Inicialmente, deve-se observar que a r. sentença não é dotada de liquidez, implicando, assim, em uma obrigação de fazer para a União, o que legitima a aplicação da Súmula nº 61 do TRF2, verbis:
“Há remessa necessária nos casos de sentenças ilíquidas e condenatórias, de obrigação de fazer ou de não fazer, nos termos do artigo 496, inciso I e parágrafo 3º, do Código de Processo Civil de 2015”.
Assim, conheço da remessa necessária e da apelação, uma vez que seus requisitos de admissibilidade se encontram presentes.
A devolução cinge-se à análise do cabimento da condenação dos entes federativos ao fornecimento do medicamento RUXOLITINIBE 20mg (2 comprimidos/dia), conforme prescrição médica, de forma contínua, na quantidade, dosagem e pelo período em que seu médico assistente prescrevê-lo.
O art. 196 da Constituição da República assevera que a saúde é direito de todos e dever do Estado, competindo, na forma do art. 197, primordialmente ao Poder Público, a execução das ações e serviços que garantam ao cidadão, em última análise, o seu direito à vida.
O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde é de competência comum dos entes da federação, nos termos do art. 23, II, da Constituição.
Em maio de 2019, ao julgar os embargos de declaração opostos pela União contra o acórdão que havia estabelecido a redação original do Tema 793 de repercussão geral, no julgamento do RE 855178 (Rel. Min. Luiz Fux, julg: 05/03/2015), o STF alterou o paradigma até então vigente nas demandas por tratamentos de saúde ajuizadas em face dos entes públicos, que considerava uma solidariedade geral e irrestrita entre os entes federativos, permitindo direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro:
Tema 793 - Responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde.; Leading Case: RE 855178; Tese: Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Em relação aos medicamentos não incorporados ao SUS e não registrados na ANVISA, o STF fixou, ainda, as seguintes teses:
Tema 500/STF. Dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA. Leading Case: RE 657718
Tese:
1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
(i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
(iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.
Tema 1.161 / STF. Leading Case: RE 1165959;
Tese: Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS.
Da leitura do tema 500 do STF, que aborda especificamente medicamentos não incorporados e não registrados na ANVISA, se infere que é imprescindível, além dos demais requisitos, a demonstração da mora irrazoável da agência reguladora.
A judicialização da saúde no Brasil, contudo, passou por uma total reorganização de sua arquitetura com o julgamento dos temas nºs 6 e 1.234 pelo Supremo Tribunal Federal, novo marco paradigmático que consolidou diretrizes fundamentais para a conciliação do direito à saúde com os limites orçamentários e operacionais dos entes federativos, com a reestruturação de fluxos administrativos e a determinação de criação de uma plataforma nacional de medicamentos que irá centralizar informações, monitorar prescrições e prevenir fraudes, garantindo maior eficiência e transparência na gestão dos recursos públicos, auxiliando na promoção de uma governança mais colaborativa.
Em 2020, o STF negou provimento ao RE nº 566471, Recurso extraordinário em que o Estado do Rio Grande do Norte questionava decisão judicial que determinou o fornecimento de medicamento de alto custo não incorporado ao Sistema Único de Saúde – SUS, no qual as discussões evoluíram da abordagem inicial de medicamentos de alto custo para a análise da possibilidade de concessão judicial de medicamentos não incorporados ao SUS, deliberando por fixar a tese de repercussão geral posteriormente.
Iniciada a votação quanto à tese, foi formulado pedido de vista pelo Min. Gilmar Mendes e, em 2022, criada Comissão Especial, composta por entes federativos e entidades envolvidas, cujos debates resultaram em acordos sobre competência, custeio e ressarcimento em demandas envolvendo medicamentos não incorporados, entre outros temas, considerando as premissas de escassez de recursos e eficiência das políticas públicas; o potencial prejuízo da judicialização excessiva na organização, eficiência e sustentabilidade do SUS; a igualdade no acesso à saúde; e o respeito à expertise técnica e medicina baseada em evidências, com a publicação, no final de 2024, dos Temas 6 (RE nº 566471) e 1.234 (RE 1.366.243).
