Consoante relatado, cuida-se de apelação, atribuída a minha relatoria por prevenção, interposta por ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS (ANDRE DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ABBUD, OAB/SP 206552; GUSTAVO SANTOS KULESZA, OAB/SP 299895; NAIANE LOPES SOARES DE MELO, OAB/SP 328883), figurando como parte interessada a B3 S.A. - BRASIL, BOLSA, BALCAO (ALEXANDRE ABBY, OAB/RJ 134676; CAMILA AGUILEIRA COELHO; OAB/RJ 166511), contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal DIMITRI VASCONCELOS WANDERLEY, da 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a qual, nos autos da ação pelo procedimento comum ajuizada pela UNIÃO FEDERAL em face da recorrente, julga procedente o pedido autoral para declarar a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a União Federal à cogente observância da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da PETROBRÁS.
A sentença proferida na origem congrega os seguintes fundamentos:
[...]
É o relatório.
Em primeiro lugar, ressalto que a preliminar de ilegitimidade passiva da ré B3 S.A. foi acolhida pela decisão do evento 107, nos seguintes termos:
"[...]
I - Inicialmente, merece acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, suscitada por B3 S.A. – BRASIL, BOLSA, BALCÃO (“B3” ou “BOLSA”), uma vez que não é parte da relação de direito material, nem tampouco do Procedimento Arbitral instaurado a partir dela; que, na qualidade de câmara arbitral, sequer tem ingerência sobre as decisões de mérito proferidas no curso de tal Procedimento, competindo-lhe simplesmente velar pelo correto, competente, efetivo e eficaz processamento da arbitragem e seu desiderato, que é a sentença arbitral.
A título de provimento jurisprudencial, destaca-se, a seguinte ementa do C. Superior Tribunal de Justiça:
..EMEN: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE PROCEDIMENTO ARBITRAL. POLO PASSIVO. ÓRGÃO ARBITRAL INSTITUCIONAL. CÂMARA ARBITRAL. NATUREZA ESSENCIALMENTE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INTERESSE PROCESSUAL. AUSÊNCIA. 1. A instituição arbitral, por ser simples administradora do procedimento arbitral, não possui interesse processual nem legitimidade para integrar o polo passivo da ação que busca a sua anulação. 2. Recurso especial provido. ..EMEN:
(RESP - RECURSO ESPECIAL - 1433940 2014.00.24753-9, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:02/10/2017 ..DTPB:.)
Deve ser o feito extinto, sem resolução de mérito, em relação ao referido réu.
Em face do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do art. 485, VI, do CPC.
[...]"
Da mesma forma, a alegação de perda de objeto da presente ação já foi rejeitada pela decisão proferida no evento 162.
Assim sendo, passo à análise do pedido.
A União pretende que seja declarada a inexistência de relação jurídica apta a sujeitá-la à observância da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás ou, subsidiariamente, seja declarada a inexistência de relação jurídica apta a sujeitá-la à arbitragem instaurada no bojo do Procedimento Arbitral n° 97/2017. Para tanto, apresenta os seguintes argumentos:
(i) a UNIÃO não está automática e incondicionalmente sujeita ao compromisso arbitral previsto no Estatuto da PETROBRÁS, na medida em que à época de sua criação o Regulamento CÂMARA DE ARBITRAGEM DO MERCADO era absolutamente inequívoco em condicionar a obrigatoriedade do juízo arbitral à previa assinatura de um Termo de Anuência (cuja eficácia, para a companhia, era também expressamente sujeita “a que os Administradores, Conselheiros Fiscais e Controladores firmem simultaneamente, em separado, um Termo de Anuência Individual” – item 5.2.1);
(ii) (...) não foram preenchidos os pressupostos necessários para legitimamente sujeitar a UNIÃO ao compromisso arbitral previsto neste artigo 58 – Inteligência do art. 1º, § 2º, e art. 2º, § 1º, ambos da Lei º 9.307/96 (Lei de Arbitragem); art. 1º da Lei nº 9.469/97; e art. 109, § 3º da Lei das S.A;
(iii) o artigo 58 do Estatuto da PETROBRÁS não foi concebido para deslindar controvérsias entre acionistas, mas, conforme restou demonstrado acima, apenas para solucionar os conflitos instaurados com a participação da PETROBRAS;
(iv) o permissivo invocado para legitimar a iniciativa de ALEJANDRO (art. 246, § 1º, alínea “b” da Lei das S.A.) veicula uma típica hipótese de substituição processual (art. 18 do CPC), na qual os acionistas minoritários, conquanto extraordinariamente legitimados para defender os interesses da companhia, fazem-no na realidade em nome próprio, na condição de partes do litígio deflagrado. Portanto, está se diante de conflito instaurado entre acionistas da Petrobrás, ou seja, conflito que não está contemplado pela cláusula compromissória do artigo 58 do Estatuto da companhia.
(v) por fim, com relação à matéria controvertida no Procedimento Arbitral nº 97/2017 – responsabilidade civil do Estado com relação a danos apurados na “Operação Lava Jato” –, o escopo da arbitragem em tela manifestamente desborda do âmbito de aplicação da cláusula compromissória do Estatuto da PETROBRÁS, seja em razão do que expressamente dispõe (posto que a sua literalidade restringe-o ao campo da lei societária e do mercado de capitais), seja ainda por força do artigo 2º, § 1º da Lei da Arbitragem (“A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade”).
Por seu turno, o Réu ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS aduz que:
a) a presente demanda é uma inadmissível “medida antiarbitragem” da União, e que representa venire contra factum proprium, uma vez que a via arbitral foi expressamente escolhida pela União, além do que a própria União tem se valido da cláusula arbitral aqui combatida para pedir a extinção sem resolução de mérito de ações ajuizadas contra ela por outros sócios minoritários da Petrobras.
b) o Juízo não possui para apreciar a pretensão autoral, uma vez que a regra da competência-competência, positivada no par. único do art. 8º da LArb, prevê que cabe exclusivamente aos árbitros a competência para examinar a existência, a validade e a eficácia da cláusula compromissória até o fim da arbitragem, só sendo permitida qualquer discussão judicial sobre a vinculação da União à cláusula compromissória (a) após a apreciação da matéria pelos árbitros e (b) em via processual específica – a ação anulatória de sentença arbitral (LArb, arts. 32 e 33, § 1º), razão pela qual deve ser extinto o processo sem julgamento do mérito, por inadequação da via eleita e falta de interesse processual; que, ademais, o tribunal arbitral já reconheceu sua própria competência (LArb, art. 8º, par.; CPC, art. 485, inc. VII);
c) a cláusula compromissória inserida no estatuto social da Petrobras não possui nenhum vício de representação e não estava condicionada a nenhuma nova manifestação de vontade da União, que de todo modo poderia ser extraída das reiteradas ratificações da cláusula compromissória feitas pela União desde 2002; que a previsão legal de que “autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações” (LArb, art. 1º, § 2º, cf. redação dada pela lei 13.129/2015) sequer existia quando a cláusula compromissória foi inserida pela primeira vez no Estatuto (em 2002).
e) o atual Regulamento de Arbitragem da CAM, vigente desde outubro de 2011, é claro ao estabelecer que suas regras se aplicam a todos os procedimentos arbitrais iniciados após o início de sua vigência; que as dúvidas quanto ao escopo subjetivo da cláusula arbitral foram enterradas com a inclusão do art. 136-A na LSA, que estabelece que a inclusão de cláusula arbitral no estatuto obriga todos os seus acionistas, assegurado aos dissidentes o direito de retirada.
f) a Arbitragem busca dirimir disputa entre a Petrobras e um acionista (a União), e não uma disputa entre acionistas, o que teria sido reconhecido pela própria União (doc. 21, § 38) e que, ainda que a cláusula compromissória se limitasse a litígios travados exclusivamente entre seus acionistas, a disputa também estaria abrangida pela cláusula compromissória.
g) a Arbitragem é uma ação societária típica de responsabilidade do controlador, com suporte instrumental no art. 246 da LSA e substancial no art. 117 da LSA e portanto aplica-se o art. 58 do Estatuto ao caso.
h) o fato de a arbitragem, envolver questões de fato não a desnatura como uma arbitragem de direito, sendo vedada tão somente a arbitragem por equidade;
i) a vinculação da União à cláusula compromissória não é afastada pela recursa em prestar caução na arbitragem e que o Réu nunca se recusou a prestar caução
j) o Acórdão proferido no Conflito de Competência n. 151.130 não corrobora a tese da União e não se trata de matéria semelhante a dos autos, além de possuir erro de interpretação.
O Juízo deferiu a tutela de urgência, conforme decisão proferida no evento 45, a seguir transcrita:
[...] Tendo em vista que o julgamento do CC nº 151.130 pelo STJ em 11.02.2020, o qual se refere a conflito positivo de competência, com pedido liminar, suscitado por American International Group Inc Retirement Plan e Outros, em que se aponta como suscitados, a Câmara de Arbitragem do Comércio - CAM-Bovespa, de um lado, e do Juízo Federal da 13ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São Paulo e do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Considerando, por fim, que o referido julgado trata de matéria semelhante a dos presentes autos, apesar de não ter sido ainda estabelecido o contraditório, REVEJO o posicionamento adotado no EVENTO 35 e passo à análise do pedido de tutela de urgência.
Para tanto, adoto as razões de decidir do mencionado CC nº 151.130 - SP (2017/0043173-8). Transcrevo a ementa do julgado:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ARBITRAGEM OU JURISDIÇÃO ESTATAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ART. 58 DO ESTATUTO SOCIAL DA PETROBRAS. SUBMISSÃO DA UNIÃO A PROCEDIMENTO ARBITRAL. IMPOSSIBILIDADE. DISCUSSÃO ACERCA DA PRÓPRIA CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA DA CLÁUSULA AO ENTE PÚBLICO. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA JURISDIÇÃO ESTATAL. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL OU ESTATUTÁRIA. PLEITO INDENIZATÓRIO COM FUNDAMENTO NA DESVALORIZAÇÃO DAS AÇÕES POR IMPACTOS NEGATIVOS DA OPERAÇÃO "LAVA JATO". PRETENSÃO QUE TRANSCENDE AO OBJETO SOCIETÁRIO.
1.No atual estágio legislativo, não restam dúvidas acerca da possibilidade da adoção da arbitragem pela Administração Pública, direta e indireta, bem como da arbitrabilidade nas relações societárias, a teor das alterações promovidas pelas Leis nº 13.129/2015 e 10.303/2001.
2. A referida exegese, contudo, não autoriza a utilização e a extensão do procedimento arbitral à União na condição de acionista controladora da Petrobrás, seja em razão da ausência de lei autorizativa ou estatutária (arbitrabilidade subjetiva), seja em razão do conteúdo do pleito indenizatório que subjaz o presente conflito de competência na hipótese, o qual transcende o objeto indicado na cláusula compromissória em análise (arbitrabilidade objetiva)
3. Nos exatos termos da cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobras, a adoção da arbitragem está restrita "às disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social".
4. Em tal contexto, considerando a discussão prévia acerca da própria existência da cláusula compromissória em relação ao ente público – circunstância em que se evidencia inaplicável a regra da "competência-competência" – sobressai a competência exclusiva do Juízo estatal para o processamento e o julgamento de ações indenizatórias movidas por investidores acionistas da Petrobrás em face da União e da Companhia.
5. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo Federal suscitado.
I - Diante dos fundamentos expostos, DEFIRO parcialmente o pedido de tutela de urgência para DECLARAR a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a UNIÃO FEDERAL à cogente observância da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás APENAS em relação ao Procedimento Arbitral n° 97/2017." (grifei).
A Exma. Ministra Relatora Nancy Andrighi assim delimitou a questão nos autos do referido Conflito de Competência nº 151.130:
"O propósito deste julgamento consiste em determinar qual o órgão competente para apreciar a questão relativa ao alcance da cláusula arbitral contida no Estatuto Social da Petrobras. Em outras palavras, se a União está vinculada a figurar como requerida no Procedimento Arbitral nº 75/2016 em razão da mencionada cláusula, ou se, em conformidade com o TRF/3ª Região, não existe essa vinculação.
[...]
Assim, na sentença parcial proferida pelo Tribunal Arbitral, interpreta-se o alcance do art. 58 do Estatuto Social da Petrobrás, transcrito abaixo para clareza da presente discussão:
Art. 58 - Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem , obedecidas às regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou Controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste estatuto social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso.
Em resumo, o Tribunal Arbitral compreendeu que essa cláusula é ampla o suficiente para vincular também a União Federal. Ademais, o pleito das suscitantes não ensejaria a exclusão do poder público da arbitragem, porque isso ocorreria somente nas atuações da União expressas por votos proferidos nas assembleias e que almejam a orientação dos negócios da sociedade, nos termos do art. 238 da Lei das S.A., isso porque essa atuação, exercício de voto em assembleia, constitui um direito indisponível por parte da União, que não seria arbitrável.
Ademais, quanto à alegação suscitada pela AGU segundo a qual, quando o Estatuto foi aprovado, em 2002, não haveria permissão legal para sua participação em procedimento dessa natureza, o Tribunal Arbitral invocou o teor da Súmula 485 do STJ, que afirma o seguinte: “a lei de arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição”.
Dessa forma, essa alegação não prosperaria e vincularia a União Federal após a publicação da alteração da Lei de Arbitragem ocorrida em 2015, que passou a prever expressamente a possibilidade de participação do Poder Público, no art. 1º, § 1º, da mencionada lei.
Com essa manifestação, consolida-se o conflito de competência em julgamento, que passa a contar com decisão do próprio Tribunal Arbitral acerca da participação da União no procedimento CAM nº 75/2016, a qual passará a ser julgada.
[...]"
Reproduzo, ainda, a seguir, trecho do Voto Vencedor proferido pelo Exmo. Ministro Luís Felipe Salomão nos autos do referido Conflito:
"[...]
O caso, para além da inquestionável relevância envolvendo a extensão subjetiva da arbitragem ("arbitrabilidade subjetiva") no direito societário, envolve ainda o instigante tema da submissão da União aos procedimentos arbitrais, a evidenciar, sob um segundo plano, portanto, o conteúdo objetivo da arbitragem ("arbitrabilidade objetiva"), considerando a alegada ausência de autorização legal ou estatutária para tanto.
Nesse passo, para a exata compreensão acerca do contexto que subjaz o presente conflito de competência, entendo relevante referenciar que, na origem, diversos investidores internacionais, detentores de ações ordinárias e preferenciais da Petrobras (PETR3 e PETR4), ao sentirem-se prejudicados em razão da desvalorização das ações pelos impactos da denominada operação Lava-Jato, apresentaram proposta para a instauração de procedimento arbitral perante a CAM-BOVESPA, com pedido de indenização em face da Petrobras e também da União, sendo o montante discutido, no procedimento arbitral, segundo as suscitantes, na cifra de "mais de R$ 1.400.000.000,00 (um bilhão e quatrocentos milhões de reais)", havendo menção, nos autos, de que o valor total ultrapassaria os 58 bilhões.
Outros investidores, ainda, ajuizaram ações individuais perante a Justiça Federal, por meio dais quais buscam a condenação da Petrobras e da União pelos alegados danos patrimoniais sofridos, com fundamento nos supostos ilícitos apurados na operação policial, relegando ao ente público, segundo defendem, a escolha equivocada dos dirigentes da estatal e suas falhas na fiscalização da atuação dos agentes.
