Conheço da remessa necessária, porque presentes os pressupostos de admissibilidade.
Conforme relatado, trata-se de mandado de segurança impetrado em face do ILMO. DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RIO DE JANEIRO e do ILMO. DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM NITERÓI, objetivando a concessão da segurança para “desconstituir, integralmente, o crédito tributário relativo ao Processo Administrativo nº 10074.001592/2009-13, nos termos do artigo 156, inciso X do CTN.”.
Em sua inicial, a Impetrante narra os seguintes fatos:
A Impetrante é uma tradicional empresa do ramo marítimo que, no exercício regular de suas atividades, celebra Contratos de Afretamento de embarcações, comprometendo-se a ceder em aluguel embarcações para serem utilizadas no apoio às atividades desenvolvidas na Plataforma Continental Brasileira, em especial na exploração, no desenvolvimento e na produção de petróleo e de gás natural. 2
. Nesse contexto, a Impetrante, na condição de Empresa Brasileira de Navegação (“EBN”), pode ser responsável não apenas pela operação das embarcações objetos dos referidos contratos, como também pela execução dos respectivos processos de importação dessas embarcações e correspondentes bens/equipamentos acessórios.
3. Com efeito, após firmar contrato com a empresa DEVON ENERGY DO BRASIL LTDA. (“DEVON” - doc. 03), a Impetrante promoveu, em 31.01.2007, a importação da embarcação estrangeira "AHTS C-SPIRIT", ao amparo do Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens destinados às atividades de Pesquisa e Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural (REPETRO).
(...)
5. Na ocasião, foi registrada a Declaração de Importação (“DI”) nº 07/0137632-0 (doc. 05), tendo sido a referida embarcação, com base em laudo técnico (doc. 06), classificada na Nomenclatura Comum do Mercosul (“NCM”) sob o código n° 8904.00.00 (Rebocadores e barcos concebidos para empurrar outras embarcações).
6. Conforme esclarecido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (“SRFB”)1 , a NCM é uma nomenclatura regional para categorização de mercadorias adotada pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai desde 1995, sendo utilizada em todas as operações de comércio exterior dos países do Mercosul. Tem por base o “Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias”, criado para melhorar e facilitar o comércio internacional e o controle estatístico.
7. Processado o despacho de importação, promoveu-se o regular desembaraço aduaneiro, tendo a correspondente autoridade fiscal não apenas vistoriado a embarcação, como também verificado e chancelado a validade das informações e dos documentos apresentados.
Alega, ainda, que, em novembro de 2009, - portanto, quase 03 (três) anos após o desembaraço aduaneiro da embarcação - foi surpreendida pela lavratura do Auto de Infração (MPF) n. 0715400/00536/09 (doc. 07), relacionado ao Processo Administrativo n. 10074.001592/2009-13, por meio do qual se constituiu crédito tributário no valor histórico de R$ 211.464,00 (duzentos e onze mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais), supostamente devido a título de multa, sob a alegação de que a Impetrante teria classificado, incorretamente, a embarcação AHTS C-SPIRIT no código NCM 8904.00.00.
Ressalta que, "apesar de ter sido consignado no relatório de fiscalização anexo ao auto de infração (doc. 08), expressamente, que não houve qualquer prejuízo ao erário e ao controle aduaneiro, a D. Fiscalização concluiu pela aplicação da multa de 1% (um por cento) sobre o valor aduaneiro da embarcação AHTS C-SPIRIT, nos termos do artigo 84, inciso I da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, por entender que a referida embarcação deveria ter sido enquadrada no código NCM 8906.00.00 (Outras embarcações)."
Pois bem.
Inicialmente, as autoridades apontadas como coatoras, quais sejam DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RIO DE JANEIRO e DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM NITERÓI se manifestaram no Evento 21 tão somente pela sua ilegitimidade.
A Impetrante, no Evento 34, realizou o aditamento da inicial, requerendo o afastamento das alegações de ilegitimidade passiva ad causam do Ilmo. Delegado da Delegacia da Receita Federal do Brasil no Rio de Janeiro e do Ilmo. Delegado da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Niterói, bem como a a inclusão do Ilmo. Delegado da Delegacia de Fiscalização de Comércio Exterior da Receita Federal no Rio de Janeiro (DECEX-RJ).
