Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS (Evento 1, APELAÇÃO4), face à sentença (Evento 1, SENT3), que julgou procedentes os pedidos da parte autora, nos seguintes termos:
"DISPOSITIVO:
Pelo exposto, sem maiores delongas, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a CONCEDER o benefício de aposentadoria rural por idade a JOAQUIM ALVES SOBRINHO e, após o trânsito em julgado, pagar as quantias correspondentes ao benefício, retroativamente à data do requerimento administrativo (29/03/2021), até a prolação desta sentença, no prazo de 30 (trinta) dias do trânsito em julgado.
Às parcelas vencidas serão apliaplicados juros segundo o índice oficial de caderneta de poupança, desde o vencimento de cada parcela, e correção monetária segundo o índice do INPC, nos termos da Súmula nº 204 do STJ, devendo o pagamento de tais verbas ocorrer por meio de ofício requisitório (Precatório ou RPV).
Considerando tratar-se de sentença prolatada em prejuízo à Fazenda Pública, bem como que não se trata de sentença líquida, a definição dos honorários advocatícios somente se dará após liquidado o julgado, respeitando a definição do percentual previsto nos incisos I a V, do §3º, do art. 85 do CPC.
Sobrevindo aos autos o cálculo dos valores devidos pela condenação (Súmula 111, STJ), caso não ultrapasse a quantia de 200 (duzentos) salários-mínimos, fixo, desde já, os honorários em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, considerando o grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido de seu serviço, na forma do art. 85, §§ 2º e 3º do CPC.
Os cálculos deverão ser devidamente corrigidos na forma supra.
Publique-se. Registre-se e Intimem-se"
Diz que "a parte autora não juntou aos autos inicio de prova material suficiente para o reconhecimento do periodo reivindicado."
Afirma que "A parte autora possui sucessivos vinculos urbanos".
Alega que "Segundo o Oficio Circular nº 46/ DIRBEN/ INSS, deverá ser apresentado, no mínimo, um instrumento ratificador (base governamental ou documento) contemporâneo para cada período a ser analisado, observado o limite temporal correspondente a metade da carência. Assim sendo, deve ser apresentado pelo menos um documento contemporâneo a cada sete anos e meio de atividade rural que se pretenda comprovar."
Defende que "Não houve a demonstração dos requisitos necessários à concessão do benefício. Ademais, a prova exclusivamente testemunhal não é suficiente para comprovar o exercício de atividade rurícula para o fim de concessão de beneficio previdenciário, nos termos da Súmula 149/ STJ."
Conclui que "não provando o exercício da atividade rural, a parte autora não cumpre os requisitos para concessão do benefício vindicado."
Requer, ao final "seja inteiramente provido o presente recurso para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas do processo e da verba honorária, com fulcro no art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC."
Contrarrazões no evento Evento 1, CONTRAZAP5.
Despacho solicitanto a juntada da mídia referente a audiência de instrução e julgamento relativa ao processo nº 5001136-22.2022.8.08.0019, com depoimentos da parte autora e das testemunhas - Evento 5.
Juntada das mídias da AIJ - Evento 7.
Ministério Público Federal manifestou-se pela desnecessidade da intervenção ministerial (evento 11 dos autos da segunda instância).
É o relatório. Passo ao voto.
Trata-se de pedido de condenação do INSS a conceder o benefício de aposentadoria por idade de segurado especial rural, requerido junto ao INSS em 29/03/2021 e indeferido administrativamente.
A autarquia entendeu que o autor não teria direito a aposentadoria por idade de segurado especial rural, em razão de não comprovar o tempo de atividade rural exigido legalmente:

O autor nasceu em 02/11/1960 e a ação foi proposta em 31/10/2022.
A sentença apelada julgou procedente o pedido do autor, pois entendeu que o mesmo comprovou o desempenho da atividade rural, no período de carência exigido pela legislação, através de provas documentais e orais.
Visto isso, para o que interessa ao caso concreto o art. 48 da lei nº 8213/91 dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99).
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008).
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008).
§ 4o Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social" (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008).
Sendo assim, como a autor nasceu em 02/11/1960, completou 60 anos em 02/11/2020, pelo que, nos termos do art. 142 da lei nº 8.213/91 deve cumprir a carência de 180 meses.
O art. 143 da lei n.º 8.213/91, com redação alterada pela lei n.º 9.063/95, teria perdido vigência em razão do decurso do prazo nele previsto, pelo que só poderia ser aplicada aos casos concretos até a data limite de 25/07/2006.
A data limite de aplicação da norma referida (25/07/2006), foi excepcionada pela Medida Provisória n.º 312/2006, convertida na Lei n.º 11.368, de 09 de novembro de 2006, e posteriormente pela Medida Provisória n.º 410/2007, convertida na Lei n.º 11.718, de 20 de junho de 2008, que, se referindo ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, prorrogou, primeiro por 2 (dois) anos, e, após, até o dia 31 de dezembro de 2010, o prazo, privilegiando apenas o trabalhador rural empregado, excluindo, portanto, a incidência da referida norma sobre as demais espécies de trabalhadores rurais (autônomo e segurado especial).
Por isso, essa regra esgotou sua efetividade após 31/12/2010.
Ocorre, todavia, que, em se tratando de segurado especial enquadrado no art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, após o decurso do prazo fixado pelo regramento afeto à matéria, a pretensão deve ser analisada à luz do art. 39, I, do citado diploma legal, para fins de aposentadoria rural por idade, verbis:
“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido” (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013).
Eis a redação do inciso VII do art. 11 da Lei nº 8213/91:
"VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
(...)
§6º Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.
§7º O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença.
§8º Não descaracteriza a condição de segurado especial:
I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;
II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano;
III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar; e
IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo;
V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;
VI - a associação em cooperativa agropecuária; e
VII - a incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI sobre o produto das atividades desenvolvidas nos termos do § 12.
§9º Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:
I – benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social;
II – benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar instituído nos termos do inciso IV do § 8o deste artigo;
III - exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;
IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;
V – exercício de mandato de vereador do Município em que desenvolve a atividade rural ou de dirigente de cooperativa rural constituída, exclusivamente, por segurados especiais, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;
VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 8o deste artigo;
VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; e
VIII – atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social".
Como cediço, o posicionamento consolidado da Turma Nacional de Uniformização e também do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural, o tempo de exercício de atividade equivalente à carência deve ser aferido no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou à data do implemento da idade mínima.
No caso concreto, em novembro de 2020 ou março de 2021.
Leia-se, nesse sentido, a tese do Tema nº 642 da Corte Superior e Súmula nº 54 da Turma Nacional de Uniformização:
Tema 642 (tese) - "O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade".
Súmula 54 - "Para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural, o tempo de exercício de atividade equivalente à carência deve ser aferido no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou à data do implemento da idade mínima".
No caso concreto, disse a sentença:
Analisando atentamente a documentação carreada aos autos pelo Autor para comprovar o preenchimento dos requisitos previstos em lei, verifico a existência de suficiente início de prova material do exercício de labor rural, como se vê da(o): a) Certidão de Casamento, na qual consta profissão lavrador (id 19021678); b) Contrato de Trabalho pelo período de 02/05/2013 a 28/05/2013, no trabalhador rural safra (id 19021685); c) Certidões emitidas pela Superintendência Regional do Estado do Espírito Santo, na qual consta que o Autor é assentado no Projeto de Assentamento PA MIRAGEM e desenvolve atividades rurais (id 19021683); d) Cadastro de Agricultor Familiar e Espelho Unidade Familiar (id’s 19021688 e 19021692); e) Declaração de Aptidão aoPRONAF (id 19021699); f) Prontuário médico, na qual consta profissão lavrador (id 19021702); g) Depoimentos prestados em juízo por testemunhas que afirmaram conhecer o Requerente como trabalhador rural.
Deste modo, concluo que o Autor se desincumbiu do seu ônus de comprovar o desempenho da atividade rural, no período de carência exigido pela legislação, através de provas documentais e orais, preenchendo assim os requisitos necessários à concessão do benefício..
O INSS alega que o autor teve sucessivos vinculos exercendo atividade
O CNIS do autor assim demonstra:

O certo nestes autos é que o autor não estava exercendo atividade rural nos períodos de 03/01/2000 a 27/07/2000; de 01/03/2001 a 15/10/2003; 03/03/2008 a 05/11/2008, como demonstra o CNIS visto acima.
Tem-se, portanto, que analisar o período anterior a 03/01/2000, posterior a 05/011/2008 até a data do implemento etário ou até a data do requerimento administrativo do beneficio, bem como os períodos entre essas datas, nos quais não há vinculo urbano registrado no CNIS.
Tal possibilidade é admitida pela Turma Nacional de Uniformização em sua jurisprudência consolidada na Súmula 46:
O exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto.
Analisando as provas dos autos, o autor juntou ao processo, a fim de comprovar o exercício da atividade rural, os seguintes documentos:
- Certidão de Casamento, na qual consta profissão lavrador, data de 27/07/2006 - Evento 1 - INIC1 - fls.14
- Contrato de Trabalho firmado com Theodoro Antonio Zanotti pelo período de 02/05/2013 a 28/05/2013, como trabalhador rural safra - Evento 1 - INIC1 - fls. 18
- Certidões emitidas pela Superintendência Regional do Estado do Espírito Santo, na qual consta que o Autor é assentado no Projeto de Assentamento PA MIRAGEM e desenvolve atividades rurais em regime de economia familiar desde 26/10/2004, datadas de 27/07/2015, 11/11/2020, 23/03/2021, 21/09/2022.
- Cadastro de Agricultor Familiar e Espelho Unidade Familiar - Evento1 - INIC 1 - fls.23/26
- Declaração de Aptidão ao PRONAF, datada de 04/12/2020 - Evento1 - INIC 1 - fls.28
- Prontuário médico, na qual consta profissão lavrador.
Os autos indicam que o autor exerceu atividade rural por toda a vida, com exceção de curtos períodos de atividade urbana, como visto acima.
A prova oral produzida nos autos corrobora a prova material juntada pelo autor - Evento 7.
Portanto, entendo que a sentença deva ser mantida.
Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso. Passados em branco os prazos recursais, retornem os autos ao Juízo de origem. Intimem-se.