Confira-se:
Tema 6/STF
Tese de julgamento:
1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo.
2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:
(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item “4” do Tema 1.234 da repercussão geral;
(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e
(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.
3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente:
(a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo;
(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e
(c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.
Tema 1.234/STF
I. COMPETÊNCIA
1) Para fins de fixação de competência, as demandas relativas a medicamentos não incorporados na política pública do SUS, mas com registro na ANVISA, tramitarão perante a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo, com base no Preço Máximo de Venda do Governo (PMVG – situado na alíquota zero), divulgado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED - Lei 10.742/2003), for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos, na forma do art. 292 do CPC.
1.1) Existindo mais de um medicamento do mesmo princípio ativo e não sendo solicitado um fármaco específico, considera-se, para efeito de competência, aquele listado no menor valor na lista CMED (PMVG, situado na alíquota zero).
1.2) No caso de inexistir valor fixado na lista CMED, considera-se o valor do tratamento anual do medicamento solicitado na demanda, podendo o magistrado, em caso de impugnação pela parte requerida, solicitar auxílio à CMED, na forma do art. 7º da Lei 10.742/2003.
1.3) No caso de cumulação de pedidos, para fins de competência, será considerado apenas o valor do(s) medicamento(s) não incorporado(s) que deverá(ão) ser somado(s), independentemente da existência de cumulação alternativa de outros pedidos envolvendo obrigação de fazer, pagar ou de entregar coisa certa.
II. DEFINIÇÃO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS
2.1) Consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico.
2.1.1) Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na tese fixada no tema 500 da sistemática da repercussão geral, é mantida a competência da Justiça Federal em relação às ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, as quais deverão necessariamente ser propostas em face da União, observadas as especificidades já definidas no aludido tema.
III. CUSTEIO
3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias.
3.1) Figurando somente a União no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do Estado ou Município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela via acima indicada em caso de eventual custo financeiro ser arcado pelos referidos entes.
3.2) Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quoque e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor.
3.3) As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão.
3.3.1) O ressarcimento descrito no item 3.3 ocorrerá no percentual de 65% (sessenta e cinco por cento) dos desembolsos decorrentes de condenações oriundas de ações cujo valor da causa seja superior a 7 (sete) e inferior a 210 (duzentos e dez) salários mínimos, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias.
3.4) Para fins de ressarcimento interfederativo, quanto aos medicamentos para tratamento oncológico, as ações ajuizadas previamente a 10 de junho de 2024 serão ressarcidas pela União na proporção de 80% (oitenta por cento) do valor total pago por Estados e por Municípios, independentemente do trânsito em julgado da decisão, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. O ressarcimento para os casos posteriores a 10 de junho de 2024 deverá ser pactuado na CIT, no mesmo prazo.
IV. ANÁLISE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DE INDEFERIMENTO DE MEDICAMENTO PELO SUS
4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, §1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal.
4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS.
4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos.
4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS.
4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise.
V. PLATAFORMA NACIONAL 5) Os Entes Federativos, em governança colaborativa com o Poder Judiciário, implementarão uma plataforma nacional que centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco, de fácil consulta e informação pelo cidadão, na qual constarão dados básicos para possibilitar a análise e eventual resolução administrativa, além de posterior controle judicial.
5.1) A porta de ingresso à plataforma será via prescrições eletrônicas, devidamente certificadas, possibilitando o controle ético da prescrição posteriormente, mediante ofício do Ente Federativo ao respectivo conselho profissional.
5.2) A plataforma nacional visa a orientar todos os atores ligados ao sistema público de saúde, possibilitando a eficiência da análise pelo Poder Público e compartilhamento de informações com o Poder Judiciário, mediante a criação de fluxos de atendimento diferenciado, a depender de a solicitação estar ou não incluída na política pública de assistência farmacêutica do SUS e de acordo com os fluxos administrativos aprovados pelos próprios Entes Federativos em autocomposição.
