Conheço do recurso, uma vez que presentes os seus pressupostos de admissibilidade.
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por JOINT BILL REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS LTDA., visando à reforma da decisão que indeferiu tutela de urgência em mandado de segurança.
Na origem, trata-se de mandado de segurança ajuizado pela agravante contra o Instituto de Tecnologia em Fármacos – FARMANGUINHOS, visando à suspensão do pregão eletrônico nº 90025/24 por vício no critério de julgamento definido em edital. Alega a parte autora que o pregão, inicialmente pautado pelo critério de menor preço por item, foi alterado para menor preço por lote (grupos 1, 2 e 3) durante o andamento do certame, comprometendo a isonomia e a competitividade.
O juízo a quo indeferiu a tutela de urgência, considerando que o alegado vício no edital não comprometeu a regularidade do procedimento e que eventual suspensão do certame traria prejuízos ao interesse público pela urgência na aquisição dos insumos licitados.
Em sede recursal, além do vício quanto à mudança do critério de julgamento do edital, argumenta que "se o critério de julgamento fosse o menor preço por lote desde o início, teria apresentado melhor proposta, ao considerar aumento de itens e quantidades, permitindo maiores descontos a partir da venda em conjunto, de modo a reduzir o preço global". Quanto à urgência da tutela que determine a suspensão da licitação, aponta que esta se faz presente vez que a continuidade do procedimento licitatório redundaria na aceitação de possíveis propostas mais caras, gerando dano ao Erário. Afirma, por fim, a inexistência de dano reverso, considerando que a licitação não foi processada em regime de urgência e imediato.
Pois bem.
No caso em tela, a empresa agravante, JOINT BILL REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS LTDA., impetrou mandado de segurança contra o DIRETOR DO INSTITUTO DE TECNOLOGIA EM FÁRMACOS - FIOCRUZ - FUNDACAO OSWALDO CRUZ - RIO DE JANEIRO, alegando que houve alteração indevida no critério de julgamento do Pregão Eletrônico nº 90025/2024. O edital original estipulava o critério de menor preço por item, entretanto, durante a fase de lances, foi adotado o critério de menor preço por grupo/lote, impactando diretamente a concorrência e a formação das propostas pelos licitantes.
A impetrante sustenta que, caso soubesse da adoção do critério de menor preço por grupo/lote desde o início, poderia ter estruturado sua proposta de maneira mais vantajosa.
A impetrante interpôs recurso administrativo para sanar a ilegalidade, mas não obteve êxito, sendo compelida a recorrer ao Judiciário para buscar a anulação do certame ou, ao menos, a adequação ao critério originalmente estabelecido no edital.
Nos termos do art. 37, XXI, da Constituição Federal, é exigido que as contratações públicas sejam realizadas por meio de licitação que assegure igualdade de condições entre os concorrentes. O princípio da vinculação ao edital, positivado no art. 5º da Lei nº 14.133/2021, determina que a Administração deve seguir estritamente as regras previamente estabelecidas, garantindo previsibilidade e segurança jurídica aos licitantes.
Sobre o princípio da vinculação ao edital, vejamos os seguintes julgados:
"3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0051797-93.2024.8.17 .9000 AGRAVANTE: FUNDAÇÃO APOLÔNIO SALLES DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL (FADURPE) AGRAVADOS: COORDENADOR DA COMISSÃO DE SELEÇÃO - CPRH E OUTROS RELATOR: Des. ANTENOR CARDOSO SOARES JÚNIOR Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CHAMAMENTO PÚBLICO . DESCLASSIFICAÇÃO POR INTEMPESTIVIDADE NA ENTREGA DA DOCUMENTAÇÃO. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO.
I . CASO EM EXAME Agravo de Instrumento interposto pela Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional (FADURPE) contra decisão que indeferiu liminar no Mandado de Segurança nº 0090989-78.2024.8.17 .2001, a qual buscava suspender o Chamamento Público regido pelo Edital CPRH nº 01/2024, destinado à recuperação de áreas degradadas em unidades de conservação do semiárido pernambucano. A desclassificação da agravante decorreu da intempestividade na remessa da documentação exigida pelo edital.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir a legalidade da desclassificação da agravante do certame, em razão do não envio tempestivo da documentação obrigatória .
