Trata-se de recurso de apelação interposto por ALGAR TELECOM S.A. contra sentença que, nos autos do mandado de segurança impetrado em face de ato atribuído ao COORDENADOR-GERAL DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS DA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP, denegou a segurança.
A impetrante narra, em sua exordial, que teria sido instaurado processo sancionatório, por suposta falha na execução do Contrato de Prestação de Serviço de Telefonia nº 06/2021, que teria culminado na penalidade de multa, no valor de R$358,98 (trezentos e cinquenta e oito reais e noventa e oito centavos), e de proibição de licitar e contratar com a União pelo prazo de três meses.
Afirma que não teria dado causa à indisponibilidade do serviço de telefonia entre os dias 13/03/2023 e 21/03/2023, a qual teria sido ocasionada pelo pedido de portabilidade realizado pela nova contratada.
O juízo de primeiro grau, na sentença, fundamentou a denegação da segurança no entendimento de que teria havido inexecução parcial do objeto do contrato, eis que a impetrante, ora apelante, teria sido omissa em buscar meios para a correção da falha.
Em suas razões, a sociedade apelante sustenta que: a) haveria ausência de responsabilidade por fatos de terceiros; b) o contrato teria perdido a eficácia, em razão de caso fortuito, consistente na solicitação de portabilidade feita pela empresa 3 CORP, que a impediria de continuar a executar o contrato; c) o contrato teria sido rescindido, por força do artigo 78, XVII, da Lei nº 8.666/93; d) o contrato firmado com a empresa 3 CORP estabeleceria que seria dela a responsabilidade pela portabilidade; e) o artigo 9º, da Portaria 20/2021 da SUSEP, excluiria a aplicação da penalidade, por ocorrência de fato de terceiro; f) teria agido de forma célere e eficaz; e f) as razões de seu recurso administrativo não teriam sido analisadas pela SUSEP.
A SUSEP, em contrarrazões, pugna pela manutenção da sentença por seus próprios fundamentos.
O Ministério Público Federal manifestou-se por sua não intervenção no feito (Evento 5).
É o relatório. Peço inclusão em pauta.
Conheço do recurso de apelação, porque presentes os pressupostos legais de admissibilidade.
A questão em discussão consiste em verificar se deve ser mantida a multa no valor de R$358,98 (trezentos e cinquenta e oito reais e noventa e oito centavos), bem como a penalidade de proibição de licitar e contratar com a União pelo prazo de três meses, aplicada pela SUSEP contra a parte apelante, em razão de falha na execução do contrato.
As partes firmaram o Contrato de Prestação de Serviço de Telefonia de Discagem Direta Gratuita nº 06/2021. Da análise dos autos é possível verificar a paralisação do atendimento do serviço de 0800, durante o período de 13/03/2023 a 21/03/2023.
A sociedade apelante argumenta que a responsabilidade pela falha seria da sociedade 3CORP, nova contratada, que teria realizado o pedido de portabilidade e a impedido, por consequência, de continuar com a execução do contrato. Afirma que não poderia ser responsabilizada por caso fortuito e por ato de terceiros, suscitando a aplicação do artigo 9º, da Portaria 20/2021 da SUSEP.
