o salário-maternidade, sendo necessário, além da comprovação do parto, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção de criança, a comprovação a condição de segurado.

Situação diversa se apresenta, entretanto, em relação à segurada especial que pleiteia o recebimento do salário-maternidade, equivalente a 1 (um) salário mínimo, uma vez que o benefício é devido independentemente de contribuição para o Regime de Previdência Social, exigindo, tão-somente, a comprovação de atividade rural ou artesanal, em regime de economia familiar, no período de 12 (doze) meses anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, na dicção do art. 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91:

Art. 39.  Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:             

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou    

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, observado o disposto nos arts. 38-A e 38-B desta Lei; ou            

II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.

Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.    

Importante pontuar que, a despeito de o referido dispositivo legal exigir 12 (doze) meses de atividade rurícola, ainda que de forma descontínua, fato é que o Decreto n.º 3.048/99, no §2º do artigo 93, prevê ser devido o salário-maternidade se comprovado o exercício rural nos últimos 10 (dez) meses anteriores à data ao parto, mesmo que de forma descontínua, in verbis:

§ 2o  Será devido o salário-maternidade à segurada especial, desde que comprove o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no parágrafo único do art. 29.

Sendo assim, consoante interpretação mais benéfica do próprio INSS, deve ser demonstrado o exercício da atividade campesina nos 10 (dez) meses anteriores ao parto no caso da segurada especial. 

Há que se assinalar, nesse momento, que para o enquadramento do trabalhador rural como segurado especial da Previdência Social (RGPS), exige-se, além da autodeclaração, a apresentação de início de prova material que demonstre o exercício da atividade rurícola, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

Quanto à forma de comprovação, o artigo 106, da Lei nº 8.213/91, dispõe que poderá ser realizada mediante a apresentação de contrato de trabalho ou Carteira de Trabalho e e Previdência Social - CTPS; contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; entre outros.

Ressalte-se, entretanto, ser entendimento pacífico no âmbito da Corte Cidadã que o rol dos documentos hábeis à comprovação o exercício da atividade rurícola, contido no art. 106, da Lei nº 8.213/91, é meramente exemplificativo, sendo permitida a apresentação de outros documentos, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar ou ex-patrão.

A título exemplificativo, o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO ESPECIAL. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. ROL EXEMPLIFICATIVO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
1. Na esteira do REsp 1.348.633/SP, sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, a Primeira Seção reafirmou a orientação de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço rural mediante a apresentação de início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos.
2. Caso em que o Tribunal de origem concluiu que o conjunto probatório não seria suficiente à demonstração da alegada atividade rural da parte autora, cuja alteração esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ.
3. Não se conhece do argumento de que não é taxativo o rol do art. 106 da Lei de Benefícios, que estabelece os documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural pela falta de prévio debate da questão, uma vez não ocorrente o prequestionamento do tema.
4. Na esteira da compreensão exposta no enunciado sumular 356 do STF, o Código de Processo Civil/2015 trouxe nova disciplina acerca do prequestionamento, ao introduzir o art. 1.025 do CPC, que consagrou o chamado "prequestionamento ficto", desde que o apelo nobre aponte a violação do art. 1.022 do CPC, hipótese inexistente na espécie.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.168.314/PA. Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 2/6/2023.)

Cabe ponderar, também, que, para as mulheres, devido à maior dificuldade na comprovação do exercício da atividade campesina, a flexibilidade na produção de provas é maior, permitindo-se, inclusive, a demonstração por meio do labor rural exercido pelo marido, se casada, ou do pai, se solteira, funcionando como uma extensão da qualidade de segurado (AR n. 4.340/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 26/9/2018, DJe de 4/10/2018).

Mencione-se, por fim, o Tema 554, segundo o qual "aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal".

Fixadas tais premissas, passa-se à análise do caso concreto.

Na hipótese vertente, o parto restou demonstrado com a certidão de nascimento da filha da Autora, ora Apelada, nascida em 12/04/2022 (evento 1, INIC1), inexistindo qualquer questionamento quanto ao seu cumprimento.

