O presente voto contem os seguintes itens:
1. Admissibilidade
2. Questões em discussão
3. Caso em exame
4. Razões de decidir:
4.1. Da preliminar de nulidade da sentença
4.2. Do mérito:
4.2.1. Incompetência do auditor fiscal para reconhecimento de relação de emprego
4.2.2. Art. 129 da Lei 11.196/2005
4.2.3. Ausência de Contraditório e Ampla Defesa
4.2.4. Relação de emprego
5. Dos ônus sucumbenciais
6. Conclusão
1. Admissibilidade: Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade (evento 96, CERT1).
2. Questões em discussão:
Há cinco questões em discussão: (i) nulidade da sentença, decorrente da ausência de intimação regular e suposto cerceamento de defesa; (ii) incompetência do auditor fiscal do trabalho para reconhecimento de relação de emprego; (iii) se o art. 129 da Lei 11.196/05 obrigada ao reconhecimento do contrato firmado com pessoas jurídicas; (iv) ausência de contraditório e ampla defesa; (v) inexistência de relação de emprego.
3. Caso em exame:
A apelante é empresa que atua no ramo da prestação de serviços de publicidade, promoção e marketing direto, "por conta própria ou de terceiros, incluindo o planejamento, a criação, a produção, intermediação e veiculação publicitária", entre outros objetos relacionados (cláusula 4ª da 3ª AC) - evento 70, PET3, fl. 4.
Firmou contratos de prestação de serviços de assessoria em comunicação, publicidade e propaganda com diversas pessoas jurídicas.
Segundo fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, haveria contratos que escondem verdadeira relação de emprego, pois tem por objeto a atividade-fim, além de se verificarem presentes os requisitos de contrato empregatício, conforme análise de documentação e entrevistas realizadas.
Por tal razão, a autora foi autuada e está sendo cobrada por depósitos de FGTS não realizados no período de 01/2008 a janeiro/2013 de dez empregados, no valor de R$ 597.583,16 - auto de infração 200.303.180 - art .23 , §1º, inciso I, da Lei 8.036/90 (evento 1, NOT5 e evento 53, OUT2).
A autora ajuizou, então, a presente ação, visando o reconhecimento da ilegalidade e insubsistência do débito objeto da notificação de débito do Fundo de Garantia e da Contribuição Social - NDFC nº 200.067.796.
Alegou, em síntese, (i) incompetência do auditor fiscal do trabalho para reconhecimento de relação de emprego, (ii) inexistência dos requisitos da relação de emprego, (iii) impossibilidade de reconhecimento por meros indícios e de forma coletiva, (iv) observância obrigatória do art. 129 da Lei 11.196/05, (v) ausência de contraditório e ampla defesa (evento 1, INIC1).
Requereu que seja "julgada TOTALMENTE PROCEDENTE a presente ação, condenando-se, ainda, a ré, no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, com a liberação do valor depositado nesses autos, devidamente atualizada à época do levantamento".
Foi realizado depósito judicial, para fins de suspensão da exigibilidade (evento 6.1).
Em contestação, a União argui a incompetência da Justiça Federal e a legalidade da autuação (evento 22.1).
Assevera que "a atuação dos fiscais do trabalho, fundamentada no cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalhador, busca atribuir a responsabilidade social às empresas, dando, assim, efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia, que norteiam e inspiram todo o sistema constitucional", competindo à União, ainda, “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho” (CF, art. 21, XXIV), e aos auditores fiscais do trabalho a lavratura do auto de infração correspondente à verificação da ocorrência de infração à legislação trabalhista (CLT, art. 626 e ss; CF, art. 37, caput).
Ressalta a presunção de veracidade e legalidade dos autos de infração, inclusive quanto aos motivos de fato, decorrente do princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF), cabendo ao autuado o ônus da prova (art. 818 da CLT e art. 373, I, do CPC).
Aduz que, constando do auto de infração a indicação da presença dos requisitos do art. 3º da CLT, de acordo, inclusive, com a petição inicial, fica demonstrado que foi possível à autora entender os motivos de fato e de direito.
Em provas, a ré requer juntada das informações prestadas pelo Ministério da Economia, requisição de cópia do processo administrativo 46215.007190/2013-02 à CEF, além da oitiva de alguns dos trabalhadores com vínculo reconhecido pela autoridade fiscal, caso ainda seja necessário após a juntada do referido processo administrativo (evento 28.1).
Réplica e requerimento de prova testemunhal por parte da autora, "a fim de comprovar a total ausência dos requisitos caracterizadores da relação de emprego entre os prestadores indicados pela fiscalização e a empresa" (evento 29.1).
Juntada de cópia do processo administrativo 46215.007190/2013-02 no evento 53.2, onde é apontado que os mesmos questionamentos já foram discutidos e respondidos no processo administrativo nº 46215.007189/2013-70 - auto de infração lavrado por inobservância do art. 41/CLT, analisado em conjunto, conforme art. 5º da IN 116/2014 (fl. 88).
No evento 63.1, a autora reitera seu interesse na prova testemunhal ("tanto dos prestadores de serviços que foram erroneamente identificados como empregados, bem como os profissionais que coordenaram a contratação dos mesmos, a saber, o supervisor administrativo e de pessoal da Autora"), que teria "relevância de comprovar a verdade material". Junta, ainda, certidão negativa de débitos trabalhistas, que comprovaria inexistência de sentença condenatória transitada em julgado ou em acordos judiciais trabalhistas (evento 63.2).
No evento 66.1, o juízo determina a juntada de cópia do processo administrativo nº 46215.007189/2013-70, a fim de possibilitar a análise da afirmação da parte ré de que houve "celebração de contratos de prestação de serviços que demonstrem que as pessoas jurídicas foram constituídas com o fito de elidirem a regular contratação nos moldes celetistas", conforme decisão administrativa de Evento 53.2, fl. 82 (item 2.4). Indefere, ainda, a prova testemunhal, visto que "não se mostra como relevante para o desfecho da causa, sobretudo porque eventual constatação ou não de relação de emprego entre a parte autora e os supostos 10 empregados indicados na NDFC n. 200.067.796 pode perfeitamente ser demonstrada por prova documental".
A cópia do processo administrativo nº 46215.007189/2013-70 é juntada nos anexos dos eventos 70 e 71.
No evento 75.1, a parte autora reforça o pedido para que seja declarada a inexistência de relação jurídica entre as partes, bem como pede que seja julgada insubsistente a NDFC atacada, nos termos da petição inicial.
Em 24/01/2022, foi prolatada sentença, rejeitando a preliminar de incompetência da Justiça Federal e julgando improcedente o pedido autoral (evento 80, SENT1).
A autora interpõe apelação (evento 84, PET1), alegando nulidade da sentença, ante o indeferimento da prova testemunhal (cerceamento de defesa), por meio da qual se poderia provar que os prestadores foram erroneamente identificados como empregados e outros erros da fiscalização. No mais, reitera, essencialmente, os mesmos argumentos de defesa originalmente apresentados.
Contrarrazões no evento 89, CONTRAZ1.
A alegação de nulidade da sentença foi acolhida por este Tribunal, determinando-se o retorno dos autos à origem, "a fim de que se proceda à oitiva das testemunhas que forem indicadas pelas partes" (evento 43, ACOR2).
Retornando à origem e intimando-se as partes, a autora apresenta rol testemunhal (evento 96, PET1 e evento 104, PET1).
É designada audiência de instrução para 27/11/2024 (evento 110, DESPADEC1).
As partes são intimadas eletronicamente (eventos 115 e 117), mas a autora não é localizada para comparecimento pessoal (evento 120, CERT1).
O despacho do evento 122, DESPADEC1 reputa a autora devidamente intimada, tendo em vista a intimação eletrônica na pessoa de seu advogado e a proximidade da audiência, consignando-se, ainda, que é de seu próprio interesse fazer-se presente.
Em 27/11/2024, ante o não comparecimento da parte autora, seu advogado e das testemunhas arroladas (evento 127, TERMOAUD1), é prolatada nova sentença, rejeitando a preliminar de incompetência da Justiça Federal, dispensando a produção da prova testemunhal, nos termos do art. 362, inciso II e §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil, e julgando improcedente o pedido autoral (evento 129, SENT1).
Afirmou que "a legislação e a jurisprudência pátrias reconhecem ao auditor fiscal do trabalho não apenas a possibilidade, mas o dever de, em face de descumprimento da legislação trabalhista, inclusive quanto ao registro de empregados (art. 41 da CLT), inexistindo restrição legal ou constitucional que confira exclusivamente ao Poder Judiciário tal reconhecimento".
Quanto à caracterização da relação de emprego, considerou que "a autora não apresenta qualquer elemento de prova para infirmar a conclusão administrativa de existência dos vínculos empregatícios, cujos fundamentos estão fartamente demonstrados no processo administrativo, razão porque deve ser mantida".
Registrou a pormenorizada exposição de razões da autoridade fiscal, que realizou diligências de apuração, inclusive entrevistas com os funcionários, além de nem todos os sócios das pessoas jurídicas irregulares terem sido enquadrados como empregados, e o fato de que parte das PJ's foram abertas na mesma data do contrato de prestação de serviço ou em data posterior.
Afastou a "ausência de contraditório e ampla defesa na autuação da notificação de débito para cobrança dos valores devidos ao FGTS, uma vez que foi oportunizada à autora a apresentação de defesa administrativa, observadas todas as garantias atinentes ao devido processo legal (evento 53.2)".
Dispensou a prova ora requerida, nos termos do art. 362, inciso II e §§ 1º e 2º, do CPC, visto que, "mesmo sendo oportunizada à parte autora a produção da prova oral, deixaram de comparecer ao ato a parte autora, o seu patrono e as testemunhas arroladas nos Eventos 96 e 104", tendo sido o advogado devidamente intimado (evento 111) e não tendo comprovado nem comunicado ao Juízo qualquer impedimento justificável até a abertura da audiência.
Condenou a autora nas custas (já recolhidas) e em honorários em favor dos patronos da União, nos percentuais mínimos do art. 85, §3º, do CPC, sobre o valor atualizado da causa.
A parte autora opõe embargos de declaração (evento 135, PET1), suscitando erro material ao se consignar que houve intimação através do Evento 111, vez que, após mandado de intimação negativo da autora, o advogado não foi intimado da dispensa de sua oitiva "por qualquer meio eletrônico hábil (Domicílio Judicial Eletrônico) e a referida decisão não foi publicada no Diário Oficial", estando a intimação em desacordo com a legislação processual e o art. 11, §2º, da Res/CNJ 455/2022.
Ademais, defendeu a nulidade da audiência de instrução que não observa o art. 385, § 1º do CPC.
Assim, "a ausência de intimação pessoal da Autora, ausência de intimação eletrônica de seus advogados e subsequente sentença de improcedência configura flagrante prejuízo ao contraditório e a ampla defesa".
O recurso não é conhecido (evento 140, SENT1).
Na oportunidade, foi consignada a previsão legal de intimação por meio eletrônico, dispensando publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico (Lei 11.419/2006, art. 5º, e artigo 25 da Resolução nº TRF2-RSP-2018/00017), considerada preferencial (CPC/2015, arts. 270 e 272), além da Resolução CNJ nº 455/2022 estabelecer que o Domicílio Judicial Eletrônico será utilizado exclusivamente para citação por meio eletrônico e comunicações processuais que exijam vista, ciência ou intimação pessoal da parte ou de terceiros (artigo 18), enquanto o DJEN constitui meio de publicação oficial para fins de intimação, exceto nos casos em que a lei exija vista ou intimação pessoal (art. 11, § 2º).
Ademais, ressaltou que se trata de mera intimação para comparecimento em audiência, sem necessidade de intimação pessoal e, portanto, do Domicílio Judicial Eletrônico, restando dispensada a publicação no DJEN, dada a intimação eletrônica no e-Proc, conforme jurisprudência desta Corte.
Também destacou que foi intimado o advogado cadastrado no e-Proc, vez que não foi regularizado o cadastro dos demais, o qual apresentou rol testemunhal, em resposta da intimação.
Quanto à necessidade de intimação pessoal da parte autora, esclareceu que "a intimação prevista no art. 385, § 1º do CPC não é obrigatória, constituindo instrumento subsidiário que serve como método de aplicação da distribuição do ônus da prova, uma vez que o não comparecimento da parte à audiência pode gerar a pena de confissão, mas não prejudica a prática do ato processual, que, diga-se, é possível ser realizado sem a sua presença, desde que a parte esteja representada por advogado".
De toda forma, foi registrado o parágrafo único do art. 274, do CPC, segundo o qual presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo.
A parte autora interpõe apelação (evento 153, REC1).
Aduz nulidade decorrente da ausência de intimar regular.
No mérito, alega, em síntese, (i) incompetência do auditor fiscal do trabalho para reconhecimento de relação de emprego, (ii) inexistência dos requisitos da relação de emprego, (iii) inexistência de sentença condenatória na Justiça do Trabalho, (iv) impossibilidade de reconhecimento coletivo de vínculos, (v) que cabia ao Agente Fiscal provar, individualmente, os fatos constitutivos dos pretensos direitos - ônus da prova, (vi) ausência de busca da verdade material, (vii) desrespeito ao contraditório e ampla defesa; (viii) observância obrigatória do art. 129 da Lei 11.196/05.
Requereu, portanto:
"a. o integral provimento do recurso de apelação, reconhecendo-se a nulidade suscitada para anular a respeitável sentença e determinar o retorno dos autos à primeira instância para a realização da oitiva das testemunhas;
b. subsidiariamente, caso não se acolha a preliminar de nulidade, requer-se seja dado provimento à apelação para reformar integralmente a respeitável sentença para anulação da NDFC nº 200.067.796 juntamente com outros 02 (dois) autos de infração (nº 200.303.180 e nº 200.303.171), condenando-se, ainda, a apelada, no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, com a liberação do valor depositado nesses autos, devidamente atualizada à época do levantamento."
Em contrarrazões, a União defende (i) a legalidade do auto de infração, que contem todos os elementos legais, além de fundamentação pormenorizada, "seja em virtude da subordinação configurada, bem como da onerosidade da prestação dos serviços e da inexistência de empregados registrados perante os sistemas trabalhistas"; (ii) a atribuição dos agentes do Ministério do Trabalho e Emprego; (iii) a presunção de veracidade e de legitimidade dos autos de infração, cabendo ao autor desconstituí-lo por prova robusta (CLT, arts. 629 e 818; CPC, art. 373, I); (iv) a prova testemunhal não teria o condão de afastar os requisitos da relação empregatícia, sendo suficiente a prova documental (evento 157, CONTRAZ1).
Por fim, registre-se que há notícia de que a execução fiscal já foi ajuizada (evento 18.1), a qual se encontra suspensa até o julgamento definitivo da presente ação (evento 70, DESPADEC1).