5.3) A plataforma, entre outras medidas, deverá identificar quem é o responsável pelo custeio e fornecimento administrativo entre os Entes Federativos, com base nas responsabilidades e fluxos definidos em autocomposição entre todos os Entes Federativos, além de possibilitar o monitoramento dos pacientes beneficiários de decisões judiciais, com permissão de consulta virtual dos dados centralizados nacionalmente, pela simples consulta pelo CPF, nome de medicamento, CID, entre outros, com a observância da Lei Geral de Proteção da Dados e demais legislações quanto ao tratamento de dados pessoais sensíveis.
5.4) O serviço de saúde cujo profissional prescrever medicamento não incorporado ao SUS deverá assumir a responsabilidade contínua pelo acompanhamento clínico do paciente, apresentando, periodicamente, relatório atualizado do estado clínico do paciente, com informações detalhadas sobre o progresso do tratamento, incluindo melhorias, estabilizações ou deteriorações no estado de saúde do paciente, assim como qualquer mudança relevante no plano terapêutico.
VI. MEDICAMENTOS INCORPORADOS
6) Em relação aos medicamentos incorporados, conforme conceituação estabelecida no âmbito da Comissão Especial e constante do Anexo I, os Entes concordam em seguir o fluxo administrativo e judicial detalhado no Anexo I, inclusive em relação à competência judicial para apreciação das demandas e forma de ressarcimento entre os Entes, quando devido.
6.1) A(o) magistrada(o) deverá determinar o fornecimento em face de qual ente público deve prestá-lo (União, Estado, Distrito Federal ou Município), nas hipóteses previstas no próprio fluxo acordado pelos Entes Federativos, integrantes do presente acórdão.
VII. OUTRAS DETERMINAÇÕES
7.1) Os órgãos de coordenação nacional do MPF, da DPU e de outros órgãos técnicos de caráter nacional poderão apresentar pedido de análise de incorporação de medicamentos no âmbito do SUS, que ainda não tenham sido avaliados pela Conitec, respeitada a análise técnica dos órgãos envolvidos no procedimento administrativo usual para a incorporação, quando observada a existência de demandas reiteradas. 7.2) A previsão de prazo de revisão quanto aos termos dos acordos extrajudiciais depende da devida homologação pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, para que a alteração possa ser dotada de eficácia plena. Até que isso ocorra, todos os acordos permanecem existentes, válidos e eficazes.
7.3) Até que sobrevenha a implementação da plataforma, os juízes devem intimar a Administração Pública para justificar a negativa de fornecimento na seara administrativa, nos moldes do presente acordo e dos fluxos aprovados na Comissão Especial, de modo a viabilizar a análise da legalidade do ato de indeferimento.
7.4) Excepcionalmente, no prazo de até 1 (um) ano a contar da publicação da ata de julgamento – em caso de declinação da Justiça Estadual para a Federal (unicamente para os novos casos) e na hipótese de inocorrer atendimento pela DPU, seja pela inexistência de atuação institucional naquela Subseção Judiciária, seja por ultrapassar o limite de renda de atendimento pela DPU –, admite-se que a Defensoria Pública Estadual (DPE), que tenha ajuizado a demanda no foro estadual, permaneça patrocinando a parte autora no foro federal, em copatrocínio entre as Defensorias Públicas, até que a DPU se organize administrativamente e passe a defender, isoladamente, os interesses da(o) cidadã(o), aplicando-se supletivamente o disposto no art. 5º, § 5º, da Lei 7.347/1985.
7.5) Concessão de prazo de 90 dias à Ministra da Saúde, para editar o ato de que dispõem os itens 2.2. e 2.4 do acordo extrajudicial e adendo a este, respectivamente, ambos firmados na reunião da CIT, ressaltando que os pagamentos devem ser realizados no prazo máximo de 5 anos, a contar de cada requerimento, abarcando a possibilidade de novos requerimentos administrativos.