Em relação à condição de segurada, foram juntados os seguintes documentos: (i) certidão de casamento, lavrada em 26/07/2013 (evento 1, INIC1); (ii) autodeclaração do segurado especial rural, em que a Apelada declara ter exercido atividade rural em regime de economia familiar de 29/01/2014 até a data do preenchimento do formulário, qual seja, 23/05/2022 (evento 1, INIC1); (iii) contrato de comodato rural, datado de 29/01/2014, com término previsto para 29/01/2034, contendo registro que o contrato existe de forma verbal desde 05/09/2010 (evento 1, INIC1); (iv) certificado de cadastro de imóvel rural, relativo ao imóvel objeto do contrato de comodato rural anteriormente citado, referente ao exercício de 2021 (evento 1, INIC1); (v) recibo de entrega da declaração do ITR do exercício de 2021, relativo ao imóvel objeto do contrato de comodato rural anteriormente citado (evento 1, EMENDAINIC2); (vi) escritura de compra e venda (evento 1, EMENDAINIC2 - fl 18 e seguintes) e certidão de óbito, comprovando que o adquirente faleceu e que a cedente do contrato de comodato rural anteriormente citado é sua esposa, Maria Peres Barbosa; (vii) ficha do cidadão, em que consta "trabalhador rural" como profissão da Apelada, datada de 23/05/2011 (evento 1, EMENDAINIC2); (viii) certidão expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, em que consta como ocupação declarada pela Apelada "trabalhador rural", datada de 11/08/2022 (evento 1, EMENDAINIC2)

Cabe ressaltar,  que não se exige a contemporaneidade do material de prova durante todo o período de carência, sendo possível sua complementação por meio da produção de prova testemunhal, conforme o julgado abaixo transcrito:

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE. LABOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. EC 113/2021. CUSTAS DEVIDAS PELO INSS. ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

1. Apelação interposta pelo INSS em face da sentença que julgou procedente a pretensão autoral de concessão do benefício de salário-maternidade, ante o reconhecimento do labor rural.

2. O benefício de salário maternidade é devido às seguradas em geral, dentre elas à segurada especial, durante cento e vinte dias, com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação concernente à proteção à maternidade, conforme estabelecido pelo art. 71 da Lei nº 8.213/91. Com relação ao período de carência é exigido da segurada especial 10 (dez) contribuições mensais anteriores ao início do benefício, de acordo com o art. 25, III, da Lei nº 8.213/91.

3. Destaque-se que para comprovação da atividade rural é necessária a apresentação de início de prova documental, confirmada pelos demais elementos probatórios dos autos, e prova testemunhal, não se exigindo, contemporaneidade da prova material com todo o período de carência. Precedentes do STJ: (AgRg no Ag 1419.422/MG; Relatora Ministra Assusete Magalhães; DJe de 03/06/2013).

4. Requisitos para a concessão do benefício de salário-maternidade preenchidos pela parte autora, em razão de deter a qualidade de segurada especial.

5. Juros e correção monetária conforme manual de cálculos da Justiça Federal, assim como, no que concerne aos critérios trazidos pela edição da Lei 11.960/2009, as orientações firmadas nos Temas 810 do STF e 905 do STJ, devendo a correção ser atualizada pelo INPC até a data da edição da EC 113/2021, momento a partir do qual deverá ser utilizada a SELIC na atualização das diferenças.

6. No Espírito Santo, a Lei nº 9.974/2013 dispensa o recolhimento inicial das custas quando autoras as pessoas jurídicas de direito público, alcançando suas autarquias, fundações públicas e as entidades fiscalizadoras do exercício profissional (art. 19, II), razão pela qual não há que se falar em isenção de custas em favor do INSS.

7. Apelação do INSS conhecida e parcialmente provida.

(AC 5000213.59.2024.4.02.9999. Rel. Juíza Federal Convocada Márcia Maria Nunes de Barros. 10ª Turma Especializada. DJ 19.04.2024)

Logo, conclui-se que há início de prova material razoável da condição de trabalhadora rural da Apelada por período superior a carência exigida, possibilitando a produção de prova testemunhal para sua complementação, conforme conforme Súmula 149 do STJ e o Tema 554 da Corte.