III. RAZÕES DE DECIDIR O princípio da vinculação ao edital, previsto no art. 3º da Lei nº 14.133/2021, impõe o cumprimento estrito das regras estabelecidas no instrumento convocatório, garantindo a isonomia e a legalidade do certame . A agravante não demonstrou prova inequívoca de que a falha no envio da documentação decorreu de problema técnico exclusivo da Administração Pública. Os registros indicam que os documentos foram recebidos apenas em 14/06/2024, fora do prazo estipulado no edital. A ausência de comprovação da tempestividade no envio dos documentos justifica a desclassificação da agravante, não configurando ilegalidade ou abuso de poder por parte da Administração Pública. A tutela antecipada requer a demonstração concomitante do fumus boni iuris e do periculum in mora, nos termos do art . 300 do CPC. No caso, não se verifica a plausibilidade do direito alegado, pois a desclassificação decorreu do descumprimento de regra expressa do edital. O alegado prejuízo institucional e financeiro da agravante não se sobrepõe à necessidade de preservação da legalidade e isonomia do certame, sendo inviável a concessão da liminar pleiteada.
IV . DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: O princípio da vinculação ao edital impõe o cumprimento das regras e prazos estabelecidos, sob pena de comprometimento da isonomia e da legalidade do certame. A desclassificação de participante por intempestividade no envio da documentação é medida legítima quando ausente prova inequívoca de falha exclusiva da Administração Pública. A concessão de tutela antecipada exige a presença concomitante do fumus boni iuris e do periculum in mora, não se configurando quando a parte requerente descumpre exigências editalícias expressas .
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, unanimemente, em negar provimento, na conformidade do voto do Relator, que devidamente revisto e rubricado, passa a integrar este julgado. Recife, data da assinatura digital. Antenor Cardoso Soares Júnior Desembargador
(TJ-PE - Agravo de Instrumento: 00517979320248179000, Relator.: ANTENOR CARDOSO SOARES JUNIOR, Data de Julgamento: 25/02/2025, Gabinete do Des. Antenor Cardoso Soares Júnior) (grifos nossos)
REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO PÚBLICA, MODALIDADE PREGÃO ELETRÔNICO. Ato coator consistente com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos que dita o procedimento licitatório a ser seguido pela Administração e licitantes desde a convocação até a homologação da proposta . Improcedência do pedido. Ausência de comprovação da ilegalidade do ato coator. Segurança denegada. Inconformismo . Procedimento licitatório que observou procedimento e princípios a quais a Administração Pública deve estar submetida, dentre eles o Princípio da Vinculação ao Edital, conforme Lei nº 8.666/1993 ou Lei nº 14.133/2021. Impetrante foi desclassificado por não atender a requisição durante Pregão Eletrônico, conforme ata da Sessão Pública . Sentença mantida. Remessa necessária não provida.
(TJ-SP - Remessa Necessária Cível: 10031803420248260400 Olímpia, Relator.: Camargo Pereira, Data de Julgamento: 21/02/2025, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 21/02/2025) (grifos nossos)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. ILEGALIDADES NO PROCESSO LICITATÓRIO. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO . OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO DEMONSTRADA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF . EDITAL DE LICITAÇÃO E CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ . AUSÊNCIA DE DOCUMENTO EXIGIDO PELA NORMA DISCIPLINADORA DO CERTAME. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. 1. Hipótese em que o Tribunal local consignou (fls . 893-894, e-STJ): "Note-se, tanto a Lei n.º 8.666/93 quanto o edital não determinam nova expedição de certidão. A exigência contida no edital visa validar a certidão apresentada, isto é, verificar a sua autenticidade e não a expedição de outro documento . (...) Outrossim, a Administração e os interessados em participar da concorrência pública têm o dever de respeitar o que ficou consignado no edital, nada lhe acrescentando ou excluindo. No caso em testilha, reitere-se, a Comissão Especial de Licitação da SABESP incluiu, posteriormente, documento que deveria ser juntado, como o foi, no envelope de documentos para habilitação e adotou expediente não contemplado no instrumento convocatório, em violação aos princípios que norteiam a licitação, como o da vinculação ao edital e ampla concorrência". 2. Não se conhece de Recurso Especial em relação à ofensa ao art . 535 do CPC/1973 quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF. 3. O STJ possui jurisprudência firme e consolidada de ser o edital a lei interna do concurso público, vinculando não apenas os candidatos, mas também a própria Administração, com regras dirigidas à observância do princípio da igualdade ( AgInt no RMS 50 .936/BA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 25.10 .2016). 5. Para contrariar o estatuído pelo Tribunal a quo, acatando os argumentos da parte recorrente, seria necessário examinar as regras contidas no edital, bem como o contexto fático-probatório dos autos, o que é impossível no Recurso Especial, ante os óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 do STJ. 6 . Nos termos do art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993, é facultado à comissão licitatória, em qualquer fase, promover diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta, sob pena de ofensa de ofensa ao princípio da vinculação ao edital. 7 . Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(STJ - REsp: 1717180 SP 2017/0285130-0, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 13/03/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/11/2018) (grifos nossos)
ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. PREGÃO. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL . REQUISITO DE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA NÃO CUMPRIDO. DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA DIFERENTE DA EXIGIDA. 1. A Corte de origem apreciou a demanda de modo suficiente, havendo se pronunciado acerca de todas as questões relevantes . É cediço que, quando o Tribunal a quo se pronuncia de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, não cabe falar em ofensa ao referidos dispositivos legais. Saliente-se, ademais, que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, como de fato ocorreu na hipótese dos autos. 2. O Tribunal de origem entendeu de forma escorreita pela ausência de cumprimento do requisito editalício . Sabe-se que o procedimento licitatório é resguardado pelo princípio da vinculação ao edital; esta exigência é expressa no art. 41 da Lei n. 8.666/93 . Tal artigo veda à Administração o descumprimento das normas contidas no edital. Sendo assim, se o edital prevê, conforme explicitado no acórdão recorrido (fl. 264), "a cópia autenticada da publicação no Diário Oficial da União do registro do alimento emitido pela Anvisa", este deve ser o documento apresentado para que o concorrente supra o requisito relativo à qualificação técnica. Seguindo tal raciocínio, se a empresa apresenta outra documentação - protocolo de pedido de renovação de registro - que não a requerida, não supre a exigência do edital . 3. Aceitar documentação para suprir determinado requisito, que não foi a solicitada, é privilegiar um concorrente em detrimento de outros, o que feriria o princípio da igualdade entre os licitantes. 4. Recurso especial não provido .
(STJ - REsp: 1178657 MG 2009/0125604-6, Relator.: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 21/09/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/10/2010) (grifos nossos)
A modificação do critério de julgamento após a apresentação das propostas configura ofensa ao princípio da publicidade (art. 37, caput, da CF) e ao dever de transparência dos procedimentos administrativos. O art. 55, § 1º, da Lei nº 14.133/2021 é claro ao exigir que qualquer alteração no edital que comprometa a formulação das propostas deve ser amplamente divulgada, com a reabertura dos prazos para apresentação de lances.
A Administração Pública deve respeitar fielmente os termos do edital, sendo vedadas alterações unilaterais que prejudiquem a competitividade ou violem o tratamento isonômico entre os licitantes. A alteração substancial dos critérios de julgamento, sem a devida reabertura dos prazos, configura violação aos princípios da legalidade e da segurança jurídica.
No caso concreto, a agravante formulou sua proposta considerando o critério estabelecido no edital (menor preço por item) e foi surpreendida com a adoção de um critério diverso (menor preço por grupo/lote) durante a fase de lances. Tal mudança impactou sua estratégia comercial e competitividade, pois, caso tivesse ciência do novo critério desde o início, poderia ter apresentado valores diferenciados e concedido maiores descontos na venda conjunta dos itens, otimizando sua posição no certame.
Essa alteração sem previsão no edital viola expressamente o art. 25 da Lei nº 14.133/2021, que exige a previsibilidade e a coerência nos critérios de julgamento para garantir a isonomia entre os licitantes.
Por outro lado, nos termos do art. 300 do CPC/2015, a concessão da tutela de urgência requer a presença da probabilidade do direito e do perigo de dano irreparável. No presente caso, a probabilidade do direito decorre da ilegalidade manifesta na alteração do critério de julgamento, enquanto o risco de dano irreparável se configura pela iminência da adjudicação do contrato, tornando impossível a correção da ilegalidade sem graves prejuízos à Administração e aos licitantes prejudicados.
Ademais, a continuidade da licitação sob um critério alterado pode resultar na contratação por valores superiores aos que poderiam ser obtidos caso o critério de julgamento fosse mantido desde o início, configurando possível lesão ao erário. O interesse público, neste contexto, não está apenas na celeridade da aquisição, mas também na garantia da legalidade e na obtenção da proposta mais vantajosa, conforme previsto no art. 11, I, da Lei nº 14.133/2021.
Portanto, ao menos em sede de cognição sumária, a alteração do critério de julgamento não configura mera irregularidade sanável pelo princípio do formalismo moderado. O "erro material" do edital teve impacto substancial na formulação das propostas, comprometendo a isonomia e a competição leal entre os licitantes.
Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento, reformando a decisão agravada para deferir a suspensão do Pregão Eletrônico nº 90025/2024, promovido pela FIOCRUZ, até a apreciação final do mandado de segurança originário, garantindo a legalidade do certame e a segurança jurídica dos licitantes.