4. Razões de decidir:
4.1. Da preliminar de nulidade da sentença:
Esta Corte, considerando que a alegação de fraude também se fundou em informações obtidas a partir de oitiva dos prestadores de serviço, anulou a sentença, com fulcro no art. 5º, LV, da CF, para deferir a prova testemunhal requerida pela parte autora, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim de que se procedesse à oitiva das testemunhas que fossem indicadas pelas partes (evento 43, RELVOTO1).
Assim, com o retorno dos autos à origem, a parte autora juntou rol testemunhal nos eventos 96.1 e 104.1.
Designada a audiência para 27/11/2024 (evento 110), o advogado foi intimado eletronicamente em 28/10/2024, via Sistema e-Proc, por decurso do prazo para acesso (eventos 111 e 117) - art. 5º, §3º, da Lei 11.419/2006.
Expedido mandado de intimação pessoal, a parte autora não foi localizada (evento 120, CERT1).
A despeito disso, o juízo de origem considerou-a devidamente intimada, tendo em vista (i) a intimação eletrônica na pessoa do seu advogado, (ii) que a intimação pessoal para os fins do artigo 385, § 1º, do CPC (que demandaria a investigação do atual endereço do autor antes da realização da nova diligência) "é instrumento subsidiário a servir como método de aplicação da distribuição do ônus da prova", (iii) e que o auto de infração é dotado de presunção de legitimidade e veracidade, competindo à autora, portanto, como diretamente interessada na sua desconstituição, fazer-se presente à audiência (evento 122, DESPADEC1).
A autora foi intimada da referida dispensa por intermédio de seu advogado, eletronicamente, via Sistema e-Proc, em 22/11/2024, por decurso do prazo para acesso à intimação (eventos 123 e 125) - art. 5º, §3º, da Lei 11.419/2006.
Contudo, a audiência designada para 27/11/2024, às 14hs, não se realizou, por ausência da parte autora, seu advogado e as testemunhas arroladas, prolatando-se, na mesma data, às 17:21, a sentença ora recorrida (evento 129, SENT1).
A Apelante, entretanto, assevera que não ocorreu a intimação certificada no evento 111, pois os advogados "não receberam comunicação pelo meio eletrônico hábil (Domicílio Judicial Eletrônico) e a referida decisão não foi publicada no Diário Oficial".
Ademais, alega que o Juízo vinha intimando a Apelante através do Domicílio Judicial Eletrônico - DJE, mas alternou o procedimento injustificadamente, de forma unilateral, sem aviso prévio, o que seria rechaçado por precedente do E. STJ, sendo evidente o prejuízo resultante da impossibilidade de produzir a prova testemunhal, pois a sentença fundamentou-se na falta de provas.
Defende que a intimação exclusivamente realizada pelo eProc está em completo desacordo com a legislação processual, bem como a Resolução 455/2022 CNJ, em especial o art. 11 § 2º, tendo-lhe causado prejuízo ao exercício do contraditório efetivo, ensejando ausência de intimação para a audiência de instrução e julgamento.
Aponta para o disposto nos arts. 270, 272 e 385, § 1º, do CPC.
Assevera que a Resolução n. 455/2022 e a Portaria n. 46/2024, ambas do CNJ, tratando do Domicílio Judicial Eletrônico e do Diário da Justiça Eletrônico Nacional, são posteriores à Resolução n. TRF2-RSP-2018/00017, sendo evidente que a intimação através do sistema eProc foi substituída pela publicação no DJEN e intimação via Domicílio Judicial Eletrônico.
E que a Resolução n. 455/2022 e a Portaria n. 46/2024, ambas do CNJ, são hierarquicamente superiores à Resolução n. TRF2-RSP-2018/00017 e, portanto, a teriam derrogado.
Destaca que o DJEN constitui meio de publicação oficial para fins de intimação, exceto nos casos em que a lei exija vista ou intimação pessoal (art. 11, § 2º, da Res. 455).
Afirma que os julgados colacionados na rejeição dos embargos de declaração são anteriores à implementação do Domicílio Judicial Eletrônico e do Diário da Justiça Eletrônico Nacional (cronograma previsto na Portaria n. 46/2024, publicada em 16/02/2024 e paulatinamente implementada a partir de 01/03/2024).
Pois bem.
Em que pese o despacho que designou a audiência de instrução determine a intimação pessoal da parte autora "da data designada para o depoimento pessoal" (evento 110, DESPADEC1), esta Corte anulou a sentença anterior para determinar a oitiva das testemunhas que fossem arroladas pelas partes, não havendo qualquer menção ao depoimento da parte (evento 43, RELVOTO1).
Isto considerado, a ausência de intimação pessoal da parte autora para audiência na qual se deveria proceder à oitiva das testemunhas por ela arroladas não implica na nulidade alegada.
Quanto à prova testemunhal, conforme expressamente consignado no despacho que designou a audiência (evento 110), as testemunhas deveriam comparecer independentemente de intimação judicial, pois competiria ao advogado informá-las/intimá-las (CPC, art. 455, caput), mediante carta com aviso de recebimento, cuja cópia da correspondência e do comprovante de recebimento deveriam ser juntados aos autos com antecedência de pelo menos 03 (três) dias da data de audiência (CPC, art. 455, §1º), o que também não ocorreu, razão pela qual foi dispensada a produção da prova (CPC, art. 362, II e §§ 1º e 2º, do CP).
A Apelante alega, contudo, que isto ocorreu em virtude da alternância dos meios de intimação, posto que vinha sendo intimada no Domicílio Judicial Eletrônico (intimações para regularização do cadastro do patrono - evento 94, complementação do rol testemunhal deferida - evento 100, e sobre a rejeição dos embargos de declaração em face da sentença - evento 141), o que não teria ocorrido na intimação da audiência (evento 111), da dispensa da intimação pessoal da autora (evento 123), e da sentença (evento 130), consoante prints que colaciona:



A Apelada não impugnou a veracidade dos referidos prints.
A teor do art. 18 da Res. 455/2022 do CNJ, "o Domicílio Judicial Eletrônico será utilizado exclusivamente para citação por meio eletrônico e comunicações processuais que exijam vista, ciência ou intimação pessoal da parte ou de terceiros, com exceção da citação por edital, a ser realizada via DJEN. (redação dada pela Resolução n. 569, de 13.8.2024)" (grifei).
Ou seja, a intimação no Domicílio Judicial Eletrônico é forma de intimação pessoal, e não do advogado, a qual é disponibilizada para a parte, inclusive, na mesma oportunidade em que disponibilizada para acesso a intimação eletrônica do advogado e independente de comando específico do Juízo no Sistema Processual.
No mesmo sentido, informa o CNJ que "o Domicílio Judicial Eletrônico é uma ferramenta que concentra num único local todas as comunicações pessoais de processos emitidas pelos tribunais brasileiros" https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/domicilio-judicial-eletronico/).
De toda forma, também foi disponibilizada intimação eletrônica do advogado, na forma do art. 5º da Lei 11.419/2006, sendo certo que se trata de modalidade preferencial, consoante art. 270, caput, do CPC/2015, de sorte que somente será realizada intimação pela publicação, quando não for realizada por meio eletrônico, conforme previsto no art. 272, caput, do CPC/2015, in verbis:
Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.
Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.
Assim, a ausência de intimação no Domicílio Judicial Eletrônico, direcionado à intimação pessoal da parte, não prejudica a intimação eletrônica do advogado, que se observa ter sido devidamente disponibilizada nos eventos 111, 123 e 130, ora questionados, consoante eventos 117, 123 e 134, ainda que por decurso do prazo para acesso, na forma do art. 5º, §3º, da Lei 11.419/2006.
E, de acordo com informação disponível no sítio eletrônico da Justiça Federal da 2ª Região, atualizado em 21/02/2025, somente as pautas de julgamento e os editais estavam sendo publicados no DJEN. "As demais citações, intimações e notificações continuam sendo realizadas somente no sistema processual e-Proc da 2ª Região, dispensada a publicação em diário oficial ou a expedição de mandado, conforme prevê a Resolução TRF2 nº 17/2018." (https://www.trf2.jus.br/trf2/consultas-e-servicos/diario-eletronico-da-2a-regiao)
Somente a partir de 15/05/2025, foi ativada a integração do e-Proc também com o Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN) (https://www.trf2.jus.br/jfrj/aviso/2025/novas-regras-de-contagem-de-prazos-processuais-ativacao-na-jf2-acontece-em-15-de).
Ou seja, até então, a 2ª Região ainda não se encontrava totalmente integrada ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN), do CNJ.
Ressalte-se que o advogado apresentou rol testemunhal para realização de oitiva oportunizada por intermédio de seu recurso de apelação, mas não acessou a intimação eletrônica própria, hipótese que a lei considera realizada a intimação, constituindo-se a intimação eletrônica, como visto, em meio legal e prioritário de comunicação processual por intermédio do advogado.
A apelante alega que "a intimação exclusivamente realizada pelo eProc está em completo desacordo com a legislação processual, bem como a Resolução 455/2022 CNJ, em especial o art. 11 § 2º", segundo o qual o DJEN constitui meio de publicação oficial para fins de intimação, exceto quando exigida intimação pessoal.
Contudo, a teor do art. 11, §2º, da Res. CNJ 455/2022, a publicação no DJEN substitui apenas outro meio de publicação oficial, exceto quando exigida intimação pessoal, sendo certo, ainda, que a intimação eletrônica é prioritária em relação relação à publicação (arts. 270 e 272 do CPC/2015).
Destaque-se, ainda, que o advogado foi intimado apenas eletronicamente acerca da sentença, via Sistema e-Proc (evento 130), o que não o impediu de tomar conhecimento.
Por todas as razões acima expostas, inexiste qualquer nulidade decorrente da alternância do meio de intimação e da não intimação pessoal da autora para a audiência de instrução que se destinaria a ouvir as testemunhas, em cumprimento do julgado proferido por esta Corte, não havendo que se falar em cerceamento de defesa e anulação da sentença para produção da prova testemunhal.
4.2. Do mérito:
4.2.1. Incompetência do auditor fiscal para reconhecimento de relação de emprego:
De acordo com o art. 626, caput, da CLT, "incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, Industria e Comercio, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho".
E o respectivo art. 628 determina que "salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)"
Verifica-se, portanto, que, mais do que atribuição, é dever do Auditor-Fiscal do Trabalho, em constatando a existência de violação às leis que protegem o trabalhador, proceder à lavratura do auto de infração, inclusive sob pena de responsabilização.
Ocorre que, segundo a Constituição Federal de 1988, em especial a partir da redação dada pela Emenda Constitucional n.º 45/2004:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392) (Vide ADIN 3432)
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II as ações que envolvam exercício do direito de greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
Ademais, a teor do art. 39, caput, da CLT:
"Art. 39. Verificando-se que as alegações feitas pelo reclamado versam sôbre a não existência de relação de emprêgo ou sendo impossível verificar essa condição pelos meios administrativos, será o processo encaminhado a Justiça do Trabalho ficando, nesse caso, sobrestado o julgamento do auto de infração que houver sido lavrado".
Entretanto, a própria Constituição Federal atribui à União a competência para "organizar, manter e executar a inspeção do trabalho" (art. 21, XXIV).
E o art. 14, XIX, ‘c’, da Lei nº 9.649/1998 (organização da Presidência da República e Ministérios) determina que compete ao Ministério do Trabalho e Emprego a fiscalização do trabalho, bem como a aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas
Outrossim, de acordo com o art. 11 da Lei 10.593/2002:
Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:
I - o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego;
II - a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, visando a redução dos índices de informalidade;
III - a verificação do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, objetivando maximizar os índices de arrecadação; (redação então vigente)
IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores;
V - o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário;
VI - a lavratura de auto de apreensão e guarda de documentos, materiais, livros e assemelhados, para verificação da existência de fraude e irregularidades, bem como o exame da contabilidade das empresas, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial.
VII - a verificação do recolhimento e a constituição e o lançamento dos créditos decorrentes da cota-parte da contribuição sindical urbana e rural. (Incluído pela Lei nº 13.464, de 2017)
A respeito do tema, confira-se precedente do E. STJ:
"ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. FATO NOVO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO À COBRANÇA. SUSPENSÃO AUTOMÁTICA DA EXIGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. HIGIDEZ DE CRÉDITO. ORIGEM DE RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. ATUAÇÃO DE FISCAL DO TRABALHO. LEGALIDADE.
1. Não cabe a esta Corte examinar a ocorrência de suposto fato novo relevante (art. 493 CPC) na hipótese em que esse fato surgiu quando feito ainda estava na instância ordinária, notadamente quando, para se confirmar a alegada situação superveniente, é preciso reexaminar prova documental, providência essa incompatível em sede de recurso especial, como no caso.
2. O acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência do STJ segundo a qual a simples existência de ações ordinárias que discutem a exação objeto da execução fiscal não assegura ao contribuinte o direito à suspensão da exigibilidade do crédito tributário cobrado no executivo fiscal, pois, ainda que seja reconhecida a conexão, a suspensão da execução fiscal somente se dará se houver garantia do juízo ou qualquer outra das hipóteses autorizadoras da suspensão da exigibilidade do crédito.
3. A controvérsia de mérito em si consiste em saber se o valor cobrado na execução fiscal (dívida de FGTS) é nulo, porque originado de atuação de auditores fiscais do trabalho, os quais, segundo alega a recorrente, não possuem competência para aferir vínculo empregatício.
4. No TST, é pacífica a jurisprudência “no sentido de que não há invasão de competência jurisdicional quando o órgão de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, no exercício do poder de polícia (arts. 626 a 628 da CLT c/c o art. 21, XXIV, da CF), considera tipificada a relação de emprego e lavra o respectivo auto de infração ao art. 41 da CLT” (Ag-ED-RR-2634-36.2011.5.02.0055, Quinta Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 30/09/2022).
5. O mesmo raciocínio empregado naquela Corte Superior deve ser adotado neste Tribunal, sendo certo que “o auditor fiscal do trabalho, no desempenho de suas atribuições, não está limitado à mera análise da regularidade formal da documentação dos empregadores, incumbindo-lhe, entre outras funções, a de verificar o fiel cumprimento da legislação trabalhista, em especial, da obrigação legal de formalização do vínculo empregatício quando constatada a presença dos elementos que o compõe” (RR-11139-47.2018.5.15.0010, Terceira Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 02/06/2023).
6. Hipótese em que, sendo hígida a autuação que ensejou o reconhecimento da relação de emprego, são também válidas as cobranças decorrentes desse vínculo reconhecido, inclusive a exigência do FGTS não recolhido, como na espécie.
7. Recurso especial não provido."
(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.893.376 - RJ, Relator Ministro Gurgel de Faria, DJe 19/10/2023)
Trata-se de recurso especial, que confirmou orientação exarada no âmbito deste E. TRF/2ª Região, cuja ementa transcreve-se a seguir:
"EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. FGTS. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO POR AUDITORES DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. LEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. EMBARGANTE BENEFICIÁRIO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AFASTADA A CONDENÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. A apelante alega que o auto de infração é nulo porque o artigo 156 da CLT por entender que as atividades do Fiscal do Trabalho estão restritas à inspeção do cumprimento das normas de proteção do trabalho; não tendo os aludidos fiscais do trabalho competência para aferir vínculo empregatício dos profissionais vinculados às sociedades especializadas que prestam serviços médicos à recorrente
2. A atribuição da autoridade fiscal do trabalho não se resume à verificação da regularidade da documentação referente aos trabalhadores da empresa, cabendo-lhe, ainda, observar se a legislação do trabalho foi cumprida pelo empregador, notadamente se há formalização do vínculo empregatício quando constatada essa situação fática.