A fim de melhor aferir a condição de segurada especial rural da Autora, ora Apelada, foi designada audiência de instrução. Foram colhidos 03 (três) depoimentos testemunhais em audiência realizada em 28/02/2024, bem como depoimento pessoal da Autora (evento 1, CONT4, evento 13, VIDEO1).  Na ocasião, todas as testemunhas confirmaram, de forma unânime, o trabalho rural da Apelada por período superior ao exigido por lei, com depoimentos harmônicos e coerentes com os demais elementos dos autos. Em suas declarações afirmaram que, embora a Apelada tenha trabalhado em uma farmácia de 2017 a 2019, continuou exercendo a atividade rural até antes do nascimento de sua filha.

O início de prova material restou, portanto, corroborado pelo depoimento das testemunhas, afirmando a condição de trabalhadora rural do Apelada por período superior a carência exigida. 

Pontue-se, ainda, que o fato de a ora Apelada ter desenvolvido atividade urbana no passado não afasta o reconhecimento da atividade rurícola, especialmente porque, à época do nascimento da criança, havia um único vínculo registrado em seu CNIS, diminuto e fora do período de carência que se pretende comprovar {AgInt no AREsp n. 557.666/CE, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do Trf5), Primeira Turma, julgado em 16/8/2021, DJe de 19/8/2021.

A análise do caso sob a perspectiva de gênero revela a necessidade de sensibilidade do Judiciário na avaliação do trabalho rural de mulheres que desempenham atividades domésticas, conforme protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero, especialmente o item 5.3:

"Especificamente quanto ao aspecto de direcionamento do trabalho da mulher no campo, Cardoso (2019)97 salienta o descompromisso do homem com o trabalho doméstico em áreas rurais. Esse trabalho, por conseguinte, termina posto ao encargo praticamente exclusivo da mulher, sobre a qual pende, ainda, o trabalho na lavoura ou no pastoreio.

Cardoso destaca que, embora posicionada como principal responsável pelo trabalho reprodutivo, o labor da mulher não se restringe a essa dimensão doméstica e auxiliar. Como a atividade da mulher campesina envolve o trabalho dentro do domicílio, as adjacências da casa terminam por envolver uma órbita de labor intenso, que abarca o cultivo de hortas e de pomares e mesmo a criação de pequenos animais como galinhas e porcos – itens fundamentais para consumo e subsistência do grupo familiar. Essas são dimensões de trabalho ainda mais negligenciadas ante a simplificação do labor da família campesina em lavoura e/ou pastoreio de destinação comercial, majoritariamente postos sob a liderança masculina, e trabalho doméstico, de preponderante atribuição feminina.

A atividade na órbita domiciliar, frequentemente não contabilizada e desempenhada sobretudo pelas mulheres, envolve um aspecto econômico importantíssimo: Cardoso (2019) descreve que até 70% do que é consumido nos domicílios provém desses quintais. Seus excedentes, sobretudo após a Lei nº 11.947/2009, a qual obrigou as prefeituras a comprar da agricultura familiar 30% da alimentação escolar, repercutem na possibilidade de geração de receitas que complementam a atividade econômica primordial, majoritariamente praticada pelo homem na lavoura ou no pastoreio.

Nesse contexto, a desvalorização do trabalho doméstico e adjacente ao domicílio contraria o conceito de regime de economia familiar, conforme previsto no art. 11, §1º da Lei 8.213/91, que pressupõe o trabalho dos membros da família como indispensável à própria subsistência, exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

Assim, não obstante trabalharem intensamente em favor do grupo familiar, seja na dedicação aos afazeres domésticos, seja no que tange às atividades produtivas, e apesar dessas atividades serem indispensáveis à subsistência do núcleo familiar e de estarem incluídas entre aquelas exercidas em contexto de mútua dependência e colaboração, as mulheres encontram maiores dificuldades para verem reconhecido esse labor do que seus companheiros e familiares.

