Quanto ao mérito do direito pleiteado, para a concessão de benefício assistencial, deve ser observado o que dispõe a Lei 8.742/93, precipuamente o que é estabelecido em seus artigos 2º e 4º, tudo em consonância com o art. 20 da mesma lei, de onde se extraem os requisitos para a sua concessão.
Possuindo caráter exclusivamente assistencial, o benefício de prestação continuada (BPC) previsto na Lei 8.742/93, é concedido pelo Estado, independentemente de contribuição, e tem como objetivo, garantir o atendimento às necessidades básicas do cidadão que não possui meios de prover o seu próprio sustento, nem pode contar com a ajuda de seus familiares.
Para a concessão do mesmo, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos:
1) ser portador de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003);
2) não possuir meios de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família (art. 203, V, CF), cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário-mínimo (art. 20, § 3º, da Lei n.º 8.742 de 07.12.1993).
Registre-se que a renda familiar superior à previsão legal de ¼ do salário-mínimo per capta não afasta a possibilidade de se provar, no caso concreto, a incapacidade da parte de prover sua manutenção ou de tê-la provida por sua família. Esse entendimento encontra esteio na jurisprudência do STF na Rcl. 4374 e nos RE nº 567.985 e 580.963.
No que diz respeito ao critério da deficiência, atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
A princípio, em demandas onde se pleiteia a implementação de benefícios desse tipo, é de fundamental importância a perícia médica e o estudo social, de modo a amparar a decisão do juízo.
No caso concreto, segundo exposto no Estudo Social, o autor, com a idade atual de 66 anos “vive só, em imóvel próprio, simples. Pelo observado na visita domiciliar, as condições habitacionais são razoavelmente satisfatórias. A moradia é dividida em quatro cômodos pequenos: uma cozinha, uma sala, um quarto e um banheiro, que são pouco ventilados, com baixa luminosidade, apresentando umidade/ infiltração. O mobiliário e eletrodomésticos existentes são básicos, tais como uma cama, fogão, mesa, televisão e geladeira. A cobertura da casa é de laje e o piso é revestido de cerâmica. É abastecida de energia elétrica e água encanada. Situa-se em um morro muito íngreme, o que dificulta a mobilidade do idoso para acesso aos serviços públicos essenciais, tais como Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e Secretaria Municipal de Saúde”. “Foi efetuada a inscrição do idoso no Cadastro Único do Governo Federal para Programas Sociais (Cad’Único) e a renda mensal é proveniente do benefício Auxílio Brasil, no valor de R$ 600,00.” “É acometido de baixa importante da visão em ambos os olhos, possuindo ausência de percepção luminosa no olho esquerdo e subvisão com o diagnóstico (CID 10 F H54), o que o enquadraria no conceito de Pessoa com Deficiência”. Antes de requerer o benefício, exerceu o “ofício de Vigilante, Auxiliar de Almoxarifado, Auxiliar de Serviços Médicos e Massagista. O último vínculo empregatício formal data de 1985.
Afirmou o idoso na entrevista social “possuir muitas dificuldades para suprir as despesas mensais com necessidades básicas, como luz elétrica, água, gás e a alimentação, considerando que a renda é proveniente de forma exclusiva do Auxílio – Brasil”.
Concluiu o Assistente Social que “considerando o contexto socioeconômico do Sr. Jurandir, sua situação de vulnerabilidade em razão da condição de pessoa idosa, sem nenhuma renda, com diagnóstico (CID 10 H54), que dificulta a inserção no mercado de trabalho, sugere – se, salvo melhor juízo, o deferimento do pedido postulado pelo mesmo, no intuito de que o BPC se traduza na garantia de sua dignidade”.
Já quanto ao estado de saúde do autor, consta nos autos (Documento juntado ao evento 11, PROCJUDIC1 - fl. 76, e não rechaçado pela autarquia), datado de que o autor já possuía, aos 64 anos, baixa importante da visão em ambos os olhos (Olho direito - 20/400 e olho esquerdo com ausência de percepção luminosa - CID 10 H54), o que o impossibilitava de exercer atividades profissionais. Concluindo o perito que o autor apresenta incapacidade total e temporária, deveria ser reavaliado em 02 anos a partir daquela data.
No presente caso de pedido de Benefício Assistencial, assim como, nas questões relacionadas aos benefícios por incapacidade permanente ou temporária, é importante lembrar que na análise de documentos, o Juízo não está adstrito ao conteúdo do laudo pericial, quando existem documentos de mesma qualidade, força e peso probatório, nos quais, experts da área médica em objeto, apontam em sentido contrário, ou até no mesmo sentido, assim como, das circunstâncias em que se encontra a parte autora, dentro da ponderação de cada prova na análise da concessão do benefício pleiteado.
Nesse sentido é que, da importância da análise da prova conjunta de todos os documentos apresentados, assim como, da conclusão dos profissionais que objetivamente atuaram e contribuíram ao exame da questão, conclui-se que o autor, já com 66 anos, com as doenças que possui, relacionadas ao avançar da idade, e a baixíssima expectativa de ser ofertante de mão de obra, não possui meios de prover o seu próprio sustento, nem pode contar com a ajuda de seus familiares, se enquadrando, portanto, como possuidor do direito pleiteado na inicial.
Quanto a data do início do benefício, o documento que demonstra a baixa acuidade visual do autor, datado de 25/08/2022, foi emitido posteriormente a data do requerimento administrativo, o que portanto, permite a fixação da DIB na data da citação, em analogia com a tese firmada no Tema 626 do STJ.
Quanto à correção das diferenças devidas, devem ser respeitados os critérios expressos no manual de cálculos da Justiça Federal, assim como, no que concerne aos critérios trazidos pela edição da Lei 11.960/2009, as orientações firmadas nos Temas 810 do STF e 905 do STJ, afastando-se a TR na correção monetária dos valores em atraso, substituindo-a pelo IPCA-E, por se tratar de benefício assistencial, até a edição da EC 113/2021, momento a partir do qual será utilizada a SELIC.
Honorários fixados em liquidação de sentença, na forma do art. 85, §§ 3º e 4º do CPC, a incidir sobre o total de diferenças devidas, respeitado o limite trazido pela Súmula 111 do STJ.
CONCLUSÃO
Voto no sentido de dar provimento ao recurso, de modo a determinar à autarquia que conceda o benefício assistencial ao autor, na forma supra.