3. A própria Justiça do Trabalho, através de sua instância superior, assentou o entendimento de que o Fiscal do Trabalho possui competência para verificar e certificar a existência de relação empregatícia, lavrando autuação e aplicando as penalidades legais em caso de comprovada ilegalidade, sem que isso caracterize invasão da esfera de competências do Poder Judiciário.
4. O mero ajuizamento pelo contribuinte de ação anulatória ou desconstitutiva de débito fiscal não impede a propositura da execução fiscal ou a suspende, caso já tenha sido proposta, salvo se concedida, naquela ação, medida liminar suspensiva da exigibilidade do crédito, ou realizado o depósito de seu montante integral e em dinheiro, de conformidade com o art. 151 do CTN, que não é a hipótese do caso em exame.
5. Impõe-se acolher o pedido da apelante para afastar a condenação em honorários em razão da inteligência da Súmula 168 do extinto Tribunal Federal de Recursos, segundo a qual "o encargo de 20% no Decreto-Lei 1.025/69 é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios". No mesmo sentido, o entendimento do STJ, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.143.320/RS, Primeira Seção, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe 21/05/2010). Ademais, sendo embargante beneficiária da assistência judiciária gratuita, não contestada pela União Federal, merece ser afastada a condenação em honorários advocatícios nos autos da execução fiscal. 6. Apelação parcialmente provida." (grifei)
(TRF2, Apelação Cível 0500132-20.2017.4.02.5106, Rel. Des. Fed. LUIZ ANTONIO SOARES, e-DJF2R 15/04/2019, pgs 187 e ss)
De fato, a Justiça do Trabalho possui precedentes do mesmo sentido:
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. Verificada a possibilidade de a decisão recorrida divergir de entendimento predominante nesta Corte Superior, fica caracterizada a transcendência política , nos termos do artigo 896-A, § 1º, II, da CLT. VALIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO. AUDITOR FISCAL DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. PROVIMENTO. O entendimento prevalecente nesta Corte Superior tem sido de que o Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho possui atribuição para declarar a existência de vínculo de emprego, sem que isso configure invasão de competência da Justiça do Trabalho. Tal conclusão se extrai do comando dos artigos 626 e 628 da CLT. Assim, diante de possível existência de vínculo de emprego, sem a observância das normas trabalhistas, inclusive no que diz respeito ao dever de manutenção, pelo empregador, do registro de seus empregados (artigo 41, caput, da CLT), cabe ao Ministério do Trabalho, em razão do exercício do poder de polícia que lhe é inerente, não só o dever de fiscalizar, mas o de lavrar o respectivo auto, inclusive com aplicação das multas cabíveis, sem que isso configure extrapolação de sua competência funcional. Precedentes. No caso , o Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário da União, mantendo a sentença que reconheceu a nulidade dos autos de infração lavrados pelo Auditor Fiscal do do Trabalho, ao fundamento de que sua competência é limitada, e o reconhecimento do vínculo de emprego seria de competência do Poder Judiciário. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (grifei)
(RR-1000228-71.2019.5.02.0434, 8ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 20/03/2023).
"RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO APÓS A LEI Nº 13.015/2014, MAS ANTES DA LEI Nº 13.105/2015. AÇÃO ANULATÓRIA - FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO - AUTO DE INFRAÇÃO - RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO POR AUDITOR FISCAL - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - INEXISTÊNCIA. (violação ao art. 3º da CLT e divergência jurisprudencial) A jurisprudência desta Corte Superior do Trabalho, interpretando os artigos 626 e 628 da CLT, já pacificou o entendimento de que, ao atestar a existência de relação de emprego, em auto de infração, o Auditor Fiscal do Trabalho não invade a competência jurisdicional desta Justiça Especializada. Isso porque é seu dever legal fiscalizar o fiel cumprimento da legislação trabalhista, encerrando uma prerrogativa administrativa, cuja omissão implica, inclusive, em responsabilização do agente público. Recurso de revista não conhecido. (...)" (grifei)
(TRT 17- RR-56500-15.2013.5.17.0008, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 19/08/2022).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DAS LEIS 13.015/2014 E 13.105/2015 . AUTO DE INFRAÇÃO. COMPETÊNCIA DO AUDITOR FISCAL DO TRABALHO NA DETECÇÃO DO VINCULO EMPREGATÍCIO E DA IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO DE MÃO DE OBRA TERCEIRIZADA. A atuação do auditor fiscal do trabalho não se limita apenas à análise da regularidade formal da documentação dos empregadores, pois, sua atribuição constitui também a verificação do fiel cumprimento das normas trabalhistas, inclusive no âmbito das relações de trabalho e de emprego, devendo, portanto, verificar a existência ou não de relação de emprego quanto a trabalhadores que prestam serviços mediante terceirização a tomadores de serviço. Pacificada por esta Corte a competência da fiscalização do trabalho para constatar violações dos direitos trabalhistas, inclusive para verificar a própria existência da relação de emprego, por ser sua atribuição verificar o cumprimento das normas trabalhistas. Precedentes. Recurso de revista conhecido por violação do Art. 626 da CLT e provido" (grifei)
(RR-1000003-04.2018.5.02.0073, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 19/03/2021).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. LIMITES DE ATUAÇÃO DO AUDITOR FISCAL DO TRABALHO. Nos termos dos arts. 626 e 628 da Consolidação das Leis do Trabalho, incumbe ao Auditor Fiscal do Trabalho a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho. A conclusão pela existência de violação de preceito de lei deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração. Na hipótese, a fiscalização do trabalho lavrou auto de infração, ante a ilicitude de terceirização de serviços, declarando vínculo direto de emprego entre a autora e os terceirizados, o que não caracteriza invasão da competência da Justiça do Trabalho. Precedentes da SbDI-1 do TST . Recurso de revista de que não se conhece" (grifei)
(RR-1978-31.2013.5.03.0104, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 26/06/2020).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUTO DE INFRAÇÃO . AÇÃO ANULATÓRIA. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. O Poder Executivo tem a competência e o dever de assegurar a fiel execução das leis no País (art . 84, IV, CF), função que realiza, no âmbito juslaborativo, entre outras medidas e instituições, mediante a competência explicita da União para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (art. 21, XXIV, CF). O auditor fiscal do trabalho, como qualquer autoridade de inspeção do Estado (inspeção do trabalho, inspeção fazendária, inspeção sanitária, etc.) tem o poder e o dever de examinar os dados da situação concreta posta à sua análise, durante a inspeção, verificando se ali há (ou não) cumprimento ou descumprimento das respectivas leis federais imperativas . Na hipótese da atuação do Auditor Fiscal do Trabalho, este pode (e deve) examinar a presença (ou não) de relações jurídicas enquadradas nas leis trabalhistas e se estas leis estão (ou não) sendo cumpridas no caso concreto, aplicando as sanções pertinentes, respeitado o critério da dupla visita. Se o empregador mantém trabalhador irregular ofende o art. 41 da CLT, referente à obrigatoriedade de mantença dos livros de registros de empregados. Assim, analisar a situação fática e realizar seu enquadramento no Direito é tarefa de qualquer órgão fiscalizador do Estado, em sua atribuição constitucional de fazer cumprir as leis do País . Não há semelhante restrição na ordem jurídica. Em consequência, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que ora subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido."
(TST - AIRR: 565405020085110004 56540-50 .2008.5.11.0004, Relator.: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 14/09/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2011)
No mesmo sentido, recente precedente da 4ª Turma Especializada desta Corte:
"TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. AUDITOR FISCAL. COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAR, ARRECADAR E COBRAR. ART. 229, §2º DO DECRETO Nº 3.048/99 C/C ART. 6º DA LEI Nº 10.593/2022. SERVIÇOS INTELECTUAIS PRESTADOS DE FORMA PERSONALÍSSIMA PELOS SÓCIOS DE PESSOAS JURÍDICAS CONTRATADAS. ARTIGO 129 DA LEI Nº 11.196/2005. ADC Nº 66. RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. LIBERDADE ECONÔMICA. RESPEITO À OPÇÃO DE CONTRATAÇÃO FEITA ENTRE AS PARTES. PROVIMENTO.
1. Apelação interposta em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado, que objetivava a anulação de lançamento fiscal, bem como da decisão administrativa que o homologou, com a consequente extinção do crédito tributário lançado por meio de NFLD. No mais, condenou a parte autora em honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa, nos termos do § 2º c/c §3º, I, ambos do art. 85, do CPC.
2. O Auditor Fiscal, em sua competência para arrecadar, fiscalizar e cobrar as contribuições sociais, deve enquadrar, no caso concreto, determinada relação jurídica como relação de emprego, caso verifique a presença de seus requisitos. Art. 229, §2º do Decreto nº 3.048/99 c/c art. 6º da Lei nº 10.593/2022.
3. O artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 não impede a avaliação de legalidade e regularidade pela Administração ou pelo Poder Judiciário quanto à opção pela contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais. Nesse rumo, não se pode falar em incompatibilidade do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 com o artigo 229 do Decreto nº 3.048/99. Precedente na ADC 66.
4. No caso, não se pode afirmar que os sócios das prestadoras de serviços contratadas eram empregados da apelante, ou que os serviços teriam sido prestados pelas pessoas jurídicas contratadas.
5. O Relatório Fiscal, na descrição dos fatos que motivaram a lavratura da NFLD, evidencia que a fiscalização atuou contra o fenômeno da "pejotização" de forma generalizada, uma vez que, mais adiante, não se encontram elementos concretos, individualizados, que apontem burla à legislação fiscal, previdenciária ou trabalhista.
6. No voto do Relator do Acórdão do CARF, embora vencido, fica claro que os elementos da pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação "deveriam ser apreciados individualmente para cada trabalhador, os quais poderiam vir a reforçar às conclusões da Auditoria quanto à ocorrência do liame de emprego, jamais serem utilizados para caracterizá-la de forma genérica".
7. A r. sentença merece ser reformada, pois o Fisco não comprovou, de forma individualizada, a presença dos elementos caracterizadores de relação empregatícia entre a autora e as empresas prestadoras de serviços intelectuais (Tecnologia da Informação), devendo ser respeitada a opção de contratação feita entre as partes, em observância à "perspectiva de densificação da liberdade de organização da atividade econômica empresarial", na linha do entendimento da e. Ministra Carmen Lúcia, Relatora da ADC nº 66.
8. Em relação aos honorários advocatícios, segundo a jurisprudência do E. STJ, a reforma integral da sentença acarreta a inversão do ônus da sucumbência.
9. Apelação a que se dá provimento."
(TRF2, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012040-92.2016.4.02.5001/ES, 4ª Turma Especializada, Rel. Juiz Convocado MAURO LUIS ROCHA LOPES, por unanimidade, juntado aos autos em 19/4/2024)
Neste contexto, em que pese o disposto no art. 114 da CF e no art. 39 da CLT, consoante jurisprudência do E. STJ, da Justiça Trabalhista e desta Corte Regional, o auditor fiscal do trabalho é competente para reconhecimento de relação de emprego e lavratura do auto de infração cabível, no exercício do poder de polícia que lhe confere a legislação, inclusive sob pena de responsabilização, não havendo que se falar na usurpação da função jurisdicional (CF, art. 21, XXIV; CLT, arts. 626 e 628; Lei nº 10.593/2002, art. 11; Lei nº 9.649/1998, art. 14, XIX, 'c').
4.2.2. Art. 129 da Lei 11.196/2005:
A parte autora alega que, com a edição da Lei nº 11.196/05, "as fiscalizações tributária e previdenciária são obrigadas a reconhecer a validade dos contratos celebrados com pessoa jurídica, ainda que os serviços sejam prestados individualmente pelo seu sócio".
Por oportunidade do julgamento da ADC 66, o E. STF assentou o entendimento de que "a opção pela contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais no art. 129 da Lei n. 11.196/2005" não impede a "avaliação de legalidade e regularidade pela Administração ou pelo Poder Judiciário quando acionado, por inexistirem no ordenamento constitucional garantias ou direitos absolutos" (ADC 66, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-053 DIVULG 18-03-2021 PUBLIC 19-03-2021).
Em observância do referido entendimento, confira-se precedente desta Corte Regional:
"TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. AUDITOR FISCAL. COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAR, ARRECADAR E COBRAR. ART. 229, §2º DO DECRETO Nº 3.048/99 C/C ART. 6º DA LEI Nº 10.593/2022. SERVIÇOS INTELECTUAIS PRESTADOS DE FORMA PERSONALÍSSIMA PELOS SÓCIOS DE PESSOAS JURÍDICAS CONTRATADAS. ARTIGO 129 DA LEI Nº 11.196/2005. ADC Nº 66. RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. LIBERDADE ECONÔMICA. RESPEITO À OPÇÃO DE CONTRATAÇÃO FEITA ENTRE AS PARTES. PROVIMENTO.
1. Apelação interposta em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado, que objetivava a anulação de lançamento fiscal, bem como da decisão administrativa que o homologou, com a consequente extinção do crédito tributário lançado por meio de NFLD. No mais, condenou a parte autora em honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa, nos termos do § 2º c/c §3º, I, ambos do art. 85, do CPC.
2. O Auditor Fiscal, em sua competência para arrecadar, fiscalizar e cobrar as contribuições sociais, deve enquadrar, no caso concreto, determinada relação jurídica como relação de emprego, caso verifique a presença de seus requisitos. Art. 229, §2º do Decreto nº 3.048/99 c/c art. 6º da Lei nº 10.593/2022.
3. O artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 não impede a avaliação de legalidade e regularidade pela Administração ou pelo Poder Judiciário quanto à opção pela contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais. Nesse rumo, não se pode falar em incompatibilidade do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 com o artigo 229 do Decreto nº 3.048/99. Precedente na ADC 66.
4. No caso, não se pode afirmar que os sócios das prestadoras de serviços contratadas eram empregados da apelante, ou que os serviços teriam sido prestados pelas pessoas jurídicas contratadas.
5. O Relatório Fiscal, na descrição dos fatos que motivaram a lavratura da NFLD, evidencia que a fiscalização atuou contra o fenômeno da "pejotização" de forma generalizada, uma vez que, mais adiante, não se encontram elementos concretos, individualizados, que apontem burla à legislação fiscal, previdenciária ou trabalhista.
6. No voto do Relator do Acórdão do CARF, embora vencido, fica claro que os elementos da pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação "deveriam ser apreciados individualmente para cada trabalhador, os quais poderiam vir a reforçar às conclusões da Auditoria quanto à ocorrência do liame de emprego, jamais serem utilizados para caracterizá-la de forma genérica".