[...]
No incidente ora em exame, as suscitantes, na qualidade de acionistas da Petrobras – com base na cláusula compromissória contida no artigo 58 do Estatuto da estatal –, defendem a aplicação da norma estatutária à União, considerando sua qualidade de sócia controladora da empresa, e, por conseguinte, a obrigatoriedade de sua submissão ao procedimento arbitral.
Alegam, no ponto, que a cláusula é "clara" e expressa quanto à eleição da arbitragem na resolução de controvérsias que envolvam a Petrobras, bem assim por ser "ampla" o suficiente a abranger a União.
A União, a seu turno, sustenta a ausência de lei específica ou estatutária apta a autorizar a extensão do procedimento arbitral (ausência de atividade legislativa específica).
3. O primeiro ponto que merece detida análise, a meu juízo, envolve a anuência/adesão ou não da União à cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobras - e, em caso positivo, em quais termos -, a fim de possibilitar sua submissão ao procedimento arbitral. Cuida-se, portanto, a teor da delimitação da controvérsia apresentada, da verificação dos requisitos de validade, alcance e efeitos da cláusula compromissória incluída no estatuto social da Petrobras à União, especialmente quanto ao tema da submissão exclusivamente ao Juízo arbitral, ou, em contrapartida, à Jurisdição estatal.
Nessa linha, confira-se, desde logo, o teor do artigo 58 do Estatuto da Petrobras:
“Art. 58. Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem, obedecidas as regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de de Valores Mobiliários, bem como as demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso”.
Parágrafo único. As deliberações da União, através devoto em Assembleia Geral, que visem a orientações de seus negócios, nos termos do artigo 238 da Lei nº 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo (grifos nossos).
Com efeito, sobre a possibilidade de aplicação da arbitragem no âmbito societário, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) previu, após as alterações promovidas pela Lei 10.303/2001, com a inclusão do parágrafo terceiro ao artigo 109 da norma de regência, a possibilidade da adoção de arbitragem nos casos de divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, nos termos em que especificar
[...]
Por sua vez, a Lei nº 13.129/2015, responsável por relevantíssimas alterações na regência da arbitragem – entre as quais a consagração expressa da adoção desta pela Administração Pública, direta e indireta –, também previu alterações na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), com a inclusão do artigo 136-A da Lei 6404/76, para estabelecer os parâmetros para a convenção de arbitragem no estatuto social das S/A.
[...]
Assim, no atual estágio legislativo, não restam questionamentos acerca da possibilidade da adoção da arbitragem pela Administração Pública, direta e indireta, bem como da arbitrabilidade nas relações societárias.
[...]
Nesse sentido, muito embora se alegue, no caso, a possibilidade da submissão do ente público à arbitragem, mesmo antes da edição da Lei nº 13.129/2015 – e até mesmo antes da edição da Lei nº 9.306/97 –, penso que tal não autoriza a utilização e extensão do procedimento arbitral à União na condição de sua acionista controladora, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária, a partir da qual não se pode inferir a referida autorização.
Com efeito, a autorização legal extraída da Lei nº 13.129/2015 refere-se à consagração, no âmbito legislativo, da jurisprudência já sedimentada do STJ e do STF quanto à adoção da arbitragem à administração pública, mas isto desde que diante de previsão legal ou regulamentar próprios.
Dessa forma, observada a máxima vênia, penso que a melhor interpretação é no sentido de que, muito embora a arbitragem seja permitida nas demandas societárias e naquelas envolvendo a administração pública, não se pode afastar a exigência de regramento específico que apresente a delimitação e a extensão de determinado procedimento arbitral ao sócio controlador, notadamente em se tratando da ente federativo, no caso a União, em que a própria manifestação de vontade deve estar condicionada ao princípio da legalidade.
Não por outra razão, são assim os regramentos próprios apresentados pela Lei nº 13.129/15 em relação à arbitragem envolvendo a administração pública, a exemplo da utilização apenas da "arbitragem de direito" (em contrapartida à arbitragem de equidade), e à necessidade de observância ao princípio da publicidade (artigo 2º, § 3, LAB - A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade).
Nesse diapasão, embora as questões societárias sejam suscetíveis de solução via arbitral, e isto a partir da exegese relacionada à afetação de questões decididas no âmbito interno da companhia, não se pode concluir pelo alcance irrestrito a direitos de terceiros que não estejam – por fundamentos estritamente relacionados ao âmbito societário – vinculados à cláusula compromissória estatutária.
Assim é que o estatuto social da Petrobras, nos termos e contexto apresentados, expressa tão somente a vontade da companhia em submeter-se à arbitragem nas hipóteses expressamente indicadas – e não da União – , em razão da já pontuada ausência de regramento específico próprio.
Ademais, a inserção da cláusula compromissória em análise, segundo os suscitantes, decorre do ano de 2002, cuja ata de assembleia geral extraordinária é de 23/2/2002, em que a União se fez representar pela AGU.
No ponto, o fundamento de que a presença da AGU ao ato implica a concordância de submissão ao específico caso do Procedimento Arbitral nº 75/16 da CAM-BOVESPA, notadamente em virtude de seu "admirável corpo técnico", de igual maneira, não se revela adequado ao caso, considerando, uma vez mais, a ausência de atividade legislativa específica para tanto.
De fato, a interpretação de que a ausência de óbice para o Estado utilizar a arbitragem para solucionar conflitos implica a obrigatoriedade de se submeter a procedimento arbitral – cujos termos, inclusive, transcendem ao objeto societário –, não se revela como a mais consentânea aos interesses envolvidos em análise.
Nessa linha de intelecção, a questão da competência para a deliberação acerca do estatuto da Petrobras deve ser analisada, penso, a partir de premissa anterior, qual seja, da submissão do tema acerca da própria "existência, validade e eficácia" da cláusula compromissória invocada pelo ente público à Jurisdição estatal, sobretudo em razão da alegada ausência de anuência expressa de submissão do ente ao pacto.
Isso porque, no caso, há alegação de falta de condição de existência da cláusula compromissória a que se as suscitantes fundamentam sua pretensão e, nesse sentido, novamente rogando as mais respeitosas vênias, a matéria deve ser submetida à deliberação da Jurisdição estatal.
Sobre o tema, citam-se as importantes ponderações feitas por Guerrero envolvendo a convenção de arbitragem, sob a perspectiva do agente público:
"São, desta maneira, muito amplos os campos de atuação da arbitragem envolvendo Estado como agente econômico, embora não seja de todo fundamental que a aplicação da arbitragem numa determinada atividade do Estado dependa de lei específica.
O ponto nevrálgico é que a permissão em lei torna a questão indiscutível.
[...]
A utilização da arbitragem na administração pública dependerá do limite de disposição do ente público envolvido, principalmente do ponto de vista objetivo, isto é, de matérias arbitráveis. Em seguida, deve-se procedimentalizar a arbitragem caso surja um conflito e, aí, a questão deve ser administrada de acordo com a legislação vigente e os requisitos nela estabelecidos.
[...]
Ou seja, a liberdade para a celebração de convenção de arbitragem para a administração pública sofre limitações legais aplicáveis à administração pública em função da natureza dos direitos e interesses por ela utilizados. A liberdade das partes é, portanto, limitada aos princípios e leis que regem a administração pública" (g.n). (Guerrero, Luis Fernando. Convenção de arbitragem e processo arbitral. São Paulo: Atlas, 2009 (fls. 112/115)
Ao comentar sobre o teor do artigo 851 do Código Civil, confira-se também a posição da doutrina: “O controle do Judiciário sobre o procedimento arbitral não diz respeito à verificação do acerto ou desacerto da decisão que nele se profira, mas à legalidade, a começar pela verificação do atendimento ao contraditório e ampla defesa, princípios que permeiam qualquer procedimento, judicial ou extrajudicial, a par da aferição das próprias regras e objeto fixados para a arbitragem. Nesse sentido é que cabe a ação de nulidade de sentença arbitral (art. 33 da Lei 9.307/96)” (GODOY, Claudio Bueno de. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei 10.406/2002 (Cezar Peluso coord. 8ª ed. rev. Atual. – Baruri, SP: Manole, 2014, p. 819/820.
Na hipótese, houve o questionamento por parte da União justamente pela ausência de autorização legal e vagueza na própria cláusula compromissória inserta no Estatuto da Petrobras quanto aos termos de sua abrangência em relação a ela, daí por que entendo que a cláusula compromissória deve ser específica quanto aos limites de sua vinculação.
A discussão, portanto, é anterior à própria ideia de efetiva convenção entre as partes, somente a partir do que, de fato, convencionada a cláusula compromissória e instalado o Juízo arbitral, este passa ser o juiz da causa, inclusive para deliberar sobre sua própria competência (aplicação da regra da "competência-competência").
No caso, discute-se a ausência de autorização expressa por parte do ente federado, por meio da qual foi imposto à União, na hipótese, o procedimento arbitral, de maneira prévia, e, ainda, delimitado a determinados litígios.
Assim, em se tratando da Administração Pública, a própria manifestação de vontade do ente está condicionada ao princípio da legalidade, mediante interpretação restritiva, nos termos da cláusula.
Nesse sentido, o teor da cláusula compromissória inserta no Estatuto da Petrobras evidencia que as disputas submetidas à arbitragem envolvem tão apenas "as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social", o que se dissocia do caso em análise.
Assim, a matéria em análise ultrapassa, no tocante à União, os atos societários, porquanto as suscitantes pretendem a responsabilização solidária da União em virtude da escolha equivocada dos dirigentes da Petrobras e da ausência de fiscalização da atuação de tais agentes. Há, portanto, pleito de responsabilidade civil extracontratual em face da União.
Daí que não há cogitar aqui, com a devida vênia, do princípio da competência-competência.
Não bastasse, o parágrafo único do referido artigo é no sentido de que "deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem a orientações de seus negócios, nos termos do artigo 238 da Lei nº 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo".
É bem de ver, assim, que a arbitragem, a teor da cláusula compromissória em tela, tem cabimento para os litígios que envolvam a Petrobras, mas não a União, e isto tanto sob o aspecto da arbitrabilidade subjetiva (ausência de autorização legal ou regulamentar) como objetiva (direitos em debate transcendem o próprio objeto dos direitos arbitráveis).
Nesse cenário, penso que o Poder Judiciário é competente para dirimir as questões necessárias à instauração do Juízo alternativo de resolução de conflitos, inclusive a alegada inexistência da cláusula compromissória, de modo a tornar efetiva a vontade das partes ao instituírem a cláusula compromissória.
Nesse sentido, a regra kompetenz-kompetenz não resolve o caso em tela, porquanto a discussão envolve a análise pretérita da própria existência da cláusula compromissória, e, nesta linha, a subtração à Jurisdição estatal excepcionaria uma das garantias fundamentais, que é a inafastabilidade da jurisdição estatal, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição, sendo necessário, portanto, adotar interpretação consentânea aos interesses envolvidos no litígio.
Por certo, a Lei de Arbitragem não pode apresentar-se como um sistema derrogatório de questões de ordem publica; mas, ao contrário, determinadas questões devem ficar reservadas ao juízo estatal, a teor mesmo do que se evidencia no artigo 1º da Lei, ao restringir o âmbito da arbitrabilidade aos direitos patrimoniais disponíveis
Confira-se a posição da doutrina: "(...) Quando se diz que o favor arbitral não pode ser levado longe demais e que as prerrogativas inerentes a Kompetnz-Kompetenz estão sujeitas a limites parte-se da indiscutível premissa de que a arbitragem, sendo um meio alternativo, deve ter uma incidência excepcional no sistema da solução de conflitos mediante a tutela jurisdicional. O ordinário é encaminhar os litígios ao Poder Judiciário, onde reside o juiz natural e a solução arbitral é extraordinária, dependente da manifestação de uma vontade convergente das partes conflitadas. Favorecer obcecadamente a arbitragem, sem que haja sido manifestada uma vontade assim acima de dúvidas ao menos razoáveis, equivaleria erigir o extraordinário em ordinário, a dano da garantia constitucional da inafastabilidade da apreciação judiciária dos litígios (Const., art. 5.º, inc. XXXV). (...) Haverá sempre uma inevitável dose de subjetivismo nessa apreciação pelo juiz, mas também o juízo emanado dos árbitros está sujeito a contingências como essas – sendo razoável, em face da garantia constitucional do controle judicial, que, a prevalecer alguma dose de subjetivismo, prevaleça a do juiz sobre a do árbitro”. (Dinamarco apud Viviane Rosolia Teodoro Revista de Mediação e arbitragem, v. 51, out.-dez. 2016, e-book) (g.n).
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A existência e validade são atributos diferentes do negócio jurídico (Azevedo, 1974). Para existir o negócio jurídico é necessária, inicialmente, a conjugação dos seus elementos essenciais: sujeito de direito, declaração e Documento: 1667167 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 11/02/2020 Página 59de 8 objeto. É necessário, em outras palavras, que pelo menos um sujeito de direito emita declaração de vontade acerca de um objeto. Mas isso é apenas o esquema geral. A existência do negócio jurídico depende ainda de determinadas características da declaração e do objeto. Ele não surge, deveras, de qualquer declaração de vontade sobre qualquer objeto. Em relação à declaração, deve ser ela intencional, isto é, deve ter por finalidade produzir os efeitos jurídicos pretendidos pelo declarante. Nem todos os atos voluntários, lembre-se, são intencionais e apenas estes últimos se consideram negócios jurídicos. A seriedade é outra qualidade da declaração que, dependendo do contexto, exige-se do sujeito de direito. Os atores, claro, não se vinculam às declarações intencionais de vontade que emitem ao representarem personagens. Quem se encontra numa mesa de bar, entre amigos, e emite certa declaração jocosa e divertidamente descabida também não está praticando nenhum negócio jurídico. Porém, se as circunstâncias que cercam a declaração de vontade são sérias, o sujeito não pode, posteriormente, pretender a inexistência do negócio jurídico alegando que estava apenas brincando. (item 8, cap. 10, v. 1, Fábio Ulhôa Coelho) (g.n).
4. Por fim, penso também que não se sustenta a tese invocada pelas suscitantes no sentido de que a União teria expressamente aderido à cláusula compromissória, por ter aposto ciente à instauração do procedimento arbitral.
De fato, consta dos autos que a União apresentou insurgência em relação à sua submissão ao procedimento arbitral tão logo notificada acerca do procedimento deflagrado pelas suscitantes, valendo-se de tutela de urgência perante a jurisdição estatal, nos exatos termos como autorizada, segundo entendo, a teor do novo regramento introduzido no sistema arbitral brasileiro pela já referida Lei nº 13.129/2015, artigos 22-A e 22-B.
[...]
Nesse passo, veja-se que o capítulo IV da Lei nº 9.307/1996 trata sobre o procedimento arbitral, iniciando, consoante disposto no art. 19, pela instituição da arbitragem, após a aceitação do encargo pelo árbitro único ou "pelo último dos árbitros do colégio" (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. São Paulo: Ed. Atlas, 2009, p. 278)
Dispõe o art. 20 da Lei nº 9.307/1997 que "...a parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem".
Com efeito, em regra, após implantada a arbitragem, o Juízo arbitral assume a exclusividade na apreciação da lide, devendo a parte interessada arguir eventuais nulidades no primeiro momento que tiver para se manifestar, sob pena de operar-se a preclusão, impossibilitando que, finda a arbitragem, seja intentada demanda judicial visando à sua anulação.