Colabora para essa dificuldade a interpretação judicial que exige a comprovação do labor majoritário na terra. Tal interpretação estipula uma exigência que é atendida com maiores dificuldades pelas seguradas do campo, sem que haja uma expressa previsão legal neste sentido.

...

Assim, se a família labora no campo em pequenas propriedades, ao homem está formada automaticamente a convicção de que ele lavra a terra. À esposa, tal presunção não se faz a priori. Dela comumente se exige a prova de que o tempo dedicado ao trabalho doméstico não tenha consumido a maior parte das horas do dia, o que conduz a decisão sobre reconhecer ou não o trabalho em regime de economia familiar a um espaço maior de discricionariedade judicial.

Como as dinâmicas sociais partem simbolicamente da premissa da essencialidade do trabalho masculino e da eventualidade do trabalho feminino, a autoridade administrativa ou o juiz acabam por presumir essa realidade simbólica e, inconscientemente, exigem das mulheres uma prova mais robusta do seu trabalho como produtora rural, assim como um esforço maior de justificação.

...

Por estarem concentradas no trabalho doméstico e em atividades relacionadas à subsistência do grupo familiar, predomina tanto a ausência de qualquer registro, quanto o desprestígio ao labor executado pela mulher. Desprestígio esse que fica evidente diante do rol do art. 106 da Lei nº 8.213/1991113, o qual não elenca documentos vinculados a essas atividades abrangidas no espectro de reprodução social, das quais as mulheres majoritariamente se ocupam.

São elementos de prova relacionados sobretudo à produção social – a qual, especialmente no meio rural, conforme já pontuado, ainda se situa quase sempre na figura do homem. A prova vinculada à produção social traz, recorrentemente, indicação somente do nome do companheiro ou companheira do produtor, algo que dificultaria a comprovação do exercício de atividade rural pela mulher caso fosse restrito o cabimento da prova à pessoa nela especificada.

Mas há também outros três aspectos que contribuem para essa dificuldade de constituição de prova documental para atestar-se a atividade rural. São eles: i) a excessiva informalidade dos trabalhadores do campo; ii) os índices de analfabetismo elevados, maiores quanto maior a faixa etária; e iii) a cultura institucional ainda profundamente patriarcal e a aplicação de paradigmas masculinos para avaliação de atividades desempenhadas pelas mulheres."

Destarte, os elementos probatórios constantes dos autos permitem concluir que a Apelada desempenhou atividades de natureza rurícola em período superior a 10 (dez) meses anteriores ao nascimento da filha, o que comprova a sua qualidade de segurada e garante a obtenção do salário-maternidade, como bem analisado na sentença.

Assim, mantenho a decisão do Juízo a quo em sua integralidade. 

Com vistas a possibilitar o acesso das partes às instâncias Superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

Posto isto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, com a majoração dos honorários advocatícios em 1% (um por cento) sobre o valor anteriormente fixado pelo Juízo a quo, a teor do art. 85, §11, do CPC.

 



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002338027v23 e do código CRC 9e6019c8.

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Documento:20002391081
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000433-23.2025.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: BIANCA DE ALMEIDA BELLO BARBOSA

VOTO-VISTA

Após o voto do em. Relator, Desembargador Federal Alfredo Hilário de Souza, negando provimento à apelação do INSS, apresento divergência conforme as razões do voto que passo a proferir.

Trata-se de ação previdenciária objetivando a concessão de salário-maternidade rural em razão de nascimento de filho ocorrido em 12/04/2022.

O INSS interpôs apelação (1.6) em face de sentença ​proferida pelo Juízo da Vara Única de Águia Branca (1.5)​ que, reconhecendo o trabalho rural da parte autora nos 10 meses anteriores ao parto, julgou procedente o pedido de concessão de salário-maternidade.

Com contrarrazões (1.7), vieram os autos a esta Corte, ocasião em que o Ministério Público Federal se manifestou pela desnecessidade de sua intervenção.

Conheço do recurso de apelação interposto, eis que presentes seus pressupostos de admissibilidade.

O em. Relator assim decidiu:

(...)

Na hipótese vertente, o parto restou demonstrado com a certidão de nascimento da filha da Autora, ora Apelada, nascida em 12/04/2022 (evento 1, INIC1), inexistindo qualquer questionamento quanto ao seu cumprimento.

Em relação à condição de segurada, foram juntados os seguintes documentos: (i) certidão de casamento, lavrada em 26/07/2013 (evento 1, INIC1); (ii) autodeclaração do segurado especial rural, em que a Apelada declara ter exercido atividade rural em regime de economia familiar de 29/01/2014 até a data do preenchimento do formulário, qual seja, 23/05/2022 (evento 1, INIC1); (iii) contrato de comodato rural, datado de 29/01/2014, com término previsto para 29/01/2034, contendo registro que o contrato existe de forma verbal desde 05/09/2010 (evento 1, INIC1); (iv) certificado de cadastro de imóvel rural, relativo ao imóvel objeto do contrato de comodato rural anteriormente citado, referente ao exercício de 2021 (evento 1, INIC1); (v) recibo de entrega da declaração do ITR do exercício de 2021, relativo ao imóvel objeto do contrato de comodato rural anteriormente citado (evento 1, EMENDAINIC2); (vi) escritura de compra e venda (evento 1, EMENDAINIC2 - fl 18 e seguintes) e certidão de óbito, comprovando que o adquirente faleceu e que a cedente do contrato de comodato rural anteriormente citado é sua esposa, Maria Peres Barbosa; (vii) ficha do cidadão, em que consta "trabalhador rural" como profissão da Apelada, datada de 23/05/2011 (evento 1, EMENDAINIC2); (viii) certidão expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, em que consta como ocupação declarada pela Apelada "trabalhador rural", datada de 11/08/2022 (evento 1, EMENDAINIC2)

Cabe ressaltar,  que não se exige a contemporaneidade do material de prova durante todo o período de carência, sendo possível sua complementação por meio da produção de prova testemunhal, conforme o julgado abaixo transcrito:

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE. LABOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. EC 113/2021. CUSTAS DEVIDAS PELO INSS. ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

1. Apelação interposta pelo INSS em face da sentença que julgou procedente a pretensão autoral de concessão do benefício de salário-maternidade, ante o reconhecimento do labor rural.

2. O benefício de salário maternidade é devido às seguradas em geral, dentre elas à segurada especial, durante cento e vinte dias, com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação concernente à proteção à maternidade, conforme estabelecido pelo art. 71 da Lei nº 8.213/91. Com relação ao período de carência é exigido da segurada especial 10 (dez) contribuições mensais anteriores ao início do benefício, de acordo com o art. 25, III, da Lei nº 8.213/91.

3. Destaque-se que para comprovação da atividade rural é necessária a apresentação de início de prova documental, confirmada pelos demais elementos probatórios dos autos, e prova testemunhal, não se exigindo, contemporaneidade da prova material com todo o período de carência. Precedentes do STJ: (AgRg no Ag 1419.422/MG; Relatora Ministra Assusete Magalhães; DJe de 03/06/2013).

4. Requisitos para a concessão do benefício de salário-maternidade preenchidos pela parte autora, em razão de deter a qualidade de segurada especial.

5. Juros e correção monetária conforme manual de cálculos da Justiça Federal, assim como, no que concerne aos critérios trazidos pela edição da Lei 11.960/2009, as orientações firmadas nos Temas 810 do STF e 905 do STJ, devendo a correção ser atualizada pelo INPC até a data da edição da EC 113/2021, momento a partir do qual deverá ser utilizada a SELIC na atualização das diferenças.

6. No Espírito Santo, a Lei nº 9.974/2013 dispensa o recolhimento inicial das custas quando autoras as pessoas jurídicas de direito público, alcançando suas autarquias, fundações públicas e as entidades fiscalizadoras do exercício profissional (art. 19, II), razão pela qual não há que se falar em isenção de custas em favor do INSS.