7. A r. sentença merece ser reformada, pois o Fisco não comprovou, de forma individualizada, a presença dos elementos caracterizadores de relação empregatícia entre a autora e as empresas prestadoras de serviços intelectuais (Tecnologia da Informação), devendo ser respeitada a opção de contratação feita entre as partes, em observância à "perspectiva de densificação da liberdade de organização da atividade econômica empresarial", na linha do entendimento da e. Ministra Carmen Lúcia, Relatora da ADC nº 66.
8. Em relação aos honorários advocatícios, segundo a jurisprudência do E. STJ, a reforma integral da sentença acarreta a inversão do ônus da sucumbência.
9. Apelação a que se dá provimento."
(TRF2, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012040-92.2016.4.02.5001/ES, Rel. Juiz Convocado MAURO LUIS ROCHA LOPES, por unanimidade, juntado aos autos em 19/4/2024)
Assim, consoante o entendimento firmado na ADC 66, não há que se falar que, com a edição da Lei nº 11.196/05, a fiscalização passou a ser obrigada a reconhecer, em qualquer situação, a validade dos contratos celebrados com pessoas jurídicas.
4.2.3. Ausência de Contraditório e Ampla Defesa:
A sentença estabeleceu que "não há que se falar em ausência de contraditório e ampla defesa na autuação da notificação de débito para cobrança dos valores devidos ao FGTS, uma vez que foi oportunizada à autora a apresentação de defesa administrativa, observadas todas as garantias atinentes ao devido processo legal (evento 53.2)".
Segundo a Apelante, "para garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório, previstos no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, caberia ao Sra. Auditora Fiscal do Trabalho indicar, de forma pormenorizada, quais são os requisitos atendidos, o que efetivamente foi constatado, como foi a inquirição etc., o que de fato não ocorreu".
Por esta razão, haveria inobservância do princípio constitucional da legalidade (CF, art. 37), necessária à materialização da segurança jurídica, compreendendo, dentre outros, a outorga da ampla defesa e do contraditório.
Deve-se esclarecer, inicialmente, que a NDFC 200.067.796, objeto do presente feito, refere-se ao auto de infração 200.303.180 (art. 23, §1º, I, da Lei 8.036/90) – processo administrativo n. 46215.007190/2013-02, o qual originou-se do auto de infração 200.303.171 (art. 41, caput, da CLT) – processo administrativo n. 46215.007189/2013-70, ambos lavrados em 12/03/2013, pela mesma auditora fiscal.
A autora pretende a anulação da referida notificação. E a autuação é referente à apuração realizada de 12/2012 a 03/2013, quanto ao período de 01/2008 a 01/2013 (evento 71, PET6).
Em análise aos autos do processo administrativo concernente à NDFC 200.067.796, verifica-se que não consta da NDFC análise pormenorizada dos requisitos do art. 3º, caput, da CLT (realização por pessoa física, pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade).
Segundo relatório circunstanciado do Auditor Fiscal, que acompanhou a NDFC(evento 53, OUT2, fls. 16-17), apurou-se que
"(...) a NOTIFICADA deixou de registar alguns empregados, todos profissionais da área de publicidade, marketing e áreas afins, que desenvolvem tarefas diretamente relacionadas às atividade principais da GIOVANI + DRAFTFCB, (...). Conforme observação fática e documental constatou-se que os profissionais encontrados sem registro são contratados por meio de empresas interpostas em que constam como sócios. Constatou-se, assim, que a autuada DEIXOU DE DEPOSITAR O FGTS MENSAL DE JANEIRO/08 a JANEIRO/13 dos 10 empregados listados abaixo. A situação acima descrita culminou com a lavratura do auto de infração nº. 200.303.171, com capitulação no artigo 41, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho e, em consonância com o previsto no artigo 21, da INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 99, de 23 de agosto de 2012, que dispõe sobre (...), foi emitida a presente notificação de débito (NDFC), originado de remuneração paga a empregados sem registro. (...) Ressalte-se que a NOTIFICADA deixou de apresnetar diversos documentos essencuais à presente ação fiscal, tais como aprte dos contratos de prestação de serviços solicitados, contratos sociais e DCTF (...) do ano-calendário 2012. Tal situação prejudiciou a auditoria trabalhista e ensejou a lavratura dos autos de infração nº. 200.235.656 e 200.279.025, capitulados com base no artigo 630, §4º, da Consolidação das Leis do Trabalho. (...)"
Contudo, o Auto de Infração originário (200.303.171 - art. 41/CLT) relata terem sido verificados os referidos requisitos e as inquirições realizadas (evento 71, PET6, fls. 1-6), fatos evidenciados na decisão de improcedência da defesa administrativa tanto do referido Auto de Infração (evento 71, PET6, fls. 9-23), quanto do auto de infração que originou a NDFC 200.067.796, objeto do presente feito (evento 53, OUT2).
Ademais, quanto à autuação na penalidade do art. 41/CLT, foi interposto recurso administrativo, também rejeitado (evento 71, PET8, fsl. 75-87 e 89).
E, rejeitada a defesa administrativa também apresentada quanto à NDFC 200.067.796, e notificada a Apelante em 03/10/2019 (evento 53, OUT2, fl. 98), neste caso, esta não interpôs recurso (evento 53, OUT2, fl. 99).
Neste contexto, não há que se falar em ofensa ao contraditório ou à ampla defesa, vez que a Apelante foi notificada de sua autuação e das referidas decisões administrativas, sendo-lhe oportunizado prazo para defesa, além de ter acesso às informações necessárias, e, apesar disso e de rejeitado o recurso administrativo quanto ao Auto de Infração originário, não interpôs recurso da decisão que rejeitou sua defesa a respeito da NDFC 200.067.796, objeto do presente feito.
4.2.4. Relação de emprego:
Trata-se de autuação que remonta ao ano de 2013, referente à apuração realizada de 12/2012 a 03/2013, quanto ao período de 01/2008 a 01/2013.
Segundo o auditor fiscal, a partir de entrevistas com supostos prestadores de serviço, também foram feitas análises documentais, constatando-se que, apesar dos contratos de terceirização firmados, haveria, de fato, relações de emprego propriamente ditas.
Após análise das defesas apresentadas, os débitos pelo não recolhimento do FGTS foram encaminhados para inscrição em dívida ativa em 06/11/2019 (evento 71, PET8, fl. 100).
Ao que se observa, fundou-se a referida autuação no disposto na Súmula 331/TST, segundo a qual:
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Extrai-se do processo administrativo que foi considerado o fato da prestação do serviço na atividade-fim, verificando-se, ainda, acerca da presença dos requisitos da relação trabalhista.
Sobreveio, entretanto, o julgamento da ADPF nº 324, em 30/08/2018, superando a dicotomia entre “atividade-fim” e “atividade-meio”, para fins de terceirização.
O julgamento da ADPF 324 restou ementado nos seguintes termos:
Ementa: DIREITO DO TRABALHO . ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE -FIM E DE ATIVIDADE -MEIO . CONSTITUCIONALIDADE. 1. A Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade. 2. A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade. 3. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações. 4. Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993). 5. A responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços pressupõe a sua participação no processo judicial, bem como a sua inclusão no título executivo judicial. 6. Mesmo com a superveniência da Lei 13.467/2017, persiste o objeto da ação, entre outras razões porque, a despeito dela, não foi revogada ou alterada a Súmula 331 do TST, que consolidava o conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria, a indicar que o tema continua a demandar a manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito dos aspectos constitucionais da terceirização. Além disso, a aprovação da lei ocorreu após o pedido de inclusão do feito em pauta. 7. Firmo a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”. 8. ADPF julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio. Restou explicitado pela maioria que a decisão não afeta automaticamente decisões transitadas em julgado." (grifei)
(STF - ADPF: 324 DF, Relator.: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 30/08/2018, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 06/09/2019)
Desta forma, o E. STF, por maioria, firmou as seguintes teses:
"1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993".
E, "restou explicitado pela maioria que a decisão não afeta automaticamente decisões transitadas em julgado".
A ADPF 324 transitou em julgado em 28/09/2021.
Quanto à produção de efeitos, observa-se que a Corte Suprema tem esclarecido a questão nos seguintes termos, em sede de reclamações ajuizadas em face de julgados que seriam contrários à referida ADPF, a exemplo da seguinte Decisão monocrática:
"(...)
No entanto, se faz necessária distinção em relação às reclamações ajuizadas para garantir a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade (art. 102, I, l, CRFB, c/c art. 988, III, parte final, do CPC).
A esses casos entendo possível afastar a exigência de que o paradigma seja anterior à decisão reclamada.
Trata-se, afinal, de uma consequência inerente à teoria da nulidade da norma inconstitucional, que impõe, em regra, a retroatividade das decisões em controle concentrado.
Serve, assim, a reclamação, ao menos enquanto não transitada em julgado a decisão reclamada, à uniformização da jurisprudência sobre a questão constitucional decidida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, com efeitos ex tunc e vinculantes, além de eficácia erga omnes (art. 102, § 2º, CRFB).
Preserva-se, a partir de tal compreensão sistêmica, a necessária isonomia.
(...)"
(RCL 40909, Relator Ministro EDSON FACHIN, DJE nº 209, divulgado em 21/08/2020)
Saliente-se, ainda, o disposto no art. 11 da Lei 9.882/99 (processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal):
"Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."
Entretanto, exceto pela consignação referente às ações rescisórias, não automaticamente afetadas, não houve restrição de efeitos a partir do trânsito em julgado ou outro momento fixado.
Ao passo em que apreciada a referida ADPF, também foi apreciado o tema 725 (RE 958.252), de relatoria do Ministro Luiz Fuz, em que o Plenário da Corte Suprema, na mesma data (30.08.2018), firmou a seguinte tese (acórdão publicado em 13/09/2019):
"É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante."
Confira-se o inteiro teor do respectivo Acórdão:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. CONSTITUCIONALIDADE DA “TERCEIRIZAÇÃO”. ADMISSIBILIDADE. OFENSA DIRETA. VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA (ART. 1º, IV, CRFB). RELAÇÃO COMPLEMENTAR E DIALÓGICA, NÃO CONFLITIVA. PRINCÍPIO DA LIBERDADE JURÍDICA (ART. 5º, II, CRFB). CONSECTÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III, CRFB). VEDAÇÃO A RESTRIÇÕES ARBITRÁRIAS E INCOMPATÍVEIS COM O POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. DEMONSTRAÇÃO EMPÍRICA DA NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE ESTRITA DE MEDIDA RESTRITIVA COMO ÔNUS DO PROPONENTE DESTA. RIGOR DO ESCRUTÍNIO EQUIVALENTE À GRAVIDADE DA MEDIDA. RESTRIÇÃO DE LIBERDADE ESTABELECIDA JURISPRUDENCIALMENTE. EXIGÊNCIA DE GRAU MÁXIMO DE CERTEZA. MANDAMENTO DEMOCRÁTICO. LEGISLATIVO COMO LOCUS ADEQUADO PARA ESCOLHAS POLÍTICAS DISCRICIONÁRIAS. SÚMULA 331 TST. PROIBIÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO. EXAME DOS FUNDAMENTOS. INEXISTÊNCIA DE FRAGILIZAÇÃO DE MOVIMENTOS SINDICAIS. DIVISÃO ENTRE “ATIVIDADE-FIM” E “ATIVIDADEMEIO” IMPRECISA, ARTIFICIAL E INCOMPATÍVEL COM A ECONOMIA MODERNA. CISÃO DE ATIVIDADES ENTRE PESSOAS JURÍDICAS DISTINTAS. ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER FRAUDULENTO. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE DESENHO EMPRESARIAL (ARTS. 1º, IV, E 170). CIÊNCIAS ECONÔMICAS E TEORIA DA ADMINISTRAÇÃO. PROFUSA LITERATURA SOBRE OS EFEITOS POSITIVOS DA TERCEIRIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS TRABALHISTAS POR CADA EMPRESA EM RELAÇÃO AOS EMPREGADOS QUE CONTRATAREM. EFEITOS PRÁTICOS DA TERCEIRIZAÇÃO. PESQUISAS EMPÍRICAS. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DE METODOLOGIA CIENTÍFICA. ESTUDOS DEMONSTRANDO EFEITOS POSITIVOS DA TERCEIRIZAÇÃO QUANTO A EMPREGO, SALÁRIOS, TURNOVER E CRESCIMENTO ECONÔMICO. INSUBSISTENTÊNCIA DAS PREMISSAS DA PROIBIÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TERCEIRIZAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DOS INCISOS I, III, IV E VI DA SÚMULA 331 DO TST. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA CONTRATATE POR OBRIGAÇÕES DA CONTRATADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
1. Recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida para examinar a constitucionalidade da Súmula n.º 331 do Tribunal Superior do Trabalho, no que concerne à proibição da terceirização de atividades-fim e responsabilização do contratante pelas obrigações trabalhistas referentes aos empregados da empresa terceirizada.
2. Interesse recursal subsistente após a aprovação das Leis nº. 13.429, de 31 de março de 2017, e 13.467, de 13 de julho de 2017, as quais modificaram a Lei n.º 6.019/1974 para expressamente consagrar a terceirização das chamadas “atividades-fim”, porquanto necessário não apenas fixar o entendimento desta Corte sobre a constitucionalidade da tese esposada na Súmula nº. 331 do TST quanto ao período anterior à vigência das referidas Leis, como também deliberar a respeito da subsistência da orientação sumular do TST posteriormente às reformas legislativas.
3. A interpretação jurisprudencial do próprio texto da Carta Magna, empreendida pelo Tribunal a quo, revela a admissibilidade do apelo extremo, por traduzir ofensa direta e não oblíqua à Constituição. Inaplicável, dessa forma, a orientação esposada na Súmula nº 636 desta Egrégia Corte. Mais além, não tem incidência o verbete sumular nº 283 deste Egrégio Tribunal, porquanto a motivação de cunho legal do aresto recorrido é insuficiente para validar o acórdão de forma autônoma.
4. Os valores do trabalho e da livre iniciativa, insculpidos na Constituição (art. 1º, IV), são intrinsecamente conectados, em uma relação dialógica que impede seja rotulada determinada providência como maximizadora de apenas um desses princípios, haja vista ser essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos, entendida esta como balizamento do poder regulatório para evitar intervenções na dinâmica da economia incompatíveis com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.
5. O art. 5º, II, da Constituição consagra o princípio da liberdade jurídica, consectário da dignidade da pessoa humana, restando cediço em sede doutrinária que o “princípio da liberdade jurídica exige uma situação de disciplina jurídica na qual se ordena e se proíbe o mínimo possível” (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 177).
6. O direito geral de liberdade, sob pena de tornar-se estéril, somente pode ser restringido por medidas informadas por parâmetro constitucionalmente legítimo e adequadas ao teste da proporcionalidade.
7. O ônus de demonstrar empiricamente a necessidade e adequação da medida restritiva a liberdades fundamentais para o atingimento de um objetivo constitucionalmente legítimo compete ao proponente da limitação, exigindo-se maior rigor na apuração da certeza sobre essas premissas empíricas quanto mais intensa for a restrição proposta.