Ainda sobre a possibilidade da concessão de medidas cautelares ou urgentes antes de instituída a arbitragem, leciona Caio César Vieira Rocha, ao comentar sobre o novo regramento constante dos artigos 22-A e 22-B da LBA, com destaque para a convivência harmônica entre a jurisdição estatal e a arbitral, ainda que diante de juízo de provisoriedade pela jurisdição estatal:
[...] Antes de firmado o compromisso ou proferida sentença que o substitua (artigos 6º e 7º da Lei de Arbitragem), ausente está, ainda que momentaneamente, o poder jurisdicional do árbitro, o que justifica o aforamento da medida perante o Poder Judiciário. Caracteriza-se pelo caráter sumário porque somente ao árbitro caberá a análise de mérito com o completo exaurimento da cognição. Isso não significa, porém, que à jurisdição permanente seja absolutamente vedado qualquer estudo do mérito da questão. Pelo contrário, caberá ao juiz togado Documento: 1667167 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 11/02/2020 Página 61de 8 exercer um ainda que superficial juízo de delibação sobre a questão meritória. (Rocha, Caio César Vieira, in Arbitragem e Mediação: a reforma da legislação brasileira (Caio Cesar Vieira Rocha, Luis Felipe Salomão 2 ed. rev e atual. - São Paulo: Atlas, 2017, p. 47-48).
[...]
O Juízo federal agiu, portanto, ao analisar a insurgência apresentada pela União em caráter liminar, dentro dos limites de sua competência.
Ressalte-se, nesse sentido, que se está a definir a competência da Jurisdição estatal na hipótese em virtude da pretensão de extensão da referida norma à União, de modo a assegurar o equilíbrio e o respeito da convivência harmônica das Cortes Arbitrais com o Poder Judiciário, não se podendo afastar deste a apreciação de eventual desrespeito ao interesse público.
5. Dessarte, tenho que a ausência de capacidade subjetiva da União, na hipótese, decorre da ausência de adesão à cláusula genérica inserta do Estatuto da Petrobras, da qual efetivamente não participou, sendo certo que a aventada Súmula 485/STJ ("A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição") não afasta tal conclusão, porquanto a discussão aqui, como ressaltado, é prévia e exige a análise da própria validade da cláusula compromissória para operar em relação ao ente público.
No caso, há de se ressaltar a questão relativa à "arbitrabilidade objetiva", a partir do direito subjacente invocado pelas suscitantes na origem.
Desse modo, pelas razões declinadas, entendo que, nos exatos termos da cláusula compromissória em análise, a adoção da arbitragem está restrita "às disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de de Valores Mobiliários, bem como as demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso”, o que afasta a competência da União.
Por oportuno, mister trazer à colação, ainda, a análise realizada pela Secretaria do Tesouro Nacional - STN, em procedimento prévio à alteração estatutária que promoveu a inclusão do artigo 58 do Estatuto da Petrobras:
[...]
.Nosso posicionamento: Visto já estar previsto, pela nova redação do § 3º do art. 109 da Lei n. 6404/76 (alterado pela Lei 10.303/2001 que (...) as divergências entre acionistas e a companhia, ou entre acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem (...) e dado à ressalva feita pelo parágrafo único, nada temos a opor à redação apresentada" (g.n).
Sobre o tema, confira-se o elucidativo parecer do Ministério Público (fls. 780/792):
A pretensão formulada pelas partes mostra-se, deveras, muito mais abrangente do que a consecução de atos praticados pela União Federal na estrita condição de acionista controladora da Empresa, como bem salientou a douta decisão hostilizada, às fls. (e- STJ) 354: “O tema abordado trata de ponto de amplo espectro e deveras mais abrangentes que a consecução de atos praticados pela União Federal enquanto acionista controladora da empresa”.
Há que se ponderar, ademais, os precisos termos do parágrafo único, que atribui às deliberações da União em assembleia geral, com fundamento no art. 238 da Lei 6.404/76, a natureza de direito indisponível, insuscetível, por conseguinte, de sujeição ao juízo arbitral, fls. (e-STJ) idem:
“Parágrafo único. As deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem à orientação de seus negócios, nos termos do art. 238 da Lei n° 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo”.
De fato, a pretensão ora formulada pelos acionistas que se sentiram lesados pela investigação criminal denominada “Operação Lava Jato” é extravagante ao universo estritamente societário, ultrapassa em muito a competência do juízo arbitral, nos precisos limites do estatuto da própria Companhia, como bem asseverou o douto Tribunal Regional Federal da 3º. Região, pois a cláusula de arbitragem não alcança litígios estabelecidos entre os próprios acionistas, tampouco estende-se à revisão das deliberações da União, tomadas nos termos do art. 238, § 2º da Lei 6.404/76.
É que, pelo que se depreende dos autos, a União está sendo demandada na qualidade de controladora mas o que se pretende é que ela substitua a própria Petrobras por eventuais prejuízos ou danos causados aos demais acionistas, em decorrência de atos de gestão da Companhia que resultaram na desvalorização de seus ativos. Em outras palavras, busca-se a responsabilização da União, enquanto acionista controladora da Petrobras, pelos atos de governo por ela praticados pela pessoa jurídica de direito público: são dois papéis que não se fundem ou confundem e não podem ser reduzidos a uma só coisa nos limites estreitos do arbitramento.
A responsabilidade, em tal hipótese, por óbvio, se existir, deverá ser atribuída à própria Petrobras, sociedade de economia mista com patrimônio próprio e distinto da União, submetida ao mesmo regime jurídico das empresas privadas, no que tange aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, nos termos do art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal. O fato de a União ser acionista controladora de uma sociedade de economia mista, em princípio, não a obriga solidariamente, com seu patrimônio, pelos danos causados a terceiros ou aos próprios acionistas da Companhia; afirmar o contrário seria mitigar a personalidade jurídica da Petrobras, sujeito de direitos e obrigações na órbita civil, nos termos da Constituição Federal.
Afasta-se aqui, por conseguinte, a força dos precedentes acima colacionados, pois a pendenga não envolve o ato praticado por um ente da Administração Direta e sua repercussão ou efeitos na órbita civil, lide que poderia, em tese, ser submetida ao juízo arbitral. Trata-se aqui da responsabilidade que se pretende atribuir a um ente da Administração Federal Direta não por ato por ele praticado, mas pelo simples fato de ser acionista majoritário de uma de suas sociedades de economia mista: é uma pretensão estranha ao universo societário que, por conseguinte, deve ser deduzida perante o juízo federal comum.
Por todo o exposto, é o foro comum da Justiça Federal o competente para processar e julgar a pretensão deduzida perante o juízo arbitral, nos termos do art. 109, inciso I da Constituição da República, uma vez que não se trata de questão estritamente societária, mas de responsabilização da União, enquanto acionista controladora, pelos atos e consequentes danos praticados pela Petrobras aos seus acionistas (g.n).
6. Ante o exposto, renovando a vênia à douta Ministra relatora, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo Federal suscitado. " (grifos do original)
Por seu turno, interposto Conflito de Competência pela B3 S.A. - BRASIL, BOLSA, BALCAO perante o C. STJ em relação à celeuma dos presentes autos, foi proferida Decisão que conheceu do conflito para declarar a competência da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, entendendo que a situação dos autos apresenta similaridade com a questão já decidida no Conflito de Competência nº 151.130/SP (evento 181):
"Conheço do conflito envolvendo juízo estatal e câmara arbitral, consoante já decidido pela Segunda Seção desta Corte, no CC 111.230/DF (DJe 3/4/2014) e, ainda, não observo a existência de prevenção do Ministro Luis Felipe Salomão para o seu julgamento.
Com efeito, as ações referentes ao CC 151.130/SP, de relatoria para acórdão do Ministro Luis Felipe Salomão, dizem respeito: (i) ao Procedimento Arbitral n. 75/2016 instaurado pela American International Group Retirement Plan e outros em face da União e da Petrobrás, cujo objeto foi o ressarcimento dos alegados prejuízos nos ativos da Companhia como consequência do impacto negativo com as investigações da denominada Operação Lava-Jato; e (ii) a Ação Declaratória n. 002590- 62.2016.4.03.6100 ajuizada pela União em face de BMF&BOVESPA e outros, a fim de ver declarada a inexistência de relação jurídica que a obrigue a participar do procedimento arbitral instaurado pela CAM-BOVESPA, além da nulidade do procedimento.
Todavia, o presente conflito envolve o pedido de instauração do (i) Procedimento Arbitral n. 97/2017 apresentado pela ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS perante a CAM-BOVESPA em face da UNIÃO, com o objetivo de responsabilizar o Ente Público, na qualidade de acionista controlador da Petrobrás, por atos de abuso de poder de controle, e a (ii) Ação Declaratória n. 0230623- 98.2017.4.02.5101 de inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a UNIÃO à observância da cláusula compromissória presente no estatuto da PETROBRAS S.A.
Como se observa, embora similares, tratam-se de procedimentos arbitrais distintos (n. 75/2016 e n. 97/2017), os quais, por si só, não impõem necessariamente o reconhecimento da prevenção, mormente porque a generalidade da causa de pedir remota pode abarcar quaisquer outros procedimentos que digam respeito ou se imbriquem com a operação lava-jato, situação que colocaria o referido relator para acórdão naquele caso específico como juízo universal de todas as causas ligadas a essa operação.
Quanto ao desfecho dado à tese desenvolvida no presente incidente processual, verifico que, pela similaridade, deve ser aplicado o mesmo entendimento firmado pela Segunda Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do já citado CC 151.130/SP, assim resumido:
[...]
Na espécie, observa-se que, também, se adequam ambas as premissas que lastrearam o referido aresto (subjetiva e objetiva). De fato, sob o aspecto da arbitrabilidade subjetiva, não há, no conteúdo normativo de referência, autorização para utilização (e extensão) do procedimento arbitral pela União na condição de acionista controladora da Petrobrás.
Merece registro, no particular, que, nos termos da cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobrás, a adoção da arbitragem está restrita "às disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n. 6.404, de 1976, neste Estatuto Social" (e-STJ, fl. 417).
Por fim, sob o aspecto arbitralidade objetiva, observa-se, também da normativa de regência, que a utilização da arbitragem não estaria autorizada na hipótese de eventual demanda sobre responsabilidade civil extracontratual em face da União, notadamente pelo que dispõe o parágrafo único do art. 58 do Estatuto da Petrobrás: "deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem a orientações de seus negócios, nos termos do artigo 238 da Lei n. 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo" (e-STJ, fl. 417).
Logo, na hipótese, a pretendida imputação de responsabilidade da União pela demanda extracontratual, a ser dirimida por procedimento arbitral, não é possível, conforme exposto linhas atrás. Por esse motivo, o Juízo Federal, ao desobrigar a União Federal de participar do Procedimento Arbitral n. 97/2017, agiu dentro dos limites de sua competência.
Nesse sentido, as ponderações do Parquet Federal, ao asseverar que, "embora se admita a adoção do procedimento arbitral pela Administração Pública, no presente caso não se mostra adequada a vinculação da União ao citado procedimento. Isto pois não há lei autorizativa ou estatutária, bem como o conteúdo do pleito indenizatório ultrapassa o objeto indicado na cláusula compromissória em análise" (e-STJ, fl. 3.758).
Forte nessas razões, CONHEÇO do conflito para declarar a competência do JUÍZO FEDERAL DA 1ª VARA CÍVEL DO RIO DE JANEIRO SJ/RJ, revogando-se a liminar anteriormente deferida
[...]" (grifos nossos)
Com efeito, o C. STJ entendeu que a solução dada ao presente conflito possui identidade jurídica com o CC n. 151.130/SP, tal como assinalado acima, onde restou estabelecido o entendimento acerca da "ausência de lei autorizativa ou estatutária que autorize a utilização e extensão do procedimento arbitral à União, na condição de acionista controladora da Petrobrás, tampouco na hipótese de demanda sobre responsabilidade civil extracontratual em face da União".
A União também ajuizou a ação nº 5009098-39.2017.4.03.6100 perante a 22ª Vara Federal de São Paulo, com pretensão similar à presente ação, buscando, todavia, o reconhecimento de que não estaria obrigada a participar do Procedimento Arbitral nº 85/2017.
Ressalte-se, ainda, que, tendo em vista a prolação de sentença parcial pelo Juízo Arbitral por meio da qual reconheceu sua jurisdição sobre a União e sobre o objeto da arbitragem, declarando-se competente para julgá-la (evento 61, doc. 5), a União ajuizou ação anulatória (nº 5024529-11.2020.4.03.6100), perante o Juízo da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, tendo sido julgado procedente o pedido.
Na ocasião, aquele Juízo entendeu que a decisão proferida nos autos do conflito de competência 177.437, através da qual a Ministra Nancy Andrighi reviu seu posicionamento, aplica-se à Arbitragem objeto do presente processo.
Confira-se trecho da sentença:
"[...]
Dessa forma, sequer podendo ser instaurada a arbitragem, muito menos há espaço para aplicação da ação prevista no parágrafo segundo do artigo 20 da lei de arbitragem.
Essa circunstância foi inclusive observada na decisão do agravo 5010588-21, cujo trecho transcrevo:
A assembleia de acionistas que deliberou e aprovou o artigo 58 do Estatuto da Petrobras foi realizada em 22/03/2002, quando inexistia previsão legal permitindo que a União Federal fosse considerada como parte em litígio submetido a juízo arbitral. Porque o Poder Público tem suas atividades delimitadas pela legislação (art. 37, da Constituição de 1988), a redação originária da Lei nº 9.307/1996 não permitia que a administração pública celebrasse compromissos arbitrais. Somente com a Lei nº 13.129/2015 (que incluiu os §§1º e 2º no art. 1º da Lei nº 9.307/1996) a administração pública (direta e indireta) foi autorizada a utilizar da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Fosse o caso de o artigo 58 do Estatuto da Petrobras ter expressamente incluído a União Federal como parte no âmbito arbitral, excluindo a regra geral de solução de litígios pela via judicial, essa cláusula estatutária seria ilegal (por ausência de permissivo legal) na extensão que envolve ente estatal
Ainda que fosse válida e conforme já observada na decisão que deferiu em parte a tutela, todo procedimento arbitral calcou-se no artigo 58 do Estatuto Social da Petrobras cuja previsão tem a seguinte redação:
Art. 58 - Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem, obedecidas às regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei no 6.404, de 1976, neste estatuto social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso.
Novamente faço menção às ponderações feitas pelo relator do Agravo de Instrumento interposto 5011206-66.2021.403.0000 em face da decisão que deferiu o pedido subsidiário de tutela de urgência: “Por certo, o artigo 58 do Estatuto da Petrobras alcança lides de conteúdo contratual ou societário (típicos de direitos disponíveis), mas a expressão “toda e qualquer disputa ou controvérsia que possa surgir entre eles” não pode ser levada ao extremo, invadindo searas jurídicas reservadas ao âmbito jurisdicional. A eventual responsabilização da União Federal por indicação de membros diretivos da Petrobras, e por não vigiá-los continuamente durante o exercício das funções (nas quais teriam ocorrido ilícitos apurados em investigações e processos judiciais, notadamente na conhecida “Operação Lava Jato”), toma contornos extracontratuais e envolve matéria fática, com rumos ou vieses sancionadores na medida em que, como acionista controlador, o ente federal também foi vítima dos alegados desvios de gestão (a despeito de mecanismos de controle e de auditoria interna e externa dessa empresa privada). A propósito, fosse aplicável ao caso dos autos, o superveniente o art. 2º, §3º da Lei nº 9.307/1996 (incluído pela Lei nº 13.129/2015) prevê que a arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará a publicidade, o que desafiaria a análise da responsabilidade da União Federal por desvios de conduta de gestores da Petrobras. O art. 109, § 3º da Lei nº 6.404/1976 e o art. 12, parágrafo único da Lei nº 13.303/2016 conduzem à mesma conclusão.”.
Pretender, por meio de juízo arbitral, a responsabilização da União pela indicação do Presidente e respectivos Diretores da Petrobras é dar ao Estatuto contornos que não possui.
Sobre o tema trago novamente à colação ementa de julgado tratado na decisão que antecipou os deferiu o pedido subsidiário de tutela proferido no Conflito de Competência 151.130:
“Nesse diapasão, embora as questões societárias sejam suscetíveis de solução via arbitral, e isto a partir da exegese relacionada à afetação de questões decididas no âmbito interno da companhia, não se pode concluir pelo alcance irrestrito a direitos de terceiros que não estejam – por fundamentos estritamente relacionados ao âmbito societário – vinculados à cláusula compromissória estatutária.”
Em outro trecho do julgado observa o Ministro:
“Assim, em se tratando da Administração Pública, a própria manifestação de vontade do ente está condicionada ao princípio da legalidade, mediante interpretação restritiva, nos termos da cláusula. Nesse sentido, o teor da cláusula compromissória inserta no Estatuto da Petrobras evidencia que as disputas submetidas à arbitragem envolvem tão apenas "as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social", o que se dissocia do caso em análise. Assim, a matéria em análise ultrapassa, no tocante à União, os atos societários, porquanto as suscitantes pretendem a responsabilização solidária da União em virtude da escolha equivocada dos dirigentes da Petrobras e da ausência de fiscalização da atuação de tais agentes. Há, portanto, pleito de responsabilidade civil extracontratual em face da União.”
A responsabilização da Fazenda por atos de sobrepreço praticados por Diretores não se encontra englobada na previsão estatutária
Ademais, conforme acima ressaltado, a própria instauração do procedimento arbitral foi tida como ilegal no feito em curso perante a 22 Vara Federal.
Isto posto, acolho o pedido formulado julgo procedente a ação, para declarar nula a sentença arbitral parcial proferida nos autos dos procedimentos arbitrais CAM 85/17 e CAM 97/17, integrada pela decisão do pedido de esclarecimentos, e extingo o processo com julgamento de mérito, nos termos do artigo 487, I do Código de Processo Civil.
[...]"
Interposta apelação, o E. TRF/3ª Região não deu provimento ao recurso, seguindo o entendimento do Voto proferido pelo Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5024529-11.2020.4.03.6100 - Segunda Turma - 08/11/2023). Confira-se o teor do referido Voto e que adoto como razões de decidir:
"[...]
É verdade que há ligação entre a ação anulatória nº 5024529-11-2020.4.03.6100 (processada perante a 7ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, em face da qual ora são julgadas as presentes apelações) e a ação declaratória nº 5009098-39.2017.4.03.6100 (que tramitou na 22ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, e que também está neste e. TRF em fase de apelação). Todavia, não há litispendência porque foram formulados pedidos distintos, e nem razão para a reunião de recursos nesta e. Corte pois sequer as ações tramitaram em uma mesma Vara no primeiro grau de jurisdição (p. ex., e.STJ, RESP – 1.834.036-SP, Ministra Nancy Andrighi, STJ – Terceira Turma, v.u. DJe: 17/05/2020). Embora pessoalmente guarde reservas dessa orientação, deve ser privilegiado o entendimento jurisprudencial no sentido de ser facultativa a reunião de processos por conexão ou para evitar decisões conflitantes, sendo inviável se um deles já foi sentenciado (art. 55, §1º, e art. 930, ambos do CPC/2015, e Súmula 235/STJ).
Sem razão a apelante MUDES quando alega que, no presente feito, o ente estatal busca rediscutir matéria judicializada. Reafirmo que, no âmbito do processo nº. 5009098-39.2017.4.03.6100, a União busca o reconhecimento de que não estaria obrigada a participar do Procedimento Arbitral nº 85/2017, enquanto nesta presente ação quer a nulidade da decisão arbitral parcial, proferida nos autos dos Procedimentos Arbitrais CAM 85/17 e CAM 97/17 (julgados conjuntamente), e da decisão do pedido de esclarecimentos proferida pela mesma câmara privada. Não há continência pelos mesmos motivos, até porque a decisão arbitral parcial ora impugnada é ato de efeito concreto (superveniente ao ajuizamento da ação declaratória de inexistência de relação jurídica (nº. 5009098-39.2017.4.03.6100) e também é combatida em vista do art. 32 e do art. 33, ambos da Lei nº 9.307/1996.
Quanto à matéria de mérito, as apelações devem ser desprovidas porque, a meu ver, está caracterizada a nulidade prevista no art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996, uma vez que a decisão atacada nesta ação anulatória foi proferida fora da convenção de arbitragem. Retomo o relato dos fatos e pontuo os aspectos determinantes para a formação do meu convencimento.
Consta que, em 10/03/2017, a MUDES (acionista minoritária e substituta processual da Petrobrás), valendo-se da cláusula compromissória prevista no art. 58, do Estatuto dessa companhia, protocolou pedido de instauração de arbitragem em face da União (Procedimento Arbitral nº 85/2017), na Câmara de Arbitragem do Mercado. Com fundamento no art. 246, da Lei nº 6.404/1976, a MUDES imputou à União o descumprimento de deveres de acionista controlador da Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras, pleiteando, ao final, a condenação do ente estatal à reparação dos prejuízos causados à referida sociedade de economia mista, apurados no curso da “Operação Lava Jato”.
A União respondeu no âmbito arbitral sustentando, entre outras razões, a ausência de vinculação à cláusula compromissória prevista no Estatuto da Petrobrás. Suas objeções foram rejeitadas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, motivando o ajuizamento, em 26/07/2017, da ação declaratória de inexistência de relação jurídica em face de B3 S/A – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3 S/A”) e MUDES (processo nº 5009098-39.2017.4.03.6100), em trâmite junto à 22ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, na qual busca o reconhecimento judicial de que não está obrigada a participar do Procedimento Arbitral nº 85/2017. Nessa ação, o pedido de antecipação de tutela foi inicialmente deferido, desobrigando a União de participar do Procedimento Arbitral, decisão que foi reformada no agravo de instrumento nº 5013055-152017.4.03.0000, embora esse recurso tenha restado prejudicado em razão da superveniente prolação de sentença no feito originário (julgando procedente o pedido da União). Consta a pendência de apreciação de recurso de apelação interposto pela ré MUDES.
Em 27/10/2017, em paralelo ao Procedimento Arbitral nº 85/2017 instaurado por iniciativa da MUDES, Alejandro Constantino Stratiotis, também na condição de acionista minoritário da Petrobrás, protocolizou pedido similar na mesma Câmara de Arbitragem do Mercado, dando início ao Procedimento Arbitral nº 97/2017. Daí, em 19/04/2018, os procedimentos arbitrais (nº 97/2017 e nº 85/2017) foram reunidos para processamento e julgamento conjuntos.
No Procedimento Arbitral nº 97/2017, os argumentos da União foram igualmente rejeitados, o que levou o ente público federal ao ajuizamento de nova ação declaratória de inexistência de relação jurídica em face de B3 S/A – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3 S/A”) e Alejandro Constantino Stratiotis (processo nº 0230623-98.2017.4.02.5101), distribuída para a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ. Nessa ação o pedido de tutela de urgência foi deferido, em parte em 30/03/2020, para declarar “a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a União Federal à cogente observância da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás”.
Em suma, a União aduz que, apesar das reiteradas decisões judiciais, o procedimento arbitral não foi sobrestado, tendo sido proferida decisão arbitral parcial em 15/01/2020, assim ementada (id 258650090):
AÇÃO SOCIAL DE RESPONSABILIDADE CONTRA CONTROLADOR – ART. 246, LEI 6.404/76 – SENTENÇA ARBITRAL PARCIAL UNÂNIME – QUESTÕES PRELIMINARES – CLÁUSULA ARBITRAL ESTATUTÁRIA VÁLIDA E EFICAZ – ARBITRABILIDADE OBJETIVA – ARBITRABILIDADE SUBJETIVA – LEGITIMIDADE DAS PARTES – AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DA ARBITRAGEM COM AÇÃO JUDICIAL EM CURSO – AUSÊNCIA DE RENÚNCIA AO JUÍZO ARBITRAL – TRIBUNAL ARBITRAL COMPETENTE – AUSÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA – MANTIDA REUNIÃO DOS PROCEDIMENTOS ARBITRAIS CAM 85/17 E CAM 97/17 EM ARBITRAGEM ÚNICA – DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CONFLITO DE INTERESSE DOS ÁRBITROS COM RELAÇÃO AOS TERCEIROS FINANCIADORES E PARTES RELACIONADAS – DEFERIDO PEDIDO PARA CONFIRMAÇÃO DOS GESTORES DE UM DOS FUNDOS FINANCIADORES – DESENTRANHAMENTO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DEFERIDO – INDEFERIDO PEDIDO DE JUNTADA DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO – FIXADA CAUÇÃO DO ART. 246, § 1º, ‘b’, LEI 6.404/76 – DIVISÃO DE PRÊMIO.
1. A cláusula arbitral estatutária é eficaz para dirimir disputas entre as partes da presente Arbitragem. Consentimento expresso dos acionistas que votam pela inclusão da cláusula arbitral estatutária em assembleia geral dos acionistas. Regulamento da CAM aplicável à Arbitragem não prevê Termo de Anuência.
2. A cláusula arbitral estatutária vincula a Requerida à presente Arbitragem. Autonomia da vontade dos acionistas, contemplada no art. 1º, Lei 9.307/96, e expressa na cláusula arbitral estatutária.
3. Interpretação da cláusula arbitral estatutária concluindo pela vinculação da Requerida à presente arbitragem não implica ofensa aos preceitos constitucionais da legalidade e da inafastabilidade da jurisdição.
4. A cláusula arbitral estatutária abrange a demanda proposta com fundamento no art. 246, Lei 6.404/76, em que o acionista age como legitimado extraordinário da companhia. Tribunal Arbitral reconhece sua competência no caso concreto.
5. Legitimidade processual passiva da Requerida para responder pela ação de indenização prevista no art. 246, Lei 6.404/76, com fundamento nesse dispositivo legal, assim como nos arts. 116 e 117, Lei 6.404/76, e no art. 15, Lei 13.303/16.
6. Legitimidade processual ativa dos Requerentes que atendem à condição de acionista prevista em lei para a legitimação extraordinária. Consentimento de condôminos do condomínio acionário para que um dos condôminos iniciasse a presente Arbitragem em representação dos seus interesses.
7. Improcedente afirmação sobre identidade entre a presente Arbitragem e a ação judicial n. 0013096-54.2016.4.02.5101. Ausência de renúncia ao juízo arbitral por vontade das partes, nos termos do art. 337, § 6º, Código de Processo Civil. Tribunal Arbitral competente para decidir a presente Arbitragem.
8. Ausência de litispendência sobre o Procedimento Arbitral CAM 97/17. Mantida a reunião dos Procedimentos Arbitrais CAM 85/17 e 97/17 em uma única arbitragem.
9. Financiamento de terceiros. Declarada pelos Árbitros ausência de conflito de interesse com relação aos terceiros financiadores e partes relacionadas. Árbitros reiteram declarações de imparcialidade, independência, diligência e discrição. Deferido pedido para que um dos Requerentes confirme quem são os gestores do fundo financiador. Irrelevância dos termos do contrato de financiamento para verificação do conflito de interesses, ausência de arbitragem capaz de justificar uma excepcionalidade no caso concreto que justificasse a revelação do conteúdo do referido contrato de financiamento. Indeferido pedido de juntada de contrato de financiamento de um dos Requerentes. Deferido pedido de desentranhamento de contrato de financiamento de outro Requerente.
10. Caução. Exigência expressa do art. 246, § 1º, ‘b’, Lei 6.404/76, para que o acionista detentor de participação inferior à 5% no capital social presente caução suficiente para assegurar o pagamento de custas e honorários de advogado devidos em caso de improcedência da demanda. Condenação de cada um dos Requerentes ao pagamento de 50% do montante total da caução.
11. Divisão de eventual prêmio entre Requerentes e possíveis critérios de divisão serão julgados em Sentença Arbitral Final.
A sentença arbitral parcial foi integrada por decisão que apreciou o pedido de esclarecimentos apresentado pelas partes, com os seguintes destaques (id 258650091) :
“III.3 DECISÃO SOBRE OS PEDIDOS DE ESCLARECIMENTOS
391. Diante de todo o exposto, o Tribunal Arbitral decide, por unanimidade, relativamente aos Pedidos de Esclarecimentos formulados pelo Requerente Alejandro e pela Requerida UNIÃO:
(...)
(b) Da Requerida UNIÃO:
b.1 Requer que o Tribunal Arbitral “(a) manifeste-se expressamente quanto aos pontos omissos relacionados à conclusão de que a União teria se vinculado em livre exercício de sua autonomia da vontade, em especial quanto à análise sobre a ausência de possibilidade jurídica somada à inexistência, na Assembleia Geral citada pelo Il. Tribunal Arbitral, de representante da UNIÃO com competência para vinculá-la a um procedimento arbitral; e (b) supere contradição entre a fundamentação apresentada em sua decisão e o teor do documento ao qual se refere, integrante dos autos da ação civil pública 1106499-89.2017.8.26.0100, tendo em vista estar a União, naquela oportunidade, atuando como assistente da Petrobras, e não em nome próprio”;
Não conhecer o pedido (a) para suprir a omissão alegada.
Indeferir o pedido (b) para esclarecer a suposta contradição.
b.2 Requer ao Tribunal Arbitral “(a) saneamento da dúvida relacionada à interpretação utilizada pelo Il. Tribunal Arbitral para concluir que um parágrafo único não teria o condão de portar uma exclusão de situação relacionada com o caput do dispositivo; e (b) eliminação de contradição consistente em reconhecer a aplicação do disposto no art. 238 da Lei n. 6.404, de 1976, e no art. 4º da Lei n. 13.303, de 2016, e, ao mesmo tempo, concluir que haveria condutas possíveis à Administração direta que fogem ao escopo do art. 238, LSA, sendo certo que o interesse público, no caso das empresas estatais, sempre deve ser perseguido por sua controladora. A contradição é reforçada pelo fato de que a interpretação conferida pelo il. Tribunal Arbitral retira a utilidade da previsão constante do parágrafo único da cláusula compromissória, questão a respeito da qual a UNIÃO também solicita esclarecimentos”;
Indeferir o pedido (a) para sanear a dúvida.