7. Apelação do INSS conhecida e parcialmente provida.

(AC 5000213.59.2024.4.02.9999. Rel. Juíza Federal Convocada Márcia Maria Nunes de Barros. 10ª Turma Especializada. DJ 19.04.2024)

Logo, conclui-se que há início de prova material razoável da condição de trabalhadora rural da Apelada por período superior a carência exigida, possibilitando a produção de prova testemunhal para sua complementação, conforme conforme Súmula 149 do STJ e o Tema 554 da Corte.

A fim de melhor aferir a condição de segurada especial rural da Autora, ora Apelada, foi designada audiência de instrução. Foram colhidos 03 (três) depoimentos testemunhais em audiência realizada em 28/02/2024, bem como depoimento pessoal da Autora (evento 1, CONT4, evento 13, VIDEO1).  Na ocasião, todas as testemunhas confirmaram, de forma unânime, o trabalho rural da Apelada por período superior ao exigido por lei, com depoimentos harmônicos e coerentes com os demais elementos dos autos. Em suas declarações afirmaram que, embora a Apelada tenha trabalhado em uma farmácia de 2017 a 2019, continuou exercendo a atividade rural até antes do nascimento de sua filha.

O início de prova material restou, portanto, corroborado pelo depoimento das testemunhas, afirmando a condição de trabalhadora rural do Apelada por período superior a carência exigida. 

Pontue-se, ainda, que o fato de a ora Apelada ter desenvolvido atividade urbana no passado não afasta o reconhecimento da atividade rurícola, especialmente porque, à época do nascimento da criança, havia um único vínculo registrado em seu CNIS, diminuto e fora do período de carência que se pretende comprovar {AgInt no AREsp n. 557.666/CE, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do Trf5), Primeira Turma, julgado em 16/8/2021, DJe de 19/8/2021.

A análise do caso sob a perspectiva de gênero revela a necessidade de sensibilidade do Judiciário na avaliação do trabalho rural de mulheres que desempenham atividades domésticas, conforme protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero, especialmente o item 5.3:

"Especificamente quanto ao aspecto de direcionamento do trabalho da mulher no campo, Cardoso (2019)97 salienta o descompromisso do homem com o trabalho doméstico em áreas rurais. Esse trabalho, por conseguinte, termina posto ao encargo praticamente exclusivo da mulher, sobre a qual pende, ainda, o trabalho na lavoura ou no pastoreio.

Cardoso destaca que, embora posicionada como principal responsável pelo trabalho reprodutivo, o labor da mulher não se restringe a essa dimensão doméstica e auxiliar. Como a atividade da mulher campesina envolve o trabalho dentro do domicílio, as adjacências da casa terminam por envolver uma órbita de labor intenso, que abarca o cultivo de hortas e de pomares e mesmo a criação de pequenos animais como galinhas e porcos – itens fundamentais para consumo e subsistência do grupo familiar. Essas são dimensões de trabalho ainda mais negligenciadas ante a simplificação do labor da família campesina em lavoura e/ou pastoreio de destinação comercial, majoritariamente postos sob a liderança masculina, e trabalho doméstico, de preponderante atribuição feminina.

A atividade na órbita domiciliar, frequentemente não contabilizada e desempenhada sobretudo pelas mulheres, envolve um aspecto econômico importantíssimo: Cardoso (2019) descreve que até 70% do que é consumido nos domicílios provém desses quintais. Seus excedentes, sobretudo após a Lei nº 11.947/2009, a qual obrigou as prefeituras a comprar da agricultura familiar 30% da alimentação escolar, repercutem na possibilidade de geração de receitas que complementam a atividade econômica primordial, majoritariamente praticada pelo homem na lavoura ou no pastoreio.

Nesse contexto, a desvalorização do trabalho doméstico e adjacente ao domicílio contraria o conceito de regime de economia familiar, conforme previsto no art. 11, §1º da Lei 8.213/91, que pressupõe o trabalho dos membros da família como indispensável à própria subsistência, exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

Assim, não obstante trabalharem intensamente em favor do grupo familiar, seja na dedicação aos afazeres domésticos, seja no que tange às atividades produtivas, e apesar dessas atividades serem indispensáveis à subsistência do núcleo familiar e de estarem incluídas entre aquelas exercidas em contexto de mútua dependência e colaboração, as mulheres encontram maiores dificuldades para verem reconhecido esse labor do que seus companheiros e familiares.