8. A segurança das premissas empíricas que embasam medidas restritivas a direitos fundamentais deve atingir grau máximo de certeza nos casos em que estas não forem propostas pela via legislativa, com a chancela do debate público e democrático, restando estéreis quando impostas por construção jurisprudencial sem comprovação inequívoca dos motivos apontados.
9. A terceirização não fragiliza a mobilização sindical dos trabalhadores, porquanto o art. 8º, II, da Constituição contempla a existência de apenas uma organização sindical para cada categoria profissional ou econômica, mercê de a dispersão territorial também ocorrer quando uma mesma sociedade empresarial divide a sua operação por diversas localidades distintas.
10. A dicotomia entre “atividade-fim” e “atividade-meio” é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de que as “Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das atividades que previamente consideravam como centrais” (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007).
11. A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira, de configuração das empresas para fazer frente às exigências dos consumidores, justamente porque elas assumem o risco da atividade, representando a perda de eficiência uma ameaça à sua sobrevivência e ao emprego dos trabalhadores.
12. Histórico científico: Ronald H. Coase, “The Nature of The Firm”, Economica (new series), Vol. 4, Issue 16, p. 386-405, 1937. O objetivo de uma organização empresarial é o de reproduzir a distribuição de fatores sob competição atomística dentro da firma, apenas fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em sua estrutura quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção perante terceiros no mercado, estes denominados “custos de transação”, método segundo o qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício.
13. A Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing ) como modelo organizacional de desintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos de performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e serviços anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se concentre somente naquelas atividades em que pode gerar o maior valor, adotando a função de “arquiteto vertical” ou “organizador da cadeia de valor”.
14. A terceirização apresenta os seguintes benefícios: (i) aprimoramento de tarefas pelo aprendizado especializado; (ii) economias de escala e de escopo; (iii) redução da complexidade organizacional; (iv) redução de problemas de cálculo e atribuição, facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v) precificação mais precisa de custos e maior transparência; (vi) estímulo à competição de fornecedores externos; (vii) maior facilidade de adaptação a necessidades de modificações estruturais; (viii) eliminação de problemas de possíveis excessos de produção; (ix) maior eficiência pelo fim de subsídios cruzados entre departamentos com desempenhos diferentes; (x) redução dos custos iniciais de entrada no mercado, facilitando o surgimento de novos concorrentes; (xi) superação de eventuais limitações de acesso a tecnologias ou matérias-primas; (xii) menor alavancagem operacional, diminuindo a exposição da companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos fixos; (xiii) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xiv) não comprometimento de recursos que poderiam ser utilizados em setores estratégicos; (xv) diminuição da possibilidade de falhas de um setor se comunicarem a outros; e (xvi) melhor adaptação a diferentes requerimentos de administração, know-how e estrutura, para setores e atividades distintas.
15. A terceirização de uma etapa produtiva é estratégia de organização que depende da peculiaridade de cada mercado e cada empresa, destacando a opinio doctorum que por vezes a configuração ótima pode ser o fornecimento tanto interno quanto externo (GULATI, Ranjay; PURANAM, Phanish; BHATTACHARYA, Sourav. "How Much to Make and How Much to Buy? An Analysis of Optimal Plural Sourcing Strategies." Strategic Management Journal 34, no. 10 (October 2013): 1145– 1161). Deveras, defensável à luz da teoria econômica até mesmo a terceirização dos Conselhos de Administração das companhias às chamadas Board Service Providers (BSPs) (BAINBRIDGE, Stephen M.; Henderson, M. Todd. “Boards-R-Us: Reconceptualizing Corporate Boards ” (July 10, 2013). University of Chicago Coase-Sandor Institute for Law & Economics Research Paper No. 646; UCLA School of Law, Law-Econ Research Paper No. 13-11). 16. As leis trabalhistas devem ser observadas por cada uma das empresas envolvidas na cadeia de valor com relação aos empregados que contratarem, tutelando-se, nos termos constitucionalmente assegurados, o interesse dos trabalhadores.
17. A prova dos efeitos práticos da terceirização demanda pesquisas empíricas, submetidas aos rígidos procedimentos reconhecidos pela comunidade científica para desenho do projeto, coleta, codificação, análise de dados e, em especial, a realização de inferências causais mediante correta aplicação de ferramentas matemáticas, estatísticas e informáticas, evitando-se o enviesamento por omissão de variáveis (“omitted variable bias”).
18. A terceirização, segundo estudos empíricos criteriosos, longe de “precarizar”, “reificar” ou prejudicar os empregados, resulta em inegáveis benefícios aos trabalhadores em geral, como a redução do desemprego, diminuição do turnover, crescimento econômico e aumento de salários, permitindo a concretização de mandamentos constitucionais como “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “redução das desigualdades regionais e sociais” e a “busca do pleno emprego” (arts. 3º, III, e 170 CRFB).
19. A realidade brasileira, apurada em estudo específico, revela que “os trabalhadores das atividades de Segurança/vigilância recebem, em média, 5% a mais quando são terceirizados”, que “ocupações de alta qualificação e que necessitam de acúmulo de capital humano específico, como P&D [pesquisa e desenvolvimento] e TI [tecnologia da informação], pagam salários maiores aos terceirizados”, bem como afirmou ser “possível que [em] serviços nos quais os salários dos terceirizados são menores, o nível do emprego seja maior exatamente porque o ‘preço’ (salário) é menor” (ZYLBERSTAJN, Hélio et alii . “Diferencial de salários da mão de obra terceirizada no Brasil”. In : CMICRO - Nº32, Working Paper Series, 07 de agosto de 2015, FGV-EESP).
20. A teoria econômica, à luz dessas constatações empíricas, vaticina que, verbis: “Quando a terceirização permite às firmas produzir com menos custos, a competição entre firmas que terceirizam diminuirá os preços dos seus produtos. (...) consumidores terão mais dinheiro para gastar com outros bens, o que ajudará empregos em outras indústrias” (TAYLOR, Timothy. “In Defense of Outsourcing”. In: 25 Cato J. 367 2005. p. 371).
21. O escrutínio rigoroso das premissas empíricas assumidas pela Corte de origem revela insubsistentes as afirmações de fraude e precarização, não sendo suficiente para embasar a medida restritiva o recurso meramente retórico a interpretações de cláusulas constitucionais genéricas, motivo pelo qual deve ser afastada a proibição, em homenagem às liberdades fundamentais consagradas na Carta Magna (art. 1º, IV, art. 5º, II, e art. 170).
22. Em conclusão, a prática da terceirização já era válida no direito brasileiro mesmo no período anterior à edição das Leis nº. 13.429/2017 e 13.467/2017, independentemente dos setores em que adotada ou da natureza das atividades contratadas com terceira pessoa, reputando-se inconstitucional a Súmula nº. 331 do TST, por violação aos princípios da livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170 da CRFB) e da liberdade contratual (art. 5º, II, da CRFB).
23. As contratações de serviços por interposta pessoa são hígidas, na forma determinada pelo negócio jurídico entre as partes, até o advento das Leis nº. 13.429/2017 e 13.467/2017, marco temporal após o qual incide o regramento determinado na nova redação da Lei n.º 6.019/1974, inclusive quanto às obrigações e formalidades exigidas das empresas tomadoras e prestadoras de serviço.
24. É aplicável às relações jurídicas preexistentes à Lei n.º 13.429, de 31 de março de 2017, a responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica contratante pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa prestadora de serviços, bem como a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias devidas por esta (art. 31 da Lei n.º 8.212/93), mercê da necessidade de evitar o vácuo normativo resultante da insubsistência da Súmula n.º 331 do TST.
25. Recurso Extraordinário a que se dá provimento para reformar o acórdão recorrido e fixar a seguinte tese: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”." (grifei)
(STF, RE 958252 / MG, Relator Ministro Luiz Fux, DJE nº 199, divulgado em 12/09/2019, publicado em 13/09/2019).
Por fim, foi dado parcial provimento a embargos de declaração, modulando os efeitos do julgamento, "para o fim de esclarecer que os valores que tenham sido recebidos de boa-fé pelos trabalhadores não deverão ser restituídos, ficando prejudicada a discussão relativamente à possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, tendo em vista já haver transcorrido o prazo para propositura, cujo termo inicial foi o trânsito em julgado da ADPF 324" (STF, RE 958.252, Rel. Ministro Luiz Fux, Sessão Virtual de Plenário, 29.11.2023).
Transitado em julgado em 15/10/2024.
Destaque-se que, aqui, o E. STF assentou expressamente a aplicabilidade da responsabilidade subsidiária às relações anteriores à Lei nº 13.429/2017, e que "a cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento".
Extrai-se de ambos os julgamentos, portanto, que:
(i) é legal e constitucional a terceirização da atividade-fim (antes e depois da reforma trabalhista);
(ii) a terceirização da atividade-fim, por si só, não revela intuito fraudulento;
(iii) para evitar o exercício abusivo de tal espécie de contratação, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993);
(iv) a responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços pressupõe a sua participação no processo judicial, bem como a sua inclusão no título executivo judicial, conforme já era previsto pela Súmula n.º 331 do TST;
(v) a fim de se evitar vácuo normativo resultante da insubsistência da Súmula n.º 331 do TST, aplica-se às relações jurídicas preexistentes à Lei n.º 13.429, de 31 de março de 2017, a responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica contratante pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa prestadora de serviços, bem como a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias devidas por esta (art. 31 da Lei n.º 8.212/93).
No interregno entre o julgamento da ADPF 324 e do tema 725 e respectivos trânsitos em julgado, foi ajuizado o presente feito, em 14/01/2020.
E foi localizada, no Sistema e-Proc, a execução fiscal n. 5008642-04.2020.4.02.5101, ajuizada em 12/02/2020, encontrando-se suspensa até o julgamento definitivo desta ação (evento 70, DESPADEC1).
Acrescente-se que, após assentada a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, a Corte Suprema veio a se manifestar sobre situações concretas, onde se destacou a possibilidade de que seja constatada fraude, além da análise da vulnerabilidade/hipossuficiência para fins de caracterização da relação empregatícia, adicionalmente aos requisitos do art. 3º, caput, da CLT (realização por pessoa física, pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade).
Neste sentido, consoante destacado pelo E. STF, em julgado publicado em 28/06/2023 (reclamação constitucional em face de acórdão do Tribunal Regional do do Trabalho da 17ª Região, por inobservância do quanto decidido na ADPF 324 e no tema 725 do E. STF), deve-se considerar "não somente a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho assentada nos precedentes obrigatórios, mas também a ausência de condição de vulnerabilidade na opção pelo contrato firmado na relação jurídica estabelecida que justifique a proteção estatal por meio do Poder Judiciário".
Referido julgado restou assim ementado:
"EMENTA Agravo regimental em reclamação. Tema nº 725 da Repercussão Geral ( RE nº 958.252) e ADPF nº 324. Prestação de serviços na atividade-fim de empresa tomadora de serviço por sociedade jurídica unipessoal. Fenômeno jurídico da “pejotização”. Existência de aderência estrita entre o ato reclamado e os paradigmas do STF. Agravo regimental provido. Reclamação julgada procedente. 1. O tema de fundo referente à regularidade da contratação de pessoa jurídica constituída como sociedade unipessoal para prestação de serviço médico, atividade-fim da empresa tomadora de serviços, nos termos de contrato firmado sob a égide de normas do direito privado, por se relacionar com a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho, revela aderência estrita com a matéria tratada no Tema nº 725 da Sistemática da Repercussão Geral e na ADPF nº 324. 2. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego ( CF/88, art. 7º), sendo conferida liberdade aos agentes econômicos para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente, com fundamento no postulado da livre iniciativa ( CF/88, art. 170), conforme julgado na ADC nº 48. 3. Procedência do pedido para afirmar a licitude do fenômeno da contratação de pessoa jurídica unipessoal para prestação de serviço a empresa tomadora de serviço, destacando-se não somente a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho assentada nos precedentes obrigatórios, mas também a ausência de condição de vulnerabilidade na opção pelo contrato firmado na relação jurídica estabelecida que justifique a proteção estatal por meio do Poder Judiciário. Precedentes. 4. Agravo regimental provido e reclamação julgada procedente." (grifei)
(STF - Rcl: 57057 ES, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 22/05/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-06-2023 PUBLIC 28-06-2023)
Também considerando a ausência de vulnerabilidade, foram citados os seguintes precedentes da referida Corte: (Rcl nº 58.301-AgR-segundo, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe de 3/5/23); (Rcl nº 56.285-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso , Primeira Turma, DJe de 30/3/23); (Rcl nº 47.843-AgR, red. do ac. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe de 7/4/22).
Relevante destaque foi registrado, ainda, por oportunidade do julgamento da Rcl 62.648 (Min. Rel. Cristiano Zanin, DJe 03/10/2023), a respeito da ADC 66/DF, tratando dos "benefícios fiscais e previdenciários de empresas prestadoras de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não":
“Com essa medida, de um lado, a parte contratante desses serviços tem relevante diminuição de ônus não só tributários, mas também trabalhistas. De outro lado, os serviços contratados não mais ficam sujeitos, inclusive para fins previdenciários, às regras de tributação aplicáveis às pessoas físicas, como aquelas atinentes ao imposto de renda devido por pessoa física.
Para além dos incentivos previdenciários e tributários, a presente ação direta se insere no contexto da conjugação da livre iniciativa com a valorização do trabalho humano, as quais fundamentam a ordem econômica e com as quais se busca atingir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inscritos no art. 3º da Magna Carta.”
(ADC 66/DF, Rel. Min. Carmem Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 08/1/2021)
As circunstâncias acima consideradas revelam as vantagens da terceirização para ambas as partes, recrudescendo a necessidade de efetiva e concreta demonstração de vulnerabilidade ou coação, a fim de justificar a proteção do Estado/Judiciário, como ocorre nas relações com vínculo empregatício.
Esta 3ª Turma Especializada também já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema, mantendo-se a higidez do contrato então analisado, mediante a ausência de provas de que teria havido intermediação irregular de mão de obra:
"TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS A EXECUÇÃO. FGTS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. LEGITIMIDADE. TEMA 725 STF. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1 - Cuida-se de recurso de apelação interposto em face da sentença que julgou procedente o pedido deduzido nos embargos à execução para declarar a nulidade dos títulos executivos representados pelas CDAs nºs FGRJ201300152 e CSRJ201300153. Cinge-se a controvérsia em perquirir a natureza dos serviços prestados pelos profissionais de fisioterapia que trabalham nas dependências do hospital e se configurada a relação de emprego ou mera prestação de serviço mediante terceirização.
2 – É ultrapassada a manutenção da dicotomia entre “atividade-fim” e “atividade-meio”, para fins de terceirização, e errônea a confusão de identidade entre terceirização com intermediação ilícita de mão de obra.