7.6) Comunicação: (i) à Anvisa, para que proceda ao cumprimento do item 7, o qual será objeto de acompanhamento por esta Corte na fase de implementação do julgado, além da criação e operacionalização da plataforma nacional de dispensação de medicamentos (item 5 e subitens do que foi aprovado na Comissão Especial), a cargo da equipe de TI do TRF da 4ª Região, repassando, após sua criação e fase de testes, ao Conselho Nacional de Justiça, que centralizará a governança em rede com os órgãos da CIT do SUS, conjuntamente com as demais instituições que envolvem a judicialização da saúde pública, em diálogo com a sociedade civil organizada; (ii) ao CNJ, para que tome ciência do presente julgado, operacionalizando-o como entender de direito, além de proceder à divulgação e fomento à atualização das magistradas e dos magistrados.
VIII. MODULAÇÃO DE EFEITOS TÃO SOMENTE QUANTO À COMPETÊNCIA: somente haverá alteração aos feitos que forem ajuizados após a publicação do resultado do julgamento de mérito no Diário de Justiça Eletrônico, afastando sua incidência sobre os processos em tramitação até o referido marco, sem possibilidade de suscitação de conflito negativo de competência a respeito dos processos anteriores ao referido marco. I
X. PROPOSTA DE SÚMULA VINCULANTE: “O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243)”.
A partir dos mencionados julgamentos, foram publicados os enunciados das súmulas vinculantes nºs 60 e 61 do STF, in verbis:
Súmula Vinculante n° 60: “O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais) devem observar os termos dos três acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral” (RE 1.366.243).
Súmula 61: “A concessão judicial de medicamento registrado na Anvisa, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471)” (g.n)
À luz das referidas teses, o fornecimento excepcional de medicamentos não incorporados dependerá da comprovação de que: i) houve negativa administrativa do fornecimento; ii) inexistem alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS; iii) o fármaco é imprescindível e com respaldo na medicina baseada em evidências de alto nível; iv) a omissão ou negativa da CONITEC não encontra justificativa legal; e v) o autor não possui condições financeiras de arcar com os custos.
No caso em comento, consoante o laudo médico anexado à inicial emitido em 2021pelo médico hematologista Dr André Sena Pereira (CRM-ES 4544, RQE 5407) em papel sem timbre, o apelado é paciente portador de policitemia verdadeira, cod. 45, há 11 anos, em uso de hidroxiruréia, evoluindo com esplenomegalia e fibrose na última biópsia de medula óssea, em evolução compatível com mielofibrose secundária a doença mieloproliferativa e indicação de ruxolitinibe (evento 1, p. 17, 1º grau).
De acordo com o documento acostado no evento 1, p. 30, 1º grau, o apelado, munido da referida receita, solicitou ao SUS o referido fármaco, que foi administrativamente indeferido.
No Parecer emitido pelo Núcleo de Assessoramento Técnico dos Magistrados – NAT (evento 1,fls. 36-53, 1º grau), foram feitas as seguintes considerações:
“(...) o Autor é portador de Mielofibrose (CID-10 C94.5), necessitando do medicamento RUXOLITINIBE 20 mg. 2. Às fls 17 consta laudo médico emitido em 07/04/21 pelo Dr. André Sena Pereira, em papel sem timbre, com as seguintes informações: paciente portador de policitemia verdadeira há 11 anos, em uso de hidroxiureia. Evoluiu com esplenomegalia e fibrose GII na última biópsia da medula óssea. Evolução compatível com mielofibrose secundária a doença mieloproliferativa. Indica uso de Ruxolitinibe (Jakavi®). 3. Consta prescrição do medicamento Ruxolitinibe (Jakavi®) emitida pelo médico supracitado, em papel sem timbre. 4. Consta indeferimento da SESA/GEAF/CEFT.