No Evento 37, o magistrado determinou a inclusão do DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA RECEITA FEDERAL NO RIO DE JANEIRO (DECEX-RJ) no polo passivo.
No Evento 41, a DECEX/RJO informou que “não possui competência para gerir e executar as atividades relativas a cobrança e controle de créditos tributários, não tendo competência para suspender a exigibilidade do crédito tributário objeto da presente lide, como deseja a Impetrante em sua Petição Inicial, que está em processo de cobrança junto a Delegacia da Receita Federal do Brasil em Niterói, cuja autoridade detem tal competência.”
Ato contínuo, a Impetrante, no Evento 42, 46 e 52 reiterou os pedidos formulados em sua inicial.
No Evento 53, foi proferida sentença reconhecendo a legitimidade do DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RIO DE JANEIRO e DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM NITERÓI para figurarem no polo passivo da presente ação, bem como concedida a segurança conforme anteriormente relatado.
No mérito, verifica-se que a sentença concluiu que a multa de 1% sobre o valor da embarcação não foi imposta em razão de classificação incorreta realizada pelo contribuinte, mas por mudança da interpretação por parte da Autoridade alfandegária, revelando-se indevida, portanto, a sanção imposta à Impetrante.
Quanto ao enquadramento fiscal da embarcação como rebocador, a decisão assentou que a conclusão do Relatório de Fiscalização apresenta flagrante contradição à vista das descrições dos códigos 89.04 e 89.06, uma vez que, tanto o laudo quanto o contrato de afretamento descrevem que a embarcação exerce a função de reboque, prioritariamente, concluindo, contudo, que a embarcação é destinada principalmente ao manuseio de âncoras.
Nesse passo, acertadamente, o julgado concluiu pela aplicação do art. 112 do CTN, na medida em que "existe, de fato, a possibilidade de, não só o Impetrante mas também o Órgão aduaneiro, de ter incorrido em dúvida pela inexistência de uma classificação mais apropriada para a embarcação como a AHTS C-SPIRIT, fato que pode ter levado o Contribuinte a indicar, de boa-fé, o código relativo à função principal desempenhada pela embarcação do tipo AHTS (Anchor Handling Tug Supply Vessel), que, no caso, consiste no reboque de plataformas de petróleo, compatível com a posição 89.04 da NCM."
Sendo assim, a decisão objeto da presente remessa está de acordo com a jurisprudência desta Turma. A propósito:
“APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. CLASSIFICAÇÃO INCORRETA DE MERCADORIA IMPORTADA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 84, INCISO I, DA MP 2.158/01. EXISTÊNCIA DE DÚVIDA QUANTO AOS ATOS PRATICADOS PELO CONTRIBUINTE. ART. 112 DO CTN. INTERPRETAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA PUNITIVA DE FORMA MAIS FAVORÁVEL AO CONTRIBUINTE.
1. Trata-se de Remessa Necessária e de Recursos de Apelação interpostos pela UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL (fls. 205/211) e pela GALÁXIA MARÍTIMA LTDA. (fls. 212/222) em face de sentença (fls. 200/202) que julgou procedentes os pedidos, com fundamento no artigo 269, inciso I, do CPC/1973, para condenar a apelante a proceder ao cancelamento das multas aplicadas à autora no processo administrativo 10074.001991/2010-18, no valor R$1.472.386,25 (um milhão, quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e cinco centavos).
2. A hipótese é de ação ordinária proposta por GALÁXIA MARÍTIMA LTDA. em face da UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL, em que a parte autora alega, em resumo, que: (i) no período compreendido entre 2006 e 2010, realizou a importação, sob o regime do REPETRO, de 7 (sete) embarcações; (ii) ao registrar as operações de importação, classificou as embarcações no código 89.04 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que abrange os “Rebocadores e barcos concebidos para empurrar outras embarcações”; (iii) após a instauração de processo administrativo fiscal para apurar a ocorrência de possíveis irregularidades no registro de operações de importação, a RFB entendeu que os bens internados deveriam ter sido classificados na posição 89.06 (Outras embarcações, incluídos os navios de guerra e os barcos salva-vidas, exceto os barcos a remo), pois não teriam características próprias das embarcações destinadas às atividades de reboque e empurrador, razão pela qual aplicou multa de 1% (um por cento) sobre o valor aduaneiro de cada embarcação importada; (iv) a classificação indicada nas Declarações de Importação é a que melhor traduz as finalidades e destinações dos bens objeto das operações de importação; (v) as circunstâncias do caso concreto autorizam a aplicação do artigo 112 do Código Tributário Nacional, uma vez que haveria dúvida objetiva acerca da subsunção dos fatos à norma tributária sancionatória.