Não conhecer o pedido (b) para eliminar suposta contradição.
b.3 Requer ao Tribunal Arbitral “(a) saneamento da omissão/dúvida relativa à ausência de apreciação de argumento central da UNIÃO segundo o qual a possibilidade de participação da União em arbitragens pode ser reconhecida desde o notório caso Lage, de 1973 (STF AI 52.181/GB), porém sempre com a expressa ressalva quanto à necessidade de autorização legislativa, ressaltando que a jurisprudência relacionada a entidades privadas da Administração Pública indireta não se aplicam à União; e (b) eliminação de contradição relacionada à apreciação da jurisprudência do TCU, que passou a admitir a arbitragem envolvendo a União na medida em que foram surgindo as autorizações legais específicas para tanto, sendo certo que em nenhum momento o entendimento foi superado, mas tão somente preenchido o requisito exigido pela Corte de Contas”;
Indeferir os pedidos (a) e (b).
b.4 Requer ao Tribunal Arbitral “o saneamento da contradição assinalada em relação ao item (iv) – impossibilidade de substituição processual em arbitragem – de modo a reconhecer a ilegitimidade da União se se confirmar que os fatos constantes da causa de pedir da arbitragem dizem respeito à época anterior à promulgação da Lei 13.303, de 2016. Caso não seja possível se confirmar que os fatos constantes da causa de pedir da arbitragem dizem respeito à época anterior à promulgação da Lei 13.303, de 2016, a União pugna pela reapreciação da matéria quando da segunda fase do processo arbitral, momento em que serão apreciadas as questões de mérito”;
Não conhecer o pedido para sanear contradição.
Indeferir o pedido para reapreciar matéria julgada.
(...)”
Indeferir o pedido para atribuir efeitos modificativos ao pedido de esclarecimentos em decorrência dos itens b.1 a b.9 acima, posto que nenhum deles foi acolhido pelo Tribunal Arbitral.”
Diante da rejeição, por parte do Tribunal Arbitral, dos pedidos deduzidos pela União, tanto na decisão arbitral parcial quanto na integrativa do pedido de esclarecimentos, foi ajuizada a presente ação visando à declaração de nulidade dos referidos atos, pelos seguintes fundamentos: i) ausência de vinculação da União à convenção de arbitragem; ii) ausência de arbitrabilidade subjetiva; iii) ausência de aceitação da autoridade ou ente competente; iv) inexistência de cláusula compromissória eficaz; v) ausência de arbitrabilidade objetiva e prolação de sentença arbitral fora dos limites da cláusula compromissória; vi) não aplicação do regime do art. 246, da Lei nº 6.404/1976; vii) desrespeito ao contraditório, igualdade das partes e imparcialidade do árbitro (art. 21, § 2º, da Lei nº 9.307/1996); viii) violação à ordem pública.
Processado o feito, judicial sobreveio sentença concluindo que a cláusula compromissória, prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, não obrigou a União a se submeter a procedimento arbitral para solução de controvérsia decorrente de sua atuação como acionista controladora da referida sociedade de economia mista, julgando, ao final, procedente o pedido para declarar nula a decisão arbitral parcial proferida nos autos dos procedimentos arbitrais 85/2017 e 97/2017, integrada pela decisão do pedido de esclarecimentos.
Pretendem os réus, nos recursos ora analisados, a reforma da sentença. A apelante MUDES, centra suas alegações nos seguintes fundamentos: i) inaplicabilidade do acórdão do e.STJ no Conflito de Competência 151.130/SP ao caso concreto; ii) interpretação equivocada das decisões proferidas nos Conflitos de Competência 177.437/DF e 177.436/SP; iii) inadequação às hipóteses de anulação da sentença arbitral previstas no art. 32 da Lei nº. 9.307/1996; iv) existência de autorização legal para que a União participasse de procedimentos arbitrais, vinculando-se à cláusula compromissória estatutária da Petrobrás. Por sua vez, Alejandro Stratiotis fundamenta a pretensão de reforma da sentença nos seguintes pontos: i) ausência de violação ao art. 32 da Lei de Arbitragem; ii) inaplicabilidade das decisões dos Conflitos de Competência 177.437/DF e 177.436/SP; iii) inaplicabilidade do acórdão do STJ no Conflito de Competência 151.130/SP; iv) existência de arbitrabilidade objetiva e subjetiva.
Posto o problema sub judice, e admitindo como certo que a Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras está submetida à válida cláusula compromissória prevista no artigo 58 de seu Estatuto Social, o cerne da lide diz respeito ao alcance dessa mesma cláusula para a inclusão da União Federal (como parte) em procedimentos arbitrais que dizem respeito à responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato". Todos os argumentos listados pelos apelantes devem ser rejeitados, e o fundamento central é que a União Federal não está submetida à referida cláusula compromissória, do que decorre o vício previsto no art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996.
Justifico meu entendimento pela análise sequencial dos seguintes pontos controvertidos: a) se, quando realizada a assembleia de sócios que aprovou o artigo 58 do Estatuto da Petrobras, a legislação infraconstitucional permitia que a União Federal figurasse como parte em arbitragem; b) se a União Federal esteve representada de modo válido nessa assembleia de sócios; c) se, vista de legislação superveniente, a União se comprometeu com o procedimento arbitral; e d) se a redação desse artigo 58 do Estatuto da Petrobras alcança a União Federal como parte (aspecto pessoal) e, caso positivo, se a indicação de membros para o corpo diretivo dessa empresa está compreendida pela cláusula compromissória (aspecto material) para fins de descumprimento de deveres de acionista controlador da Petrobras.
Friso que, nesta ação judicial, não há discussão se houve (ou não) descumprimento de deveres da União Federal como acionista controladora da Petrobras, pois o objeto litigioso deste feito é restrito à submissão (ou não) da União Federal como parte nos procedimentos arbitrais diante da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto Social dessa companhia. Ou seja, neste julgamento não tem lugar qualquer discussão sobre a existência ou não de responsabilidade da União Federal em razão de perdas nos investimentos de acionistas ou da própria Petrobrás, mas tão somente a atribuição de câmara arbitral para analisar esse problema.
Inicio observando que a inserção da cláusula arbitral no Estatuto Social da Petrobrás foi aprovada em Assembleia Geral realizada em 22/03/2002, com o propósito de adequar o perfil da empresa às modificações implementadas na Lei nº 6.404/1976, por força da Lei nº 10.303/2001, e ainda permitir a migração para os segmentos especiais de listagem da Bovespa, em especial o “Nível 2”, que exige práticas de governança corporativa diversas das estabelecidas na Lei das Sociedades por Ações, dentre as quais a adesão à Câmara de Arbitragem, de modo a tornar a empresa mais atrativa para os investidores.
Ocorre que, na data em que realizada a Assembleia de acionistas que deliberou e aprovou o artigo 58 do Estatuto da Petrobras, 22/03/2002, inexistia previsão legal autorizando que a União Federal figurasse como parte em litígio submetido a procedimento arbitral. O Poder Público tem suas atividades delimitadas pela legislação (art. 37, da Constituição de 1988), e a redação originária da Lei nº 9.307/1996 não permitia que a administração pública celebrasse compromissos arbitrais. Somente com a Lei nº 13.129/2015, que incluiu os §§1º e 2º no art. 1º da Lei nº 9.307/1996, a administração pública (direta e indireta) foi autorizada a utilizar da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015)
§ 2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015)
Fosse o caso de o artigo 58 do Estatuto da Petrobras ter expressamente incluído a União Federal como parte no âmbito arbitral, excluindo a regra geral de solução de litígios pela via judicial, essa cláusula estatutária seria ilegal (por ausência de permissivo legal) na extensão que envolve ente estatal.
Mesmo supondo que, por hipótese, a União Federal tivesse se movido para aceitar a cláusula compromissória em questão (como parte, e não para a Petrobras), o artigo 58 do Estatuto da Petrobras não poderia alcançar esse ente estatal pelo conteúdo da Lei nº 9.307/1996 então vigente. E, como cláusula ilegal na extensão que incluiria a União, esse vício jurídico originário do artigo 58 do Estatuto não seria convalidado pela superveniente Lei nº 13.129/2015, porque o compromisso arbitral depende de manifestação válida, livre e inequívoca de vontade do contratante ao tempo em que é celebrado. Se a União tivesse pactuado ilegal cláusula compromissória, ainda assim o procedimento arbitral não estaria legitimado para incluir o ente federal porque seguiria caminho ilegal, sem prejuízo de responsabilização do ente estatal na via judicial.
Antes de a Lei nº 13.129/2015 ter incluído regra geral no art. 1º, §§1º e 2º, da Lei nº 9.307/1996, havia preceitos especiais permitindo o procedimento arbitral para alguns entes públicos em certos segmentos. Contudo, nenhuma dessas regras especiais permite envolver a União Federal na cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto Social da Petrobrás, como se vê na Lei nº 9.472/1997 (serviços de telecomunicações), na Lei nº 9.478/1997 (concessão de exploração de petróleo), na Lei nº 11.196/2005 (contratos de concessão de serviço público em geral), na Lei nº 10.233/2001 (concessão de exploração de transportes aquaviários e terrestres), e na Lei nº 11.079/2004 (contratos de parceria público privada).
Ademais, se qualquer ente público (da administração direta ou indireta) estivesse autorizado a se valer da arbitragem a partir da redação originária art. 1º, da Lei nº 9.307/1996, a inclusão promovida pela Lei nº 13.129/2015 seria dispensável. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, analisando o PLS nº 406/2013 (que deu origem à mencionada Lei nº 13.129/2015), consignou o que se travava de criar “a possibilidade de a Administração Pública direta e indireta utilizar-se da arbitragem”.
A inexistência de autorização legal para a celebração de convenção de arbitragem, pela União à época da realização da Assembleia Geral que aprovou o artigo 58 do Estatuto da Petrobras, implica na ausência da arbitrabilidade subjetiva em relação ao ente público federal, requisito necessário para admitir sua vinculação ao procedimento arbitral, ainda que se extraísse da redação do artigo 58 o alcance suficiente para a vinculação da União à cláusula compromissória.
Sabemos que a administração pública federal civil é organizada de modo hierárquico, razão pela qual a celebração de acordos ou transações, bem como de compromissos arbitrais, depende de autorização legal e de competência funcional, não podendo ser firmada por servidor ou procurador sem expressa autorização. Mesmo se fosse possível dispensar permissivo legal para ente estatal se subordinar a procedimento arbitral, não seria todo e qualquer agente público que poderia comprometer a União Federal, daí porque a celebração de cláusula compromissória somente poderia ser feita com a devida e expressa autorização administrativa.
Ao que consta dos autos, na assembleia da Petrobras que aprovou o artigo 58 de seu Estatuto, a União Federal não foi representada por autoridade ou o órgão competente para inclui-la como parte em procedimento arbitral. Cumpre destacar que de acordo com o art. 11, da lei nº 9.784/1999, “a competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos”. Teorias da aparência não podem escoltar interpretação para incluir a União Federal como parte em compromisso arbitral, somente porque seu representante esteve presente em assembleia da Petrobras que aprovou cláusula estatutária para essa empresa privada (incluindo seus sócios), fazendo pouco caso de regramentos administrativos de competência.
Acerca do alcance pessoal e material do artigo 58 do Estatuto da Petrobras, transcrevo seu conteúdo vigente à época dos fatos:
Art. 58- A Companhia, seus acionistas, administradores e membros do Conselho Fiscal obrigam-se a resolver por meio de arbitragem, perante a Câmara de Arbitragem do Mercado, toda e qualquer disputa ou controvérsia que possa surgir entre eles, relacionada ou oriunda, em especial, da aplicação, validade, eficácia, interpretação, violação e seus efeitos, das disposições contidas na Lei das Sociedades por Ações, na Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, no Estatuto Social da Companhia, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes do Regulamento do Nível 2, do Regulamento de Arbitragem, do Contrato de Participação e do Regulamento de Sanções do Nível 2.
Parágrafo único. As deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem à orientação de seus negócios, nos termos do art. 238 da Lei n. 6.404, de 1976, são consideradas formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo.
Sobre o alcance pessoal, a redação do parágrafo único desse artigo 58 do Estatuto da Petrobras expressamente exclui a União Federal de procedimentos arbitrais, sobretudo contextualizando sua ratio com a legislação vigente ao tempo em que foi firmada em assembleia (22/03/2002), que não autorizava a submissão de pessoa jurídica de direito público (da administração direta e indireta) a procedimento arbitral.
De outro lado, uma vez que se considere inexistente manifestação de vontade voltada à adesão a cláusula arbitral inserta no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, por parte da União, não há que cogitar de sua posterior vinculação em decorrência da edição superveniente de atos normativos, pelo simples fato de autorizarem a utilização da arbitragem na solução de conflitos pela administração.
É descabido falar que a União Federal aceitou implicitamente essa cláusula compromissória após a Lei nº 13.129/2015, apenas por ter ciência e acompanhado a gestão dessa empresa. Clausulas compromissórias, que excluem o acesso ao Poder Judiciário em favor de procedimentos arbitrais, dependem de livre e expressa manifestação de vontade das partes envolvidos, à evidência. Houvesse um único documento assinado pela União Federal admitindo se submeter, como parte, ao procedimento arbitral, o mesmo deveria ter sido apresentado pelas ora apelantes. Não bastasse, o histórico de judicialização mostra que a União Federal nunca aceitou se submeter ao procedimento arbitral.
Quanto ao aspecto material, a menção expressa ao art. 238 da Lei nº 6.404/1976 (que se reporta ao art. 116 e ao art. 117, ambos da mesma lei), feita pelo artigo 58 do Estatuto da Petrobras, deixa claro que a atuação da União Federal é na figura de acionista controlador (ainda que possa - ou deva - orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação). Esse artigo 58 do Estatuto da Petrobrás excluiu a União Federal de procedimento arbitral por considerar que as manifestações desse ente estatal são “formas de exercício de direitos indisponíveis” por orientarem seus negócios também no interesse público que justificou a criação dessa empresa privada. E se as mais relevantes manifestações da União Federal não estão submetidas a compromisso arbitral (voto em assembleia de sócios), com igual ou maior razão não estão abrangidas pela arbitragem outros atos societários secundários que possam gerar litígios.
Por certo, o artigo 58 do Estatuto da Petrobras alcança lides de conteúdo contratual ou societário (típicos de direitos disponíveis), mas a expressão “toda e qualquer disputa ou controvérsia que possa surgir entre eles”, feita no caput desse artigo estatutário não pode ignorar a exclusão feita no seu próprio parágrafo único, muito menos pode ser desconecto do programa normativo vigente à época em que foi celebrado, ignorando a impossibilidade de a União Federal se submeter a procedimento arbitral excluindo o acesso à via judicial.
A suposta responsabilização da União Federal por indicação de membros diretivos da Petrobras, e por não vigiá-los continuamente durante o exercício das funções (nas quais teriam ocorrido ilícitos apurados em investigações e processos judiciais, notadamente na “Operação Lava Jato”), toma contornos extracontratuais e envolve matéria fática, com rumos ou vieses sancionadores na medida em que, como acionista controlador, o ente federal também pode, eventualmente, ser tido como vítima dos alegados desvios de gestão (considerando que há mecanismos de controle e de auditoria interna e externa dessa empresa privada, especialmente exigidos em se tratando de companhia aberta).
Discussão similar à presente já foi decidida pelo e.STJ, no CC 151.130/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 11/02/2020. Trata-se de julgamento com conteúdo persuasivo, sendo oportuna a transcrição de ementa:
[...]
As apelantes se insurgem contra a parte da sentença judicial recorrida que faz referência a esse CC 151.130/SP, argumentando que se trata de controvérsia absolutamente distinta do caso dos autos. Alegam que o Conflito de Competência está relacionado a arbitragem instaurada por acionistas minoritários em face da Petrobrás e da União, buscando que ambas paguem indenização diretamente a eles, por prejuízos sofridos com a perda de valor das ações da companhia, enquanto na arbitragem que deu origem ao caso ora sob análise, os acionistas estariam agindo como substitutos processuais da Petrobrás, buscando a condenação da União (na condição de acionista controladora) ao pagamento de indenização à própria Petrobrás por atos de abuso de poder de controle praticados em face da companhia. Portanto, teria o magistrado deixado de realizar o “distinguishing” entre o precedente citado e o caso concreto.
O que se vê na argumentação dos apelantes é o descontentamento quanto a pronunciamentos judiciais que não acolhem sua pretensão de envolver a União Federal em procedimento arbitral, a partir de cláusula compromissória não pactuada pelo ente estatal. A ratio da decisão do e.STJ, no mencionado CC 151.130/SP, é a impossibilidade de vinculação da União a procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, em razão da ausência de lei autorizativa (arbitrabilidade subjetiva) e, mesmo que existisse essa autorização, a abrangência da pretensão voltada à reparação de prejuízos decorrentes da desvalorização das ações da Companhia, por força de fatos revelados na "Operação Lava-Jato", transcenderia o objeto da cláusula compromissária, restrito que está ao universo societário (arbitrabilidade objetiva), impondo a sujeição da matéria ao juízo estatal.
O mesmo entendimento restou assentado pelo e.STJ nos Conflitos de Competência nº 177.436/DF e nº 177.437/DF, suscitados com o propósito de definir se o juízo competente para processamento de pleito voltado à responsabilização da União por atos de abuso de poder de controle da Petrobrás seria o arbitral (Câmara de Arbitragem do Mercado, por meio dos processos CAM nº 97/1997 e nº. 85/1997, respectivamente) ou o estatal (1ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ, no processo nº 0230623-98.2017.4.02.5101 e 22ª Vara Federal de São Paulo/SP, no processo nº. 5009098-39.2017.4.03.6100, respectivamente). Nos dois incidentes, ficou consignado que a cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto Social da Petrobrás não vincula a União, inexistindo arbitrabilidade subjetiva e objetiva que justifique a sujeição do ente público ao procedimento arbitral, declarando assim a competência do Poder Judiciário para apreciar a eventual responsabilidade da União por atos de abuso de poder de controle da Petrobrás.
Não socorrem os apelantes o manuseio do art. 109, do art. 117 e do art. 246, todos da Lei nº 6.404/1976, alegações de que a discussão não cuida de responsabilidade da União por atos de sobrepreço e sim ato típico de abuso de poder de controle e que a cláusula compromissória abrangeria toda controvérsia entre empresa e acionista, pautada na mesma lei societária.
Mesmo que fosse possível superar a inexistência de autorização legal para a União celebrar a cláusula compromissória do artigo 58 do Estatuto do Estatuto da Petrobrás, a submissão ao procedimento arbitral ainda esbarraria no art. 2º, §3º, da Lei nº 9.307/1996 (incluído pela Lei nº 13.129/2015), uma vez que a suposta responsabilidade do acionista por eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente), envolve matéria fática, ao passo em que a arbitragem que envolva a administração pública será sempre sobre matéria de direito.
As diferentes faces pelas quais o mesmo problema é visto (pretensão do acionista em nome próprio, como beneficiário direto da indenização pretendida, ou o pleito é formulado em substituição processual da Companhia, visando à reparação dos danos por parte da União em favor da Petrobrás), passam pelo mesmo ponto: a União Federal não está submetida ao procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás. Todos os argumentos apresentados pelas apelantes, em seus recursos, são refutados por essa conclusão, pelo que consta na legislação de regência e na ordem dos fatos.
Em suma, a cláusula compromissória do artigo 58 do Estatuto Social da Petróleo Brasileiro S/A, Petrobrás não alcança a União Federal (como parte), que não pode ser submetida a procedimentos arbitrais que dizem respeito à eventual responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato": 1º) à época, a Lei nº 9.307/1996 não permitia a submissão desse ente estatal a procedimentos arbitrais; 2º) coerente com a legislação então vigente, o parágrafo único desse artigo 58 expressamente excluiu a União Federal como parte da cláusula compromissória (aspecto pessoal), além de não alcançar sua eventual responsabilização extracontratual por indicação de membros do corpo diretivo da empresa (aspecto material e fático); 3º) a União Federal não aceitou implicitamente essa cláusula compromissória após a Lei nº 13.129/2015, mesmo porque a renúncia ao Poder Judiciário em favor de procedimentos arbitrais depende de livre e expressa manifestação de vontade das partes envolvidos.
Portanto, são nulas a decisão arbitral parcial (de 15/01/2020) e a decisão do pedido de esclarecimentos (de 05/08/2020), ambas da Câmara de Arbitragem do Mercado – CAM, constantes dos autos dos procedimentos arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017 (reunidos por conexão), porque foram proferidas fora dos limites da convenção de arbitragem, violando o art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996.
Diante do exposto, REJEITO as preliminares e NEGO PROVIMENTO às apelações.
[...]" (grifos nossos)
Como visto, o Acórdão proferido na ação que pretende a anulação da sentença arbitral parcial (referente aos Procedimentos Arbitrais CAM 85/17 e CAM 97/17) rechaçou todas as alegações do Réu da presente ação (formuladas em ambos os processos) e acatou a tese da União, tendo sido assentado que a União não está submetida ao procedimento arbitral instaurado pelo Réu com base na cláusula compromissória do art. 58 do Estatuto Social da PETROBRAS, em função:
a) da ausência de permissão legislativa específica;
b) de que na assembleia da Petrobras que aprovou o artigo 58 de seu Estatuto, a União Federal não foi representada por autoridade ou órgão competente para incluí-la como parte em procedimento arbitral;
c) de que não houve aceitação implícita da cláusula compromissória pela União;
d) de que o próprio parágrafo único do art. 58 expressamente excluiu a União como parte da cláusula compromissória seja em procedimento arbitral promovido por acionista em nome próprio seja em substituição processual da PETROBRAS;
e) de que a referida cláusula não alcança a responsabilização extracontratual por indicação de membros do corpo diretivo da empresa, tendo em vista que se trata de matéria fática não alcançada pela arbitragem que envolva a Administração Pública;
Assim sendo, tendo em vista que a decisão proferida em sede liminar encontra-se em consonância com o decidido pelo C. STJ nos Conflitos de Competência nºs 151.130/SP, 177436/DF e com o Acórdão do TRF/3ª Região proferido nos autos da ação anulatória nº 5024529-11.2020.4.03.6100, impõe-se a procedência da presente ação.
Posto isso, confirmando a tutela de urgência deferida no evento 45, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, na forma do art. 487, I, do CPC, para declarar a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a União Federal à cogente observância da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da PETROBRÁS.
Custas de lei.
Condeno o réu remanescente ao pagamento de honorários advocatícios nos percentuais mínimos dos incisos I a V do §3º, do art. 85 sobre o valor da causa devidamente atualizado, sucessivamente, na forma do §5º do mesmo artigo.
Intimem-se as partes para ciência e cumprimento da presente sentença, inclusive a Ré excluída, B3 S.A.
Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição.
Interposta apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao E. TRF/2ª Região.
Cinge-se a controvérsia em definir se deve ser declarada a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar o ente federal ao disposto na clausula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás.
Inicialmente convém mencionar que não prosperam as teses da recorrente acerca da nulidade da sentença. Isso porque não se vislumbra no caso a inadequação da via eleita anunciada pelo apelante. Nessa seara, o ordenamento jurídico permite que a Administração Pública questione previamente sua submissão ao juízo arbitral por meio de ação declaratória, evitando sua sujeição indevida ao procedimento arbitral sem previsão legal, quando se identifica cláusula compromissória com grau de vício que perdem a força vinculante, conforme entendimento do STJ (4ª Turma, AgInt no AgInt no REsp 1431391, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJE 24.04.2020; STJ, 3ª Turma, REsp 1602076/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJE 30.09.2016).
À vista disso, revela-se possível a atuação do Poder Judiciário quando houver necessidade de apreciação de questões anteriores e necessárias à instauração do juízo arbitral. Precedente: STJ, 4ª Turma, REsp 1.278.852/MG, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 19.06.2013.
No mesmo sentido, decidiu esta Turma Especializada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 5003237-61.2020.4.02.0000 ao pontuar que a discussão nos autos envolve a análise pretérita da própria existência da cláusula compromissória ante à suposta ausência de anuência do Ente, de forma que a subtração à Jurisdição estatal, embora seja excepcional, na hipótese sob apreço se revela imperativa.
Assim, transcreve-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. TUTELA DE URGÊNCIA. PROCEDIMENTO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. UNIÃO. PRECEDENTE STJ. PRINCÍPIO COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA. MATÉRIA EXCEDENTE. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR INDICAÇÃO DE ADMINISTRADORES DA PETROBRÁS. OPERAÇÃO LAVA-JATO. PROBABILIDADE DE DIREITO. PERICULUM IN MORA. IMPROVIMENTO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. Agravo de instrumento em face de decisão que deferiu parcialmente tutela de urgência para declarar a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a União à cogente observância da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás no bojo do Procedimento Arbitral n° 97/2017.
2. Alegação recursal de inaplicação de precedente do Superior Tribunal de Justiça usado como fundamento da decisão agravada (STJ, 2ª Seção, CC 151.130, Rel. p/acórdão Min. LUIZ SALOMÃO, Dje 10.2.2020) em razão da distinção dos objetos das pretensões; bem como de ausência de perigo de dano e risco ao resultado útil ao processo.
3. Embora o presente caso diga respeito a partes diferentes, especialmente em razão da modalidade de participação dos requerentes no presente caso (substitutos processuais da Petrobrás), observa-se que o objeto controvertido então resolvido pela 2ª Seção do STJ no CC 151.130 STJ assemelha-se ao do presente caso.
4. Cinge-se a presente controvérsia em perquirir (i) o juízo competente – se pode o juízo estatal pronunciar-se acerca de uma condição de existência, validade ou eficácia de cláusula compromissória, anteriormente a um juízo arbitral; e (ii) a possibilidade de haver submissão da União aos procedimentos arbitrais em razão do conteúdo da cláusula compromissória sob análise, notadamente aquela do art. 58 do Estatuo da Petrobrás. Trata-se de mesma matéria do CC 151.130 do STJ. Trechos do precedente.
5. Em regra, há condição de precedência da jurisdição arbitral, segundo a qual somente após a prolação de sentença arbitral poderão as partes impugnar sua validade, e dentro das hipóteses previstas nos incisos do art. 32 da Lei de Arbitragem – Lei nº 9307/96, devendo haver o ajuizamento de uma “ação de declaração de nulidade da sentença arbitral” (art. 33 da Lei 9.307/96).
6. Quanto às questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória “caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes” (art. 8º da Lei de Arbitragem). Eis que se deve observar o princípio kompetenz-kompentenz (art. 8º, § único da Lei n. 9.307/96), já consolidado na jurisprudência da Corte (STJ, 3ª Turma, REsp 1598220, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJE 01.07.2019; STJ, 3ª Turma, REsp 1550260/RS, DJE 20.03.2018; Corte Especial, SEC 854/EX 07.11.2013; STJ, 3ª Turma, REsp 1597658/SP, SJE 10.08.2017).
7. No entanto, configura exceção à observância do referido princípio o caso em que se identifica cláusula compromissória com tamanho grau de vício que perdem a força vinculante, a que a Corte chama de cláusula “patológica” (STJ, 4ª Turma, AgInt no AgInt no REsp 1431391, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJE 24.04.2020; STJ, 3ª Turma, REsp 1602076/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJE 30.09.2016).
8. Embora tal excepcionalidade ocorra, a priori, apenas nos compromissos arbitrais “em branco” (quando a cláusula se limita a afirmar que litígio entre as partes será resolvido por arbitragem), se possibilita a atuação do Poder Judiciário em outras hipóteses, como quando houver necessidade de apreciação de questões anteriores e necessárias à instauração do juízo arbitral. Precedente: STJ, 4ª Turma, REsp 1.278.852/MG, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 19.06.2013.
9. Considerando que a discussão envolve a análise pretérita da própria existência da cláusula compromissória ante à suposta ausência de anuência do Ente, a subtração à Jurisdição estatal seria medida excepcional, porém imperativa.
10. No caso paradigma, a matéria ultrapassara, no tocante à União, os atos societários, porquanto as suscitantes pretendiam a responsabilização solidária da União em virtude da escolha equivocada dos dirigentes da Petrobras. Cuidar-se-ia, portanto, de “uma pretensão estranha ao universo societário que, por conseguinte, deve ser deduzida perante o juízo federal comum (STJ, 2ª Seção, CC 151.130, Rel. p/acórdão Min. LUIZ SALOMÃO, Dje 10.2.2020).
11. No caso em apreço, cuida-se de pretensão semelhante. Busca-se o procedimento arbitral para aferir a responsabilidade da União pela realização de supostos atos na sua esfera de competência relativos à indicação de administradores da Petrobrás, imputando-lhe a responsabilidade pelos danos à Companhia. Trechos da sentença arbitral parcial.
12. Embora haja a diferença de os requerentes/demandado terem inaugurado o procedimento arbitral em face da União [acionista controladora] sob o fundamento do art. 246, §1º e arts. 116 e 117 da Lei nº 6404/76, note-se que se atribui à União a responsabilidade por supostos atos ilícitos deflagrados pela Operação Lava-Jato que, tal como se reconheceu no precedente do STJ, é estranha ao universo societário e que, por conseguinte, deve ser deduzida perante o juízo federal comum.
13. Presente a probabilidade de direito invocada, considerando a aplicação do precedente do CC 151.130 do STJ que reconhece a inaplicação de cláusula compromissória [art. 58 do Estatuto da Petrobrás] quando o objeto da pretensão do requerente [do procedimento arbitral] excede às hipóteses previstas da Lei de S.A., devendo ser mantida a tutela de urgência concedida na decisão agravada.
14. Perigo de dano. Não pode a União ser prejudicada, mantendo-se sujeita à cogente observância da cláusula compromissória somente em razão da demora na citação da parte ré desde o ajuizamento da ação em 19.12.2017 (o que não parece ser responsabilidade da União).
15. Com o prosseguimento do Procedimento Arbitral nº 97/2017, inclusive com prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de defesa da União, haverá movimentação da estrutura da administração da Advocacia Geral da União para atender a demanda arbitral que, a princípio, restará prejudicada em razão da procedência da pretensão autoral.
16. Por outro lado, a liminar deferida em favor da União Federal não representa risco de dano grave ou irreparável à agravante (periculum in mora inverso). A paralisação do Procedimento Arbitral decorrente da declaração da inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a UNIÃO à observância do art. 58 do Estatuo da Petrobrás, ao menos em sede de liminar, não importa risco a qualquer tipo de dispêndio ou prejuízo à parte contrária.
17. Com a manutenção da decisão agravada, em termos semelhante à decisão interlocutória proferida por esta relatoria para indeferir pedido de atribuição de efeito suspensivo (Evento 3 – DESPADEC1), afastadas as razões do agravo interno interposto.
18. Agravo de instrumento e agravo interno improvidos.
(TRF2, 5ª Turma Especializada, AI 5003237-61.2020.4.02.0000, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJF2R 11.1.2021) – grifo nosso.
De igual maneira, não merece guarida a alegação de que houve perda do objeto, tendo em vista que a demanda foi ajuizada objetivando a declaração de inexistência de relação jurídica apta a sujeitar o ente federal à cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobrás apenas em relação ao Procedimento Arbitral nº 97/2017, diferente do objeto de pedido de anulação.
Superadas tais alegações iniciais, passo ao exame da controvérsia.
Convém mencionar que a Lei nº 9.307/96, que trata da arbitragem, foi editada em atendimento ao chamado sistema Multiportas, que tem como premissa a ideia de que o Poder Judiciário não deve ser a única opção para a resolução de disputas. Nesse segmento, o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal assevera que o Código de Processo Civil tem se pautado pela primazia da resolução pacífica dos litígios, colocando em segundo plano a solução imposta unilateral e soberanamente pelo Estado-juiz. Desse modo, a nova legislação processual civil instrumentaliza a denominada Justiça Multiportas, incentivando a solução consensual dos conflitos, bem como outros instrumentos de resolução de conflitos.
Município, ao que respondeu informando o envio dos autos para “Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal – CCAF, para que seja realizada reunião prévia com os órgãos e entidades federais competentes para verificar o interesse e viabilidade na conciliação”. A essa simples providência processual, seguiu-se uma série de manifestações das partes, muitas vezes contraditórias, que devem ser devidamente apreciadas e cotejadas, para fins de saneamento do feito e análise da viabilidade de alcançar-se solução amigável à questão controvertida. Antes de proceder ao exame dos eventos processuais, saliento que atualmente não há mais dúvidas de que o ordenamento jurídico brasileiro optou pelo caminho do prestígio e da expansão das técnicas alternativas de solução e prevenção de conflitos. Há, no arranjo normativo encerrado no Código de Processo Civil, clara manifestação de preferência pela resolução pacífica dos litígios, colocando em segundo plano a solução imposta unilateral e soberanamente pelo Estado-juiz. Observa-se a implementação de sistema de Justiça multiportas pelo legislador nacional, com evidente inspiração nos programas do alternative dispute
(STF, Decisão Monocrática, MS 26853, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJE 16.12.2021) – grifo nosso.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATO ATENTATÓRIO DIGNIDADE DA JUSTIÇA. COMPARECIMENTO AUDIÊNCIA CONCILIAÇÃO. ADVOGADO PODERES TRANSIGIR.
1. Agravo de instrumento contra decisão que aplicou, multa por ato atentatório à dignidade da justiça prevista no art. 334, §8º do CPC, no valor de 1% do valor da causa.
[...]
7. A nova legislação processual civil instrumentaliza a denominada Justiça Multiportas, incentivando a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação. O Código de Processo Civil prescreve que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º. do CPC), recomendando que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução harmoniosa de conflitos sejam estimulados por Juízes, Advogados, Defensores Públicos e Membros do Ministério Público (art. 3º, § 3º do CPC), inclusive no curso do processo.
[...]
10. Agravo de instrumento provido.
(TRF2, 5ª Turma Especializada, AI 5016098-74.2023.4.02.0000, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJF2R 7.12.2023) – grifo nosso.
Sob esse prisma, urge mencionar que a arbitragem é uma espécie de heterocomposição de conflitos por meio do qual um terceiro imparcial, escolhido pelas partes, julga um litígio a que lhe é submetido. Tal procedimento é instituído por meio da convenção de arbitragem, que tem por espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, nos termos do que dispõe o art. 3º da Lei nº 9.307/1996.
Embora exista diferença entre o objeto dessas espécies de convenção de arbitragem, qual seja, enquanto o compromisso arbitral tem por objeto controvérsia concreta e atual, a cláusula compromissória tem por objeto demanda eventual, indeterminada e futura; a semelhança entre esses institutos consta dos seus objetivos, na medida em que visam, em regra, afastar a jurisdição estatal. Precedente: STJ, 3ª Turma, REsp 1.389.763, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 20.11.2013.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça- STJ, o estabelecimento da convenção de arbitragem produz dois efeitos, sendo “o primeiro, positivo, consistente na submissão das partes à via arbitral, para solver eventuais controvérsias advindas da relação contratual”, enquanto o segundo, “negativo, refere-se à subtração do Poder Judiciário em conhecer do conflito de interesses que as partes tenham reservado ao julgamento dos árbitros”. Precedente: STJ, 3ª Turma, REsp 1.569.422, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZE, DJe 20.5.2016.
No que concerne às matérias passíveis de transação, consideradas como direito patrimonial disponível, pela leitura do art. 1º da Lei nº 9.307/96, bem como pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, entende-se como direito disponível aquelas matérias sobre as quais as partes possam livremente transacionar. (STJ, 4ª Turma, REsp 1.331.100, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 22.2.2016).
O art. 33 e §1º da Lei nº 9.307/1996 preveem que a parte poderá pleitear ao Judiciário a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos expressamente previstos no art. 32, devendo essa demanda ser proposta no prazo de 90 dias, que será contado a partir do recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos.
A referida legislação, diante dos valores que o Estado deve tutelar, sobretudo o interesse público, consignou que em seu art. 1º, § 1º, que poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Além disso, o § 3º estabeleceu limitações ao uso de tal instrumento, destacando-se que a arbitragem envolvendo a Administração Pública somente poderia envolver controvérsia de direito e que deveria respeitar o princípio da publicidade. Veja:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015) (Vigência)
[...]
Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.
(grifo nosso).
Em regra, há condição de precedência da jurisdição arbitral, segundo a qual somente após a prolação de sentença arbitral poderão as partes impugnar sua validade, e dentro das hipóteses previstas nos incisos do art. 32 da Lei de Arbitragem – Lei nº 9307/96, devendo haver o ajuizamento de uma “ação de declaração de nulidade da sentença arbitral” (art. 33 da Lei nº 9.307/96).
Quanto às questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória “caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes” (art. 8º da Lei de Arbitragem). Eis que se deve observar o princípio kompetenz-kompentenz (art. 8º, § único da Lei n. 9.307/96), já consolidado na jurisprudência da Corte (STJ, 3ª Turma, REsp 1598220, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJE 01.07.2019; STJ, 3ª Turma, REsp 1550260/RS, DJE 20.03.2018; Corte Especial, SEC 854/EX 07.11.2013; STJ, 3ª Turma, REsp 1597658/SP, SJE 10.08.2017.
No entanto, configura exceção à observância do referido princípio o caso em que se identifica cláusula compromissória com tamanho grau de vício que perdem a força vinculante, a que a Corte chama de cláusula “patológica” (STJ, 4ª Turma, AgInt no AgInt no REsp 1431391, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJE 24.04.2020; STJ, 3ª Turma, REsp 1602076/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJE 30.09.2016).
Embora tal excepcionalidade ocorra, a priori, apenas nos compromissos arbitrais “em branco” (quando a cláusula se limita a afirmar que litígio entre as partes será resolvido por arbitragem), se possibilita a atuação do Poder Judiciário em outras hipóteses, como quando houver necessidade de apreciação de questões anteriores e necessárias à instauração do juízo arbitral. Precedente: STJ, 4ª Turma, REsp 1.278.852/MG, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 19.06.2013.
Portanto, segundo entendimento do STJ, cabe ao Poder Judiciário declarar a ilegalidade de cláusula compromissória em arbitragem nos casos em que é identificado um compromisso arbitral “patológico”, isto é, claramente ilegal:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL E DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CONTRATO DE FRANQUIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTATAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INVALIDADE. CONTRATO DE ADESÃO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96.
1. Ação ajuizada em 22/5/2017. Recurso especial interposto em 28/5/2018. Autos conclusos ao Gabinete em 11/2/2019.
2. O propósito recursal é definir se é válida a cláusula compromissória prevista no contrato de franquia entabulado entre as partes.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses dos recorrentes.
4. Segundo entendimento do STJ, cabe ao Poder Judiciário, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral 'patológico', i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula.
[...]
6. Hipótese concreta em que à cláusula compromissória integrante do pacto firmado entre as partes não foi conferido o devido destaque, em negrito, tal qual exige a norma em análise; tampouco houve aposição de assinatura ou de visto específico para ela.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(STJ, 3ª Turma, REsp 1803752/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJE 24.4.2020) – grifo nosso.
Outrossim, o STJ possui o entendimento de que em se tratando da Administração Pública, a própria manifestação de vontade do ente está condicionada ao princípio da legalidade, mediante interpretação restritiva, nos termos da cláusula. Confira-se:
[...] Na hipótese, houve o questionamento por parte da União justamente pela ausência de autorização legal e vagueza na própria cláusula compromissória inserta no Estatuto da Petrobras quanto aos termos de sua abrangência em relação a ela, daí por que entendo que a cláusula compromissória deve ser específica quanto aos limites de sua vinculação.
A discussão, portanto, é anterior à própria ideia de efetiva convenção entre as partes, somente a partir do que, de fato, convencionada a cláusula compromissória e instalado o Juízo arbitral, este passa ser o juiz da causa, inclusive para deliberar sobre sua própria competência (aplicação da regra da "competência-competência").
No caso, discute-se a ausência de autorização expressa por parte do ente federado, por meio da qual foi imposto à União, na hipótese, o procedimento arbitral, de maneira prévia, e, ainda, delimitado a determinados litígios.
Assim, em se tratando da Administração Pública, a própria manifestação de vontade do ente está condicionada ao princípio da legalidade, mediante interpretação restritiva, nos termos da cláusula.
(STJ, 2ª Seção, CC 151.130, Rel. p/acórdão Min. LUIZ SALOMÃO, Dje 10.2.2020) – grifo nosso.
No caso dos autos, o ente federal postula que seja declarada a inexistência de relação jurídica apta a sujeitá-lo à cogente observância da cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobrás ou, subsidiariamente, seja declarada a inexistência de relação jurídica apta a sujeitá-la à arbitragem instaurada no bojo do Procedimento Arbitral nº 97/2017.
Para tanto, afirma, em síntese, que não deve se submeter ao disposto na cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobrás, pois não está automática e incondicionalmente sujeita ao compromisso arbitral previsto no Estatuto da Petrobrás, na medida em que, à época de sua criação, o Regulamento Câmara De Arbitragem do Mercado era absolutamente inequívoco em condicionar a obrigatoriedade do juízo arbitral à previa assinatura de um Termo de Anuência (cuja eficácia, para a companhia, era também expressamente sujeita “a que os Administradores, Conselheiros Fiscais e Controladores firmem simultaneamente, em separado, um Termo de Anuência Individual” – item 5.2.1). Pontua que a questão relativa à competência para vincular a União, sobretudo quando se está a assumir grave e relevante compromisso perante a comunidade de investidores – nacional e estrangeira –, que, em síntese, importa em verdadeira renúncia à jurisdição estatal, deve igualmente conduzir ao reconhecimento de que, no caso, não foram preenchidos os pressupostos necessários para legitimamente sujeitar o ente federal ao compromisso arbitral previsto no art. 58, conforme disposto no art. 1º, § 2º, e art. 2º, § 1º, ambos da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem); art. 1º da Lei nº 9.469/97; e art. 109, § 3º da Lei das S.A.
O referido ente também ressalta que o art. 58 do Estatuto da Petrobrás não foi concebido para deslindar controvérsias entre acionistas, mas, conforme ficou demonstrado acima, apenas para solucionar os conflitos instaurados com a participação da Petrobras. Sustenta que o permissivo invocado para legitimar a iniciativa do recorrente (art. 246, § 1º, alínea “b” da Lei das S.A.) veicula uma típica hipótese de substituição processual (art. 18 do CPC), na qual os acionistas minoritários, conquanto extraordinariamente legitimados para defender os interesses da companhia, fazem-no na realidade em nome próprio, na condição de partes do litígio deflagrado. Portanto, está se diante de conflito instaurado entre acionistas da Petrobrás, ou seja, conflito que não está contemplado pela cláusula compromissória do art. 58 do Estatuto da companhia. Com relação à matéria controvertida no Procedimento Arbitral nº 97/2017 – responsabilidade civil do Estado com relação a danos apurados na “Operação Lava Jato” –, o escopo da arbitragem em tela manifestamente desborda do âmbito de aplicação da cláusula compromissória do Estatuto da Petrobrás, seja em razão do que expressamente dispõe (posto que a sua literalidade restringe-o ao campo da lei societária e do mercado de capitais), seja ainda por força do art. 2º, § 1º da Lei da Arbitragem (“A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade”).
Na hipótese sob exame, nota-se que a sentença proferida na origem deve ser mantida, na medida em que o art. 58 do Estatuto da Petrobras de fato menciona que as disputas relativas à companhia que se submetem a arbitragem devem observar as regras previstas na Câmara de Arbitragem do Mercado. Veja:
Art. 58 - Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem, obedecidas as regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste Estatuto Social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso.
(grifo nosso).
Na AGE de 22.3.2022, quando houve a incorporação de tal dispositivo ao Estatuto da Petrobrás, estava em vigor o Regulamento anterior da Câmara de Arbitragem do Mercado, cuja revogação ocorreu apenas em 2011. O mencionado regulamento previa, em seus itens, 5.1 e 5.2, que a obrigatoriedade de se submeter ao juízo arbitral estava condicionada à previa assinatura de um Termo de Anuência (cuja eficácia, para a companhia, era também expressamente sujeita “a que os Administradores, Conselheiros Fiscais e Controladores firmem simultaneamente, em separado, um Termo de Anuência Individual” – item 5.2.1).
Por oportuno, impõe-se transcrevê-las:
5.1 Obrigatoriedade do Regulamento. Ao anuir ao Regulamento, o Participante obriga-se a: i) submeter à Câmara Arbitral todos os conflitos que possam surgir entre os Participantes, decorrentes da aplicação das disposições contidas na Lei das S.A.s, nos Estatutos Sociais das Companhias, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários, nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes do Regulamento de Listagem do Novo Mercado, do Regulamento de Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa e dos Contratos firmados pelas Companhias listadas nos segmentos especiais de listagem da BOVESPA, com a estrita observância à legislação vigente; e ii) salvo estritamente nas hipóteses previstas neste Regulamento, não recorrer ao Poder Judiciário para solucionar conflitos que surjam entre os Participantes conforme a previsão do item 5.1(i).
5.1.1 A obrigação de que trata o item 5.1 acima implica: i) vinculação obrigatória à Cláusula Compromissória; e ii) a obrigação de firmar o Compromisso Arbitral.
5.2 Termo de Anuência. A anuência ao Regulamento ocorrerá pela assinatura do Termo de Anuência.
5.2.1 A eficácia do Termo de Anuência da Companhia está condicionada a que os Administradores, Conselheiros Fiscais e Controladores firmem simultaneamente, em separado, um Termo de Anuência individual. 5.2.2 O Investidor poderá, a qualquer momento, anuir ao presente Regulamento por meio de Termo de Anuência a ser firmado junto à Secretaria da Câmara Arbitral ou a uma Sociedade Corretora Membro da BOVESPA.”
(grifo nosso).
Da leitura do regulamento, extrai-se quem quando o art. 58 foi incorporado ao Estatuto da Petrobrás, em 22.3.2002, a condição de acionista não era pressuposto apto a sujeitá-lo a este compromisso, uma vez que o anterior Regulamento da Câmara De Arbitragem Do Mercado previa que a obrigatoriedade quanto ao procedimento arbitral decorria da anuência do Regulamento (item 5.1.i), que, por sua vez, era formalizada pela assinatura do Termo de Anuência (item 5.2), tanto por parte da companhia, como também individualmente por parte de cada um de seus administradores, conselheiros fiscais e controladores (item 5.2.1), o que não ocorreu no caso dos autos.
Tal situação pode ser ilustrada com fundamento na sentença proferida pelo MM. Juízo da 25ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, nos autos do processo nº 0020735-43.2015.4.03.6100, que envolvia discussão semelhante. No referido feito, foi proferida sentença que rechaçou a tese contra a União, ao pronunciar que o referido ente federal não deveria se submeter à arbitragem, pois, na ocasião em que a União adquiriu ações da Petrobras, a submissão à arbitragem pressupunha a subscrição de um termo de anuência pelo acionista, na forma da regulamentação da própria Câmara de Arbitragem do Mercado, de modo que, não tendo sido assinado no caso em apreço, não poderia compelir a União a se sujeitar à via arbitral. Confira-se:
Ocorre que, no caso concreto, o art. 58 do estatuto social da Petrobras prevê que a arbitragem deverá obedecer as regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado. E, nesse cenário, pelo que se depreende de textos constantes da rede mundial de computadores, o antigo regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado (revogado em 26/10/2011) determinava a assinatura de um termo de anuência para que o acionista pudesse ser vinculado à cláusula arbitral estatutária da companhia. Assim, quando o autor adquiriu ações da PETROBRAS a submissão à arbitragem, consoante regulamentação da própria Câmara de Arbitragem do Mercado, pressupunha a subscrição de um termo de anuência pelo acionista que, não tendo sido assinado no caso em apreço, não pode compelir o demandante a sujeitar sua pretensão à via arbitral.” (Processo nº 0020735-43.2015.4.03.6100, publicada no Diário Eletrônico do dia 07/04/2017)
(grifo nosso).
Consoante entendimento firmado no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, envolvendo discussão semelhante relativa à submissão da União à arbitragem que envolvia discussão acerca da indenização à acionistas minoritários da Petrobrás em razão de supostos prejuízos decorrentes da “Operação Lava Jato”, a cláusula compromissória do art. 58 do Estatuto Social da Petróleo Brasileiro S/A não alcança a União Federal, pois tal ente não pode se submeter a procedimentos arbitrais que dizem respeito à eventual responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo de empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato".
Outrossim, assentou-se no julgado que, à época, a Lei nº 9.307/1996 não permitia a submissão desse ente estatal a procedimentos arbitrais, de modo que se revelou coerente com a legislação então vigente, o parágrafo único desse artigo 58, o qual expressamente excluiu a União Federal como parte da cláusula compromissória (aspecto pessoal), além de não alcançar sua eventual responsabilização extracontratual por indicação de membros do corpo diretivo da empresa (aspecto material e fático).
A mencionada Corte Regional destacou, ainda, que a União Federal não aceitou implicitamente essa cláusula compromissória após a Lei nº 13.129/2015, mesmo porque a renúncia ao Poder Judiciário em favor de procedimentos arbitrais depende de livre e expressa manifestação de vontade das partes envolvidas.
Dessa maneira, insta trazer à colação o seguinte precedente:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. ARBITRAGEM. CONTROLE JUDICIAL . POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DE TURMA DA 1ª SEÇÃO DO TRF3. REUNIÃO DE PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE . PROCEDIMENTO ARBITRAL. ACIONISTAS MINORITÁRIOS DA PETROBRÁS. RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS. “OPERAÇÃO LAVA JATO” . CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ART. 58, DO ESTATUTO DA SOCIEDADE. IMPOSIÇÃO EM FACE DA UNIÃO FEDERAL . ACIONISTA CONTROLADORA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. TRANSCENDÊNCIA DA MATÉRIA OBJETO DA CLÁUSULA ARBITRAL . ACEITAÇÃO SUPERVENIENTE. NÃO COMPROVAÇÃO. NULIDADE. ART . 32, IV, DA LEI Nº 9.307/1996. DECISÃO PROFERIDA FORA DA CONVENÇÃO. CONFIGURAÇÃO . - Como todo e qualquer modelo de solução de litígios inserido no Estado de Direito, as atribuições de câmara arbitral e do árbitro não são absolutas, razão pela qual é possível que a parte ou terceiro prejudicado ingresse na via judicial se houver manifesta ou objetiva violação do sistema jurídico no curso do procedimento arbitral. O extraordinário controle judicial da interpretação arbitral, até mesmo quanto à extensão do compromisso arbitral, decorre da força normativa da Constituição sobre a qual se assenta a garantia fundamental do livre acesso à prestação jurisdicional, e também está previsto em diversos preceitos da própria Lei nº 9.307/1996 (dentre eles, art. 4º, § 2º, art . 20, §§ 1º e 2º, art. 33 e art. 37, VI) - Em vista do art. 10, § 1º, II, do Regimento Interno deste e .TRF, é certa a competência das Turmas da 1ª Seção para julgar casos como o presente. Embora exista ligação entre a ação anulatória nº 5024529-11-2020.4.03 .6100 (processada perante a 7ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, em face da qual ora são julgadas as presentes apelações) e ação declaratória nº 5009098-39.2017.4.03 .6100 (que tramitou na 22ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, e agora também está neste e.TRF), não há litispendência ou continência porque foram formulados pedidos distintos, continência, e nem razão para a reunião de recursos nesta e.Corte pois sequer as ações tramitaram em uma mesma Vara no primeiro grau de jurisdição. É dominante o entendimento jurisprudencial no sentido ser facultativa a reunião de processos por conexão ou para evitar decisões conflitantes, sendo inviável se um deles já foi sentenciado (art . 55, § 1º, e art. 930, ambos do CPC/2015, e Súmula 235/STJ). - Admitindo como certo que a Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras está submetida à válida cláusula compromissória prevista no artigo 58 de seu Estatuto Social, o cerne da lide diz respeito ao alcance dessa mesma cláusula para a inclusão da União Federal (como parte) em procedimentos arbitrais que dizem respeito à responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato". Nesta ação judicial, não há discussão se houve (ou não) descumprimento de deveres da União Federal como acionista controladora da Petrobras, pois o objeto litigioso deste feito é restrito à submissão (ou não) da União Federal como parte nos procedimentos arbitrais diante da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto Social dessa companhia . - As diferentes faces pelas quais o mesmo problema é visto (pretensão do acionista em nome próprio, como beneficiário direto da indenização pretendida, ou o pleito é formulado em substituição processual da Companhia, visando à reparação dos danos por parte da União em favor da Petrobrás), passam pelo mesmo ponto: a União Federal não está submetida ao procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás. Todos os argumentos apresentados pelas apelantes, em seus recursos, são refutados por essa conclusão, pelo que consta na legislação de regência e na ordem dos fatos. - A cláusula compromissória do artigo 58 do Estatuto Social da Petróleo Brasileiro S/A, Petrobrás não alcança a União Federal (como parte), que não pode ser submetida a procedimentos arbitrais que dizem respeito à eventual responsabilidade (como acionista controladora) por atos de gestão praticados por membros do corpo diretivo dessa empresa privada, apurados na "Operação Lava Jato": 1º) à época, a Lei nº 9 .307/1996 não permitia a submissão desse ente estatal a procedimentos arbitrais; 2º) coerente com a legislação então vigente, o parágrafo único desse artigo 58 expressamente excluiu a União Federal como parte da cláusula compromissória (aspecto pessoal), além de não alcançar sua eventual responsabilização extracontratual por indicação de membros do corpo diretivo da empresa (aspecto material e fático); 3º) a União Federal não aceitou implicitamente essa cláusula compromissória após a Lei nº 13.129/2015, mesmo porque a renúncia ao Poder Judiciário em favor de procedimentos arbitrais depende de livre e expressa manifestação de vontade das partes envolvidos - São nulas a decisão arbitral parcial (de 15/01/2020) e a decisão do pedido de esclarecimentos (de 05/08/2020), ambas da Câmara de Arbitragem do Mercado – CAM, constantes dos autos dos procedimentos arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017 (reunidos por conexão), porque foram proferidas fora dos limites da convenção de arbitragem, violando o art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996 - Em vários julgados, o e .STJ já afirmou a impossibilidade de vinculação da União a procedimento arbitral instaurado com base na cláusula compromissária prevista no art. 58, do Estatuto da Petrobrás, em razão da ausência de lei autorizativa (arbitrabilidade subjetiva) e, mesmo que existisse essa autorização, a abrangência da pretensão voltada à reparação de prejuízos decorrentes da desvalorização das ações da Companhia, por força de fatos revelados na "Operação Lava-Jato", transcenderia o objeto da cláusula compromissária, restrito que está ao universo societário (arbitrabilidade objetiva), impondo a sujeição da matéria ao juízo estatal - Preliminares rejeitadas e apelações desprovidas.
(TRF3, 2ª Turma, AC 5024529-11.2020 .4.03.6100, Rel. Des. JOSE CARLOS FRANCISCO, DJE 16.11.2023) – grifo nosso.
No mesmo sentido, é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ no sentido de que o ordenamento jurídico não autoriza a utilização e a extensão do procedimento arbitral à União na condição de acionista controladora da Petrobrás, seja em razão da ausência de lei autorizativa ou estatutária (arbitrabilidade subjetiva), seja em razão do conteúdo do pleito indenizatório que subjaz o presente conflito de competência na hipótese, o qual transcende o objeto indicado na cláusula compromissória em análise (arbitrabilidade objetiva). Veja:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ARBITRAGEM OU JURISDIÇÃO ESTATAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ART . 58 DO ESTATUTO SOCIAL DA PETROBRAS. SUBMISSÃO DA UNIÃO A PROCEDIMENTO ARBITRAL. IMPOSSIBILIDADE. DISCUSSÃO ACERCA DA PRÓPRIA CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA DA CLÁUSULA AO ENTE PÚBLICO . COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA JURISDIÇÃO ESTATAL. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL OU ESTATUTÁRIA. PLEITO INDENIZATÓRIO COM FUNDAMENTO NA DESVALORIZAÇÃO DAS AÇÕES POR IMPACTOS NEGATIVOS DA OPERAÇÃO "LAVA JATO". PRETENSÃO QUE TRANSCENDE AO OBJETO SOCIETÁRIO . 1.No atual estágio legislativo, não restam dúvidas acerca da possibilidade da adoção da arbitragem pela Administração Pública, direta e indireta, bem como da arbitrabilidade nas relações societárias, a teor das alterações promovidas pelas Leis nº 13.129/2015 e 10.303/2001. 2. A referida exegese, contudo, não autoriza a utilização e a extensão do procedimento arbitral à União na condição de acionista controladora da Petrobrás, seja em razão da ausência de lei autorizativa ou estatutária (arbitrabilidade subjetiva), seja em razão do conteúdo do pleito indenizatório que subjaz o presente conflito de competência na hipótese, o qual transcende o objeto indicado na cláusula compromissória em análise (arbitrabilidade objetiva). 3. Nos exatos termos da cláusula compromissória prevista no art . 58 do Estatuto da Petrobras, a adoção da arbitragem está restrita "às disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste Estatuto Social". 4. Em tal contexto, considerando a discussão prévia acerca da própria existência da cláusula compromissória em relação ao ente público - circunstância em que se evidencia inaplicável a regra da "competência-competência" - sobressai a competência exclusiva do Juízo estatal para o processamento e o julgamento de ações indenizatórias movidas por investidores acionistas da Petrobrás em face da União e da Companhia . 5. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo Federal suscitado.
(STJ, 2ª Seção, CC 151130 SP 2017/0043173-8, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJE 11.2.2020) – grifo nosso.
A leitura da jurisprudência acima citada afasta, portanto, a alegação do recorrente de que a sentença se baseou em premissas equivocadas quanto ao entendimento firmado pelas Cortes Superiores e demais instâncias ordinárias.
Deve-se destacar que a discussão sobre a submissão do ente federal à arbitragem no caso também encontra limitação na própria matéria discutida a partir da perspectiva da indisponibilidade do direito em debate, eis que a opção pelo uso da arbitragem revela compromisso de gravidade e importância, repercutindo na renúncia à jurisdição estatal em casos em que o Poder Constituinte reservou ao monopólio da União, conforme previsto no art. 177 da Constituição Federal.
Não se pode perder de vista que o Estado tem como escopo a garantia do interesse público, consubstanciado, em linhas gerais, por meio da tutela dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Por esse motivo, a Administração Pública está submetida aos princípios previstos no art. 37, caput, da CRFB/88, principalmente ao princípio da legalidade, pois não pode dispor livremente do interesse público constitucionalmente previsto.
Sob tal ótica, o poder público, diferente dos particulares, submete-se a uma série de procedimentos formais para suas manifestações e decisões, de forma que não se pode presumir sua aquiescência em tais casos, principalmente quando subsiste alto grau de interesse público envolvido na matéria discutida.
Dessa maneira, não prospera a tese de que o ente federal estaria agindo de forma contraditória, pois sua atuação deve buscar o interesse público. À vista disso, a disponibilização de tais direitos por meio de procedimento arbitral é o que, na realidade, poderia evidenciar uma incompatibilidade com a busca desses objetivos constitucionais.
Registre-se, ainda, que o art. 136-A foi incluído na Lei das S.A., por meio da Lei nº 13.129/2015, que introduziu, na Lei de Arbitragem, a previsão de que também a Administração Pública pode utilizar-se da arbitragem (art. 1º, § 2º da Lei nº 9.307/96). Além disso, a Lei nº 13.129/2015 ainda incorporou à Lei da Arbitragem dispositivo expresso segundo o qual “a autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.
Nota-se, portanto, que, ao tempo em que estabeleceu que “a aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quórum do art. 136, obriga a todos os acionistas” (art. 136-A da Lei das S.A.), a mesma Lei nº 13.129/2015 cuidou de apontar qual seria a autoridade com atribuição legal para vincular a Administração Pública à cláusula compromissória, qual seja: a mesma autoridade ou órgão com competência “para a realização de acordos ou transações” em nome da entidade representada (art. 1, § 2º da Lei de Arbitragem).
Logo, deve ser mantida a sentença que declarou a inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a União à arbitragem prevista no dispositivo em exame.
No que tange ao valor da causa, sublinhe-se que este deve corresponder ao conteúdo econômico do processo, ou seja, o proveito econômico que o autor espera obter com a ação. Em que pese a tese recursal acerca da falta de parâmetros para sua fixação, nota-se que o recorrente não comprovou qualquer ilegalidade no valor apontado pelo ente federal. Outrossim, a quantia fixada encontra-se em consonância com conteúdo econômico que permeia o debate em juízo.
Em conclusão, verifico que a sentença deve ser mantida.
No mais, conforme orientação da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, é devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo CPC; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; c) condenação em honorários advocatícios desde a origem, no feito em que interposto o recurso (STJ, 2ª Seção, AgInt nos EREsp 1539725, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJE 19.10.2017).
Na espécie, considerando a existência de condenação em honorários advocatícios na origem, estabelecida em 10% sobre o valor da causa, na forma do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, bem como o não provimento do recurso interposto, cabível a fixação de honorários recursais no montante de 1% (um por cento), que serão somados aos honorários advocatícios anteriormente arbitrados.
Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.