Os elementos fático-probatórios, entretanto, indicam responsabilidade da parte apelante na omissão da resolução do problema. Nessa linha, é possível traçar uma retrospectiva dos principais eventos ocorridos a partir da constatação da falha no sistema:
- Em 14/03/2023, a SUSEP reporta à parte apelante a inoperância do sistema (evento 15, COMP6). No mesmo dia, a empresa contratada, ora apelante, responde ao e-mail, afasta a existência de falha no sistema 0800 e indica a necessidade de apuração junto à OI para a solução do problema (evento 15, COMP7);
- Com a persistência da falha, em 16/03/2023, a parte apelante solicita que a SUSEP aguarde um pouco mais e informa que agendaria a visita de um técnico (evento 15, COMP8);
- No dia 20/03/2023, há e-mail da SUSEP informando que a visita do técnico da ora apelante ainda não havia ocorrido (evento 15, COMP9). No mesmo dia, a SUSEP envia e-mail para a ouvidoria da contratada apelante, reforçando a urgência da visita técnica, bem como a dificuldade de contato com os números telefônicos indicados (evento 15, COMP36);
- Em 21/03/2023, a sociedade apelante indica para a SUSEP que a razão da falha teria sido a portabilidade requerida pela nova contratada (evento 15, COMP30) e o serviço volta a ficar operante (evento 15, COMP29);
- Foi enviada, então, em 24/04/2023 (evento 15, COMP43), notificação preliminar à sociedade apelante sobre as falhas apuradas. Apesar de efetivamente recebida em 27/04/2023 (evento 15, COMP46), não houve resposta à notificação;
- Diante da inércia da contratada, ora apelante, nova notificação preliminar foi enviada em 01/06/2023 (evento 15, COMP52), recebida em 06/06/2023 (evento 15, COMP53);
- Em 21/06/2023, a sociedade apelante responde às duas notificações prévias (evento 15, COMP72);
- A SUSEP notifica a apelante em 12/07/2023 (evento 15, COMP61), que apresenta sua defesa prévia em 21/07/2023 (evento 15, COMP65);
- Foi emitido, então, o Relatório de Instrução de Penalidade (evento 15, COMP77), sugerindo a aplicação de multa no valor de R$1.380,70 (mil trezentos e oitenta reais e setenta centavos), bem como a penalidade de impedimento do direito de licitar e contratar com a União pelo período de três meses;
- O Coordenador-Geral de Administração e Finanças realiza a dosimetria da pena e aplica as penalidades ora em discussão: multa no valor de R$358,98 (trezentos e cinquenta e oito reais e noventa e oito centavos) e impedimento do direito de licitar e contratar com a União pelo período de três meses (evento 15, COMP78);
- A SUSEP apresenta recurso administrativo (evento 15, COMP79), que, após despacho proferido no sentido da manutenção das penalidades (evento 1, ANEXO12), restou indeferido (evento 15, COMP80).
Verifica-se, portanto, que, desde o primeiro dia em que foi acionada pela SUSEP – 14/03/2023-, a parte apelante já tinha ciência da portabilidade pleiteada pela nova contratada, já que, conforme aduziu em sua defesa prévia, manifestou seu aceite em 08/03/2023. Confira-se:

No entanto, somente em 21/03/2023, 8 dias após aceitar a portabilidade, a sociedade apelante indicou para a SUSEP a razão da falha e o serviço voltou a ficar operante.
Houve, também, nítida dificuldade de contato por parte da SUSEP, que teve, inclusive, que enviar e-mail para a ouvidoria da contratada, em uma última tentativa de resolução do problema. Ademais, a contratada, apesar de instada, não enviou equipe técnica ao local.