3 – Da análise do contrato firmado entre as partes não se conclui que haja subordinação e pessoalidade, o que poderia descaracterizar a terceirização. Ao contrário, o que se estabelece é que os serviços de fisioterapia serão realizados sob exclusiva responsabilidade da contratada.
4 – Em outro contexto, fora dos limites contratuais, onde se destaca o princípio da primazia da realidade, também não há provas nos autos de que o contrato firmado entre as partes seja com a finalidade de intermediação irregular de mão de obra. O auto de infração se debruçou sobre o contrato e suas cláusulas, porém o auto não possui o condão de desfazer uma relação contratual legítima.
5 - Apelação de UNIÃO FEDERAL improvida."
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026057-32.2013.4.02.5101/RJ, Relator Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, por unanimidade, juntado aos autos em 12/11/2020)
Destaque-se a ressalva acerca da possibilidade de que haja fraude em tal espécie de contratação, pois "São lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real; isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação". (Rcl nº 56.285-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso , Primeira Turma, DJe de 30/3/23).
No referido caso concreto, ficou afastada a hipossuficiência, pois considerou-se que se trata de "profissional com elevado grau de escolaridade e remuneração expressiva, capaz, portanto, de fazer uma escolha esclarecida sobre sua contratação", inexistindo na decisão reclamada, ainda, qualquer elemento concreto de que tenha havido coação na contratação celebrada.
Neste sentido, julgado desta 3ª Turma Especializada:
"TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS A EXECUÇÃO. FGTS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. LEGITIMIDADE. TEMA 725 STF. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1 - Cuida-se de recurso de apelação interposto em face da sentença que julgou procedente o pedido deduzido nos embargos à execução para declarar a nulidade dos títulos executivos representados pelas CDAs nºs FGRJ201300152 e CSRJ201300153. Cinge-se a controvérsia em perquirir a natureza dos serviços prestados pelos profissionais de fisioterapia que trabalham nas dependências do hospital e se configurada a relação de emprego ou mera prestação de serviço mediante terceirização.
2 – É ultrapassada a manutenção da dicotomia entre “atividade-fim” e “atividade-meio”, para fins de terceirização, e errônea a confusão de identidade entre terceirização com intermediação ilícita de mão de obra.
3 – Da análise do contrato firmado entre as partes não se conclui que haja subordinação e pessoalidade, o que poderia descaracterizar a terceirização. Ao contrário, o que se estabelece é que os serviços de fisioterapia serão realizados sob exclusiva responsabilidade da contratada.
4 – Em outro contexto, fora dos limites contratuais, onde se destaca o princípio da primazia da realidade, também não há provas nos autos de que o contrato firmado entre as partes seja com a finalidade de intermediação irregular de mão de obra. O auto de infração se debruçou sobre o contrato e suas cláusulas, porém o auto não possui o condão de desfazer uma relação contratual legítima.
5 - Apelação de UNIÃO FEDERAL improvida." (grifei)
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026057-32.2013.4.02.5101/RJ, Relator Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, por unanimidade, juntado aos autos em 12/11/2020)
Ainda a respeito da ausência de vulnerabilidade, confiram-se os seguintes precedentes da Corte Suprema:
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À AUTORIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS POR ESTA SUPREMA CORTE NA ADPF 324/DF E NO RE 958.252 RG/MG – TEMA 725/RG. ADERÊNCIA ESTRITA. REPÓRTER ESPORTIVO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO OU CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. AGRAVO IMPROVIDO. I - O Supremo Tribunal Federal, com fundamento nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, entendeu ser possível a terceirização de qualquer atividade econômica, ficando superada a distinção estabelecida entre atividade-fim e atividade-meio firmada pela jurisprudência trabalhista. II - Existência de afronta à autoridade da decisão proferida na ADPF 324/DF e no RE 958.252 RG/MG – Tema 725/RG. III - Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(STF - Rcl: 62466 RS, Relator: Min. CRISTIANO ZANIN, Data de Julgamento: 12/12/2023, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13-12-2023 PUBLIC 14-12-2023)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À AUTORIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS POR ESTA SUPREMA CORTE NA ADPF 324/DF. ADERÊNCIA ESTRITA. CONSULTOR DE VENDAS. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO OU CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. AGRAVO IMPROVIDO. I - O Supremo Tribunal Federal, com fundamento nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, entendeu ser possível a terceirização de qualquer atividade econômica, ficando superada a distinção estabelecida entre atividade-fim e atividade-meio firmada pela jurisprudência trabalhista. II - Existência de afronta à autoridade da decisão proferida na ADPF 324/DF. III - Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(STF - Rcl: 62255 RS, Relator: Min. CRISTIANO ZANIN, Data de Julgamento: 12/12/2023, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13-12-2023 PUBLIC 14-12-2023)
Releva registrar que, para demonstração de fraude, não se admitem presunções, consoante já fora pontuado em caso similar, desta 3ª Turma Especializada, recentemente julgado:
"TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. FGTS. TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM. LEGALIDADE. ADPF 324. TEMA 725/STF. CONCEPÇÃO ESTRUTURAL DA SUBORDINAÇÃO AFASTADA PELA SENTENÇA. ANULAÇÃO DO DÉBITO. SUBORDINAÇÃO DE FATO NÃO COMPROVADA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA TOMADORA. INOVAÇÃO RECURSAL.
1. Trata-se de embargos à execução fiscal, que visa a anulação da cobrança de valores não depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aduzindo-se, em síntese, que se trata de terceirização lícita.
2. Insurge-se a União em face da sentença que julgou procedente o pedido, ante a insubsistência do título extrajudicial, vez que fundado na concepção estrutural da subordinação que teria sido adotada pela fiscalização, em razão da prestação de serviços ter ocorrido na atividade-fim, o que seria contrário ao entendimento firmado pelo STF, no sentido da legalidade da terceirização da atividade-fim (ADPF 324 e tema 725).
3. No que toca à alegação de que a sentença se pautou no julgamento da APDF 324 e do tema 725, mas não considerou que os mesmos julgados assentaram a responsabilidade subsidiária da tomadora, trata-se de inovação recursal, de sorte que não podem ser conhecidas neste seara, sob pena de supressão de instância e ofensa ao princípio do juiz natural (CF/88, artigo 5º, XXXVII e LIII). O mesmo ocorre a respeito das alegações de que a legislação prevê casos em que o tomador é responsabilizado pelo recolhimento do FGTS (art. 15, §1º, da Lei 8.036/90), assim como hipóteses de responsabilidade solidária (arts. 30, inciso VI, e 31, caput e seus parágrafos, da Lei nº 8.212/91, e arts. 121, inciso II, art. 124, inciso II, e art. 142, do Código Tributário Nacional).
4. De outra banda, a apelante não combateu o fundamento de que a fiscalização teria se pautado no conceito estrutural de subordinação, em razão da prestação de serviços ter ocorrido na atividade fim. Além das inovações argumentativas acima apontadas, apenas defende a atribuição da Auditoria do Ministério do Trabalho e Emprego, sendo necessária a verificação casuística a respeito da configuração da relação de emprego.
5. Após assentada a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, a Corte Suprema veio a se manifestar sobre situações concretas, onde se destacou a possibilidade de que seja constatada fraude, pois "São lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real; isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação". (Rcl nº 56.285-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso , Primeira Turma, DJe de 30/3/23).
6. Consoante autuação fiscal anterior à reforma trabalhista e também ao julgamento da APDF 324 e do tema 725/STJ, constata-se que esta se pautou essencialmente em entendimento que veio a ser afastado tanto pela ADPF 324, transitada em julgado em 28/09/2021, quanto no julgamento do tema 725/STJ, que superaram o conceito de subordinação estrutural, razão pela qual não há que se falar na respectiva configuração, a menos que verificadas circunstâncias que demonstrassem real subordinação, o que não foi demonstrado no caso concreto, e não somente por decorrência da realização do serviço na atividade-fim. As demais constatações são frágeis, não se prestando a respaldar subordinação desvinculada do fato da prestação do serviço na atividade-fim. E, para demonstração de fraude, não se admitem presunções.
7. Esta 3ª Turma Especializada já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema, mantendo-se a higidez do contrato então analisado, mediante a ausência de provas de que teria havido intermediação irregular de mão de obra: APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026057-32.2013.4.02.5101/RJ, Relator Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, por unanimidade, juntado aos autos em 12/11/2020.
8. Diante dos critérios definidos pelo STJ (AgInt nos EDcl no REsp: 1689022 PR 2017/0187510-0, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, T3, Publicação: DJe 05/03/2018), da sucumbência da apelante e do trabalho adicional realizado em grau recursal pelo advogado do apelado, impõe-se majorar os honorários advocatícios fixados na sentença em 1% (um por cento) na forma do art. 85, §11, do CPC/2015.
9. Apelação conhecida e desprovida." (grifei)
(TRF2, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0500200-65.2016.4.02.5118, 3ª TURMA ESPECIALIZADA, Desembargador Federal PAULO LEITE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/05/2024)
Também não é vedada a contratação de pessoas jurídicas unipessoais:
EMENTA Agravo regimental em reclamação. Tema nº 725 da Repercussão Geral ( RE nº 958.252) e ADPF nº 324. Prestação de serviços na atividade-fim de empresa tomadora de serviço por sociedade jurídica unipessoal. Fenômeno jurídico da “pejotização”. Existência de aderência estrita entre o ato reclamado e os paradigmas do STF. Agravo regimental provido. Reclamação julgada procedente. 1. O tema de fundo, referente à regularidade da contratação de pessoa jurídica constituída como sociedade unipessoal para a prestação de serviço médico, atividade-fim da empresa tomadora de serviços, nos termos de contrato firmado sob a égide de normas do direito privado, por se relacionar com a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho, revela aderência estrita com a matéria tratada no Tema nº 725 da Sistemática da Repercussão Geral e na ADPF nº 324. 2. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego ( CF/88, art. 7º), sendo conferida liberdade aos agentes econômicos para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente, com fundamento no postulado da livre iniciativa ( CF/88, art. 170), conforme julgado na ADC nº 48. 3. Procedência do pedido para afirmar a licitude do fenômeno da contratação de pessoa jurídica unipessoal para a prestação de serviço a empresa tomadora de serviço, destacando-se não somente a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho assentada nos precedentes obrigatórios, mas também a ausência de condição de vulnerabilidade na opção pelo contrato firmado na relação jurídica estabelecida que justifique a proteção estatal por meio do Poder Judiciário. Precedentes. 4. Agravo regimental provido e reclamação julgada procedente.
(STF - Rcl: 57917 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 05/06/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-06-2023 PUBLIC 28-06-2023)
Por fim, apreciando situação similar, decidiu esta Corte pela necessidade de aferição individualizada dos elementos da pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação:
"TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. AUDITOR FISCAL. COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAR, ARRECADAR E COBRAR. ART. 229, §2º DO DECRETO Nº 3.048/99 C/C ART. 6º DA LEI Nº 10.593/2022. SERVIÇOS INTELECTUAIS PRESTADOS DE FORMA PERSONALÍSSIMA PELOS SÓCIOS DE PESSOAS JURÍDICAS CONTRATADAS. ARTIGO 129 DA LEI Nº 11.196/2005. ADC Nº 66. RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. LIBERDADE ECONÔMICA. RESPEITO À OPÇÃO DE CONTRATAÇÃO FEITA ENTRE AS PARTES. PROVIMENTO.
1. Apelação interposta em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado, que objetivava a anulação de lançamento fiscal, bem como da decisão administrativa que o homologou, com a consequente extinção do crédito tributário lançado por meio de NFLD. No mais, condenou a parte autora em honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa, nos termos do § 2º c/c §3º, I, ambos do art. 85, do CPC.
2. O Auditor Fiscal, em sua competência para arrecadar, fiscalizar e cobrar as contribuições sociais, deve enquadrar, no caso concreto, determinada relação jurídica como relação de emprego, caso verifique a presença de seus requisitos. Art. 229, §2º do Decreto nº 3.048/99 c/c art. 6º da Lei nº 10.593/2022.
3. O artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 não impede a avaliação de legalidade e regularidade pela Administração ou pelo Poder Judiciário quanto à opção pela contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais. Nesse rumo, não se pode falar em incompatibilidade do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 com o artigo 229 do Decreto nº 3.048/99. Precedente na ADC 66.
4. No caso, não se pode afirmar que os sócios das prestadoras de serviços contratadas eram empregados da apelante, ou que os serviços teriam sido prestados pelas pessoas jurídicas contratadas.
5. O Relatório Fiscal, na descrição dos fatos que motivaram a lavratura da NFLD, evidencia que a fiscalização atuou contra o fenômeno da "pejotização" de forma generalizada, uma vez que, mais adiante, não se encontram elementos concretos, individualizados, que apontem burla à legislação fiscal, previdenciária ou trabalhista.
6. No voto do Relator do Acórdão do CARF, embora vencido, fica claro que os elementos da pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação "deveriam ser apreciados individualmente para cada trabalhador, os quais poderiam vir a reforçar às conclusões da Auditoria quanto à ocorrência do liame de emprego, jamais serem utilizados para caracterizá-la de forma genérica".
7. A r. sentença merece ser reformada, pois o Fisco não comprovou, de forma individualizada, a presença dos elementos caracterizadores de relação empregatícia entre a autora e as empresas prestadoras de serviços intelectuais (Tecnologia da Informação), devendo ser respeitada a opção de contratação feita entre as partes, em observância à "perspectiva de densificação da liberdade de organização da atividade econômica empresarial", na linha do entendimento da e. Ministra Carmen Lúcia, Relatora da ADC nº 66.
8. Em relação aos honorários advocatícios, segundo a jurisprudência do E. STJ, a reforma integral da sentença acarreta a inversão do ônus da sucumbência.
9. Apelação a que se dá provimento."
(TRF2, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012040-92.2016.4.02.5001/ES, Rel. Juiz Convocado MAURO LUIS ROCHA LOPES, por unanimidade, juntado aos autos em 19/4/2024)
Pois bem.
In casu, tenho que a autuação revela ter sido considerado o fato da prestação do serviço na atividade-fim, o que, na oportunidade, seria vedado pela Súmula 331/TST, atualmente superada.
Como visto, os efeitos do julgamento da ADPF 324 são retroativos, além das disposições da Lei 13.429/2017 (altera dispositivos da Lei n o 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros) aplicarem-se às relações anteriores à sua vigência.
Assim, em casos como o presente, para se afastar a legalidade da contratação por meio de empresa terceirizada, imprescindível que a fiscalização tenha constatado a presença dos requisitos do art. 3º, caput, da CLT (realização por pessoa física, pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade), além da presença da vulnerabilidade/hipossuficiência do prestador.
Por fim, acaso estejam presentes tais requisitos, o caso ensejaria responsabilidade subsidiária da contratante, pressupondo-se, para tanto, a sua participação no processo judicial, bem como a sua inclusão no título executivo judicial, conforme assentado na ADPF 324.
Contudo, como tal questão não foi suscitada, entendo que a avaliação da responsabilidade subsidiária da autora ensejaria julgamento ultra petita, o que não se admite.