Colabora para essa dificuldade a interpretação judicial que exige a comprovação do labor majoritário na terra. Tal interpretação estipula uma exigência que é atendida com maiores dificuldades pelas seguradas do campo, sem que haja uma expressa previsão legal neste sentido.

...

Assim, se a família labora no campo em pequenas propriedades, ao homem está formada automaticamente a convicção de que ele lavra a terra. À esposa, tal presunção não se faz a priori. Dela comumente se exige a prova de que o tempo dedicado ao trabalho doméstico não tenha consumido a maior parte das horas do dia, o que conduz a decisão sobre reconhecer ou não o trabalho em regime de economia familiar a um espaço maior de discricionariedade judicial.

Como as dinâmicas sociais partem simbolicamente da premissa da essencialidade do trabalho masculino e da eventualidade do trabalho feminino, a autoridade administrativa ou o juiz acabam por presumir essa realidade simbólica e, inconscientemente, exigem das mulheres uma prova mais robusta do seu trabalho como produtora rural, assim como um esforço maior de justificação.

...

Por estarem concentradas no trabalho doméstico e em atividades relacionadas à subsistência do grupo familiar, predomina tanto a ausência de qualquer registro, quanto o desprestígio ao labor executado pela mulher. Desprestígio esse que fica evidente diante do rol do art. 106 da Lei nº 8.213/1991113, o qual não elenca documentos vinculados a essas atividades abrangidas no espectro de reprodução social, das quais as mulheres majoritariamente se ocupam.

São elementos de prova relacionados sobretudo à produção social – a qual, especialmente no meio rural, conforme já pontuado, ainda se situa quase sempre na figura do homem. A prova vinculada à produção social traz, recorrentemente, indicação somente do nome do companheiro ou companheira do produtor, algo que dificultaria a comprovação do exercício de atividade rural pela mulher caso fosse restrito o cabimento da prova à pessoa nela especificada.

Mas há também outros três aspectos que contribuem para essa dificuldade de constituição de prova documental para atestar-se a atividade rural. São eles: i) a excessiva informalidade dos trabalhadores do campo; ii) os índices de analfabetismo elevados, maiores quanto maior a faixa etária; e iii) a cultura institucional ainda profundamente patriarcal e a aplicação de paradigmas masculinos para avaliação de atividades desempenhadas pelas mulheres."

Destarte, os elementos probatórios constantes dos autos permitem concluir que a Apelada desempenhou atividades de natureza rurícola em período superior a 10 (dez) meses anteriores ao nascimento da filha, o que comprova a sua qualidade de segurada e garante a obtenção do salário-maternidade, como bem analisado na sentença.

Assim, mantenho a decisão do Juízo a quo em sua integralidade. 

Com vistas a possibilitar o acesso das partes às instâncias Superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

Posto isto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, com a majoração dos honorários advocatícios em 1% (um por cento) sobre o valor anteriormente fixado pelo Juízo a quo, a teor do art. 85, §11, do CPC.

A divergência consiste na comprovação do tempo de atividade rural em período equivalente à carência necessária para a concessão do salário-maternidade, nos 10 meses anteriores ao parto, ante à insuficiência de início de prova material. Senão, vejamos.

O benefício de salário-maternidade NB 80/205.008.284-8 foi requerido pela autora em 23/05/2022, por ocasião do nascimento de sua filha Pietra Bello Barbosa, em 12/04/2022, tendo o INSS, com base nos documentos apresentados, indeferido o benefício sob o fundamento de não preencher a autora o requisito da qualidade de segurado (comunicação de decisão: 1.3, p. 4-5).

Não sendo controverso o parto da filha da autora, em 12/04/2022, cumpria, portanto a comprovação do exercício da atividade campesina nos 10 (dez) meses anteriores ao parto, para fins de atendimento do requisito da qualidade de segurado.

Os elementos de prova carreados pela parte autora, todavia, não são contemporâneos ao período de 12/06/2021 a 12/04/2022 ou possuem caráter meramente declaratório, conforme o rol elencado no voto do em. Relator: 

- certidão de casamento, lavrada em 26/07/2013 (evento 1, INIC1); 

- autodeclaração do segurado especial rural, em que a Apelada declara ter exercido atividade rural em regime de economia familiar de 29/01/2014 até a data do preenchimento do formulário, qual seja, 23/05/2022 (evento 1, INIC1)

- contrato de comodato rural, datado de 29/01/2014, com término previsto para 29/01/2034, contendo registro que o contrato existe de forma verbal desde 05/09/2010 (evento 1, INIC1); 

- certificado de cadastro de imóvel rural, relativo ao imóvel objeto do contrato de comodato rural anteriormente citado, referente ao exercício de 2021 (evento 1, INIC1); 

- recibo de entrega da declaração do ITR do exercício de 2021, relativo ao imóvel objeto do contrato de comodato rural anteriormente citado (evento 1, EMENDAINIC2); - 

escritura de compra e venda (evento 1, EMENDAINIC2 - fl 18 e seguintes) e certidão de óbito, comprovando que o adquirente faleceu e que a cedente do contrato de comodato rural anteriormente citado é sua esposa, Maria Peres Barbosa; - 

ficha do cidadão, em que consta "trabalhador rural" como profissão da Apelada, datada de 23/05/2011 (evento 1, EMENDAINIC2); 

- certidão expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, em que consta como ocupação declarada pela Apelada "trabalhador rural", datada de 11/08/2022 (evento 1, EMENDAINIC2).

Assim, os elementos que poderiam servir como início de prova material são anteriores ao período em que a parte autora exerceu atividade urbana, como balconista, junto à Drogaria Boni Ltda, no período de 10/05/2017 a 02/09/2019 e os documentos posteriores possuem caráter declaratório e são extemporâneos aos 10 meses que antecederam ao parto

Ressalta-se o esposo da autora e genitor de seu filho, sr. Wihlas de Freitas Barbosa, exercia atividade urbana de loga data, com remuneração em valor superior a R$ 3.000,00 à época do parto:

Não há, portanto, início de prova material que ateste o desempenho de atividade rural por parte da autora ou de seu cônjuge, a não ser elementos de caráter meramente declaratórios. Ressalta-se, que nesse caso,  a cessão gratuita de imóvel rural em 29/01/2014, para servir de moradia a autora, não comprova a exploração do bem imóvel em atividades de subsistência rural, em razão do vínculo urbano da autora entre 10/05/2017 a 02/09/2019 e as atividades urbanas de seu esposo.

​Assim, por mais que a jurisprudência seja pacífica no sentido de que não há exigência legal de que os documentos apresentados abranjam todo o período que se quer ver comprovado, nem de que que o segurado apresente documentos que comprovem mês a mês, ano a ano, o desempenho de atividades rurais, os elementos apresentados além de frágeis sequer representam uma mínima fração do período pretendido, não sendo possível à prova oral ampliar a eficácia probatória dos insuficientes elementos ora apresentados, ante a vedação da prova exclusivamente testemunhal (Lei n. 8.213/1991, art. 55, § 3º).

Assim, inexiste início de prova material  apto a comprovar atividade rural nos 10 (dez) meses anteriores ao parto.

conclusão

Assim, deve ser reformada a sentença do Juízo de origem, para que seja julgado improcedente o pedido autoral.

Honorários de sucumbência: condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando, porém, suspensa a exigibilidade do pagamento, por se tratar de beneficiária da justiça gratuita (CPC, art. 98, § 3º).

Visando o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos autos, ainda que não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto (CPC, art. 1.025).

Ante o exposto, com todas as vênias, divirjo em parte do em. Relator e voto no sentido de dar provimento à apelação do INSS para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido autoral.



Documento eletrônico assinado por MARCIA MARIA NUNES DE BARROS, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002391081v13 e do código CRC ee9554cc.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCIA MARIA NUNES DE BARROS
Data e Hora: 17/06/2025, às 10:06:20