Trata-se de agravo de instrumento interposto pela EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA, da decisão proferida pela 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no cumprimento de sentença nº 0010777-80.1997.4.02.5101, promovido por EUGENIA QUEIROZ DE OLIVEIRA GOMES, que rejeitou a pretensão de cômputo, sobre as 300 prestações contratadas, de juros e correção monetária referentes a todo o período de evolução do financiamento, com inclusão de juros sobre juros, e determinou ao perito judicial que se pronuncie sobre a alegação de que os valores das prestações pelo PES são superiores àqueles efetivamente pagos pela agravada, de modo que haveria saldo residual em favor da agravante.
Conheço o recurso, porque presentes seus pressupostos de admissibilidade.
Na origem, a agravada executa a sentença que declarou seu direito ao reajuste das prestações relativas ao contrato firmado junto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), consoante sua variação salarial, em obediência ao plano de equivalência salarial (PES) a que se submeteu, sem que tais reajustes sejam superiores percentualmente ao comprometimento da renda inicialmente pactuada (evento 405, OUT22, pp. 22-31).
Atualmente, a EMGEA encontra-se no polo passivo da execução, como sucessora da CEF.
Decisão proferida em 11/1/2022 determinou a realização de perícia (evento 496, DOC1).
Em 15/12/2022, o juízo singular definiu que o cálculo da variação salarial da agravada observe dados contidos em sua CTPS, relativamente ao período de 1983 a 1995 (evento 533, DOC1).
Em 2/10/2023, o perito judicial destacou que a planilha de evolução do financiamento, outrora juntada pela CEF, estava incompleta, e requereu a juntada da planilha atualizada (evento 570, PET1).
A EMGEA cumpriu a ordem (evento 576, PET1).
Em seguida, o perito judicial forneceu o laudo de evento 581, LAUDO1 c/c evento 581, LAUDO2, em que concluiu pela existência de montante em favor da agravada.
A agravada concordou (evento 586, PET1), mas a agravante dissentiu, conforme ponderações realizadas por contadores particulares (evento 593, PET1 e evento 593, OUT2).
O documento apresentado pela agravante foi considerado pelo perito judicial, que retificou em parte seus cálculos (evento 610, PET1 c/c evento 610, PET2).
Inconformada, a agravante impugnou os novos cálculos do perito, conforme ponderações dos contadores particulares (evento 618, CALC2), os quais alegam:
"(i) que a evolução do financiamento não observou a cláusula contratual que prevê um prazo de amortização de 300 prestações, mas considerou apenas 258 prestações, de modo que há saldo devedor a ser evoluído.
(ii) a impossibilidade de o perito judicial apontar a ocorrência de amortização negativa, porque o título executivo judicial não determinou o afastamento dos juros não pagos sobre o saldo devedor. Assim, os juros não pagos sobre o saldo devedor devem ser mantidos.
(iii) subsidiariamente, que a amortização negativa decorre da adoção de índices e periodicidade diferentes para reajuste das prestações e do saldo devedor e, conforme art. 15-A da Lei n° 4.380/64, com redação dada pela Lei n° 11.977/2009, é permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
(iv) que a diferença de pagamento que o laudo reconhece em favor da mutuária, na verdade, pertence ao agente financeiro, já que apurada a partir de pagamentos a menor realizados pela agravada.
(v) que os valores depositados pela mutuária são insuficientes para o pagamento de todas as parcelas em aberto e, diante da inadimplência, devem ser computados correção monetária, juros moratórios e juros remuneratórios conforme prevê o contrato e a legislação que rege a matéria."
Logo depois, sobreveio a decisão agravada, em que o juízo singular rejeitou a pretensão de cômputo, sobre as 300 prestações, de juros e correção monetária referentes a todo o período de evolução do financiamento, com inclusão de juros sobre juros, e determinou ao perito judicial que se pronuncie sobre a alegação de que os valores das prestações pelo PES são superiores àqueles efetivamente pagos pela agravada, de modo que haveria saldo residual em favor da agravante.
Com efeito, primeiramente, a perícia deve apurar o valor correto das prestações, em conformidade com o título executivo judicial, cujo teor determinou que os reajustes das prestações relativas ao mútuo contratado devem observar a variação salarial da agravada, em obediência ao PES a que ela se submeteu, e não podem ser superiores ao comprometimento da renda inicialmente pactuada.
Por força de decisão judicial, o cálculo da variação salarial da agravada deve observar dados contidos em sua CTPS, relativamente ao período de 1983 a 1995.
Em seguida, o perito deverá comparar o valor de cada parcela revisada com o valor efetivamente pago pela agravada, a fim de apurar possível crédito em favor da agravada ou da agravante.
Por fim, esse possível crédito deverá ser atualizado.
A respeito dos juros, no voto condutor do acórdão do REsp nº 1.124.552/RS, julgado em 3/12/2014, o Min. Luis Felipe Salomão explicou que, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), a Lei nº 4.380/1964, em sua redação original, não previa a possibilidade de cobrança de juros capitalizados. Essa permissão só surgiu com a edição da Lei nº 11.977/2009, que acrescentou o art. 15-A ao diploma de 1964.
Por isso, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, antes da vigência da Lei nº 11.977/2009, era vedada a cobrança de juros capitalizados em qualquer periodicidade nos contratos de mútuo celebrados no âmbito do SFH.
Esse posicionamento foi sufragado em sede de julgamento de recurso especial repetitivo, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973, nos seguintes termos:
"Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7" (REsp 1.070.297/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009)."
O contrato firmado pela agravada remonta a 1983 (evento 403, OUT20, pp. 20-26) e, portanto, antecede a Lei nº 11.977/2009. Além disso, a agravante não demonstrou que houve pactuação expressa de juros capitalizados.
Por isso, o argumento de ofensa à coisa julgada não se sustenta, já que baseado na tese de que o perito não pode desconsiderar a cobrança de juros sobre juros (juros capitalizados).
Consequentemente, não se pode admitir amortização negativa no contrato em exame, uma vez que esse fenômeno ocorre quando o valor da prestação não é suficiente para pagar a parcela mensal dos juros, os quais se acumulam com os juros do mês posterior e, assim, configuram capitalização de juros.
Portanto, está correta a parcela da decisão agravada cujo teor determina que, verificada a ocorrência de amortizações negativas, os juros não pagos devem ser apurados em conta apartada, apenas com a incidência de correção monetária, e, caso se apure crédito em favor da mutuária, o valor deve ser usado para abater os juros inadimplidos prioritariamente ao saldo principal, na forma do art. 993 do CC/1916 e art. 354 do CC/2002.
A tese de cerceamento de defesa também não se sustenta, pois as questões decididas pelo juízo singular configuram matéria de direito e, portanto, não era imprescindível ouvir o perito previamente.
Por outro lado, a decisão agravada já determina ao perito judicial que se pronuncie sobre a matéria fática controvertida, isto é, a alegação de que os valores das prestações pelo PES são superiores àqueles efetivamente pagos pela agravada, de modo que haveria saldo residual em favor da agravante.
E a análise do referido argumento pelo auxiliar da justiça poderá implicar no refazimento de cálculos de evolução do financiamento em 300 prestações. Isso porque os cálculos atuais só consideram 258 prestações em razão da conclusão da perícia de que, até a realização desse pagamento, via depósito judicial, a agravada já havia pagado valor superior ao efetivamente devido.
Em suma, os argumentos deduzidos no recurso são incapazes de infirmar as conclusões adotadas na decisão agravada, que deve ser mantida em sua integralidade.
Em face do exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.