(...)
A mielofibrose (MF) tem como principal característica a fibrose medular, além de esplenomegalia, leucoeritroblatose, pancitopenia, hematopoese extramedular, aumento da densidade microvascular da medula e mobilização de células progenitoras hematopoiéticas. A mielofibrose mieloproliferativa pode apresentar-se como um transtorno novo (mielofibrose primária - MFP) ou evoluir secundariamente a partir de policitemia vera anterior, ou trombocitemia essencial (Pós- PVMF ou Pós- TEMF). 3. A mielofibrose primária é uma doença clonal originada da transformação neoplásica de célula hematopoética pluripotente (célula-tronco) acompanhada de alterações reacionais intensas do estroma medular com fibrose colagênica, osteosclerose e angiogênese.
(...)
Ruxolitinibe (Jakavi®): O medicamento Ruxolitinibe, trata-se de um antineoplásico, possui registro na ANVISA e em sua bula possui indicação para o tratamento de pacientes com mielofibrose de risco intermediário ou alto, incluindo mielofibrose primária, mielofibrose pós-policitemia vera ou mielofibrose póstrombocitemia essencial.
Os procedimentos quimioterápicos da tabela do SUS não referem medicamentos, mas. sim, indicações terapêuticas de tipos e situações tumorais especificadas em cada procedimento descritos e independentes de esquema terapêutico utilizado, cabendo reforçar ainda que a responsabilidade pela padronização dos medicamentos é dos estabeleci46 Poder Judiciário Estado do Espírito Santo Núcleo de Assessoramento Técnico - NAT mentos habilitados em Oncologia e a prescrição, prerrogativa do médico assistente do paciente, conforme conduta adotada naquela instituição, cabendo ao CACON/UNACON a gestão dos seus recursos no sentido de disponibilizar o tratamento necessário ao paciente.
5. No presente caso, não é possível concluir de forma clara que a paciente esteja sendo acompanhada em um CACON/UNACON, pois os documentos de origem médica (como laudo e receita) que solicitam o medicamento Ruxоlitinibe (Jakavi®) foram emitidos em papel sem timbre. 6. 7. 8. Infere-se que, devido a baixa incidência da doença que acomete o paciente e, por consequência, os estudos sobre as evidências dos tratamentos existentes serem limitados, não há um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para o tratamento da mielofibrose, não havendo nenhum substituto específico ao medicamento pleiteado, nas listas de medicamentos do SUS. Todavia, em termos de terapêutica, a única opção curativa é o alotransplante de medula óssea, realizável, pela mortalidade associada, limitações de idade e necessidade de doador compatível, apenas numa minoria de doentes. As outras estratégias de tratamento da mielofibrose, que incluem agentes citoredutores, fatores de crescimento hematopoieticos, corticoides anabolizantes e agentes imunomoduladores, limitam-se a paliar os sintomas, com eficácia reduzida e toxicidade significativa, sem garantir melhoria de qualidade de vida nem aumento da sobrevida. No caso em tela, o médico assistente informa que o paciente é portador de policitemia verdadeira há 11 anos, em uso de hidroxiureia. Evoluiu com esplenomegalia e fibrose GII na última biópsia da medula óssea. Evolução compativel com mielofibrose secundária a doença mieloproliferativa. Indica uso de Ruxolitinibe (Jakavi®). 9. Os estudos disponíveis demonstram reduções prolongadas do tamanho do baço, sinal característico da mielofibrose, melhorando a qualidade de vida e aumentando a sobrevida dos pacientes, em comparação ao placebo ou a melhor terapia disponível (BAT, do inglês best available therapy). Esses estudos foram conduzidos pelo laboratório fabricante - estudos de Fase III, o COMFORT-I e o COMFORT-II, para tratamento da mielofibrose. 10. Outro estudo concluiu que em pacientes que apresentaram resposta inadequada ou efeitos adversos intoleráveis frente a hidroxiureia, o medicamento Ruxolitinibe foi superior a "standart therapy" no controle hematócrito, reduzindo o volume esplênico e sintomas associados. Todavia, os estudos disponíveis até o momento sobre a eficácia e segurança desse medicamento no tratamento da esplenomegalia ainda são escassos e limitados, sendo necessários mais estudos que comparem o ruxolitinibe com as opções terapêuticas disponíveis. 11. Os inibidores de JAK, nomeadamente o ruxolitinibe, têm sido bem-sucedidos no alívio dos sintomas e na redução da esplenomegalia, mas a mielossupressão relacionada à terapia levou ao desenvolvimento adicional de inibidores altamente seletivos. Além disso, o ruxolitinibe não parece afetar substancialmente o clone hematopoiético maligno, evidenciado pela falta de remissões moleculares, respostas histopatológicas da medula óssea e uma proporção de pacientes tratados que desenvolvem doença progressiva e transformação leucêmica ao receber terapia. Atualmente estão sendo exploradas outras estratégias farmacoterapêuticas na clínica. 12. O ruxolitinibe pode causar efeitos colaterais graves, incluindo diminuição da contagem de células sanguíneas e infeções. Recomenda-se o monitoramento do hemograma. A redução ou interrupção da dose pode ser exigida de pacientes com insuficiência hepática ou renal grave ou em pacientes que apresentem reações hematológicas adversas, tais como trombocitopenia, anemia e neutropenia.
Frente ao exposto e considerando que as opções de tratamento dessa doença, que é rara, são limitadas; considerando a expectativa de vida desses pacientes; considerando as evidências científicas mais robustas disponíveis, entende-se que a decisão para utilização do medicamento ora pleiteado para o caso em tela é de inteira responsabilidade do médico prescritor. 15. Considerando ainda que os documentos médicos juntados aos autos que solicitam o medicamento pleiteado foram emitidos em papel sem timbre, informamos que caso о paciente esteja sendo acompanhado em uma unidade credenciada como CACON/UNACON, e a prescrição do medicamento tenha sido realizada por profissional pertencente ao corpo clínico, cabe a essa instituição (CACON/UNACON), o fornecimento de todo o tratamento necessário.”
Posteriormente foi anexado novo laudo médico, emitido pelo mesmo profissional, com timbre do Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim (UNACON) e receituário médico do SUS (evento 1, fls. 58 e 56), atestando:
“Paciente é portador de doença mieloproliferativa crônica CID D47.1, há 11 anos, tendo iniciado o quadro com policitemia de série vermelha, e depois apresentado poliglobulia das três séries hematopoéticas.
É portador de mutação JAK 2, compatível com o diagnóstico.
Fez tratamento com hidroxiureia todos esses anos, evoluindo com volumosa esplenomegalia progressiva. Devido evolução clínica, foi feito nova biópsia de medula óssea, onde foi encontrado fibrose importante (mielofibrose secundária). Tal achado, além de sucessiva perda de eficácia da hidroxiuréia, e por ser um paciente jovem, há indicação da medicação ruxolitinibe (Javaki) para melhor controle da doença e redução do crescimento do baço (espienomegalia), o que, futuramente, comprometerá em muito a qualidade de vida do paciente e aumento de comorbidades.”
A análise do caso foi submetida ao Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde (evento 21, 1º grau), que apresentou as seguintes informações técnicas:
“Mielofibrose (MF) é uma doença clonal originada da transformação neoplásica de célula hematopoética pluripotente (célula-tronco) acompanhada de alterações reacionais intensas do estroma medular com fibrose colagênica, osteosclerose e angiogênese. A mielofibrose é um tipo de câncer que pertence ao grupo de “doenças mieloproliferativas crônicas”, podendo ser primária (sem causa conhecida) ou secundária a trombocitemia essencial (TE) ou a policitemia vera (PV).
(...)
Ruxolitinibe é indicado para o tratamento de pacientes com mielofibrose de risco intermediário ou alto, incluindo mielofibrose primária, mielofibrose pós-policitemia vera ou mielofibrose pós trombocitemia essencial. É indicado também para o tratamento de pacientes com policitemia vera que são intolerantes ou resistentes à hidroxiureia ou à terapia citorredutora de primeira linha. Nota Técnica 1091 (0032506229) SEI 00737.005484/2023-73 / pg. 3 O ruxolitinibe é um inibidor seletivo das Janus Quinases Associadas (JAKs) JAK1 e JAK2. Elas medem a sinalização de uma série de citocinas e fatores de crescimento que são importantes para a hematopoiese e função imune. A sinalização de JAK envolve o recrutamento de STATs (transdutores de sinais e ativadores da transcrição) para receptores da citocina. A desregulação da via JAK-STAT tem sido associada a vários cânceres e aumento da proliferação e sobrevida de células malignas.
(...)
Esse medicamento não pertence à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME e não faz parte de nenhum programa de medicamentos de Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde – SUS estruturado pelo Ministério da Saúde e, portanto, o Sistema não definiu que o mesmo seja financiado por meio de mecanismos regulares.
Concernente ao registro, informamos que de acordo com dados disponíveis na página eletrônica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, o medicamento Ruxolitinibe, objeto da presente Nota Técnica, encontra-se com o registro vigente.
As Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) em Oncologia são documentos baseados em evidência científica que visam nortear as melhores condutas na área da Oncologia. São resultados de consenso técnicocientífico e são formuladas dentro de rigorosos parâmetros de qualidade e precisão de indicação. Até o momento não foram elaboradas Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) para tratamento de Mielofibrose, no âmbito do SUS.”
Como destacado, o fármaco possui registro na ANVISA e não há lista padronizada de dispensação de medicamentos oncológicos no SUS, além de não haver, atualmente, um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PDCT) ou Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) no SUS para nortear o tratamento da patologia que acomete o apelado (mielofibrose).
Sob outro prisma, o apelado comprovou sua incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito, juntando recibo de entrega da declaração de ajuste anual do IRPF para comprovar seu rendimento tributável anual no montante de R$ 73.535,08, restando demonstrado que não possui condições de arcar com o custo com o custo mensal do medicamento estimado em R$45.001,47.
Por sua vez, a CONITEC, durante a 109ª Reunião Ordinária, realizada nos dias 8 e 9 de junho de 2022, recomendou por maioria simples a não incorporação do ruxolitinibe para tratamento de pacientes com mielofibrose, risco intermediário-2 ou alto, com plaquetas acima de 100.000/mm3, inelegíveis ao transplante de células-tronco hematopoéticas, no âmbito Nota Técnica 1091 (0032506229) SEI 00737.005484/2023-73 / pg. 4 do SUS, considerando o elevado custo do medicamento
Todavia, o parecer contrário à incorporação pela CONITEC levou em conta sobretudo o custo-efetivo do fármaco e, considerando a ausência de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para o tratamento da mielofibrose, se faz imperiosa a realização de perícia judicial, como apontado pela União em sua apelação, para que sejam esclarecidos pontos como a intolerância ao uso de hidroxiuréia, a existência de estudos comparados mais recentes em institutos internacionais sobre a doença, considerada rara, bem como outras questões que possam ser trazidas pelas partes.
Tal providência processual é absolutamente crucial, a fim de que se estabeleça a efetiva necessidade, utilidade e segurança do tratamento postulado, eis que, como reconhecido pela União, no caso de medicamentos oncológicos, inexiste padronização exclusiva de tratamentos pela CONITEC.
Dada a especificidade da matéria, de índole médica e farmacológica, a perícia, por profissional imparcial, da confiança do juízo, e submetida às regras do Código de Processo Civil, com respeito ao contraditório, é condição sine qua non para a análise do pleito.
Ante o exposto, voto no sentido de sentido dar provimento à remessa e à apelação da União para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para a realização de perícia judicial.