3. A questão posta nos autos está em saber se as embarcações importadas pela parte autora foram indevidamente classificadas no código 89.04 da Nomenclatura Comum do Mercosul (Rebocadores e barcos concebidos para empurrar outras embarcações), o que deu ensejo à aplicação da sanção pecuniária prevista no art. 84, I da MP 2.158/01 pela autoridade tributária, que impõe multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul, nas nomenclaturas complementares ou em outros detalhamentos instituídos para a identificação da mercadoria.
4. A posição 89.04 da NCM destina-se aos “Rebocadores e barcos concebidos para empurrar outras embarcações”. As Notas Explicativas do Sistema Harmonizado e da Nomenclatura do Sistema Harmonizado (NESH; XVII-8904-1) explicitam que esta classificação compreende, em primeiro lugar, os rebocadores, barcos especialmente concebidos para tração de outras unidades e que se diferenciam das outras embarcações pelo seu aspecto particular, seu casco reforçado de forma especial, suas possantes máquinas motoras e diversos equipamentos para movimentação e engate dos cabos, amarras etc.
5. Já a classificação 89.06 da NCM tem natureza residual, destinando-se às embarcações que não possam ser classificadas, de forma específica, nas posições 89.01 a 89.05, dentre as quais “As embarcações equipadas para pesquisa científica; os navios laboratórios; as fragatas meteorológicas”.
6. Como bem ressaltado pela fiscalização tributária, o contrato de afretamento do navio tem como objeto específico o serviço de “coleta de dados para monitoramento ambiental, costeio e oceânico, ao longo do litoral brasileiro”, cujo objetivo declarado é a “obtenção de dados oceanográficos químicos, físicos, geológicos e biológicos (...)”. Assim, não há qualquer dúvida de que a embarcação “R/V GYRE” não ostenta as características de rebocador e/ou empurrador, uma vez que não se trata de embarcação especialmente concebida para a tração de outras unidades, e sim de navio de pesquisa e monitoramento ambiental.
7. As demais embarcações internadas, do tipo AHTS (anchor handling, tug and supply vessel), têm a finalidade de rebocar (transporte de plataformas de petróleo para alto-mar), ancorar (fornecimento de âncora para manter as plataformas estáveis em alto-mar) e fornecer suprimento para as plataformas de petróleo do tipo "off-shore".
8. O fato de os navios do tipo AHTS consistirem em embarcações de apoio multiuso, eis que dotadas de capacidade de desempenhar múltiplas funções de apoio às atividades de exploração de petróleo em plataformas offshore, tais como de reboque de plataformas para alto-mar, manuseio de âncora e transporte de carga, pode ter suscitado dúvida razoável na parte autora quanto ao correto enquadramento do navio na NCM, por ocasião do preenchimento da declaração de importação.
9. Nessas circunstâncias, o artigo 112 do CTN autoriza a aplicação da lei tributária que define infrações ou comine penalidades da maneira mais favorável ao contribuinte nas situações em que houver dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato.
10. As normas do Código de Processo Civil de 2015 atinentes aos honorários sucumbenciais aplicam-se apenas aos processos cujas sentenças hajam sido proferidas a partir de 18/03/2016. No caso, considerando que a sentença foi proferida em 11 de junho de 2013, os honorários da sucumbência devem ser fixados em conformidade com as disposições do Código de Processo Civil de 1973.
11. Remessa necessária e apelação da União Federal parcialmente providos para julgar improcedentes os pedidos em relação à multa aplicada quanto à embarcação “R/V GYRE”. Apelação da parte autora parcialmente provida para majorar os honorários sucumbenciais. Sentença reformada em parte.”
(TRF2 - Apelação Cível nº 0002223-34.2012.4.02.5101 – Relator Des. Marcus Abraham – 3ª Turma Especializada – j. em 02/05/2019).
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa necessária.