Sobre a possibilidade de aplicar sanção à licitante que se omite na prestação da assistência técnica, vale observar o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. INADIMPLEMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO CONTRATADA. INEXECUÇÃO PARCIAL. MULTA CORRETAMENTE APLICADA. RESPALDO LEGAL E CONTRATUAL. BOA FÉ OBJETIVA. INAPLICABILIDADE DAS REGRAS CONSUMERISTAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA EXTINTIVA MANTIDA. 1. Apelação interposta pela NOVA DATA SISTEMAS E COMPUTADORES S/A questionando sentença que reconheceu o direito da ECT sob o fundamento de legalidade da aplicação da penalidade de multa decorrente de atrasos na prestação dos serviços de assistência técnica por parte da apelante no bojo do Contrato de nº 13.291/2005, celebrado em 04/02/2005. A multa no valor de R$ 614,00 foi aplicada em razão do atraso dos prazos de atendimento e solução dispostos no contrato. 2. O não atendimento dos prazos contratuais expressamente estabelecidos no subitem 14.5.2 (a mora na prestação da assistência técnica) significa a inequívoca ocorrência da inexecução parcial do contrato abrindo margem à aplicação das sanções elencadas no contrato (subitem 8.1.2.2, alínea "e"). 3. A Lei de nº 8.666/93, que traz as normas para contratos administrativos, vigente à época dos fatos e da prolação da sentença questionada, traz a possibilidade da sanção de multa para o caso da inexecução total ou parcial do contrato administrativo (art. 87, II). 4. Apesar de os contratos administrativos serem regidos pelas peculiares normas do Direito Público, é certo que deverá haver a aplicação supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos, dentre eles, o da boa-fé objetiva, numa perfeita miscigenação que leve a interpretação harmônica e sincrônica. A intenção das partes contratantes, por óbvio, foi garantir o cumprimento fiel de todos os prazos previstos na cláusula 14.5, que elenca prazos tanto para o atendimento da ordem de serviço quanto para a solução final dos problemas pela assistência contratada. 5. O valor da multa aplicada obedeceu aos limites estabelecidos em contrato de modo que não se vislumbra desarrazoabilidade ou desproporcionalidade na multa aplicada diante da comprovada inexecução parcial do objeto contratado. 6. Não há que falar em aplicação do percentual presente no artigo 52, §1º, do CDC, para redução da penalidade imposta em seu desfavor vez que afastada a incidência das normas consumeristas por não envolver relação de consumo. 7. Penalidade aplicada na via administrativa respaldada tanto legalmente quanto contratualmente. 8. Apelação desprovida. Sentença mantida na íntegra. Honorários advocatícios mantidos na forma em que fixados na sentença recorrida, pois proferida antes do CPC de 201.
(AC 0027831-96.2007.4.01.3400, JUIZ FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO, TRF1 - DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, PJe 26/11/2024 PAG.).
Resta evidente, desse modo, que a parte apelante se omitiu na correção do problema, não tendo agido de modo célere e eficaz, o que retardou a correção da falha e atraiu a incidência dos itens 16.4.1 e 16.4.4, do Termo de Referência:
“16. CONDUTAS DE INEXECUÇÃO DO CONTRATO
16.1 Esta seção enumera e classifica, em graus de gravidade, as ações, atrasos e omissões de responsabilidade da Contratada que configuram descumprimento contratual.
16.4 Ocorrências de inexecução Graves:
16.4.1 Omitir-se no reparo de falhas e/ou defeitos identificados;
16.4.4 Suspender ou interromper, salvo motivo de força maior ou caso fortuito, os serviços contratuais por dia e por unidade de atendimento;”
A demora injustificada em corrigir as falhas detectadas pela SUSEP na execução do objeto contratual configura conduta sancionável, sujeita às penalidades previstas no contrato. Cabe ressaltar, ademais, que a dosimetria da pena considerou as circunstâncias que contribuíram para a inexecução, a exemplo do pedido de portabilidade realizado pela nova contratada, reduzindo, de forma proporcional e razoável, o valor da multa anteriormente sugerido.
Dessa forma, resta inconteste que a parte apelante retardou a resolução do problema, incidindo nas infrações administrativas previstas contratualmente, não havendo que se falar em rescisão do contrato por ocorrência de caso fortuito impeditivo da execução do contrato ou de responsabilidade de terceiros.
Note-se, por fim, que não houve prejuízo ao direito de defesa da contratada, que teve oportunidade de se manifestar por diversos momentos durante o procedimento administrativo, tendo, inclusive, ficado inerte em uma oportunidade. Ademais, não merece acolhida a alegação da parte apelante no sentido de que suas razões recursais não teriam sido examinadas, eis que a decisão administrativa faz expressa menção ao despacho nº 1994/2023/CGFOP/DEATI/SUPERINTENDENTE/SUSEP (evento 1, ANEXO12), que analisou detidamente os argumentos suscitados.
Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação.