Documento:20002228191
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000768-76.2024.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA APARECIDA DOS SANTOS MARTINS

EMENTA

Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. CONTRIBUIÇÕES COMO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL EM PERÍODO EXÍGUO. ATIVIDADE URBANA DESCONTÍNUA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO. RECONHECIMENTO DO DIREITO AO BENEFÍCIO. APELAÇÃO desprovida.

I. CASO EM EXAME

1. Apelação interposta pelo INSS contra sentença que reconheceu o direito da parte autora à aposentadoria por idade rural, com fundamento no cumprimento dos requisitos etário e de tempo de atividade rural exigidos pela legislação previdenciária. 

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se a parte autora comprovou o exercício da atividade rural pelo período correspondente à carência exigida para a concessão da aposentadoria por idade rural; e (ii) definir se os recolhimentos previdenciários como contribuinte individual e o exercício de atividades urbanas esporádicas descaracterizam a condição de segurado especial.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. O exercício da atividade rural pode ser comprovado mediante início de prova material, complementado por prova testemunhal idônea, conforme entendimento consolidado na jurisprudência. No caso, a parte autora apresentou documentos que indicam sua vinculação ao meio rural, como carteira de sindicato, Declaração de Aptidão ao PRONAF, ficha de atendimento no SUS e documentos de propriedade rural, corroborados por depoimentos testemunhais consistentes.

4. O reconhecimento de períodos de contribuição como contribuinte individual não afasta automaticamente a condição de segurado especial, pois a legislação previdenciária não impõe essa restrição. Trata-se de situação comum entre trabalhadores rurais, em razão da sazonalidade da atividade.

5. A realização de atividades urbanas de forma descontínua não descaracteriza a qualidade de segurado especial, sendo necessário demonstrar um afastamento prolongado e definitivo do meio rural para que ocorra a perda dessa condição.

6. O Manual de Cálculos da Justiça Federal deve ser observado para a aplicação da correção monetária e dos juros de mora, utilizando-se o INPC até a vigência da EC 113/2021 e, a partir de então, a taxa Selic, conforme previsto na legislação.

7. O INSS não goza de isenção de custas no Estado do Espírito Santo, conforme Lei Estadual nº 9.974/2013, que revogou a isenção anteriormente concedida pela Lei nº 9.900/2012.

8. Diante da sucumbência recursal do INSS, aplica-se o art. 85, §11, do CPC, majorando-se os honorários advocatícios em 1% sobre o valor anteriormente fixado.

IV. DISPOSITIVO E TESE

9. Apelação desprovida.

Tese de julgamento:

1. O segurado especial pode comprovar o exercício da atividade rural mediante início de prova material, corroborado por prova testemunhal idônea.

2. O recolhimento de contribuições como contribuinte individual em período exíguo não descaracteriza a condição de segurado especial.

3. O exercício de atividade urbana de forma descontínua não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial, salvo demonstração de afastamento prolongado e definitivo do meio rural.

Dispositivos relevantes citados: Lei 8.213/91, arts. 11, VII, 48, §1º, 49, II e 142; CPC/2015, arts. 497, 536 e 537; EC 113/2021; Lei Estadual nº 9.974/2013 (ES).

Jurisprudência relevante citada: TRF4, AC 5023188-26.2021.4.04.9999, Rel. Des. Federal Oscar Valente Cardoso, julgado em 09/02/2022; TRF4, AC 5010598-17.2021.4.04.9999, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 18/02/2022; TRF4, AC 5023287-30.2020.4.04.9999, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 08/10/2021.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, retificar a sentença para determinar a adoção do Manual de Cálculos da Justiça Federal quanto à correção monetária e os juros de mora, bem como condenar o INSS ao pagamento de custas, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 18 de março de 2025.



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002228191v3 e do código CRC 718c7c85.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALFREDO HILARIO DE SOUZA
Data e Hora: 31/03/2025, às 14:57:50

 


 


Documento:20002228190
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000768-76.2024.4.02.9999/ES

RELATOR: Desembargador Federal ALFREDO HILARIO DE SOUZA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EVA APARECIDA DOS SANTOS MARTINS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação do Instituto Nacional do Seguro Social contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Águia Branca/ES que julgou procedente o pedido formulado com o seguinte dispositivo (evento 1, SENT3):

Diante do exposto, JULGA-SE PROCEDENTE OS PLEITOS AUTORAIS promovidos nos autos nº 0000804-31.2019.8.08.0057, resolvendo-se o feito com julgamento de mérito, na forma do art. 487, I do CPC, a fim de:

A) CONDENAR a requerida a promover a concessão da aposentadoria por idade rural na qualidade de segurada especial em favor da autora E. A. D. S. M., na no valor total de 01 (um) salário-mínimo, conforme prevê a legislação;

B) CONCEDER a tutela antecipada e determinar que autarquia conceda aposentadoria à parte autora no prazo de 90 (noventa) dias, independentemente do trânsito em julgado desta sentença;

C) CONDENAR ao réu ao pagamento dos valores referentes ao benefício da parte autora desde data em que completou a idade necessária para concessão (15/10/2019), devidamente corrigidos pelo INPC (art. 41-A na Lei 8.213/91) e juros de mora segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Noutro giro, reconhece-se a falta de interesse de agir da autora e a perda do objeto nos autos nº0000795-06.2018.8.08.0057, EXTINGUINDO-SE O FEITO sem resolução do mérito com fulcro no que estabelecido no art. 485 IV do Código de Processo Civil.

Deverá a Secretaria transladar cópia desta sentença para os autos nº 0000795-06.2018.8.08.0057.

Condeno, ainda, o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, cujo percentual fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (proveito total da condenação), na forma do artigo 85, § 3º, I, do CPC. O percentual incidirá sobre o total da condenação, excluídas as parcelas vincendas, considerando como vencidas as compreendidas desde o termo inicial do benefício até a data da publicação desta sentença (Súmula 111 do STJ).

Deixo de condenar a parte sucumbente em custas processuais diante da isenção conferida pela Lei Estadual nº 9.900/12, em conformidade com a Súmula 178 STJ.

Publique-se, intime-se e transcorrido o prazo para recursos sem interposição desses pelas partes, certifique-se o trânsito em julgado, pois se dispensa a remessa necessária em razão do valor da condenação (Art. 496, §3º do CPC).

Havendo recurso, a Secretaria deverá certificar tempestividade e em caso positivo, intimar a parte recorrida para apresentar contrarrazões e com ou sem estas remeter os autos para ao Tribunal Regional Federal (art. 1.010 §3º do CPC).

Em suas razões de apelação (evento 1, APELAÇÃO4), o INSS requer a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido, uma vez que o conjunto probatório é extremamente frágil no sentido de comprovar o exercício de atividade rural no período mínimo de carência.

Afirma que a comprovação da propriedade imobiliária rural nada esclarece sobre o regime de trabalho rural ali desempenhado e se a produção é indispensável à sobrevivência familiar.

Contrarrazões (evento 1, CONTRAZAP5).

Intimado, o Ministério Público Federal informou que a matéria objeto da demanda não se enquadra nas hipóteses de intervenção  obrigatória, nos moldes do artigo 178 do CPC (evento 7, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, eis que presentes seus pressupostos de admissibilidade, recebendo-o tão somente no efeito devolutivo, tendo em vista  a confirmação da tutela antecipada na sentença (art. 1.012, §1º, V, do Código de Processo Civil).

A definição de segurado especial encontra-se no inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, com as alterações da Lei nº 11.718/2008, verbis:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(...)

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

A Lei nº 8.213/91, em seu art. 48, § 2º, ao regulamentar os benefícios a serem prestados pela Previdência Social, no capítulo referente à aposentadoria por idade, afirma que o benefício será devido aos trabalhadores rurais que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício. 

Já o art. 48, § 1º, da Lei nº 8.213/91 estabelece que a aposentadoria por idade é devida ao segurado rural quando este completa 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos, se mulher.

Logo, para a concessão do benefício em tela é necessário o atendimento de dois requisitos: (i) idade mínima; e (ii) comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico ao período de carência do benefício.

No tocante à comprovação do exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico ao período de carência do benefício, algumas considerações são necessárias.

Relativamente aos meios de comprovação do exercício de atividade rural, cumpre salientar que o artigo 106 da Lei nº 8.213/91 estabelece o seguinte:

Art. 106.  A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros:   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

 I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;        (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

 II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;        (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

III - (revogado);   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

V – bloco de notas do produtor rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;          (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

 VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;         (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;          (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou         (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.          (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

Dizem os artigos 38-A e 38-B, da mesma Lei:

Art. 38-A  O Ministério da Economia manterá sistema de cadastro dos segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), observado o disposto nos §§ 4º e 5º do art. 17 desta Lei, e poderá firmar acordo de cooperação com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal para a manutenção e a gestão do sistema de cadastro.   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 1º O sistema de que trata o caput deste artigo preverá a manutenção e a atualização anual do cadastro e conterá as informações necessárias à caracterização da condição de segurado especial, nos termos do disposto no regulamento.   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 2º Da aplicação do disposto neste artigo não poderá resultar nenhum ônus para os segurados, sem prejuízo do disposto no § 4º deste artigo.  (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 3º  O INSS, no ato de habilitação ou de concessão de benefício, deverá verificar a condição de segurado especial e, se for o caso, o pagamento da contribuição previdenciária, nos termos da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, considerando, dentre outros, o que consta do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) de que trata o art. 29-A desta Lei.                   (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)

§ 4º A atualização anual de que trata o § 1º deste artigo será feita até 30 de junho do ano subsequente.  (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 5º É vedada a atualização de que trata o § 1º deste artigo após o prazo de 5 (cinco) anos, contado da data estabelecida no § 4º deste artigo.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 6º Decorrido o prazo de 5 (cinco) anos de que trata o § 5º deste artigo, o segurado especial só poderá computar o período de trabalho rural se efetuados em época própria a comercialização da produção e o recolhimento da contribuição prevista no art. 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

Art. 38-B.  O INSS utilizará as informações constantes do cadastro de que trata o art. 38-A para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar.               (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)

§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento.    (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 3º Até 1º de janeiro de 2025, o cadastro de que trata o art. 38-A poderá ser realizado, atualizado e corrigido, sem prejuízo do prazo de que trata o § 1º deste artigo e da regra permanente prevista nos §§ 4º e 5º do art. 38-A desta Lei.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 4º Na hipótese de divergência de informações entre o cadastro e outras bases de dados, para fins de reconhecimento do direito ao benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106 desta Lei.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 5º O cadastro e os prazos de que tratam este artigo e o art. 38-A desta Lei deverão ser amplamente divulgados por todos os meios de comunicação cabíveis para que todos os cidadãos tenham acesso à informação sobre a existência do referido cadastro e a obrigatoriedade de registro.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

Cabe ressaltar que é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol do art. 106 da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos. Neste sentido, vale destacar os seguintes julgados da Egrégia Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO.SALÁRIO-MATERNIDADE. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA.INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONFIGURADO. AGRAVO IMPROVIDO.

É pacífico o entendimento da Terceira Seção deste Superior Tribunal no sentido de que a comprovação da atividade rural, para fins de obtenção dos benefícios previdenciários, deverá ser efetivada, com base em início de prova material ratificado por depoimentos testemunhais.

No caso em tela, o acórdão a quo, confirmando a sentença, julgou procedente o pedido da autora entendendo que, além das provas testemunhais, o documento colacionado aos autos, qual sejam, comprovação de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santana do Acaraú, de 7 de outubro de 2003, configuraria início razoável de prova documental.

Com razão as instâncias ordinárias, no ponto em que decidiram que a prova documental acostada pela autora, ora recorrida, serviu de início de prova documental do labor rural, cuja interpretação conjunta com as provas testemunhais, dão conta do exercício da atividade rural exercido em período equivalente à necessária carência para fins concessão do benefício de salário-maternidade.

O rol de documentos ínsito no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 é meramente exemplificativo, podendo ser aceito como início de prova material, documentos que comprove que a autora está associada ao Sindicato da categoria. Precedentes. 

Agravo regimental improvido (STJ , Sexta Turma,  AgRg no REsp: 1073730 CE 2008/0159663-4, DJe de 29/03/2010, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. ATIVIDADE RURAL. COMPROVAÇÃO. ROL DE DOCUMENTOS EXEMPLIFICATIVO. ART. 106 DA LEI 8.213/91. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIRO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CARÊNCIA. ART. 143 DA LEI 8.213/91. DEMONSTRAÇÃO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR MEMBRO DA FAMÍLIA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I - O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo.

II - Na hipótese dos autos, houve o necessário início de prova material, pois a autora apresentou documentos em nome do marido, o que também lhe aproveita, sendo despicienda a documentação em nome próprio, nos termos da jurisprudência desta Corte.

III - Consoante dispõe o artigo 143 da Lei 8.213/91, o trabalhador rural enquadrado como segurado obrigatório, na forma do artigo 11, VII da Lei em comento, pode requerer a aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, o que restou comprovado pela Autora.

IV - Este Superior Tribunal de Justiça considera que o exercício de atividade remunerada por um dos membros da família, mesmo que urbana, não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais.

V - Agravo interno desprovido (STJ, Quinta Turma, ADRESP 200900619370, DJe de 22/11/2010, Relator Ministro Gilson Dipp)

Saliente-se que, consoante o disposto no art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, não se pode conceder o benefício com base apenas nas provas testemunhais. O parágrafo terceiro do artigo 55 da Lei nº 8.213/1991, assim dispõe:

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).

No mesmo sentido da orientação legal, o Enunciado da Súmula n° 149 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário.

Tratando também da prova do tempo rural, o Enunciado da Súmula nº 34 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, assim dispõe:

Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a comprovar.

Ademais, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ também sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula n° 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal (REsp 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012). 

Feitos os devidos esclarecimentos, passo à análise do caso concreto.

Inicialmente, quanto ao requisito idade, não há o que se discutir. A parte autora, nascida em 15/10/1959 (Ev. 1.1, fls. 30, Ev. 17.1, fls. 31), completou a idade mínima necessária para a obtenção da aposentadoria por idade rural antes da DER (17/05/2019 - evento 17, DOC1).

A controvérsia cinge-se à prova do tempo de desempenho de atividade rural, a qual deve ser comprovada, ainda que de forma descontínua, nos meses que antecedem o implemento do requisito etário, ou anteriores ao requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável. 

No caso em apreço, para fazer prova do exercício de atividade rural a parte autora juntou aos autos cópia dos seguintes documentos: carteira de identidade do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Aguia Branca/ES constando sua filiação em 2011 e a profissão como "lavradora" (evento 1, DOC1, fls. 30); declaração de aptidão ao Pronaf com data de 2012 em nome da autora e seu marido (evento 17, DOC3); cadastro individual no SUS constando que sua ocupação é "TR", ou seja, "trabalhadora rural" com data de 2004 (evento 17, DOC3); declaração de trabalhador rural da parte autora firmada em 2019 informando o labor rural no período de 01/02/2003 a 30/07/2007 (evento 17, DOC3); escritura pública da propriedade rural que a autora possui constando ela e seu marido como compradores com data de 2011 (evento 17, DOC3); recibos de pagamento de ITR em relação à propriedade "Sítio do Café" em nome do marido da autora em relação aos anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2018 (evento 17, DOC3); Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR de 2010 a 2014 (evento 17, DOC3).

Ademais, houve a complementação de prova documental e foram colhidos 02 (dois) depoimentos testemunhais em audiência realizada em 06/07/2021 (evento 18, DOC1).

A autora, em seu depoimento pessoal, afirmou que mora na roça desde 2003 com seu esposo e filho, que a propriedade é dela e planta café lá. Informou que já trabalhou em Vitória com a CTPS assinada na área de limpeza há uns 20 anos atrás.

A primeira testemunha relatou que conhece a autora há 20 anos e que ela mora na roça em uma propriedade pequena.

A segunda testemunha afirmou que conhece a autora há 11 anos e sempre a viu laborando na roça em sua propriedade, com sua família, e que a renda dela é da lavoura.

Em relação à prova testemunhal, os depoimentos corroboram o início de prova material (ficha de atendimento no SUS, carteira de sindicato, documentos que comprovam propriedade rural) apresentado, ratificando o efetivo exercício de labor rural da parte autora na lavoura desde 2003.

O INSS reconheceu nos autos do processo administrativo 94 meses como tempo de atividade rural exercido pela parte autora (evento 17, DOC3).

Acrescento que prontuários médicos (​​evento 17, DOC3​, do ano 2004), fichas médicas ou carteiras do SUS e fichas escolares servem como início de prova material para comprovar o labor rural. 

Isto é, quando os aludidos documentos qualificam o segurado como "lavrador", "agricultor" ou profissão assemelhada são sim considerados suficientes como início de prova material pela jurisprudência.

O julgado abaixo esclarece tal posicionamento:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR OU TRABALHADOR "BOIA-FRIA". REQUISITOS LEGAIS. FICHAS DE ATENDIMENTO MÉDICO. DOCUMENTOS ESCOLARES. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. COMPLEMENTAÇÃO POR PROVA TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO. CONCESSÃO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. O trabalhador rural que implemente a idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher) e comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida para o benefício, faz jus à concessão do benefício da aposentadoria rural por idade (artigos 11, VII, 48, § 1º, e 142, da Lei n. 8.213/91). 2. A análise de vários elementos (localização e extensão do imóvel, tipo de cultura explorada, quantidade de produção comercializada, número de membros familiares a laborar na atividade rural, utilização ou não de maquinário agrícola e de mão de obra de terceiros de forma não eventual, exercício de atividades urbanas concomitantes e sua importância na renda familiar), é que permitirá um juízo de valor acerca da condição de segurado especial. As circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91. 3. Considera-se demonstrado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea, sendo dispensável o recolhimento de contribuições para fins de concessão do benefício. 3. Documentos escolares contemporâneos, referentes a escola rural, servem como início de prova da atividade agrícola. 4. Os prontuários e fichas de atendimento médico, emitidos com registros dentro do período de carência, nos quais o segurado é qualificado como agricultor, lavrador, "boia-fria" ou profissão assemelhada, são considerados como início de prova material do exercício de atividade rural5. Determinada a imediata implantação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário. (TRF4, AC 5023188-26.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator OSCAR VALENTE CARDOSO, juntado aos autos em 09/02/2022)

Quanto aos recolhimentos como contribuinte individual no CNIS (evento 18, DOC1), o fato de a parte autora ter recolhido contribuições na qualidade de contribuinte individual em curtos períodos ao longo do tempo de carência não constitui óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial. 

Isto é, trata-se de uma situação costumeira entre os trabalhadores rurais ante à sazonalidade de suas atividades e o art. 11 da Lei de Benefícios nada refere nesse sentido que possa obstaculizar o reconhecimento pretendido.

Neste sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.  RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. POSSIBILIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado mediante início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. O recolhimento de contribuições na qualidade de contribuinte individual em ínfima parte do período equivalente à carência não constitui óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial, pois trata-se de situação costumeira entre os trabalhadores rurais ante a sazonalidade de suas atividades e o art. 11 da Lei de Benefícios nada refere nesse sentido que possa obstaculizar o reconhecimento pretendido. 3. Comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural, no período de carência é de ser concedida a Aposentadoria por Idade Rural à parte autora, a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei 8.213/91. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5010598-17.2021.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 18/02/2022)

Por fim, ressalto que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o exercício de atividades urbanas de forma descontínua não descaracteriza a qualidade de segurado especial.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. CONCESSÃO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TRABALHO RURAL. COMPROVAÇÃO. DESCONTINUIDADE. ATIVIDADE URBANA POR CURTOS PERÍODOS. MANUTENÇÃO DO VÍNCULO COM O MEIO RURAL. 1. Atingida a idade mínima exigida e comprovado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, pelo período exigido em lei, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal consistente, o segurado faz jus à aposentadoria rural por idade. 2. O trabalho urbano, intercalado ou concomitante ao labor rural, por si só não descaracteriza a condição de segurado especial. Somente um longo período de afastamento de atividade rurícola, com sinais de saída definitiva do meio rural, poderia anular todo histórico de trabalho rural em regime de economia familiar. Precedentes. (TRF-4 - AC: 50232873020204049999 5023287-30.2020.4.04.9999, Relator: PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 08/10/2021, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC)

Logo, conclui-se que há início de prova material razoável, corroborada pelo depoimento das testemunhas, afirmando a condição de trabalhadora rural da parte autora por período superior a carência exigida. 

Assim, a sentença de procedência deve ser mantida, uma vez que, à época do requerimento administrativo, a parte autora cumpria os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.

No que se refere ao índice de correção monetária, tendo em vista que o índice aplicável aos benefícios previdenciários é o INPC, nos termos do art. 41-A da Lei 8.213/91, até a vigência da EC 113/2021, momento a partir do qual as parcelas devem ser corrigidas pela Selic, que abrange juros de mora e correção monetária, critérios estes que já se encontram contemplados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, cujos parâmetros devem ser observados quando da elaboração dos cálculos dos valores atrasados, respeitada a prescrição quinquenal.

Ressalto, para evitar embargos de declaração, que a incidência da disposição introduzida pela EC 113/2021 terá seus efeitos a partir de sua vigência (09/12/2021), ou seja, não tem efeitos retroativos.

Por fim, nos termos da lei do Estado do Espírito Santo nº 9.974/2013, o INSS não goza de isenção de custas, tendo sido revogada a Lei nº 9.900, de 30.8.2012, no que diz respeito à cobrança de taxa e custas judiciais.

Em vista da sucumbência recursal da autarquia previdenciária, aplica-se o §11 do art. 85 do CPC, razão pela qual deve ser condenada ao pagamento de honorários recursais, majorando-se em 1% do valor dos honorários anteriormente fixados, considerando os parâmetros do §2º do mesmo artigo.

Com vistas a possibilitar o acesso das partes às instâncias Superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

Ante ao exposto, nos termos da fundamentação supravoto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, retificar a sentença para determinar a adoção do Manual de Cálculos da Justiça Federal quanto à correção monetária e os juros de mora, bem como condenar o INSS ao pagamento de custas.



Documento eletrônico assinado por ALFREDO HILARIO DE SOUZA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.trf2.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 20002228190v20 e do código CRC 030b63e8.

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