Desta forma, uma vez superado o fundamento da autuação pautado na subordinação estrutural (decorrente da realização do serviço na atividade-fim), há de se avaliar, inicialmente, se os requisitos do art. 3º, caput, da CLT se faziam de fato presentes.
É certo, ainda, que "O auto de infração é ato administrativo e, como tal, é dotado da presunção juris tantum de legalidade e veracidade, somente elididas por prova em contrário" (TRF-2 - AC: 00144108920034025101 RJ 0014410-89.2003.4.02.5101, Relator: LUIZ PAULO DA SILVA ARAUJO FILHO, Data de Julgamento: 27/07/2011, 5ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 05/08/2011).
Ainda neste sentido, dispõe o art. 629 da CLT:
"Art. 629 - O auto de infração será lavrado em duplicata, nos termos dos modelos e instruções expedidos, sendo uma via entregue ao infrator, contra recibo, ou ao mesmo enviada, dentro de 10 (dez) dias da lavratura, sob pena de responsabilidade, em registro postal, com franquia e recibo de volta.
§ 1º O auto não terá o seu valor probante condicionado à assinatura do infrator ou de testemunhas, e será lavrado no local da inspeção, salvo havendo motivo justificado que será declarado no próprio auto, quando então deverá ser lavrado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de responsabilidade.
§ 2º Lavrado o auto de infração, não poderá ele ser inutilizado, nem sustado o curso do respectivo processo, devendo o agente da inspeção apresentá-lo à autoridade competente, mesmo se incidir em erro.
§ 3º O infrator terá, para apresentar defesa, o prazo de 10 (dez) dias contados do recebimento do auto.
§ 4º O auto de infração será registrado com a indicação sumária de seus elementos característicos, em livro próprio que deverá existir em cada órgão fiscalizador, de modo a assegurar o controle do seu processamento."
O Decreto n.º 4.552/2002, que regulamenta a Inspeção do Trabalho, estabelece, ainda, que o valor probante do auto de infração não está condicionado à assinatura do infrator ou de testemunhas:
Art. 24. A toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade, a lavratura de auto de infração, ressalvado o disposto no art. 23 e na hipótese de instauração de procedimento especial de fiscalização.
Parágrafo único. O auto de infração não terá seu valor probante condicionado à assinatura do infrator ou de testemunhas e será lavrado no local da inspeção, salvo havendo motivo justificado que será declarado no próprio auto, quando então deverá ser lavrado no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de responsabilidade.
Portanto, via de regra, uma vez que a autoridade fiscal conclui pela existência dos requisitos da relação de emprego, compete à contratante autuada afastar a presunção de legalidade e veracidade do que restou assentado no auto de infração, mediante prova em sentido contrário.
Neste sentido:
"AUTO DE INFRAÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INVALIDADE. Revestidos de presunção relativa de veracidade, em razão de sua natureza de ato administrativo, cabe à empresa autora o ônus de desconstituir o auto de infração, que se encontra revestido das formalidades legais."
(TRT da 8ª Região; Processo: 0000137-52.2021.5.08 .0016 AP; Data: 29/04/2022; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator.: GABRIEL NAPOLEAO VELLOSO FILHO)
Ademais, o débito encontra-se inscrito em dívida ativa, gozando, portanto, de presunção de certeza e liquidez, o que confere ao devedor o ônus de afastá-la, mediante prova inequívoca em sentido contrário, consoante art. 3º da Lei 6.830/80 e art. 204 do CTN.
Não se pode olvidar, contudo, que a Corte Suprema assentou o entendimento de que a terceirização da atividade-fim não revela intuito fraudulento, a menos que evidenciada a presença dos requisitos do art. 3º da CLT, o que, a toda evidência, não pode resultar de presunção, já que a fraude não pode ser presumida.
Neste passo, verifico que consta do auto de infração a verificação de presença dos requisitos do art. 3º, caput, da CLT.
Por outro lado, a parte autora, ora Apelante, aduz que se tratam de contratados terceirizados (conforme contratos constantes do processo administrativo juntado aos autos), pleiteando-se pela realização de prova oral para demonstrar a inexistência de fato dos requisitos da relação empregatícia, mas, uma vez designada audiência e sem comparecimento da parte autora, seu advogado e suas testemunhas arroladas, foi dispensada a produção da prova oral pela sentença ora apelada.
Consoante relatado, a prova testemunhal fora deferida por esta Corte, em sede de apelação, por se entender que se trata de matéria da fato e tais informações são diretamente relacionadas à alegação de fraude, de sorte que não se poderia negar à parte autora, para combater a respectiva veracidade, o mesmo meio de prova.
Contudo, retornando à origem, a prova não foi realizada, ante o não comparecimento à audiência. E a nulidade das intimações restou afastada no item 4.1 supra.
Resta aferir, desta forma, se a prova documental constante dos autos é suficiente.
No que toca à SUBORDINAÇÃO, como visto, observa-se que foi considerado o fato da prestação dos serviços aos clientes da contratante em atividades inerentes à sua própria finalidade social, para o que seria imprescindível a subordinação direta, "com ordens e direções diretas, ou mesmo com controle da jornada de trabalho" (evento 53.2, fls. 86-87).
Corroboram tal constatação os seguintes trechos da decisão administrativa:
evento 71, PET8, fl. 11

evento 71, PET8, fl. 17:

evento 71, PET8, fl. 18:

evento 71, PET8, fl. 20:

(...)

evento 71, PET8, fl. 21:

Conforme destacado no âmbito do processo administrativo 46215.007190/2013-02, a questão da subordinação, já apreciada no processo administrativo nº 46215.007189/2013-70, pautou-se no conceito de subordinação estrutural, ou seja, "aquela que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica da atividade econômica do tomador de seus serviços, pouco importando se receba ou não ordens diretas deste, mas, sim se a empresa o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento" (evento 53, OUT2, fl. 88).
Neste passo, quanto à subordinação, tenho que a fundamentação reside precipuamente no fato da prestação do serviço na atividade-fim, o que, como visto, não mais se admite.
Noutro giro, as entrevistas realizadas apontariam no sentido de inexistência de distinção de tratamento, por parte da autuada, entre eles ('prestadores') e os empregados registrados, e seriam recebidos benefícios como vale-refeição, férias, décimo terceiro salário (que poderia ser corroborado por análise da DIRF), plano de saúde e licença médica.
"Em entrevista realizada, os empregados encontrados sem registro confessaram a contratação por meio de pessoa jurídica interposta. Entretanto, alegaram não haver distinção de tratamento, por parte da AUTUADA, entre eles ('prestadores') e os empregados registrados. Sendo assim, apesar de serem 'pejotas', os empregados encontrados sem registro alegaram receber vale-refeição, férias, décimo terceiro salário, que pode ser corroborado por elo da análise da DIRF, plano de saúde e licença médica." (evento 71, PET6, p. 5)
É certo que a autora não produziu a contraprova de mesma espécie das referidas entrevistas. De toda forma, tais entrevistas são apenas indícios da relação empregatícia e, portanto, demandam um maior suporte probatório das informações obtidas desta forma.
Neste sentido, o E. STF afastou a autuação fundada em depoimentos, ignorando-se o pacto contratual, sendo reconhecida, na oportunidade, afronta à autoridade das decisões proferidas na ADPF 324/DF e no RE 958.252 RG/MG – Tema 725/RG (Recl 62.648, Ministro Cristiano Zanin, DJE 06/10/2023).
In casu, a análise dos documentos que o auditor fiscal relatou terem sido verificados não se prestam com clareza a demonstrar a correção da autuação (contrato social da autora, contratos de terceirização, CAGED e CNPJ das PJ´s prestadoras, DIRF's da autora, contendo retenção de imposto de renda na fonte, quanto a parte dos "prestadores” e parte das PJ’s).
Ainda que parte da documentação solicitada não tenha sido apresentada pela autuada ("parte dos contratos de prestação de serviços solicitados, contratos sociais e DCTF (...) do ano-calendário 2012"), é necessária a presença de todos os requisitos da relação de empresa, o que não se admite somente com base em depoimentos.
Quanto aos documentos verificados, não há comprovação integral nem mesmo dos benefícios que teriam sido relatados pelos prestadores (vale-refeição, férias, décimo terceiro salário, plano de saúde e licença médica).
Pelo contrário, as DIRF's (2007 a 2011) apontam apenas que foi retido imposto de renda, inclusive decimo terceiro, em nome de:
- Carlos Felipe Ribeiro Gomes: 2007 (evento 70, PET4, fl. 13) e janeiro a maio de 2008 (evento 70, PET6, fl. 4);
- Claudia Mattos Andrade: 2007 (evento 70, PET4, fl. 3) e janeiro/2008 (evento 70, PET6, fl. 4).
Tais retenções operaram-se antes da abertura da PJ (TRES COMUNICAÇÃO LTDA (evento 70, PET2, fl. 24) e TREZE COMUNICAÇÃO LTDA (evento 70, PET2, fl. 25), respectivamente.
Mas, com relação aos demais prestadores, não se observou nenhuma retenção no CPF.
Constata-se, ainda, que os seguintes contratos contem cláusula acerca da possibilidade de substituição dos prestadores, o que revela a inexistência de PESSOALIDADE:
- ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA (Ana Christina da Rocha Pereira) (evento 70, PET3, fl. 6);
- FRV PUBLICIDADE - ME (Fabio Rodrigues Vinha) (evento 70, PET3, fl. 17);
- LELE TEXTOS CRIATIVOS LTDA - ME (Ana Letícia Gutman Tosta Paranhos) (evento 70, PET3, fl. 29);
-NC IZUKAWA MARKETING E PROPAGANDA LTDA - ME (Noemy Izukawa) (evento 70, PET3, fl. 35).
Confira-se o teor da cláusula 1.5 do contrato de ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA, de igual teor nos demais contratos acima mencionados (evento 70, PET3, fl. 6):

E não consta do relatório do auditor fiscal que tenham sido sequer obtidas informações que contraponham tal cláusula à realidade dos fatos, sendo certo que a igualdade de tratamento que teria sido relatada pelos prestadores é descrição muito genérica para tal finalidade.
Registre-se, ainda, que a Autora reteve imposto de renda em nome dos referidos CNPJ's somente após a assinatura do contrato de terceirização:
PESSOA JURÍDICA | CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO | RETENÇÃO NO CNPJ |
AR COMUNICAÇÃO E SERVIÇOS PARA PUBLICIDADE LTDA / ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA *Ana Christina da Rocha Pereira
| 05/07/2010 (evento 71, PET6 fls. 23-33) | - julho a dezembro de 2007 - evento 70, PET4, fls. 179 e 256 - 2008 - evento 70, PET6, fl. 206 e 339 |
FRV PUBLICIDADE - ME *Fabio Rodrigues Vinha | 14/08/2007 (evento 70, PET3 fls. 11-21) | - outubro a dezembro de 2007 - evento 70, PET4, fls. 192 e 279 - 2008 - evento 70, PET6, fls.241 e 367) |
LELE TEXTOS CRIATIVOS LTDA - ME *Ana Letícia Gutman Tosta Paranhos | 30/08/2007 (evento 70, PET3 fls. 28-33) | - novembro a dezembro de 2007 - evento 70, PET4, fls. 193 e 280 - 2008 - evento 70, PET6, fls.242 e 368 |
NC IZUKAWA MARKETING E PROPAGANDA LTDA - ME *Noemy Izukawa | 16/07/2007 (evento 70, PET3 fls.34-63) | - julho a dezembro de 2007 - evento 70, PET4, fls. 188 e 297 - 2008 - evento 70, PET6, fls.231 e 361 |
Quanto à ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA, ECM SERVIÇOS DE MÍDIA E PLANEJAMENTO LTDA, OPENING MF MARKETING LTDA - EPP, PROPRIEDADE INTELECTUAL COMUNICAÇÃO LTDA, TRÊS COMUNICAÇÃO LTDA e TREZE COMUNICAÇÃO LTDA, existe cláusula para que qualquer solicitação da contratante seja feita diretamente aos sócios da contratada, de sorte que não haja intervenção da GIOVANNI + DRAFT LTDA (antiga denominação da autora) no trabalho e/ou funções desenvolvidas pelos empregados ou prepostos da contratada (cláusula 1.4).
A exemplo, evento 70, PET3, fl. 10:

Novamente, a igualdade de tratamento que teria sido relatada pelos prestadores é descrição muito genérica e que, portanto, não tem o condão de comprovar que a realidade da relação de fato encetada entre os prestadores e a contratante se operaria de forma diversa.
Nos seguintes casos, além de tal circunstância, que corrobora a inexistência de subordinação, também se observa outras circunstâncias que enfraquecem a configuração da relação de emprego:
- ECM SERVIÇOS DE MÍDIA E PLANEJAMENTO LTDA:
(i) as solicitações devem ser feitas diretamente aos sócios das prestadoras (evento 70, PET3, fl. 10);
(ii) o CNPJ é quatro anos anterior ao contrato de terceirização (evento 70, PET2 e evento 70, PET3);
- OPENING MF MARKETING LTDA - EPP:
(i) as solicitações devem ser feitas diretamente aos sócios (evento 70, PET3, fl. 10);
(ii) o CNPJ é cinco anos anterior ao contrato de terceirização (evento 70, PET2 e evento 70, PET3);
(iii) houve retenção de imposto de renda somente no CNPJ da prestadora e antes de ser assinado o contrato de terceirização (evento 70, PET6, fls. 182 e 262, e evento 70, PET3, fls. 40-45).
- PROPRIEDADE INTELECTUAL COMUNICAÇÃO LTDA:
(i) as solicitações devem ser feitas diretamente aos sócios (evento 70, PET3, fl. 46);
(ii) o CNPJ é dois anos anterior ao contrato de terceirização (evento 70, PET2 e evento 70, PET3);
(iii) houve retenção de imposto de renda somente no CNPJ da prestadora e antes de ser assinado o contrato de terceirização (evento 70, PET6, fls. 266 e 390, e evento 70, PET3, fls. 46-51).
Registre-se, ainda, que não consta dos autos a comprovação de que os prestadores seriam os próprios representantes legais.
Entretanto, Claudia Mattos Andrade (TRES COMUNICAÇÃO LTDA) e Carlos Felipe Ribeiro Gomes (TREZE COMUNICAÇÃO LTDA) tiveram retenção de imposto de renda no CPF, inclusive décimo terceiro, antes mesmo da abertura do CNPJ e da assinatura do contrato, atos jurídicos ocorridos na mesma ocasião:
PESSOA JURÍDICA | ABERTURA DO CNPJ | CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO | RETENÇÃO NO CPF |
TRES COMUNICAÇÃO LTDA - ME *Claudia Mattos | 31/01/2008 (evento 70, PET2, fl. 24) | 01/02/2008 (evento 70, PET3 - fls. 52-57) | - 2007 (evento 70, PET4, fl. 3) - janeiro/2008 (evento 70, PET6, fl. 4) |
TREZE COMUNICAÇÃO LTDA - ME *Carlos Felipe Ribeiro Gomes | 11/07/2008 (evento 70, PET2, fl. 25) | 11/07/2008 (evento 70, PET3 - fls. 58-63) | - 2007 (evento 70, PET4, fl. 13) - janeiro a maio de 2008 (evento 70, PET6, fl. 4) |
De toda forma, em todos os casos, não foi possível constatar a vulnerabilidade, por ausência de informações suficientes.
E, como já demonstrado, o contrato de terceirização traz vantagens para ambas as partes, que devem avalia-las por oportunidade do exercício da liberdade contratual.
Desta forma, não se trata de mera contratação de funcionário sem registro, sendo relevante, como destacado, o fato de que tal espécie de contrato é encetado dentro da perspectiva da liberdade contratual, dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, prestando-se, ainda, à valorização do trabalho, consoante entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal.
E acaso se tratem, de fato, dos sócios-administradores / CPF responsáveis, razão a mais para não se ter por demonstrada a contento a vulnerabilidade.
De outra banda, a cláusula de não competitividade, por si só, também não afasta a validade do contrato de terceirização.
Trata-se de proibição, por mútuo consentimento, de participar ou ajudar, de qualquer forma, pessoa física ou jurídica concorrente, restrição que em nada se relaciona com os requisitos da relação de emprego, sendo certo que a pessoalidade necessária para tanto é aquela atinente à pessoa física, posto que só esta pode figurar como empregada, a teor do art. 3º da CLT.
Acrescente-se que as DIRF's analisadas indicam que, entre 2007 e 2011, a autora declarou mais de 200, 300 e, por fim, mais de 400 pessoas físicas beneficiárias na retenção de imposto de renda, e outras mais de 300, 400 e até mesmo 500 pessoas jurídicas beneficiárias, mas apenas 10 (dez) trabalhadores foram considerados com irregularidade contratual:
2007 (evento 70.5):
2008 (evento 70.7):

2009 (evento 71.1):

2010 (evento 71.3):
2011 (evento 71.5):

Ademais, a autora acostou certidão negativa de débitos trabalhistas emitida após o ajuizamento do feito, revelando que, malgrado o teor das entrevistas relatadas (igualdade de tratamento), não houve reclamações trabalhistas (evento 63.2).
A inexistência de vínculos no CAGED (evento 70.2, fl. 6 a 15), por seu turno, é dado circunstancial que não afasta a constatação de ausência de um ou mais requisitos da relação de emprego, até mesmo porque não é vedada a contratação de sociedade unipessoal, sendo indiferente, para tal mister, a princípio, o formato oficial da sociedade, como se observa dos CNPJs acostados aos autos.
Exceto por aqueles que tiveram retenção no CPF antes mesmo da abertura do CNPJ e da assinatura do contrato, casos em que também se observou que tais atos ocorreram na mesma época, quanto aos demais, a coincidência das datas, ou a abertura do CNPJ após a assinatura do contrato, também é insuficiente.
Destaco que, no julgamento do já citado precedente constituído na APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026057-32.2013.4.02.5101/RJ, desta 3ª Turma Especializada, restaram confirmadas as conclusões da sentença, que asseverou que "não se leva em conta a mera subordinação estrutural ou indireta, que, aliás, é inerente à própria terceirização, sendo necessário estar comprovada nos autos a subordinação hierárquica direta, presencial ou por via telemática, do trabalhador aos prepostos da tomadora".
Neste sentido, também ficou assentado que "tampouco caracteriza a suposta subordinação o fato de ter sido fixado o horário do serviço prestado, durante sete dias da semana, inclusive em feriados, senão que a empresa contratada teria de criar uma escala entre seus funcionários para prestar o serviço de fisioterapia ininterruptamente", afastando-se o fato de haver cláusula prevendo a observância das rotinas estabelecidas pela contratante, bem como a existência de pessoalidade.
Nem mesmo a previsão de que os nomes dos prestadores deveriam ser previamente submetidos à Tomadora foi suficiente.
Ademais, no referido caso, as empresas contratadas também não possuíam registro de funcionários (CAGED). E os prestadores foram contratados como autônomos (evento 2.2, fl. 4).
É de se consignar que, quanto à ONEROSIDADE e a HABITUALIDADE, demais requisitos da relação de emprego, aquela encontra-se presente em ambos os tipos de contrato, e a habitualidade também pode estar presente, sem que tais circunstâncias descaracterizem a terceirização.
De toda forma, observa-se que a habitualidade também foi considerada presente, como decorrência da prestação do serviço na atividade-fim (evento 53, OUT2, fl. 87), o que, como visto, não é fundamento válido.
Seja como for, ausente um ou mais dos requisitos da relação de emprego, como ocorre no presente caso, esta não pode ser considerada configurada.
Por fim, quanto a LILICA COMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA - ME (Lisia Pimentel), não foi localizado nenhum documento, exceto pela DIRF de 2008, comprovando retenção no CNPJ (evento 70, PET6, fls.213 e 345). Assim, nada há que possa corroborar as conclusões do auditor fiscal.
Pelos motivos acima expostos, deve ser afastada a autuação com relação às pessoas abaixo elencadas, por ter sido pautada no conceito de subordinação estrutural que não mais se admite, sendo certo que, apesar de não produzida contraprova da mesma espécie das entrevistas, a verificação dos requisitos do art. 3º da CLT não foi suficiente, pois não foram corroboradas as informações que teriam sido obtidas em tais entrevistas, não se configurando, portanto, a relação de emprego:
(i) ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA (Ana Christina da Rocha Pereira): não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade, e previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
(ii) ECM SERVIÇOS DE MIDIA E PLANEJAMENTO LTDA - EPP (Erica Campbell Mesquita): não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, e o contrato contem previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
(iii) FRV PUBLICIDADE - ME (Fabio Rodrigues Vinha): não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade;
(iv) LELE TEXTOS CRIATIVOS LTDA - ME (Ana Letícia Gutman Tosta Paranhos): não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade;
(v) NC IZUKAWA MARKETING E PROPAGANDA LTDA - ME: não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade;
(vi) OPENING MF MARKETING LTDA - EPP (Carlos Felipe Rodrigues Marques da Silva): não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, e o contrato contem previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
(vii) PROPRIEDADE INTELECTUAL COMUNICAÇÃO LTDA ME (Luis Daniel Paulos Brito): não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, e o contrato contem previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
(viii) LILICA COMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA - ME (Lisia Pimentel): nada há que possa corroborar as conclusões do auditor fiscal a partir da entrevista com a referida prestadora, pois não foi localizado nenhum documento, exceto pela DIRF de 2008, comprovando retenção no CNPJ (evento 70, PET6, fls.213 e 345).
Contudo, nas situações adiante, as provas constantes dos autos não permitem afastar a autuação, pois houve retenção de imposto de renda no CPF, inclusive décimo terceiro, por mais de um ano antes da abertura do CNPJ e da assinatura do contrato, atos jurídicos ocorridos na mesma ocasião, delineando contexto que constitui forte indicativo de que os "prestadores" já eram funcionários da Autora, ainda que sem registro, quando abriram a pessoa jurídica e firmaram o contrato de terceirização com a mesma empresa na qual trabalhavam:
(i) TRES COMUNICAÇÃO LTDA - ME (Cláudia Mattos);
(ii) TREZE COMUNICAÇÃO LTDA - ME (Carlos Felipe Ribeiro Gomes).
5. Dos ônus sucumbenciais:
Nos termos do parágrafo único do art. 86 do CPC, se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários.
No caso em tela, a União sucumbiu quanto à anulação de 08 (oito) dos 10 (dez) débitos, consoante número de prestadores de serviços que teriam sido considerados empregados pelo auto de infração, de sorte que a Autora, ora Apelante, sucumbiu em parte mínima dos pedidos.
Assim, quanto ao reembolso das custas processuais, nos termos do artigo 86, parágrafo único do CPC/2015, a sentença também deve ser reformada, para, ante a sucumbência mínima da Apelante, condenar a União no respectivo reembolso em favor da Autora.
Ademais, ante o provimento parcial da apelação da parte autora, impõe-se a readequação dos honorários de sucumbência, afastando-se a condenação sobre o valor da causa, os quais deverão incidir sobre o proveito econômico obtido, mantidos os percentuais mínimos previstos no art. 85, §3º, do CPC.
EM SUMA:
(i) inexiste nulidade processual e cerceamento de defesa, dada a validade das intimações eletrônicas realizadas via e-Proc e a responsabilidade do advogado quanto à intimação das testemunhas, sendo correta a dispensa da prova (CPC, art. 362, II e §§ 1º e 2º, do CP);
(ii) em que pese o disposto no art. 114 da CF e no art. 39 da CLT, consoante jurisprudência do E. STJ, da Justiça Trabalhista e desta Corte Regional, o auditor fiscal do trabalho é competente para reconhecimento de relação de emprego e lavratura do auto de infração cabível, no exercício do poder de polícia que lhe confere a legislação, inclusive sob pena de responsabilização, não havendo que se falar na usurpação da função jurisdicional (CF, art. 21, XXIV; CLT, arts. 626 e 628; Lei nº 10.593/2002, art. 11; Lei nº 9.649/1998, art. 14, XIX, 'c');
(iii) conforme a ADC nº 66, a opção pela contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços intelectuais, nos termos do art. 129 da Lei nº 11.196/2005, não impede a análise da legalidade da contratação pela Administração Pública ou pelo Judiciário.
(iv) não há que se falar em ofensa ao contraditório ou à ampla defesa, vez que, malgrado não tenham constado da notificação NDFC 200.067.796, os requisitos da relação de emprego foram relatados por oportunidade das decisões administrativas e foi rejeitado o recurso administrativo quanto ao Auto de Infração originário (CLT, art. 41), pautado nos mesmos fatos, sendo certo, ainda, que a Apelante não interpôs recurso da decisão que rejeitou sua defesa a respeito da NDFC 200.067.796 (FGTS), objeto do presente feito;
(v) fica afastada a relação de emprego quanto a Ana Christina da Rocha Pereira (ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA ), Erica Campbell Mesquita (ECM SERVIÇOS DE MIDIA E PLANEJAMENTO LTDA - EPP), Fabio Rodrigues Vinha (FRV PUBLICIDADE - ME), Ana Letícia Gutman Tosta Paranhos (LELE TEXTOS CRIATIVOS LTDA - ME), Noemy Izukawa (NC IZUKAWA MARKETING E PROPAGANDA LTDA - ME), Carlos Felipe Rodrigues Marques da Silva (OPENING MF MARKETING LTDA - EPP); Luis Daniel Paulos Brito (PROPRIEDADE INTELECTUAL COMUNICAÇÃO LTDA ME) e Lisia Pimentel (LILICA COMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA - ME), pelas seguintes razões:
- após a autuação, pautada na Súmula 331/TST, a ADPF nº 324 e o tema 725/STF assentaram o entendimento de que é legal e constitucional a terceirização da atividade-fim (antes e depois da reforma trabalhista), a qual, por si só, não revela intuito fraudulento;
- não houve restrição da eficácia da decisão proferida na ADPF 324, como faculta o art. 11 da Lei 9.882/99;
- trata-se de contrato encetado dentro da perspectiva da liberdade contratual, dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, prestando-se, ainda, à valorização do trabalho, consoante entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal;
- também segundo o E. STF, é possível a constatação de fraude em tal espécie de contratação, sendo necessária, para fins de caracterização da relação empregatícia, adicionalmente aos requisitos do art. 3º, caput, da CLT, que devem ser aferidos de forma individualizada, a análise da vulnerabilidade/hipossuficiência;
- não é vedada a contratação de pessoas jurídicas unipessoais, devendo-se aplicar o mesmo raciocínio ao presente caso, onde as PJ's não contem vínculos no CAGED (suposta aparência de abertura no CNPJ apenas para aparentar prestação do serviço terceirizado);
- o auto de infração é dotado da presunção juris tantum de legalidade e veracidade, somente ilididas por prova em contrário, a cargo do autuado;
- insubsistente a subordinação estrutural, ainda que não tenha sido produzida a contraprova, de mesma espécie, das informações colhidas nas entrevistas (igualdade de tratamento), trata-se apenas de indícios, que não foram integralmente corroborados pela documentação analisada (contrato social da autora, contratos de terceirização, CAGED e CNPJ das PJ´s prestadoras, DIRF's da autora, contendo retenção de imposto de renda na fonte, quanto a parte dos "prestadores” e parte das PJ’s);
- ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA (Ana Christina da Rocha Pereira): só houve retenção de imposto de renda no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade, e previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
- ECM SERVIÇOS DE MIDIA E PLANEJAMENTO LTDA - EPP (Erica Campbell Mesquita): só houve retenção de imposto de renda no CNPJ, e o contrato contem previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
- FRV PUBLICIDADE - ME (Fabio Rodrigues Vinha): só houve retenção de imposto de renda no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade;
- LELE TEXTOS CRIATIVOS LTDA - ME (Ana Letícia Gutman Tosta Paranhos): só houve retenção de imposto de renda no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade;
- NC IZUKAWA MARKETING E PROPAGANDA LTDA - ME (Noemy Izukawa): só houve retenção de imposto de renda no CNPJ, após assinatura do contrato, que contem cláusula de substituição, afastando a pessoalidade;
- OPENING MF MARKETING LTDA - EPP (Carlos Felipe Rodrigues Marques da Silva): só houve retenção de imposto de renda no CNPJ, e o contrato contem previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
- PROPRIEDADE INTELECTUAL COMUNICAÇÃO LTDA ME (Luis Daniel Paulos Brito): não houve retenção de imposto de renda no CPF, somente no CNPJ, e o contrato contem previsão de solicitação diretamente aos sócios da contratada;
- LILICA COMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA - ME (Lisia Pimentel): não foi localizado nenhum documento, exceto DIRF de 2008, comprovando retenção no CNPJ;
(vi) ante o provimento parcial da apelação da parte autora, que sucumbiu em parte mínima dos pedidos:
- promovo a readequação da base de cálculo dos honorários de sucumbência, fixados sobre o valor da causa, devendo incidir sobre o proveito econômico obtido, mantidos os percentuais mínimos previstos no art. 85, §3º, do CPC;
- condeno a União no reembolso das custas processuais.
6. Conclusão:
Merece, portanto, ser parcialmente reformada a sentença apelada, para afastar o reconhecimento da relação de emprego apenas quanto a Ana Christina da Rocha Pereira (ANA ROCHA DESIGN E SERVICOS PARA PUBLICIDADE LTDA), Fabio Rodrigues Vinha (FRV PUBLICIDADE - ME), Ana Letícia Gutman Tosta Paranhos (LELE TEXTOS CRIATIVOS LTDA - ME), Noemy Izukawa (NC IZUKAWA MARKETING E PROPAGANDA LTDA - ME) e Lisia Pimentel (LILICA COMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA - ME), anulando-se parcialmente a autuação da autora em relação à ausência de depósito do FGTS no período de 01/2008 a janeiro/2013 (auto de infração 200.303.180).
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação.